sexta-feira, 25 de maio de 2018

Acuado, governo vai subsidiar diesel e greve é suspensa

Após País sentir efeitos do desabastecimento, Planalto e 8 das 11 entidades de caminhoneiros anunciam suspensão da paralisação Preço do diesel será fixado em R$ 2,10 por 30 dias Governo pedirá ao Congresso crédito extra de R$ 4,9 bi para este ano

- O Estado de S. Paulo.

Pressionado depois de quatro dias de paralisação dos caminhoneiros, com cenas de desabastecimento e caos em todo o País, o governo cedeu mais uma vez ontem e representantes do movimento concordaram em dar uma trégua de 15 dias na greve. A equipe econômica criou uma câmara de compensação para subsidiar o preço do diesel e permitir que seja reajustado apenas a cada 30 dias. Para isso, o governo pedirá ao Congresso crédito extra de R$ 4,9 bilhões para este ano – o recurso sairá do cancelamento de outras despesas, que não foram especificadas. O litro do combustível ficará congelado em R$ 2,10 nos próximos 30 dias. Nos primeiros 15 dias, a diferença em relação à cotação no mercado internacional será bancada pela Petrobrás e, nos 15 seguintes, pelo governo. Depois disso, a Petrobrás manterá a política atual de reajuste, e a diferença de preço será subsidiada. Oito das 11 entidades dos caminhoneiros concordaram com os termos do acordo.

Após uma paralisação de quatro dias que provocou desabastecimento e caos em todo o País, os caminhoneiros decidiram suspender, por pelo menos 15 dias, seu movimento. O acordo foi anunciado ontem à noite pelo governo. Depois desses 15 dias, haverá uma nova reunião entre caminhoneiros e governo para avaliar se as promessas do Planalto estão sendo cumpridas.

A proposta acertada ontem prevê que o preço do óleo diesel ficará fixo em R$ 2,10, na refinaria, por 30 dias. Depois disso, será criada uma câmara de compensação para permitir que o preço suba apenas uma vez por mês. E a variação não será repassada integralmente aos motoristas: será criada uma câmara de compensação, com orçamento de R$ 4,9 bilhões, para subsidiar o produto e permitir que a Petrobrás mantenha sua política atual de aumento de preços. Ou seja, em última instância, a conta será paga pelo contribuinte.

A suspensão da greve evita o agravamento de um quadro que se configurava a cada dia mais caótico. O Brasil é um país extremamente dependente do transporte rodoviário. Sem os caminhões, começava-se a viver um grave desabastecimento. Postos de gasolina ficaram sem combustíveis, os alimentos não estavam chegando aos mercados, as fábricas estavam parando por falta de insumos. Mesmo com o acordo, a normalização desse quadro deve demorar.

Contribuinte pagará conta do diesel mais barato para caminhoneiros

Acordo com caminhoneiros custará R$ 5 bilhões

Governo terá de cortar despesas para bancar custo da Petrobras de reduzir preço do diesel

Talita Fernandes , Laís Alegretti, JulioWiziack e Daniel Carvalho | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo cedeu mais uma vez à pressão dos caminhoneiros e decidiu fechar um acordo que custará aos cofres da União, segundo estimativas da área econômica, cerca de R$ 5 bilhões para garantir que os reajustes de preços do diesel sejam mensais e não diários até o final deste ano.

Inicialmente, os caminhoneiros não aceitaram a proposta do governo, que só pretendia zerar a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre o diesel.

Com o avanço dos protestos, que comprometeram a distribuição de mercadorias e combustíveis no país, a Petrobras anunciou, na quarta (23), descontos de 10% no diesel nas refinarias por 15 dias para dar tempo ao governo negociar com o setor.

Isso não foi suficiente para atender ao principal pedido dos caminheiros: a previsibilidade dos reajustes de preços. O acordo só saiu quando o governo cedeu e se comprometeu a garantir descontos de 10% por mais 15 dias –que custarão R$ 350 milhões– e assumiu subsidiar a Petrobras, que passará a fazer reajustes mensais em vez de repassar as variações de preço diariamente para as refinarias, como funciona hoje. Esse arranjo deve vigorar até o final deste ano.

O acordo não significa que o movimento será interrompido em sua totalidade já a partir desta sexta-feira, 25. Uma fração dos representantes da categoria, não subscreveu o documento do governo.

O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, afirmou que o acordo não compromete a autonomia da Petrobras em definir sua política de preço.

“Não haverá prejuízo e isso [o reajuste mensal] terá custo [para a União]”, disse o ministro. “Os preços vão variar de acordo com as cotações do petróleo e do câmbio. Isso significa que pode subir mas também pode cair.”

O ministro estimou que será preciso contar com R$ 4,9 bilhões para fazer essa compensação para a Petrobras até o final deste ano, forma de garantir a previsibilidade de reajustes de preços para os caminhoneiros.

Guardia afirmou que o Congresso terá de aprovar um pedido de crédito extraordinário de recursos para que o acordo possa ser implementado. Para isso, a Fazenda e o Planejamento terá de indicar as fontes de receitas, uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal.

“Vamos ter de fazer cortes de despesas para absorver isso”, disse Guardia.

Os caminhoneiros conseguiram incluir outras reivindicações. O setor ficará fora da reoneração da folha até dezembro de 2020, terão isenção de pedágio em rodovias federais para eixos suspensos e os caminhoneiros autônomos terão garantidos 30% do frete da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que coordenou as negociações, disse que está prevista uma nova rodada de negociação em 15 dias. Até lá, os representantes dos caminhoneiros se comprometem a suspender a greve.

Sob pressão geral, governo temia novo junho de 2013

Em menos de uma semana, gestão Temer perdeu controle de agenda econômica e se tornou refém do Congresso

Gustavo Uribe, Daniel Carvalho | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente Michel Temer começou a semana com a esperança de que, ao desistir de ser candidato à reeleição, diminuiriam os ataques até o final de seu mandato. Ele chega a esta sexta (25) em situação oposta: protagonista de uma das maiores crises desde que assumiu o Planalto. E desafiado pelas lideranças do Congresso.

Em menos de cinco dias, perdeu o controle da agenda econômica, voltou a ser refém do Legislativo e passou a lidar com o temor de ver sua elevada rejeição se materializar em protestos por causa do desabastecimento.

Temerosa com o fracasso das negociações com o movimento grevista, a equipe presidencial avaliava nesta quinta (24) que o episódio, se não fosse controlado, teria potencial para se tornar um novo junho de 2013, quando a população protestou nas ruas contra o preço do transporte público.

O cenário adverso contaminou até mesmo a pré-campanha do presidenciável do MDB, Henrique Meirelles, que passou a ser cobrado pela alta do preço dos combustíveis e, se depender de adversários, terá de responder sobre o assunto durante a campanha.

Apático desde segunda (21), quando as rodovias começaram a ser bloqueadas, o Planalto não tomou o controle da situação e assistiu ao Legislativo assumir o protagonismo da situação.

Naquele dia, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), se anteciparam a Temer e anunciaram comissão para discutir saídas para a escalada de preços, em plano traçado já no final de semana.

Com a dianteira do Legislativo, o Executivo tentou no dia seguinte uma primeira reação: prometeu zerar a Cide do diesel desde que o Congresso aprovasse projeto de reoneração da folha de pagamento de alguns setores.

A iniciativa, contudo, não agradou a Maia. Em sinal de insatisfação, ele anunciou que deixaria caducar medida provisória que destravava a privatização das distribuidoras da Eletrobras, uma das prioridades do governo.

Para se manter na condução do processo e evitar o protagonismo de Temer, Maia comunicou que votaria a proposta de reoneração, mas incluindo a redução das alíquotas de PIS/Cofins do óleo diesel, o que irritou Temer.

Segundo a Folha apurou, o presidente reclamou de Maia, vinculou a posição do parlamentar à sua pré-candidatura à sucessão pelo DEM e avaliou que a atitude prejudicava o governo, já que representava frustração de receitas de cerca de R$ 10 bilhões.

