sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Pesquisador enumera fragilidades do fundo

Por Cristian Klein | Valor Econômico

RIO - Não é a montanha de dinheiro do fundo de financiamento eleitoral que Bruno Speck, um dos maiores especialistas no assunto, vê como defeito no núcleo da reforma política em tramitação na Câmara. Para o professor do departamento de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), o total previsto de R$ 3,6 bilhões - que deve ser retirado do texto-base, mas pode ser até maior quando for regulamentado a cada eleição - não forma um valor despropositado, se levado em consideração que "o Brasil é grande, eleições são caras e os recursos viabilizam a democracia". "Obviamente que, por causa da crise, está faltando dinheiro em todo lugar, mas mesmo quando o financiamento era quase o dobro, com doações de empresas, o custo do voto para cada eleitor era de um guaraná por ano", compara.

Na noite de quarta-feira, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, decidiu adiar, para semana que vem, a votação em plenário da proposta de emenda constitucional sobre o tema.

O problema do fundo público eleitoral, afirma Bruno Speck, é que se for para gastar tal volume de recursos seria importante que ele fosse desenhado de "forma justa, inteligente e com o objetivo de fortalecer a democracia". Para o cientista político, três são os principais defeitos da proposta sugerida no relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP): a distribuição do fundo 1) garante um valor "cheio" aos partidos, sem considerar a taxa de abstenção, que deveria ser descontada, num incentivo para que as legendas atraiam os eleitores às urnas; 2) só leva em conta os resultados nacionais dos partidos, quando poderia acrescentar o desempenho estadual e até municipal; e 3) tem como critério da alocação proporcional apenas a última disputa, o que "ossifica" os resultados passados.

É a terceira crítica de Speck que traz a sugestão que representaria a maior mudança de comportamento no financiamento eleitoral. Para o pesquisador, tal como proposto, o fundo é "um modelo de remunerar o passado", pois perpetua o resultado de eleições anteriores como critério de alocação dos recursos. "Ele ignora o que aconteceu entre as duas eleições, a última e a próxima. Não bonifica nem penaliza os políticos que estão ligados a um governo que foi péssimo ou foi ótimo", diz. Speck sugere a adoção de três formas de alocação que chama de "não burocráticas" e estão de acordo com a vontade do eleitor. "São modelos mais próximos de uma lógica de mercado", afirma.

O primeiro sistema é o de "matching funds", utilizado nas eleições primárias dos Estados Unidos, onde cada doação do eleitor, no limite de US$ 250, é complementada por um aporte público no mesmo valor. O segundo modelo é o de reembolso, praticado no Canadá, que concede um desconto no imposto de renda equivalente a 75% das doações até US$ 400 e de 51% para as contribuições acima de US$ 1.275. O terceiro, diz Speck, ainda não é adotado em nenhum país, mas foi proposto pelos cientistas políticos Bruce Ackerman e Ian Ayres, no livro "Voting with Dollars: A New Paradigm for Campaign Finance", publicado em 2002.

Por este sistema, os eleitores receberiam do Estado uma quantia de "dinheiro virtual" - por exemplo, "50 dólares patriotas", num cartão de crédito especial - e poderiam fazer a doação, anonimamente, no caixa eletrônico mais próximo, para seu candidato ou partido preferido. No livro, os autores da Universidade de Yale detalham como a proposta pode ser operacionalizada e antecipam problemas, como a possibilidade de corrupção. "Não duvido que haveria fraude, mas as doações seriam baixas. Para que um político 'comprasse' muitas contribuições, por exemplo oferecendo R$ 2 ou R$ 3, seria um trabalho do cão", prevê Speck. Para o cientista político, se cada eleitor brasileiro recebesse R$ 10 virtuais para doar, o total seria de R$ 1,5 bilhão, quase metade do valor proposto para o fundo. "É mais uma forma de incluir os eleitores no processo de alocação de recursos", defende.

O pesquisador afirma, no entanto, que "a lógica de olhar para fora", para as experiências ou sugestões internacionais, nem sempre é válida. A Alemanha, seu país natal, cita, permite que doações abaixo de 20 mil euros sejam sigilosas. A doação oculta, que foi introduzida e deve ser retirada do projeto de Vicente Cândido, para as contribuições de até três salários mínimos, é criticada pelo especialista. "Temos que propor algo melhor do que está aí. Isso não incentiva um doador a mais. Nunca vi matéria em jornal que se apontasse problema nesse tipo de pequeno doador", afirma.

Quantos às outras duas críticas centrais ao fundo - que Speck reconhece como um "pouco idealistas" - a primeira diz respeito ao acesso dos partidos a um "fundo cheio". Em sua opinião, o volume a ser distribuído deveria levar em consideração a capacidade de mobilização dos partidos e quantos cidadãos efetivamente participaram das eleições. Caso a taxa de abstenção em 2014, de 19,3% se repetisse, o fundo perderia R$ 695 milhões e ficaria limitado a pouco menos de R$ 3 bilhões.

A segunda crítica é que o fundo "amarra seu critério de distribuição unicamente ao sucesso dos partidos no âmbito nacional". "Acho questionável, porque o país é federativo e os partidos também", diz. Para o especialista, seria mais apropriado que a repartição do dinheiro também levasse em conta a votação para as assembleias legislativas estaduais e, em última instância, a das câmaras municipais.

"Se um partido é forte num Estado, essa seção regional é penalizada na próxima eleição porque vai receber recursos políticos baseados no resultado nacionalmente mais fraco da legenda", afirma Speck.

É o que já acontece, não só na distribuição do fundo partidário - embora a realocação interna possa favorecer os diretórios mais fortes - mas também na do tempo de propaganda em rádio e TV. O cientista político minimiza o fato de que o critério de se tomar a eleição da Câmara dos Deputados como parâmetro possa favorecer a nacionalização dos partidos. O projeto em discussão separa ainda 15% para serem distribuídos de acordo com a bancada do Senado - o que também favorece o nível mais alto e nacional de agregação. "Com isso, os partidos se nacionalizam prematuramente. São artificialmente incentivados em outros Estados", diz Speck.

Além de não achar excessivo o valor destinado ao fundo eleitoral, o professor da USP considera que o montante de recursos públicos pode ter um efeito positivo, caso o distritão seja adotado como novo sistema eleitoral. Apontado como um modelo hiperpersonalista, pois a eleição de parlamentares é independente do desempenho partidário, os males do distritão poderiam ser, de alguma forma, neutralizados pela importância que o fundo daria ao controle das direções dos partidos. "Talvez sirva de um pequeno contrapeso ao esvaziamento dos partidos. Como as agremiações poderão fazer o que quiserem com o dinheiro, a tendência é que a disputa interna se torne mais acirrada. Isso gera um incentivo para tornar os partidos mais democráticos. A ocupação das comissões executivas partidárias será ainda mais importante", diz.

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