sábado, 19 de agosto de 2017

Terror primário – Editorial | Folha de S. Paulo

A eficácia monstruosa do 11 de Setembro —com o ineditismo do ataque de grande escala em solo americano e a novidade da organização transnacional de redes terroristas de inspiração islâmica— obscureceu por algum tempo o fato de que o terror é ameaça bem mais antiga e problema persistente, de difícil solução.

Decerto passa-se por um ciclo mais ativo desse tipo de barbárie; mas o terrorismo, doméstico ou importado, de inspiração religiosa ou política, é duradouro.

Existia terror antes dos islâmicos —ataques de separatistas bascos, irlandeses, corsos, para citar apenas alguns exemplos notórios; ou a guerra entre Israel e Palestina, que muita violência provocou em Paris. Existirá, quase certamente, depois deles.

A atual amplitude de alvos e a frequência dos morticínios, de todo modo, impressiona. Depois dos atentados a bomba da primeira década do século, tornam-se comuns massacres com armas automáticas e atropelamentos coletivos.

Houve Londres, Estocolmo, Nice, Berlim e, desta feita, Barcelona e Cambrils, nos episódios de maior alcance homicida.

Muito concorre para a persistência desse horror. Guerras e ódios, crises geopolíticas e desastres socioeconômicos decorrentes não serão resolvidos tão cedo.

Desde 1979, com a revolução no Irã, renovaram-se os conflitos entre o Ocidente rico e o Oriente Médio. Desde 2001, Estados Unidos e aliados estão em guerra com países muçulmanos, seja Afeganistão, Iraque ou Síria. Para os fanáticos, trata-se de novos episódios de séculos de cruzadas contra o islã.

Hoje, a porosidade de fronteiras e as redes globais de comunicação favorecem o trânsito de terroristas e a propagação de suas ideias.

Não se necessita de sofisticação para produzir mortandades. Basta, em última análise, um "lobo solitário", como os inspirados à distância pela facção Estado Islâmico. Basta uma van ou bombas feitas de um botijão de gás acoplado a uma panela cheia de parafusos.

Por imperativo que seja redobrar a vigilância doméstica (bem como intensificar medidas militares e diplomáticas), é difícil imaginar que haja policiais ou barreiras nas ruas suficientes para prevenir ações tão primárias.

Um risco recorrente da reação defensiva, por fim, é o de cercear liberdades individuais, conforme discussão muito acesa no Reino Unido e na França depois dos atentados desta década.

A questão será como buscar a segurança dos cidadãos sem que as sociedades abertas acabem por ceder alguma vitória ao terror, desgastando os fundamentos de sua vida civilizada e democrática.

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