Refém, governo faz concessões em troca de trégua de 15 dias

Paralisação provocou desabastecimento e transtornos em todo o país

Acordo anunciado à noite prevê congelamento do preço do diesel por 30 dias. Ministro da Fazenda afirmou que política de reajuste da Petrobras será mantida, e governo vai subsidiar o combustível para compensar as perdas da estatal

Após quatro dias de protestos dos caminhoneiros, que bloquearam rodovias em 24 estados e no Distrito Federal, provocando desabastecimento e graves transtornos no país, o governo federal cedeu em quase todas as reivindicações dos grevistas e fechou acordo para suspensão do movimento por apenas 15 dias. A Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), principal porta-voz do movimento, não assinou o acordo, por discordar dos termos propostos. A medida mais importante anunciada pelo chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, em entrevista à noite, é a garantia do congelamento do preço do diesel por 30 dias. Segundo o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, após os 15 dias de desconto de 10% no preço do diesel já oferecido pela Petrobras, o governo vai compensar as perdas da estatal que, disse ele, não terá afetada sua política de reajustes. Na prática, a União vai subsidiar o combustível, com custo estimado de R$ 4,9 bilhões até o fim do ano. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, anunciou que vai reduzir em quatro pontos percentuais a alíquota do ICMS sobre o diesel.

Tudo por uma trégua

Governo cede a todos os pedidos dos caminhoneiros em troca da suspensão, por 15 dias, da greve

Bárbara Nascimento, Manoel Ventura, Eliane Oliveira, Cristiane Jungblut, Maria Lima e Rennan Setti

BRASÍLIA, RIO E BELO HORIZONTE - No quarto dia de protestos com graves transtornos à população e que deixaram o país refém dos caminhoneiros, o governo anunciou um acordo no qual fez concessões aos pedidos da categoria em troca de uma trégua de apenas 15 dias. Mesmo assim, nem todos os representantes do movimento assinaram o documento. A principal porta-voz dos grevistas nos últimos dias, a Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam), não concordou com os termos propostos. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, minimizou a falta de consenso e disse que o governo se reunirá novamente com os representantes da categoria dentro de 15 dias. Ao longo do dia, houve sinais de caos, com desabastecimento, disparada de preços de produtos, falta de combustível em aeroportos e escassez de remédios em várias cidades do país.

— Nós hoje cedemos em tudo que foi solicitado — resumiu Padilha, que estimou a normalização do abastecimento no país até o fim da semana.

O acordo, fechado após reunião que se estendeu até a noite de ontem entre governo e caminhoneiros, prevê que a alíquota da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre o diesel este ano seja zerada. A principal mudança, porém, é que a redução de 10% nos preços do diesel, anunciada na quarta-feira pela Petrobras, será mantida por 30 dias.

SUBSÍDIO AO DIESEL CUSTARÁ ATÉ R$ 4,9 BI
Na prática, a Petrobras arca com a queda de preço nos primeiros 15 dias, o que tem um impacto de R$ 350 milhões em receita para a companhia. Nos 15 dias restantes, a despesa será da União, que vai ressarcir a estatal ao fim deste período. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, reiterou que a política de preços da Petrobras, que prevê repasses das flutuações nas cotações do dólar e do petróleo para o preço dos produtos, está mantida. A solução busca evitar mais danos à empresa, que viu seu valor na Bolsa despencar após reduzir preços na quarta-feira, com os temores de ingerência política.

Movimento teve apoio de políticos e empresários para cortar imposto

Líderes reconhecem não ter controle total da ação dos caminhoneiros

Geralda Doca e Bruno Rosa | O Globo

-BRASÍLIA E RIO- A falta de uma liderança nacional dos caminhoneiros — que promoveram uma paralisação nacional desde segunda-feira — dificultou uma solução rápida para o problema. O movimento teve apoio de empresários do setor do transporte e de alguns parlamentares, mas está fragmentado entre diversas associações. O perfil de transporte feito quase que totalmente por rodovias no país é o que dá força à movimentação, disse um representante do setor.

Segundo os dirigentes das entidades, o movimento não tem ligações políticas, mas eles mantêm interlocuções no Congresso, com o deputados como Nelson Marquezelli (PTB-SP) — que foi relator da Lei dos Caminhoneiros —, Valdir Colatto (MDB-SC) e Assis Couto (PDT-RS).

Na quarta-feira, depois da reunião no Planalto, alguns líderes da paralisação fizeram uma investida no Congresso e conseguiram emplacar o fim do PIS/Cofins no projeto da reoneração da folha de salários, votado pela Câmara, apesar dos apelos do governo.

Dez entidades representativas participaram da reunião na quarta-feira no Palácio do Planalto para discutir soluções para a crise. O movimento ganhou a adesão dos empresários do setor de transporte e da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que representa cerca de 200 mil empresas e dois milhões de caminhoneiros autônomos e taxistas, que estão reunidos em 37 federações, cinco sindicatos nacionais e 19 associações, como a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam).

O presidente da CNT, Bruno Batista, disse, antes de o acordo ter sido anunciado pelo governo na noite de ontem, que o que a estatal fez até o momento, de congelar o preço por 15 dias, ainda é muito pouco:

Pré-candidatos ao Planalto criticam atuação do governo

Os presidenciáveis atacaram ontem as ações do governo na crise. As críticas, feitas antes do acordo com os caminhoneiros, trataram da gestão dos preços da Petrobras e da demora do Planalto em reagir à paralisação.

Presidenciáveis criticam atuação do governo na crise

Pré-candidatos atacam alta de preços e reação à greve dos caminhoneiros

Miguel Caballero, Dimitrius Dantas | O Globo

-SÃO PAULO E RIO- A maior crise enfrentada pelo governo Temer neste ano eleitoral virou alvo de críticas dos pré-candidatos a presidente. Seja pela má gestão de preços da Petrobras ou pela demora em reagir à paralisação, a atuação do Palácio do Planalto na busca de soluções para a greve dos caminhoneiros foi atacada pelos pretendentes a suceder Temer.

Com diferenças de tom, Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) coincidiram no viés crítico. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, pré-candidato pelo MDB, partido de Temer, preferiu defender apenas a redução de impostos. Todos comentaram antes de o governo anunciar acordo cedendo às principais reivindicações dos grevistas.

Bolsonaro declarou apoiar as reclamações dos caminhoneiros, mas discordou do fechamento de estradas como forma de protesto.

— Os caminhoneiros sofrem com preço alto dos combustíveis, roubo de cargas, a indústria das multas, as condições das estradas... Eu concordo com quem para o caminhão em casa. Agora, fechar rodovia é extrapolar. Com isso, não dá para negociar — disse Bolsonaro, sem opinar sobre qual seria a solução para o preço do combustível. — Quem tem de dar a solução é o governo, não sou eu.

Já Marina Silva criticou a forma como a Petrobras reagiu ao movimento. Na quarta-feira, a empresa anunciou a redução de 10% no valor do diesel. Para a pré-candidata da Rede, foi um sinal de pressão política na gestão de preços, passando um sinal ruim ao mercado.

— Fazendo no olho do furacão, com a pressão política, a mensagem que passou externamente é que a Petrobras não está se comportando de acordo com as regras do mercado. E aí vai uma desvalorização das ações da Petrobras na ordem de 11% — opinou Marina, ao participar de sabatina feita pelo SBT, pelo portal Uol e pela “Folha de S.Paulo”.

Para ela, o governo Temer não soube reagir na crise.

— Não pode agir só quando as coisas estão praticamente fora de controle. Mas esse governo não tem condição de se antecipar a nada, porque vive o tempo todo na berlinda: na berlinda da falta de credibilidade, de falta de popularidade, e compromisso com a sociedade brasileira.

No Twitter, o pedetista Ciro Gomes considerou “uma aberração” a política de preços dos combustíveis praticadas pela Petrobras. “A alta dos combustíveis é uma aberração que praticamente nega a razão de ser da própria existência institucional da Petrobras. A política de preços adotada está equivocada e desrespeita a sua estrutura de custos. Toda a eficiência da Petrobras deve ser transferida para o interesse público brasileiro e é isso que nós vamos fazer”, escreveu.

Num tom mais ameno, mas ainda de crítica, o tucano Geraldo Alckmin avaliou que faltou diálogo do governo na condução da crise. Ele defendeu a manutenção de Pedro Parente como presidente da Petrobras, apesar do pedido de seu correligionário, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), para que Parente pedisse demissão da estatal.

