domingo, 20 de agosto de 2017

Prorrogação de mandatos disfarçada | Alberto Goldman

- Folha de S. Paulo

Não há outro nome para dar às propostas que podem ser aprovadas pelo Congresso Nacional. Está em curso uma verdadeira autoprorrogação, disfarçada e covarde, dos mandatos dos parlamentares, articulada por representantes de quase todos partidos políticos. Uma vergonha!

São duas as principais propostas em debate para perpetrar esse verdadeiro crime contra a democracia brasileira. A primeira tenta aprovar o distritão. Com isso, seriam eleitos os mais votados em cada Estado. Não haveria mais a soma dos votos obtidos pelos partidos para saber quantas cadeiras caberiam a cada um deles na proporção de seus votos.

O partido lançará seus candidatos e, naturalmente, se restringirá aos atuais ocupantes das cadeiras, a não ser pela presença excepcional de algum nome de suficiente poder político que possa ter mais votos que os atuais.

Artistas, esportistas, líderes religiosos e figuras com expressão nacional poderão ser eleitos em qualquer legenda, mesmo sem afinidade política e ideológica ou compromisso com ela. Terão absoluta autonomia.

Os partidos políticos, elemento fundamental de qualquer democracia, perdem a importância, a não ser para servirem de cartório de registro de candidatos e coleta e distribuição de dinheiro público.

O resultado é que poucas pessoas se encorajarão a disputar os mandatos. A renovação tenderá a zero.

A segunda proposta é o financiamento das campanhas eleitorais por meio de recursos do Orçamento federal -vale dizer, do dinheiro público. Pretendem que 0,5% da receita corrente líquida federal seja destinado ao cinicamente denominado fundo especial de financiamento da democracia, um verdadeiro imposto eleitoral.

Fora isso, há ainda os recursos que já são destinados ao fundo partidário e os que a mídia recebe como ressarcimento pelos horários gratuitos.

A soma total do dispêndio público pode atingir R$ 6 bilhões no ano eleitoral. É o paraíso dos candidatos, em especial dos deputados federais, e a alegria dos dirigentes partidários, que passam a ter influência ainda maior.

Se a isso aliarmos o poder de fazer emendas ao Orçamento federal a fim de atender as suas bases eleitorais, teremos os deputados atuais com todos os instrumentos possíveis e imagináveis para a sua reeleição, o que significaria, de fato, uma prorrogação de seus mandatos.

A competição em igualdade de condições deixa de existir no seio das próprias legendas. As exceções seriam as vagas abertas por deputados que deixam de concorrer ao mandato -estas seriam ocupadas, sem dúvida, por nomes cuja expressão pública deriva não de seu valor intelectual ou moral, mas de sua exposição à mídia.

Além da prorrogação disfarçada, as propostas embutem uma covardia e um descompromisso com o país. Covardia porque estabelecem condições de disputa desiguais com aqueles que não possuem mandatos.

Descompromisso com o país porque não levam em conta a necessidade de abrir ao povo, em condições de igualdade, a possibilidade de renovação para definir o seu próprio destino.

Além dos interessados em sua própria reeleição, defendem o distritão os que acham que esse será o primeiro passo, a transição, para o desejado sistema distrital misto, considerado o mais adequado por todas as correntes políticas mais sérias. Espertamente, esse sistema não seria implantado já para 2018.

Essa defesa se dá parte por safadeza, parte por ingenuidade incompreensível. É evidente que, uma vez eleita a nova Câmara, ela tomará as medidas para manter o distritão, com dinheiro em abundância, por toda a eternidade, mesmo que as novas regras estejam em dispositivo constitucional.
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Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB, foi governador de São Paulo

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