segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Os compadres | Fernando Limongi

- Valor Econômico

Nenhuma alternativa considerada é melhor que o status quo

Na última quarta feita, quando tudo parecia encaminhado para o início da votação da Reforma Política, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, achou mais ajuizado suspender a sessão. Alegou que quórum estava baixo. No dia seguinte, o noticiário foi lacônico. Não se sabe ao certo onde e porquê a reforma travou. As negociações seguem a portas fechadas. Desacorçoado, Vicente Cândido (PT-SP), relator da matéria, afirmou que o plenário fora tomado por "uma chuva de ideias". Em outras palavras, o Congresso entrou no modo improvisação.

Cândido não foi capaz de pôr o projeto em pé. A cada relatório, promoveu alterações significativas em seus eixos centrais. Constante apenas a suposição de que o sistema estaria falido e de que, portanto, mudanças radicais seriam necessárias. Mas não houve acordo sobre o que deve substituir a lista aberta, nem quanto aos critérios de divisão do Fundo de Desenvolvimento da Democracia. A hesitação é enorme.

Com a rapidez com que deixa trajes formais para trás, o presidente da Câmara deu declarações desencontradas. Em seminário na FGV, na sexta feira dia 11, Rodrigo Maia, defensor ardoroso do 'distritão' em 2015, desancou sua nova aparição: "O 'distritão', como está, é ruim. Não existe em quase nenhum país. Se não tiver fidelidade alta, acabaremos tendo 513 partidos." Passado o fim de semana, mudou o tom e declarou que o sistema "não é tão ruim assim".

Enquanto Maia e as lideranças políticas não conseguem se decidir, o ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral manteve seu périplo gastronômico por Brasília. No dia da votação, almoçou na residência oficial do presidente da Câmara, aproveitando para 'debater a reforma política' e, de quebra, deixar nas mãos do colega um estudo propondo a adoção do parlamentarismo. Segundo declarou: "Na avaliação que a gente fez, há um projeto muito bom do Aloysio Nunes, e nós preparamos algumas observações. É um esboço, uma versão preliminar."

Difícil saber quem incluir no 'nós' empregado pelo Ministro Presidente. Sabe-se apenas, segundo a imprensa, que a proposta 'recebe o entusiasmo do presidente Temer'. Sabe-se também que o senador José Serra, como sempre faz quando em momentos como o atual, voltou a dar entrevistas em defesa do parlamentarismo como via para se sair da crise. Para ficar no campo das coincidências, não é demais lembrar que as velas do último aniversário do senador foram apagadas na residência do amigo Gilmar. Mais interessante ainda é que o anfitrião seja o relator dos inquéritos abertos contra o senador.

Esteja ou não falando em nome de Aloysio ou Serra, o certo é que o ministro presidente conferiu a si o mandato de reformador-mor das instituições vigentes no país. Transformou-se em interlocutor privilegiado de Vicente Cândido, com quem se reuniu vezes sem conta. Não é claro quem o convocou a tanto e muito menos que o papel lhe caiba. Gilmar Mendes, pura e simplesmente, como em outras oportunidades, mandou às favas a modéstia e o comedimento, para reivindicar para si o papel de padrinho da reforma política. Ante a vacilação geral, como em uma pelada, pegou a bola e bateu o lateral gritando: ´é nossa!'.

Desde de que foi derrotado no STF, onde se bateu enquanto pode para preservar as doações de pessoas jurídicas às campanhas, o ministro presidente não perde chance para afirmar que o sistema eleitoral brasileiro está falido, que é preciso encontrar um substituto para empresas no financiamento das campanhas. O FDD, portanto, conta com seu respaldo, como também o abandono da representação proporcional. Pelas declarações que deu à imprensa após almoçar com Maia, depreende-se que Mendes dava como líquida e certa a aprovação da reforma eleitoral que apadrinhara e já passara a tratar de seu complemento, a adoção do parlamentarismo.

Convenhamos, para usar um termo caro ao presidente Temer, parlamentarismo e 'distritão' seria uma combinação para lá de exótica, para não dizer desastrosa. Ok, ninguém a defende como definitiva. O 'distritão' seria uma solução transitória, aplicado apenas à eleição de 2018. Isto porque o distrital misto, o sistema dos sonhos dos estrategistas de plantão, não pode ser implantado em prazos tão exíguos, pois toma tempo delimitar os distritos. Contudo, já faz algum tempo, os Tribunais Regionais Eleitorais receberam ordens para iniciar os estudos para a implantação dos novos distritos. Ou seja, já se preparam para eleições sob um modelo ainda em consideração.

Não há um traço sequer do 'distritão' que autorize tomá-lo como um passo em direção ao distrital misto ou a qualquer outro sistema. Do 'distritão' não se evolui a nada. Pode-se até defendê-lo por outros motivos, mas só a má-fé ou a credulidade dos que se convencem da genialidade de seus próprios projetos permitem sustentar que a mudança seria o primeiro passo em direção ao modelo que defendem. Difícil saber quem está empulhando quem. Os defensores do distrital-misto realmente acreditam que o 'distritão' é um passo para a travessia desejada? Além disto, quais as garantias de que a Câmara, eleita pelo 'distritão', mantenha o distrital misto para as eleições de 2022?

Vale o registro: o distrital misto não possui nenhuma das propriedades miraculosas que lhe atribuem. Afirmar, como fez o senador Serra que o candidato poderá fazer suas 'campanhas de bicicletas', 'gastará menos' e que, enfim, o modelo mudará a 'forma de fazer eleições', contribuindo 'para a moralização' da política, não pode querer ser levado a sério.

Entre todas as alternativas consideradas, nenhuma é superior ao status quo. Nem tudo se deve ou se resolve com reformas institucionais. Concorrer para a derrubada de presidentes para depois sustentar que o regime é intrinsecamente instável chega a ser um insulto à razão. O buraco em que o país se encontra deve muito a estratégias irresponsáveis formuladas por compadres defendendo velhos amigos.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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