Crise distancia antigos aliados

Pré-candidato à Presidência, Rodrigo Maia voltou a entrar em rota de colisão com o Planalto

Vera Rosa Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - A greve dos caminhoneiros expôs a fragilidade do governo, revelou movimentos políticos para as eleições e mostrou o distanciamento de antigos aliados no Congresso. Na votação de mudanças nos tributos, na noite de quarta-feira, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, entrou em rota de colisão com Michel Temer e com Eunício Oliveira.

A greve dos caminhoneiros expôs a fragilidade do governo Michel Temer, revelou movimentos políticos para as eleições de outubro e mostrou o distanciamento de antigos aliados no Congresso. Pré-candidato ao Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), entrou em nova rota de colisão com Temer e com seu colega Eunício Oliveira (MDB-CE), que comanda o Senado. A briga atravessou a Praça dos Três Poderes e provocou impasse.

Dias após desistir de disputar novo mandato e anunciar a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles pelo MDB, Temer sofre as consequências do fim de um governo impopular. Além de enfrentar o racha no MDB, ele também perdeu apoio na Câmara e no Senado.

Em votação simbólica, Maia conseguiu aprovar na Câmara, na noite de anteontem, um projeto que acaba com a desoneração da folha de pagamento para 28 setores da economia, mas embutiu ali a proposta de zerar a alíquota do PIS/Cofins sobre o diesel até o fim do ano.

Caminhoneiros dão trégua de 15 dias para tentar acordo

Brasília, Rio e São Paulo - Depois de fazer novas concessões, o governo acertou, na noite de ontem, trégua para suspender por 15 dias a greve dos caminhoneiros, iniciada na segunda-feira. Para convencer os representantes da categoria, o Palácio do Planalto concordou em aumentar de 15 para 30 dias o congelamento do preço do óleo diesel. Desta vez, para não prejudicar a Petrobras, que na quarta-feira reduziu o preço do diesel em 10% e congelou reajustes por 15 dias, o Tesouro arcará com o custo - estimado em R$ 350 milhões - da extensão da medida por mais 15 dias.
Uma das entidades que representam os caminhoneiros - a Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abicam) - não participou do acordo. O presidente da entidade, José da Fonseca Lopes, abandonou, no início, reunião convocada pelo governo para tratar da greve. Integrantes das outras associações informaram, porém, que a greve deve ser suspensa hoje. Durante a trégua, Brasília tentará fechar acordo definitivo com a categoria.

Por causa do impacto negativo das decisões tomadas até agora nas contas da Petrobras, as ações da estatal sofreram forte queda ontem - 14,55% no caso das ações ordinárias (com direito a voto) e 13,71% no das preferenciais. Desde 16 de maio, quando registraram sua maior cotação em vários anos, os papéis da estatal acumulam, respectivamente, recuo de 26,56% e 26,54%. Em valor de mercado, a empresa perdeu R$ 56 bilhões em menos de dez dias.

Durante teleconferência com investidores, Pedro Parente reiterou que a empresa manterá sua política de preços - que atrela o valor dos combustíveis às flutuações dos preços internacionais - e observou que, se o governo quiser praticar subsídios, terá que reembolsar a companhia, como previsto no estatuto social da estatal. Afirmou, ainda, que se houver interferência do Palácio do Planalto nessa questão "o governo precisará buscar uma nova direção que seja alinhada a essa decisão".

No Congresso, Parente foi alvo de duras críticas. Parlamentares pediram sua demissão. "A arrogância com que o presidente da Petrobras se dirigiu ao país não pode ser acatada. Não é possível, diante de um país derretendo como o nosso, simplesmente achar que a posição técnica de um burocrata é maior do que os interesses nacionais", disse o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).

Acordo abre trégua de 15 dias na greve

Por Fabio Graner, Marcelo Ribeiro, Rafael Bitencourt e Fabio Murakawa | Valor Econômico

BRASÍLIA - O governo anunciou ontem que obteve uma trégua de 15 dias com os caminhoneiros, após garantir por 30 dias o tempo de congelamento com 10% de desconto no preço do óleo diesel, com o Tesouro bancando o subsídio para a Petrobras. O Palácio do Planalto também aceitou estabelecer uma política de periodicidade mensal de reajustes do combustível, com os eventuais impactos econômicos causados pelo não reajuste diário na Petrobras também sendo bancados pelo Tesouro Nacional.

Embora os cálculos ainda estejam sendo feitos, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, disse que o impacto máximo dessa nova política será de R$ 4,9 bilhões neste ano. Esse é o valor que, segundo Guardia, o governo terá de pedir em crédito extraordinário ao Congresso. Mas os valores ainda serão calculados porque esse número considera o preço reduzido em 10% e congelado pelos próximos 30 dias, enquanto nos períodos subsequentes ainda depende do cálculo de preço. Segundo ele, o cálculo será mensal, embora diariamente a variação será acumulada para cálculo da compensação.

Guardia destacou que, por ser feito por meio de crédito extraordinário, o valor não afetará o teto de gastos públicos, embora tenha que ser compensado com corte em outras despesas.

Ao longo do dia, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, já havia apontado essa possibilidade, ao indicar que a estatal não estenderia a redução de preço e que, se o governo quisesse conter o preço do combustível, teria que seguir a regra de ressarcimento da empresa, que ontem sofreu um forte baque na bolsa de valores.

Realizada com ao menos duas interrupções ao longo do dia, a reunião do governo não ocorreu com toda a categoria. Pouco depois do seu início, o presidente da Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, abandonou o encontro e disse que não houve acordo. Mas reconheceu que outras categorias estavam aceitando o pedido de trégua do governo até o equacionamento da situação. "Parte do grupo aceitou a trégua do governo", disse Lopes, que alegou representar 700 mil caminhoneiros.

Para interferir na Petrobras, seria preciso buscar outra diretoria, diz presidente

Por André Ramalho, Juliana Schincariol e Ivan Ryngelblum | Valor Econômico

RIO E SÃO PAULO - O presidente da Petrobras, Pedro Parente, reforçou que a empresa manterá sua política de preços de combustíveis e que, se o governo quiser praticar subsídios, terá que reembolsar a companhia, como previsto no estatuto social da petroleira. O executivo afirmou que não houve qualquer interferência do Palácio do Planalto na decisão da empresa de reduzir em 10% e congelar os preços do diesel por 15 dias e que, se um dia ela acontecer, o governo precisará buscar uma nova direção para a estatal.

"Se por qualquer razão a Petrobras enfrentar uma situação onde não será possível fazer isso [política de preços]... O governo precisará buscar uma nova direção que seja alinhada a essa decisão. Mas quero reforçar que não vejo o governo fazendo algo que consideraria esse tipo de coisa", disse.

A mensagem foi dada por Parente em teleconferência com investidores, enquanto as ações da empresa caíam na casa dos dois dígitos, ontem. O executivo tentou tranquilizar o mercado, ao descartar mudanças na frequência dos reajustes. Ele disse que o congelamento dos preços do diesel se deu numa "situação excepcional" e destacou que a empresa continuará operando com fluxo de caixa livre positivo e com foco em redução da dívida.

Senadores pedem saída de Parente

Por Fabio Murakawa e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico

BRASÍLIA - Em meio à crise disparada pela alta dos preços dos combustíveis, senadores atacaram ontem o presidente da Petrobras, Pedro Parente, pedindo a sua demissão. O presidente Michel Temer, entretanto, vem articulando o tempo todo uma solução para a crise com o executivo. E, até o início da noite de ontem, não cogitava retirá-lo do posto.

Os ataques mais duros a Parente no Senado foram desferidos pelo primeiro vice-presidente da Casa, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que chegou a dizer que o executivo age com "arrogância", ao se recusar a alterar a política de preços da companhia.

"A Petrobras é uma empresa importante? É. Mas a Petrobras não é maior do que o Brasil, nem tampouco os objetivos do presidente da empresa, Pedro Parente, são maiores do que a própria Petrobras", disse Cunha Lima à tarde, no plenário do Senado. "A arrogância com que o presidente da Petrobras se dirigiu ao país não pode ser acatada. Não é possível, diante de um País derretendo como o nosso, simplesmente achar que a posição técnica de um burocrata é maior do que os interesses nacionais."

José Maranhão (MDB-PB) disse que Parente elaborou uma política "contrária aos interesses do país". E afirmou que não existe "um diretor da Petrobras com poderes absolutos que se sobrepõe ao poder do dono da empresa", o governo.

