segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Ricardo Noblat: Lula, o protagonista

- O Globo

Duas questões nos desafiam na atual conjuntura: o desemprego e a desconfiança nos governos.Fernando Henrique Cardoso

Preso ou solto, candidato ou não, o ex-presidente Lula será protagonista das próximas eleições. A mais recente pesquisa de intenções de voto do Datafolha reforça a convicção da esmagadora maioria dos políticos de todas as cores de que, vivo ou morto, preso ou solto, candidato ou não, Lula será o protagonista da próxima eleição presidencial. Como foi de todas de 1989 para cá, à exceção da de 2014 quando Dilma preferiu caminhar com as próprias pernas e, por pouco, não acabou derrotada.

CADA ELEIÇÃO É UMA, com suas particularidades. Mas nada impede que determinados axiomas influenciem os resultados de quase todas. Quando a economia vai mal, por exemplo, vota-se contra o candidato apoiado pela situação. Ou contra aqueles que a ela não se oponham de maneira decisiva. Não basta opor-se, claro. É preciso encarnar a esperança de que tudo poderá mudar.

EM 1989 FOI ASSIM. Fernando Collor de Melo, o “caçador de marajás”, Leonel Brizola, a besta-fera do regime militar de 64, e Luiz Inácio Lula da Silva, o operário que ameaçava o status quo, prometeram romper com “tudo isso que está aí” — a inflação galopante, a corrupção em alta, um governo inerte, sem rumo. Os três foram os mais votados no primeiro turno.

A CORRUPÇÃO, O FRACASSO da política econômica e a falta de apoio do Congresso derrubaram Collor à metade do seu mandato. O sucesso do Plano Real no combate à inflação elegeu e reelegeu Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998. A “esperança venceu o medo” em 2002 elegendo Lulinha Paz e Amor quando o Real começava a farrapar. Lula reelegeu-se apesar do mensalão. E elegeu Dilma, seu poste.

NUM PAÍS ONDE A RENDA familiar de 67% da população fica abaixo de três salários-mínimos, a Era Lula é lembrada por muitos como de relativa paz, estabilidade e um pouco mais de dinheiro no bolso. O Datafolha perguntou aos entrevistados se a corrupção é tolerável caso venha acompanhada de benefícios sociais. Para pouco mais de 50%, é sim. Não é para 45%. Os demais não souberam responder.

LULA ESTAVA NO PATAMAR dos 30% das intenções de voto quando foi levado coercitivamente a depor à Lava-Jato, em março de 2016, e depois ao juiz Sergio Moro, em maio deste ano. Agora, aparece com 36% em todos os cenários de primeiro turno considerados pelo Datafolha. Na simulação de segundo turno, a vantagem dele sobre seus adversários aumentou em quatro pontos percentuais.

CADA PROCESSO TEM UM número. Lula soube transformar os processos a que responde em uma causa — a defesa do perseguido que, se incorreu em má conduta, foi em poucas e insignificantes. Impedi-lo de disputar eleições seria um crime contra uma parcela expressiva de brasileiros. É razoável supor que assim pensem os que votam nele, e garantem votar em um eventual candidato por ele indicado.

SEMPRE HAVERÁ A POSSIBILIDADE de que a Justiça em segunda instância se apresse e confirme a sentença de Moro que condenou Lula. Mas caberão recursos às instâncias seguintes, e essas costumam ser lentas e generosas com políticos poderosos. A sombra de Lula, ou ele de corpo presente, determinará a sorte da escolha do sucessor de Michel Temer.

Até outro dia
Foi um privilégio ter ocupado este espaço nos últimos 11 anos. Agradeço ao GLOBO, que me deu total liberdade para fazê-lo, e à tolerância de vocês, leitores. Às vésperas de completar 51 anos de jornalismo, anima-me a chance de encarar novos desafios. Espero reencontrá-los em breve. Obrigado.

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