segunda-feira, 12 de março de 2018

Fernando Limongi: A encruzilhada petista

- Valor Econômico

Se há um plano B, quanto antes ele virar o plano A, melhor

Lula falou longamente à "Folha de S.Paulo". A repercussão da entrevista não foi das mais favoráveis ao ex-presidente. Nas redes sociais, as chamadas para a íntegra da entrevista indicavam que os cortes e as edições teriam prejudicado os argumentos do ex-presidente. O confronto entre as duas versões não revela tamanha diferença. Com ou sem manipulação na edição, a situação enfrentada por Lula não é nada confortável.

Na entrevista, a afirmação mais importante feita por Lula, a que realmente interessa ao debate político-eleitoral, é a seguinte: "Eu sou contra boicotar as eleições." Tudo o mais que falou deve ser lido tendo essa declaração em mente.

O esclarecimento serve para afastar interpretações exageradas das primeiras reações à decisão dos três do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), como a fala de Gleisi Hoffmann sobre sangue nas ruas e outras tantas declarações na mesma direção. O PT sempre foi e continua sendo um partido eleitoral, pragmático. Os arroubos retóricos fazem parte da estratégia traçada por Lula e pelo PT para obter a absolvição do ex-presidente.

Na entrevista, Lula deixou esse ponto claro quando afirmou: "Eu quero saber o seguinte: eu proibido de ser candidato, na rua fazendo campanha, como eles vão ficar? Eles estão me transformando numa vítima desnecessária."

Entretanto, até o momento, a ameaça contida no "como eles vão ficar?" não surtiu efeito. Não deteve Sergio Moro, os três do TRF-4 e, tampouco, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Desde o início do movimento contra o mandato de Dilma, o PT vem repetindo essa ameaça sem que ela tenha efeitos sobre os demais atores. A despeito da sua alegada proximidade com movimentos sociais, o PT é mais eficiente para obter votos do que para pôr gente na rua. Dilma se foi sem maiores reações e a candidatura Lula se vai sem que o povo seja convocado para vir defendê-la.

Enquanto a inelegibilidade de Lula era uma possibilidade, os interesses pessoais do ex-presidente e do partido estavam alinhados. A candidatura servia igualmente bem a ambos. Para Lula, funcionava como a forma de aumentar os custos da sua condenação. Para o partido, era o melhor caminho para preservar o que restara de seu capital eleitoral e, eventualmente, conseguir resgatá-lo por meio de nova campanha presidencial comandada por Lula.

Mas os interesses do ex-presidente e do partido deixaram de se alinhar perfeitamente. Lula dificilmente poderá ser candidato e o ex-presidente e partido precisam encontrar a melhor resposta para essa nova situação.

Para Lula, o melhor continua a ser esticar a corda. É o que lhe resta após ter queimado pontes atrás de si, pois, como explicou didaticamente à repórter, não pode sequer 'abrir brecha' para a emergência de candidatura alternativa, pois "se eu fizer isso, minha filha, eu estou dando o fato como consumado." Isto é, considerar outra candidatura seria reconhecer a condenação, aceitá-la como definitiva. Por isso, afirmou, "eu vou brigar até o fim." É o que lhe resta fazer.

Na entrevista, contudo, Lula reorientou sua linha de defesa, seguindo estratégia provavelmente traçada por seu novo advogado, o ex-ministro Sepúlveda Pertence. Durante toda a conversa, Lula não recorreu nem uma vez a seu bordão "nunca antes nesse país" para se referir aos avanços sociais dos governos petistas. Disse ser vítima, mas de um complô internacional para "dar um jeito no Brasil", depois da descoberta "da maior reserva de petróleo do mundo do século XXI."

Na narrativa mirabolante, o algoz das políticas sociais do PT, o presidente Michel Temer, acaba entrando no balaio dos perseguidos. Por alguma razão, a 'conspiração internacional' precisaria garantir um terceiro mandato para Rodrigo Janot. "O Temer se prestou a fazer o serviço do golpe. Mas não era uma figura palatável, e houve uma tentativa de golpe. Senão, me explica o que aconteceu."

A explicação oferecida pelo ex-presidente não convence, mas seu objetivo ao tratar Temer como vítima do mesmo golpe que afastou o PT do poder é fácil de compreender. Lula busca refúgio na tese defendida por seus adversários políticos diretos, a de que todos seriam vítimas dos exageros de uma grande conspiração orquestrada por Ministério Público e Judiciário contra as liberdades individuais. Gilmar Mendes e seus habeas corpus passam a ser uma esperança. Por isso mesmo, José Eduardo Cardozo achou de bom tom passar no jantar em homenagem a Gilmar, organizado por criminalistas liderados por Antônio Mariz de Oliveira.

Lula, portanto, mantém sua candidatura, mas, ante os resultados colhidos até aqui, considera todas as alternativas disponíveis para evitar o pior. Estica sua candidatura mesmo sabendo que ela tem poucas chances de sobrevivência. Mas essa estratégia entra em conflito com os interesses eleitorais do PT. Quanto antes o nó da candidatura Lula se desatar, melhor para o partido.

Boicotar a eleição presidencial não é, e nunca foi, uma opção para o PT, um partido que nasceu e cresceu disputando eleições, sobretudo, a presidencial. Para recuperar sua força e garantir hegemonia eleitoral entre as forças de esquerda, o PT precisa de candidato forte nessas eleições. Foi assim que o partido cresceu e consolidou seu discurso em defesa dos mais pobres.

O problema é saber se o partido dispõe de um substituto à altura. As opções consideradas até aqui, como Jaques Wagner, Fernando Haddad e Patrus Ananias, não têm a mesma envergadura e peso eleitoral, sobretudo se vendidos como suplentes do titular impedido de entrar na disputa. Isto é, se há um plano B, quanto antes ele virar o plano A, melhor. O candidato ungido precisa de tempo para se viabilizar.

O PT, portanto, está paralisado, incapaz de desatar o nó que o prende ao destino de Lula. Ao adiar a substituição inevitável, o PT coloca em risco sua hegemonia eleitoral sobre as forças de esquerda, conquistada e mantida desde 1989.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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