Demissão de Pedro Parente não soluciona crise do diesel, diz Alckmin

Por André Guilherme Vieira | Valor Econômico

SÃO PAULO - Contrariando posição do vice-presidente do Senado, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que propôs a demissão do presidente da Petrobras, Pedro Parente, o presidenciável tucano e ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, afirmou ontem que demitir o executivo não soluciona a crise do diesel e propôs mudança na periodicidade do reajuste de preços.

"Eu acho que a solução não é demitir o Pedro Parente. Agora, de outro lado, você não pode ter oscilação diária (...) Acho que poderia ter um reajuste mais espaçado. Em vez de fazer diariamente, fazer a cada 15 dias, para ter um pouco de previsibilidade", afirmou.

Indagado se uma redução quinzenal de preço do diesel não prejudicaria o mercado, Alckmin disse que não está propondo revisão da política de preços. "É periodicidade. Hoje [a Petrobras] reajusta praticamente diariamente. Pode fazer a cada 7 dias, 15 dias. É uma oscilação muito grande. Quem trabalha com esse setor precisa de um mínimo de previsibilidade. Não é que ela não vá dar o reajuste, mas você pode pegar um pouco de mé- dia de uma ou duas semanas".

Ao ser questionado se faltou ao governo Michel Temer estabelecer diálogo com os caminhoneiros, de modo a prevenir a crise de desabastecimento que se anuncia, inicialmente Alckmin se esquivou. "Não, eu não tenho detalhes dessas decisões."

Em seguida, o presidenciável do PSDB disse que um aceno por diálogo "poderia até ter sido feito antes, não é?" e concordou ser "possível" que o governo tenha falhado ao tratar do tema.

Marina repete 2014 e assume compromisso com tripé econômico

Por Fernando Taquari e Ricardo Mendonça | Valor Econômico

SÃO PAULO - Em um aceno ao mercado financeiro, a pré-candidata do Rede à Presidência, a ex-senadora Marina Silva (Rede), voltou a assumir ontem o compromisso com o tripé econômico ao garantir que vai trabalhar, caso eleita, pela meta de inflação, o superávit primário e o câmbio flutuante. A mesma garantia tinha sido dada pela ex-senadora em 2014, quando disputou a eleição pelo PSB.

A exemplo do presidenciável do PSDB, o ex-governador Geraldo Alckmin, Marina criticou o teto de gastos, estabelecido pelo governo Michel Temer. Em sua opinião, há um risco em congelar por 20 anos o orçamento de áreas sensíveis da administração pública, como educação, saúde e segurança.

Para conter as despesas, o que considera uma medida essencial para o país recuperar credibilidade e capacidade de investimento, a ex-senadora entende que o Estado deve gastar com custeio apenas a metade do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

"Cresceu 4%, você pode gastar 2%. Assim nunca vai ter descompasso entre a arrecadação e o gasto", afirmou Marina durante sabatina promovida pelo portal UOL, pelo jornal "Folha de S. Paulo" e pelo SBT. Ainda sobre questões econômicas, disse que a redução dos juros deve ser buscada "pelos mecanismos do Banco Central", e que esse tipo de política não pode ser feita "de forma artificial".

Na sua avaliação, a redução determinada até aqui "já ajuda muito a [reduzir] dívida pública". Mais adiante, ela defendeu autonomia operacional do BC, mas disse que não acha necessário institucionalizar a medida. "O que precisa é ter o compromisso que não vai ter politicagem no Banco Central", afirmou.

Merval Pereira: O governo piscou

- O Globo

O governo piscou. Cedeu sem que os bloqueios tivessem sido levantados. O governo piscou ao, pela boca do próprio presidente Michel Temer, pedir “uma trégua” aos grevistas. E a Petrobras piscou também ao aceitar reduzir em 10% o preço do diesel e congelá-lo por 15 dias. Acabou cedendo sem que os bloqueios tivessem sido levantados, e o acordo, que trará prejuízos ao Tesouro, quebra os limites de gastos impostos pelo próprio governo. As greves de caminhoneiros são frequentes num país que depende de sua malha rodoviária, cada vez em situação mais precária, para o abastecimento das cidades.

Mas, mesmo as que demoraram mais tempo, não provocaram tantos estragos quanto a atual. O governo está nas mãos dos caminhoneiros, sem capacidade de reação. Não é razoável imaginar que não tivesse informações sobre a movimentação dos grevistas, o mais provável é que tenha menosprezado a capacidade de mobilização da classe. Esquecendo-se de que em diversos governos anteriores, como o de JK, e mais recentemente, desde Fernando Henrique, passando por Lula e Dilma, houve paralisações como essas, em menor escala graças à ação firme e a capacidade de negociação dos governos naqueles momentos.

“O governo tomou a decisão de manter a livre circulação das estradas e, se preciso, com o uso da força militar", dizia comunicado divulgado do Palácio do Planalto na greve de 1999. Bastaram três dias da paralisação para a greve terminar. Mas os grevistas tiveram ganhos expressivos: congelamento do preço do diesel e das tarifas de pedágio e desativação das balanças que multavam quem estivesse acima do limite de carga.

Ninguém faz um movimento desses, de caráter nacional, sem que lideranças do movimento grevista se reúnam e mantenham contatos entre si. Além do mais, o governo perdeu o controle do Congresso, o episódio da aprovação do fim do PIS/Confins não é trágico, apenas é risível, porque dá para consertar no Senado, mas o presidente da Câmara, o pré-candidato à presidência Rodrigo Maia, na ânsia de distanciar-se do governo e agradar aos grevistas, cometeu alegadamente um erro de cálculo de nada menos que R$ 9 bilhões.

O senador Eunício de Oliveira, presidente do Senado, teve que voltar às pressas de Fortaleza para apagar esse incêndio, mas a decisão de se ausentar de Brasília num momento como esse dá bem a mostra de como as principais lideranças políticas do país estão desconectadas da realidade.

Eliane Cantanhêde: Caos

- O Estado de S.Paulo

Caminhoneiros produzem efeito cascata, isolam o governo e param o País

O “Partido dos Caminhoneiros” conseguiu o que MST, MTST, CUT e partidos de oposição ao governo Temer ameaçaram e não tiveram força para fazer, nem mesmo com a prisão de Lula: paralisar o País. É uma nova força política que pode ser qualquer coisa, menos um movimento de esquerda.

Assim como em junho de 2013, o protesto dos caminhoneiros também teve combustão espontânea, sem partidos por trás ou líderes carismáticos e estridentes. Ambos surgiram de repente, pegando todo mundo de surpresa e jogando o governo contra a parede.

A motivação dos milhares de pessoas que foram às ruas em junho de 2013 foi o aumento das tarifas de transportes urbanos. A dos caminhoneiros neste maio de 2018 é o aumento diário dos combustíveis, principalmente do diesel. Os dois protestos encontraram ambiente propício, foram uma fagulha em palha seca e incendiaram os governos de Dilma, primeiro, e de Temer agora. O Brasil nunca mais foi o mesmo depois daquele junho. E muita coisa pode mudar a partir deste maio.

Em 2013, homens e mulheres, jovens e velhos, gente de esquerda e de direita lotaram as ruas, e o que menos contou foram partidos e ideologias. Em 2018, há um acordo tácito entre os patrões e caminhoneiros, que fecharam estradas, produziram um efeito cascata e ameaçam com o colapso.

Litros de leite jogados fora, montanhas de hortaliças murchas, prateleiras vazias nas farmácias, tanques secos nos postos de gasolina, falta de água mineral e de combustível de aviação nos aeroportos... E os preços disparando. O que começou como um protesto de um setor, de uma categoria, virou um movimento nacional.

Míriam Leitão: Efeitos imediatos

- O Globo

Governo vai usar o Orçamento para subsidiar combustível fóssil. O acordo que o governo fechou com o setor de transporte de carga significa o seguinte: será tirado dinheiro do Orçamento para compensar a Petrobras pelo subsídio dado ao diesel. O governo cedeu no quarto dia da greve dos caminhoneiros e das empresas de transporte. Será criada uma câmara de compensação que vai ressarcir a Petrobras por reajustar apenas uma vez por mês o preço do combustível.

