sábado, 17 de março de 2018

José Márcio Camargo: Desemprego, inflação e reformas

- O Estado de S.Paulo

Se nossas estimativas estão corretas, há ainda algum espaço para a queda dos juros

Pela primeira vez na história recente, o Brasil terá, pelo segundo ano consecutivo, taxas de inflação e juros reais compatíveis com os padrões internacionais (entre 2% e 4% ao ano), sem usar de artificialismos, como controles de preços e da taxa de câmbio. Isto apesar de ter um déficit fiscal e uma relação dívida/PIB bastante elevados.

A queda da taxa de inflação é generalizada, mas particularmente importante na inflação de serviços. No curto prazo, a taxa de inflação de serviços é determinada por duas relações: a relação entre taxa de juros real e desemprego e entre desemprego e inflação de serviços. Quanto maior a taxa de juros real, mais caro o acesso ao crédito, menor a demanda por bens e serviços, menor a produção e maior a taxa de desemprego. Por outro lado, quanto maior a taxa de desemprego, menos renda é gerada na economia, menos demanda por bens e serviços, menor a capacidade das empresas de aumentar seus preços e menor a taxa de inflação.

Devido à maior credibilidade do Banco Central do Brasil (BCB) e às reformas implementadas, desde meados de 2016 a relação entre desemprego e inflação de serviços está se deslocando sistematicamente para a esquerda. Nossas estimativas sugerem que a maior credibilidade do BCB reduziu em 3 pontos de porcentagem a taxa de desemprego necessária para chegar à mesma taxa de inflação.

A liberalização da terceirização permite que as empresas concentrem sua produção em atividades nas quais são mais produtivas, contratando outras empresas para desenvolver as atividades em que são menos produtivas. Isto reduz os custos de produção, em geral, e os custos do trabalho, em particular.


A reforma trabalhista mudou dois pontos fundamentais das relações entre empresas e trabalhadores. Primeiro, a determinação de que a parte derrotada na disputa trabalhista arque com os custos advocatícios da parte vencedora provocou forte redução das demandas judiciais e, portanto, do custo do trabalho.

Por outro lado, antes da reforma, quando ocorria uma queda do nível de atividade que exigia das empresas a redução do salário nominal do trabalhador, a única opção era demiti-lo e, se necessário, contratar outro pagando salário menor. A única variável de ajuste era o desemprego. A partir da reforma, as empresas podem, por meio dos contratos intermitentes e bancos de horas negociados individualmente, reduzir a jornada de trabalho, renegociar o contrato, diminuir o salário e, no limite, demitir o trabalhador. A reforma flexibilizou o salário e criou caminhos de ajuste que não o desemprego.

Segundo nossas estimativas, no início de 2016, a taxa de desemprego necessária para atingir uma inflação de serviços de 4,5% estava próxima a 17,0% da força de trabalho. Em meados de 2017 havia caído para 13% da força de trabalho. Em janeiro de 2018 caminhava para 10,5% da força de trabalho. Esta é a razão pela qual desemprego e inflação de serviços estão caindo simultaneamente. E o efeito das reformas está apenas no começo. Afinal, elas foram aprovadas há menos de um ano. Nossa conjectura é que esses deslocamentos deverão se intensificar nos próximos meses.

O Banco Central está perseguindo um alvo móvel: a taxa de juros real que gera a taxa de desemprego que levará a taxa de inflação para a meta. Como esta taxa de desemprego está caindo, a taxa de juros real também está em queda. Neste contexto, as questões relevantes para a definição da política monetária são: no curto prazo, para onde vai a relação entre inflação de serviços e desemprego? Se nossas estimativas estão corretas, há ainda algum espaço para a queda dos juros. A questão é a sustentabilidade desta queda no médio prazo. Dado o elevado nível do déficit público e da relação dívida/PIB, a pergunta é: qual a menor taxa de juros aceita pelos investidores para financiar a dívida pública? A resposta só a reforma da Previdência conseguirá dar.
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* Professor do departamento de economia da PUC/Rio e economista da Opus Investimento

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