quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Vitória consagra tese do semiparlamentarismo | Igor Gielow

- Folha de S. Paulo

O clichê da vitória de Pirro, aquela que exaure o vencedor de todas as forças e o força a capitular, esteve presente no cálculo do Planalto durante todo o processo no qual resistiu à bomba atômica deixada pelo empresário Joesley Batista no colo do presidente Michel Temer após a fatídica reunião entre os dois no escurinho do Alvorada.

Já existe um consenso, um "novo normal" para usar outro clichê mais atual, de que a vitória que os votos mínimos para derrubar a denúncia inédita contra o presidente na Câmara garantiram nesta quarta (2) manterá Temer na cadeira presidencial até o fim do mandato que herdou de Dilma Rousseff. Mais: se por ventura for alvejado com violência suficiente por novas denúncias, o peemedebista simplesmente seria trocado por uma "meia dúzia" qualquer.

Nos dois cenários em que isso é possível, afastamento por 180 dias se a Câmara autorizar uma segunda investigação contra Temer ou renúncia, o beneficiário mais citado é Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente da Câmara que herda a cadeira constitucionalmente na primeira hipótese e é forte candidato em pleito indireto na segunda.

Maia e o grupo do governador Geraldo Alckmin (SP), tucano que vem montando o arcabouço de sua candidatura em 2018 com a sombra do pupilo João Doria rondando, concordam que um "parlamentarismo de ocasião" precisa ser instalado com ou sem Temer no cargo. Aprovar ao menos a idade mínima da reforma previdenciária e tentar uma ou outra agenda, de preferência de lavra própria.

Esse modelo seria uma evolução do atual semiparlamentarismo do qual Temer se orgulhou até em viagem àquele paraíso democrático chamado Rússia. De fato, em seu primeiro ano foi aprovada uma extensa agenda congressual e, por fim, foi desse apoio cimentado na ocupação do ministério pelo Congresso que saiu sua vitória no plenário.

Evolução, ressalte-se, de quadro, não necessariamente de qualidade. A crise política continuará onde está, não menos porque já estão em campo as forças que tensionam o quadro eleitoral de 2018. A implosão que o PSDB assiste devido à queda de seu cacique Aécio Neves e à bizantina discussão sobre permanecer ou não com Temer é apenas a mais visível fratura decorrente da ação dessas energias.

Não estão em melhores lençóis as forças de oposição, não menos pelos pés de barro do santo que cultuam, Lula. A desorientação só é aliviada pela agenda única do combate às reformas impopulares que o parlamentarismo de ocasião tentará carregar.

Há, naturalmente, uma curiosidade mórbida sobre a resiliência de Temer caso volte a ser atingido pessoalmente. Um ministro de seu gabinete teve recentemente uma conversa franca com Rodrigo Janot, e saiu convencido de que só haverá bambu para mais uma flecha, para ficar na figura do procurador-geral da República.

Esse projétil, a segunda denúncia por acusação de obstrução de Justiça, é vista com desdém pelo entorno de Temer —que sempre desprezou o teor jurídico da primeira peça, derrotada nesta quarta (2), mas nunca de seu potencial político. Não foi por acaso que gastou ao limite o arsenal à sua disposição, e usou do corpo a corpo até o fim.

A noção de que o fim do combustível para agradar os famintos aliados poderia expor Temer durante o segundo ataque é contestável pelas práticas corporativistas do Congresso. "Hoje é o presidente, amanhã sou eu" é um pensamento corrente por lá. Sem "ruas" para pressionar, a tarefa ficou bem mais fácil.

Tudo pode mudar, obviamente. A partir da derrota da primeira denúncia, contudo, o monstrengo do semiparlamentarismo ganhou vida própria. É previsível que será quase incontrolável e isso será, afinal, o "novo normal".

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