Que a greve era também dos empresários ficou claro em um dos itens do acordo repetido pelo ministro Eliseu Padilha de não reonerar o setor. Quem paga o imposto sobre a folha é quem tem funcionário. Um autônomo, por definição, não tem. A propósito, greve de empresário, locaute, é proibido por lei. O governo sabe que eles estavam ferindo a lei, mas não teve forças para enfrentá-los. Preferiu tratar o espinhoso tema, diplomaticamente. O governo sabe que está fraco e que o risco que o país corria com essa chantagem era alta demais.

O país viveu ontem um dia de Venezuela, com supermercados racionando a compra de produtos e mercadorias faltando, crianças sem aula, e avisos como a que fez a Cedae no Rio, de que poderia haver falta de água. Essa não foi a primeira greve do setor de transporte de carga no país, mas a economia mudou muito e os efeitos agora são mais imediatos. Durante o dia inteiro o governo negociou com os representantes dos caminhoneiros e da indústria de transporte de carga. Depois que o governo anunciou suas concessões, o Rio anunciou a queda do ICMS. O Rio é que tem a maior alíquota de ICMS sobre combustíveis e tem tido, por outro lado, um grande ganho com o aumento de 70% do pagamento de royalties e participação especial.

Marco Aurélio Nogueira: Males do monopólio

- O Estado de S. Paulo

Fosse outro o país e outra a época, o certo seria recuperar as ferrovias e redimensionar o transporte rodoviário

Não dá para dizer, sem mais, que o lockout dos caminhoneiros é uma ação da direita ou está sendo por ela impulsionada. Mas é fácil perceber que ele está convulsionando o país e pode servir aos interesses dos que querem a volta pura e simples da “ordem e da autoridade”.

Na base do movimento, um protesto contra os preços do diesel e os impostos. Pode fazer algum sentido. Na cúpula, porém, um show de chantagem e oportunismo, que se aproveita da debilidade do governo e tenta surfar no ressentimento, na irritação e na desconfiança da população.

Greve de empresários é sempre complicada. Assusta e fomenta todo tipo de pânico. Quando levada às últimas consequências, acende um rastilho, especialmente se mexe com setores estratégicos como são os combustíveis e os alimentos. Num país em que tudo é feito por rodovias, os caminhoneiros viram uma corporação poderosa. Não foi por acaso que tanta gente lembrou, nos últimos dias, o papel que tiveram no processo que levou à derrubada e ao assassinato de Salvador Allende, no Chile do início dos anos 1970., matriz energética

O governo está cedendo, os caminhoneiros prometem manter a paralisação. Até onde, ninguém sabe.

Fosse outro o país e outra a época, o melhor seria recuperar as ferrovias e redimensionar o transporte rodoviário. De quebra, acelerar com radicalidade a adoção de uma nova matriz energética. Quebrar a dependência que se tem dos combustíveis fósseis, introduzir tecnologias ferroviárias de última geração, enquanto os carros voadores não chegam. Tudo isso, porém, são tarefas para um país de bravos, e hoje não vivemos num assim. Faltam-nos justamente os bravos, os intrépidos, os sonhadores.

Partidos políticos, candidatos e sindicatos de trabalhadores não se fazem ouvir, a não ser discreta e isoladamente. Todos se comportam como reféns de uma situação que pode fugir do controle e levar a que um fogaréu se alastre. Os candidatos, em particular, morrem de medo de perder votos, mas no fundo não sabem mesmo o que dizer.

César Felício: Os limites do mercado

- Valor Econômico

Greves de 1999 e de 2018 se parecem, mas o momento é outro

A economia é uma ciência lúgubre, porque ensina ao homem os seus limites. O raciocínio, de autoria obscura, é frequentemente lembrado quando o mercado pune administradores públicos que se negam a arbitrar perdas na sociedade e vão distribuindo o maná dos céus a todos e todas. Esta política, com muita liberalidade chamada de "populista", normalmente leva a um quadro de desorganização fiscal, torna difícil ao Estado financiar-se e controlar a moeda, panorama em geral de reversão complexa e que não raro leva à queda do governo de turno.

Atento a tudo isso, tendo bem presente o infortúnio de Dilma Rousseff, do qual tirou todo proveito possível e muito contribuiu, o presidente Michel Temer blindou a Petrobras da sensibilidade política. Entregou-a ao mercado. Nas mãos de Pedro Parente a estatal é gerida como se uma empresa privada fosse.

Só que a política, longe de ser ciência e mais bipolar do que lúgubre, também exibe ao mercado seus limites. Há linhas que mesmo um governo desconectado do sentimento popular não ousa cruzar. É o que se convenciona chamar de "realpolitik".

Exerce a Petrobras uma posição de monopólio de fato. Move o preço de seus derivados conforme a cotação internacional da commodity. Leva portanto à sociedade uma situação inerente de volatilidade. São mais perdas a serem arbitradas em momento pré-eleitoral, de retomada financeira não consolidada, governo desgastado, 21 pré-candidatos a presidente, sendo que o mais popular está preso, o segundo tem credenciais democráticas duvidosas e a terceira não tem partido.

Não há, no mundo político que dispute mandato, quem pague o ônus de manter esta posição em um cenário de tamanha incerteza. A Câmara anteontem portanto não viveu um momento "populista", errado ou não o cálculo que fizeram. Não estava dada a condição para que a posição da equipe econômica prevalecesse.

O Senado vai atrasar um pouco a votação do projeto, provavelmente para negociar salvaguardas para os governadores. Não será surpreendente se a conta para o Tesouro Nacional ficar maior.

O ambiente político no Brasil torna inviável, do ponto de vista prático, o modelo de preços adotado pela Petrobras em um contexto de crise internacional do petróleo. Alguma administração de preço terá que haver, com todas as consequências danosas que isso poderá ter para a maior empresa do país. Ainda que tenha reafirmado a manutenção da política atual, o simples anúncio de uma redução de 10% no litro do diesel e o congelamento deste patamar, feito anteontem por Parente e reforçado hoje, já é uma administração.

Temer não tem o instrumental à mão que tiveram Dilma Rousseff em 2012 e Fernando Henrique Cardoso em 1999, ocasiões em que grandes paralisações de caminhoneiros aconteceram. E estes dois presidentes muito se desgastaram na ocasião. A linha de defesa agora é mais tênue.

A greve de 2012 veio em um momento em que o governo federal se jactava do país ser a sexta economia do mundo. Dilma havia expurgado a Petrobras dos nomes mais comprometidos com o esquema de corrupção presente na estatal, mas a queria debaixo de seu cabresto, distante dos critérios empresariais.

O movimento de 2012 não foi impulsionado por uma escalada dos preços de combustíveis e encurtamento da margem dos fretes, mas por questões laborais: estava em discussão a regulamentação da profissão de motoristas profissionais, que embutia o limite da jornada de trabalho. Portanto era uma pauta menos tóxica para o mercado e para o ambiente político. A movimentação terminou com o governo concordando em flexibilizar as regras.

Hélio Schwartsman: Informações relevantes

- Folha de S. Paulo

Não há mágica, combustíveis estão mais caros e a sociedade terá de conviver com isso

Uma das principais razões por que a economia de mercado é eficiente é que os preços refletem informações relevantes sobre a disponibilidade de produtos e as distribuem para milhões de microagentes, que irão se posicionar de modo a satisfazer suas necessidades da melhor forma possível. Imagine quantos ofícios não seria necessário expedir para obter o mesmo efeito numa economia planificada.

A simultânea disparada do dólar e do valor do petróleo significa que itens como gasolina e óleo diesel se tornaram menos disponíveis. Tentativas de falsear essa informação, mantendo os preços artificialmente baixos, levarão as pessoas a tomar decisões erradas de consumo, o que poderá custar mais caro depois. Já vivemos isso há pouco, quando o governo Dilma segurou reajustes nos combustíveis, contribuindo para a ruína da Petrobras.

A administração pública pode e deve tentar evitar variações bruscas. Impostos regulatórios como a Cide existem para isso. Mas não dá para fazer mágica. Combustíveis ficaram mais caros e a sociedade vai ter de conviver com isso. Deveremos experimentar mais dor na hora de encher o tanque e esperar uma inflação um pouquinho maior.

Bruno Boghossian: Acordo improvisado com grevistas reforça vício dos privilégios

- Folha de S. Paulo

Governo dá alívio nas bombas a um setor específico, mas terá que bancar prejuízo

“Não estamos debatendo imposto da indústria. Estamos debatendo o imposto que está sobre as costas do povo brasileiro”, declarou um sensível Paulo Skaf em setembro de 2015, quando a Fiesp lançou o pato de borracha gigante que se tornou ícone da campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff.

A federação das indústrias brigava, na verdade, para reduzir a carga tributária e aumentar o lucro dos produtores. Pegou carona no sentimento de repúdio a um governo ineficiente para conquistar apoio nas ruas.

A astúcia de movimentos liderados por empresários é que, via de regra, eles cobram privilégios para setores específicos, ainda que alguns benefícios sejam coletivos. A indústria se escora há décadas no tratamento diferenciado que recebe do Estado. Na paralisação dos caminhoneiros, as transportadoras também conquistaram regalias.

Claudia Safatle: União limpa os cofres para fechar as contas

- Valor Econômico

Faltarão R$ 350 bi para cumprir "regra de ouro" em 2019

O governo está raspando os cofres para cumprir a "regra de ouro" das finanças públicas este ano e há boas razões para acreditar que conseguirá. Para 2019, no entanto, a situação é preocupante. Estima-se, na área econômica, que haverá uma insuficiência de recursos da ordem de R$ 300 bilhões a R$ 350 bilhões para assegurar a obediência à essa regra.

No início deste ano faltavam R$ 203,4 bilhões. Agora ainda há um buraco de R$ 181,9 bilhões para atravessar 2018 sem comprometer o governo com a desobediência de uma norma constitucional.

Para obter esses recursos o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, explicou que conta com R$ 100 bilhões da devolução antecipada do empréstimo do Tesouro Nacional ao BNDES, quase R$ 27 bilhões do Fundo Soberano e outros R$ 16 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND) - criado em julho de 1986 com o dinheiro de um empréstimo compulsório sobre consumo de gasolina e álcool que não foi devolvido à sociedade. Os dois fundos (Soberano e FND) acabam.

Cabe ao governo, portanto, encontrar mais R$ 38,9 bilhões e os técnicos oficiais buscam nos cofrinhos de cada repartição pública esses recursos, seja trocando de fontes ou subtraindo outros fundos como fez com o Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), do qual retirou, este ano, cerca de R$ 7 bilhões de superávit financeiro.

A "regra de ouro" foi colocada na Constituição de 1988 pelo então deputado César Maia, pai do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ela determina que as operações de crédito não podem exceder o valor das despesas de capital (gastos com investimentos, inversões financeiras e amortizações da dívida pública). O governo, portanto, não pode aumentar a dívida pública para financiar despesas de custeio da máquina administrativa, pagar folha de pessoal e benefícios previdenciários, entre outros gastos correntes. Em uma linguagem bem coloquial, não é permitido ao governo vender o almoço para pagar o jantar.

Dora Kramer: Delírios tropicais

- Revista Veja

Sem respostas realistas, os políticos transitam em terrenos na Lua

O político, muito mais que o poeta aludido por Fernando Pessoa, é um fingidor. Exagero? Generalização leviana? Não é o que nos dizem os candidatos e partidos de maior visibilidade no cenário pré-eleitoral de um Brasil em fase de completa (e, dependendo do ponto de vista, benfazeja) desordem eleitoral.

Todos eles simulam tão completamente que fingem padecer de um mal que realmente sentem. Há dor maior para o PT que ter seu único ativo transformado em passivo prisioneiro? Pois ele prefere fazer de conta que anda tudo bem, a candidatura prossegue em busca de um vice e de um programa de governo, adiando o confronto com a realidade para um momento de “maior impacto”, mais perto das eleições.

Longe ou perto, que “impacto” objetivo provocaria tal gesto? De maneira concreta, nenhum. Pelo seguinte: hoje, Luiz Inácio da Silva não pode concorrer. Mas vamos que possa disputar por obra de recursos judiciais e, assim, vença. Se ganhar, não governará, dada a sua condição de presidiário. De onde a resultante eleitoral seria nula, a menos que se aventasse a hipótese inconstitucional de a Justiça aceitar revogarem-se os votos.

Diante de tal impossibilidade, por que, então, Lula segue candidato? Simples: para que o nome dele se mantenha nas pesquisas e, com isso, se prolongue o mito do líder popular, ainda que na realidade não mais lidere sequer o próprio destino. Transita-se, nesse quadro, em pura fantasia.

Fernando Abrucio: Que fatores podem explicar as eleições de 2018?

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Em meio à incerteza que caracteriza o cenário político atual, há dois paradigmas teóricos que têm orientado a leitura da sucessão presidencial. O primeiro pode ser chamado de predomínio da lógica dos grandes partidos, ao passo que o segundo modelo pode ser intitulado de explicação baseada na desestruturação do sistema partidário. O quanto cada um deles vai explicar a eleição de 2018 é um dos grandes debates do momento.

A primeira teoria enfatiza mais o poder das máquinas políticas e dos políticos profissionais hegemônicos nos últimos anos. Para essa visão, há pouco espaço para a renovação e o mais provável é que os principais polos partidários definam, de algum modo, a peleja final. O segundo modelo explicativo parte do suposto de que, por conta da Operação Lava-Jato e da profunda crise política nascida com Dilma e prorrogada por Temer, está quebrado o bipartidarismo presidencial brasileiro, comandado pela dupla PSDB-PT, que vigorou de 1994 a 2014. Assim, os favoritos para comandar a eleição de 2018 seriam os candidatos fora desse eixo.

Obviamente que essas duas visões comportam caminhos do meio e combinações entre elas. Só que vale entender melhor o poder explicativo das duas teorias rivais, expondo-as e contrapondo-as, para saber que fatores podem gerar maior impacto, além de se colocar luz naquilo que, por ora, é mais incerto e recheado de dúvidas.

A teoria que enfatiza o predomínio dos maiores partidos - PT, PSDB e MDB - ancora-se em três fatores: o enraizamento partidário, a concentração do financiamento público nas três grandes legendas e o peso das lideranças nacionais, especialmente para o caso de tucanos e petistas.

O enraizamento partidário manifesta-se de duas maneiras. Uma delas é organizacional, derivada da enorme capilaridade territorial dos três grandes partidos, tanto em número de prefeituras e governos estaduais como em termos de diretórios partidários pelo Brasil afora. Isso lhes garante um exército de apoiadores políticos que é fundamental para montar os palanques estaduais. Contar com um número maior de candidatos e alianças regionais ajuda os presidenciáveis dessas forças, principalmente os advindos do PT e do PSDB, porque no caso do MDB é preciso contar sempre com um grau bastante elevado de traição local. Esse fenômeno que atinge o emedebismo desde a eleição de 1989 será muito forte agora, dada a baixa popularidade do presidente Michel Temer.

O fator do enraizamento partidário vincula-se também ao grau de conhecimento e identificação da população em relação a esses partidos e seus líderes. Mesmo com todo o desgaste dos últimos anos, esses três partidos ainda lideram a preferência partidária dos eleitores. No plano das eleições estaduais e congressuais, esse elemento ajuda as três grandes legendas, mesmo que de modo diferente pelas regiões do país. Mas no âmbito da eleição presidencial ele favorece mais o PT e o PSDB, que comandaram a disputa nacional por cerca de 20 anos. Um dos fatores que explica isso é que, diferentemente de emedebistas e mesmo da quase totalidade do sistema partidário, petistas e tucanos têm maior articulação com grupos organizados e influentes da sociedade civil, como sindicatos, ONGs, mídia, movimentos sociais, associações empresariais e universidades, além do apoio de importantes formadores de opinião.

Reinaldo Azevedo: Qualquer que seja o vitorioso, o certo é que a direita já deu a vitória à esquerda

- Folha de S. Paulo

Os ditos conservadores brasileiros não se deram conta de que estavam caindo na armadilha da esquerda

Não! Eu não falarei de caminhoneiros contingentes. Meu tema são os condutores necessários do regime democrático.

Que trabalho porco fez isso a que chamam “direita brasileira” quando se ajoelhou aos pés de mistificadores e virou as costas para o país! Que o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Justiça cumprissem a sua obrigação e combatessem a corrupção, ora bolas!

Quem haveria de ser contra a não ser os “corruptos por imanência”, já que os “por transcendência” certamente aplaudiriam a nova era, roubando à socapa? Mas que tais entes operassem dentro da lei e não concorressem para dinamitar a política e os políticos.

A obra, no entanto, está feita. E sob os aplausos de boa parte das forças que ajudaram a depor o governo Dilma por justas e boas razões.

Ao se subordinar à agenda do “Partido da Polícia”, os ditos conservadores brasileiros —na maioria, ficou claro, um bando de reacionários destituídos de tudo: de eira, beira, livros e apreço pela democracia— não se deram conta de que estavam caindo na armadilha da esquerda.

Quando se juntaram ao “fora Temer” e aderiram ao golpismo liderado por Rodrigo Janot, permitiram que os esquerdistas fizessem tábula rasa de conquistas reais, efetivas, que tiraram o país do caos em que o petismo o havia jogado. Nota: cadê os “liberais” para declarar que Michel Temer e Pedro Parente fizeram o certo na Petrobras?

*Almir Pazzianotto Pinto: Invasor e demagogo

- O Estado de S.Paulo

Boulos não aponta a solução pelo trabalho, mas pela expropriação e pela violência

A crise que assola o País, vítima da corrupção, da incerteza econômica, do desemprego, favorece a proliferação de demagogos. Demagogo, segundo os dicionários, é quem, por meio da retórica vazia, simula estar comprometido com as necessidades do povo. Discorrendo sobre propostas artificiais, tenta levar os desavisados a acreditar no impossível.

A História é farta de demagogos, cujas promessas foram abandonadas assim que alcançaram o ambicionado poder. Não citarei nomes, para não pecar por omissão. Basta, entretanto, rápido olhar lançado às últimas eleições no Brasil para nos convencermos de que a ousadia pode ser bem-sucedida quando a massa se deixa engabelar por vagas promessas de retirá-la da miséria. Tivemos demagogos cultos e semianalfabetos, ricos e pobres, filhos de famílias tradicionais ou da periferia. Entre eles o traço comum consiste na habilidade de fazer o incauto acreditar no poder mágico das palavras. Nenhum tem a coragem de dizer que a extirpação da pobreza depende de trabalho honesto, diuturno, da capacidade de escolha, se não do melhor do menos mau dos candidatos.

Entre os postulantes à Presidência da República destaca-se, pela impetuosa fúria demagógica, o sociólogo desempregado Guilherme Boulos. Originário da classe média, escolheu fazer da liderança dos sem-teto seu meio de subsistência. Até aí, nada a dizer ou criticar. Trata-se de livre opção de vida. A questão está no fato de usar a demagogia como plataforma de campanha e instrumento de conquista do poder.

Quem o viu no Roda Viva, programa da TV Cultura (7/5), deve ter-se espantado com a facilidade com que discorreu sobre a solução dos profundos e enraizados problemas econômicos e sociais brasileiros. Segundo Boulos, o resgate da miséria depende apenas do desejo. Basta reformar o Estado, a política habitacional, a agricultura, os sistemas de saúde, educação, segurança, transporte, as instituições financeiras. Como empreendê-las, segundo o figurino inspirado na Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, é questão de somenos importância. Talvez acredite o sociólogo que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário não lhe serão empecilhos e que governará como imperador dom Guilherme, e não como presidente de República Federativa regida pela Constituição.

Entregar a chefia do Poder Executivo a alguém é ato de coragem, que exige elevado grau de responsabilidade. Após assumir a Presidência da República caberá ao eleito administrar o Tesouro Nacional, nomear ministros de Estado, exercer o comando das Forças Armadas, editar medidas provisórias, conceder indultos e comutar penas, manter relações com Estados estrangeiros, designar os ministros dos tribunais superiores e o procurador-geral da República, escolher o presidente do Banco Central, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal. Desempenhar, enfim, as atribuições que lhe cabem de conformidade com o artigo 84 da Constituição. Investido de competência para exercer a direção superior da administração federal, o presidente da República dispõe de amplos poderes. Dentro do raio de ação que lhe traça a Lei Superior, poderá agir bem ou agir mal. Que o diga Dilma Rousseff, para citar exemplo recente de administração federal caótica.

José de Souza Martins: Os miseráveis

- Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

Quem são os miseráveis das estatísticas oficiais que nos dizem o que é o Brasil que não gostaríamos que o Brasil fosse? Como é possível que a herança de um regime político que proclamou ter acabado com a pobreza no país seja justamente a de mais de 13 milhões de miseráveis, com aumento de 1,5 milhão em pouco tempo? A de 12,3 milhões desempregados? A de uma política social cuja grande marca é a de um auxílio à sobrevivência a mais de um terço da população de 11 Estados do Norte e Nordeste por meio do Bolsa Família e 21%, um quinto, da população brasileira dele dependente? Sem contar mais de 5 milhões de brasileiros à procura de emprego há mais de um ano? A daqueles com maior incidência de desalentados, os que desistem de procurar emprego, nas regiões Nordeste, Sudeste, Norte? A de um país com mais de 27 milhões de trabalhadores subutilizados?

Esses dados aparentemente desencontrados convergem na indicação de que se trata não só de problemas não resolvidos, mas também de problemas de solução pela metade e em boa parte sem perspectiva de solução. Esses números não nos falam apenas da herança numérica líquida de um desastre social e político, de que não tomamos consciência no devido tempo porque acobertada por induções mágicas de leitura de tabelas.

Neles está aquela parte de solução lenta e não integrativa, a dos milhões que há mais de ano procuram trabalho. Ou aqueles subutilizados que refletem a substituição de trabalho humano por tecnologia. Um cenário de descarte de seres humanos e de falta de criatividade política para estabelecer um nível de emprego capaz de assegurar à sociedade inteira a segurança de que cada brasileiro está social e economicamente integrado. A não integração não é normal nem é decente.

O que resta desse cenário é que pelo menos um quinto dos brasileiros vive hoje à margem do sistema econômico e que estar à procura de emprego já não é temporário, é uma ameaça a muitos e um traço da identidade de milhões de brasileiros. São os situados no limiar da integração estável, os sem motivos para subscrever o pacto social e político que garanta a ordem no país.

Luiz Carlos Azedo: Coisa estranha

- Correio Braziliense

Nunca é demais lembrar que uma greve de caminhoneiros, em 1972, desestabilizou o governo de Salvador Allende no Chile e abriu caminho para o golpe do general Pinochet

Depois de seis horas de negociações com os líderes dos caminhoneiros, o governo conseguiu uma trégua e a suspensão da greve que há quatro dias provocava bloqueios de rodovias e desabastecimento em todo o país. A incógnita agora é saber se o acordo será aceito pelos grevistas, já que um dos líderes se recusou a assiná-lo. De qualquer forma, duas dezenas de decisões liminares para desobstruir as rodovias federais já foram concedidas, em razão do colapso do sistema de transporte rodoviário, o risco de paralisação de aeroportos e o desabastecimento da população, não somente de combustíveis. A especulação nos postos de gasolina, que ainda provoca grandes filas, é criminosa.

O imobilismo do governo federal e dos governos estaduais quanto à desobstrução das rodovias durante a greve foi espantoso. Houve paralisação dos frigoríficos, até as fábricas de automóveis suspenderam a produção. O bloqueio dos portos registrou um fato ainda mais preocupante: a adesão de pescadores, que interditaram os canais de navegação, com suas traineiras, nos portos de Itajaí (SC) e de Santos (SP). A crise agora está no colo do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, diante da necessidade de rapidamente desobstruir as rodovias e normalizar o abastecimento.

Há dois atores nessa crise que precisam esclarecer melhor a sua verdadeira posição: o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pré-candidato a presidente da República, que foi mais um a impor condições e contingenciar o governo nas negociações, e o presidente da Força Sindical, deputado Paulinho da Força (Solidariedade), que apoia os caminhoneiros incondicionalmente. Ambos são aliados e estão jogando juntos. O presidente Michel Temer, que sempre foi um conciliador, vacilou quanto a definir uma clara linha divisória entre o que seria uma greve legítima de caminhoneiros avulsos e o que está acontecendo, um locaute das grandes transportadoras.

Greve dos transportes põe em xeque governo Temer: Editorial | Valor Econômico

O governo de Michel Temer durou enquanto os partidos de sua base no Congresso estiveram dispostos a apoiá-lo. O mais impopular dos presidentes perdeu, como era esperado em um ano eleitoral, sua sustentação, incapaz que é de dar a moeda corrente entre parlamentares: "perspectiva de poder". Mas há um terrível interregno a percorrer até 1 de janeiro de 2019. Como mostra a greve dos caminhoneiros, pode ser um período bastante desagradável. Com amadorismo, o governo quase desabou à primeira ameaça.

A incapacidade técnica, administrativa e política do governo é espantosa, pelo menos ante o currículo do núcleo palaciano, supostamente composto por políticos profissionais. A articulação política do Planalto é desastrosa, incapaz até mesmo de cunhar um slogan sério para comemorar dois anos de governo. Como um programa liberal do tipo "Ponte para o Futuro" teve origem no MDB, um partido fisiológico que jamais pensou em privatizações ou austeridade fiscal continua um mistério. O ocaso do governo Temer sugere que o programa buscava obter sustentação dos empresários, enquanto o núcleo íntimo do presidente tentava escapar da Justiça.

Exemplos abundam e o último deles é o arquivamento da privatização a meias da Eletrobras. O partido do presidente, o MDB, ali fincou uma capitania hereditária de empregos, verbas e corrupção, repartida entre donatários longevos, como José Sarney. A MP 814 naufragou na Câmara sem deixar saudades. Era um conjunto de emendas que buscavam impedir a privatização, garantir benesses corporativas e empregos, além de aumentar tarifas para os consumidores. Há argumentos relevantes e sérios contra a privatização da Eletrobras. O que se viu no Congresso, porém, foge a qualquer abordagem republicana do assunto. O governo, que patrocinou a ideia, lavou a mãos.

Quem pode mais: Editorial | Folha de S. Paulo

Após dia de aflições com abusos da paralisação dos caminhoneiros, acordo é anunciado

Esta não é a primeira vez em que caminhoneiros aproveitam a fraqueza do governo de turno para impor perdas a toda a sociedade com greves truculentas.

Assim se deu em julho de 1999, quando o país vivia uma crise econômica e a popularidade de Fernando Henrique Cardoso definhava. Ao longo de quatro dias, promoveram-se bloqueios de estradas e o desabastecimento de produtos de todo tipo. O Planalto dobrou-se, suspendendo reajustes de preços do óleo diesel e de pedágios.

Mais recentemente, em novembro de 2015, a categoria parou enquanto seus líderes defendiam o impeachment de Dilma Rousseff (PT) —que ainda tardaria alguns meses. Talvez pela impossibilidade de atender a tal pleito, o governo elevou as multas a motoristas que obstruíam as rodovias.

A nova ofensiva dos caminhoneiros tornou esta quinta (24) um dia de aflição para muitos brasileiros.

Faltou combustível e multiplicaram-se filas em postos de São Paulo e do Rio de Janeiro, entre outros estados; criou-se ameaça de falta de água no Rio; na capital paulista, a operação dos ônibus teve de ser reduzida, e a coleta de lixo, suspensa; o transporte de alimentos foi prejudicado em todo o país.

O caos como arma: Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo, a Petrobrás e o Congresso atenderam à principal reivindicação dos caminhoneiros em greve, a redução do preço do diesel, mas nem assim esses profissionais aceitaram encerrar o movimento que tem trazido inúmeros e substanciais transtornos a todos os brasileiros. O nome disso é chantagem e irresponsabilidade.

Não bastou que a Petrobrás, num gesto de inegável boa vontade, contrariasse brevemente sua política de preços, de livre mercado, e aliviasse o custo do diesel em 10% por 15 dias, tempo em que se poderia chegar a uma solução negociada. Não bastou que o governo aceitasse zerar a alíquota da Cide, o imposto do combustível. Também não bastou que a Câmara aprovasse, a toque de caixa, a reoneração da folha de diversos setores em troca do fim da cobrança do PIS-Cofins sobre o diesel – uma forma de subsidiar o preço do combustível com o imposto cobrado de outros setores da economia. Os caminhoneiros informaram que vão continuar sua greve até que o Senado aprove o projeto que zera o PIS-Cofins sobre o diesel e que o presidente Michel Temer o sancione – o que só deve acontecer na semana que vem.

Enquanto isso, o caos se multiplica. Já se verifica desabastecimento de alimentos em diversas cidades do País. O transporte público está funcionando de maneira precária. Alguns importantes aeroportos informaram que em breve não terão mais combustível e terão de fechar. O atendimento na área de saúde começou a ser afetado. O preço da gasolina disparou nos postos, que registram imensas filas de consumidores desesperados. A manutenção de tal estado de coisas, apesar das generosas concessões feitas aos caminhoneiros, demonstra inaceitável comportamento, que deve ser punido com rigor. Do contrário, a sociedade viverá sempre na dependência dos humores e da agenda de agitadores cujos interesses privados estão muito longe de coincidir com os do resto do País.

A atitude atrevida dos grevistas mostra que os caminhoneiros se julgam em posição de força para ditar as condições da negociação, já que bastaram três dias de bagunça para que o governo, a Petrobrás e o Congresso lhes cedessem dedos e anéis. Não parece haver dúvida a esta altura que, de carona com o movimento dos caminhoneiros autônomos, estão grandes empresas de transporte e associações de produtores e distribuidores, todas interessadas em alguma forma de subsídio ao preço do frete. Mais uma vez, uma corporação organizada pretende obter vantagens econômicas à custa do conjunto dos contribuintes.

Impostos são um dos problemas nos combustíveis: Editorial | O Globo

A paralisação de caminhoneiros expõe distorções como o peso do ICMS nos derivados de petróleo e a própria dependência excessiva em relação ao transporte rodoviário

A greve de caminhoneiros, capaz de emparedar Executivo e Legislativo, ao ameaçar paralisar setores vitais — abastecimento em geral, transportes, inclusive aéreo — expõe diversas mazelas brasileiras. Uma das mais evidentes é a enorme e histórica dependência do transporte rodoviário, em detrimento de outros modais, como o ferroviário, o que torna possível o país ficar refém de uma categoria. Chega a ser caso de segurança nacional, a exigir estudos e planejamento para, enfim, atenuar esta distorção que vem da década de 50, mas nunca enfrentada como deveria.

Há, ainda, a questão econômica, em que se destaca uma característica nacional desde a redemocratização, que é a carga elevada de impostos, para sustentar o custo crescente do Estado, impulsionado por enormes despesas engessadas e indexadas. No caso dos combustíveis, União e estados estão juntos na grande avidez por impostos.

Há o PIS/Cofins federal, zerado na emergência sobre o diesel, na noite de quarta, pela Câmara, decisão enviada ao Senado, e o enorme peso do ICMS cobrado nos estados. Nestes, as alíquotas giram em torno dos 30%. No caso da gasolina, somado o ICMS com o imposto federal, a carga fica na faixa próxima aos 45%.

Marina sem rede: Editorial | Folha de S. Paulo

Retórica de pré-candidata esbarra na questão de como obter apoio para seu eventual governo

A ex-senadora Marina Silva (Rede) tornou célebre, há tempos, o contraponto entre o aspecto pragmático da atividade política e aquilo que, segundo seu vocabulário, corresponderia ao lado “sonhático” de sua própria trajetória como militante ambientalista.

Pré-candidata à Presidência da República, que já disputou outras duas vezes, ela reapresentou, na sabatina realizada nesta quinta (24) por Folha, UOL e SBT, o lado utópico sem extremismo a que sua figura continua associada.

No que tange à gestão da economia, por exemplo, não se mostrou radicalmente contrária às reformas previdenciária e trabalhista —discordando, aqui e ali, de alguns dispositivos mais indigestos.

Foi mais enfática em sua condenação ao congelamento, por até 20 anos, das despesas orçamentárias federais, que na prática tende a impedir a expansão de programas em educação, saúde e segurança. Admitiu, no entanto, que os gastos exigem rígido controle.

Pode-se situar sua candidatura em uma oposição moderada ao governo Michel Temer (MDB).

Obviamente crítica das fragilidades do Planalto no plano da ética e da sustentação social, a postulante da Rede mostrou-se, como se sabe, a favor do impeachment da petista Dilma Rousseff e não manifesta nenhuma complacência com a sorte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministra.

A própria bandeira ambientalista, nas mãos de Marina Silva, não se agita contra o agronegócio: a própria necessidade de integração do Brasil aos mercados internacionais impõe, como assegura a pré-candidata, um respeito crescente às normas da sustentabilidade.