quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Desenvolvimento econômico | Monica de Bolle*

- O Estado de S.Paulo

Fundamental é mudar estruturas que estão conosco há 70 anos

Enquanto o governo brasileiro não define o tamanho da nova rombo-meta fiscal do ano, enquanto arde o debate sobre a TLP, enquanto o Brasil se contorce para justificar suas idiossincrasias, não há tempo para dedicar atenção a mais nada. Sobretudo, com nervos à flor da pele, não há tempo, sequer vontade, de refletir seriamente sobre alguns questionamentos importantes acerca do papel do Estado no desenvolvimento.

Houve tempo em que economistas acreditavam que países em desenvolvimento caracterizavam-se por numerosas falhas de mercado e que a única forma de superar a pobreza, ou as armadilhas de renda média, era usar o Estado para suprir as falhas por meio de pesada intervenção na economia. Houve tempo, também, em que economistas passaram a acreditar que a intervenção estatal era o pior dos males e que o melhor era reduzir a participação dos governos ao máximo, deixando o crescimento e o desenvolvimento a cargo dos mercados. A história, entretanto, não tem sido favorável a qualquer das duas visões.

Países que adotaram o dirigismo pleno – da União Soviética aos países da antiga cortina de ferro, de Cuba ao desastre da Venezuela chavista – implodiram. Por outro lado, diversos países que subscreveram às políticas preconizadas pela ortodoxia econômica tradicional, sucumbiram ao baixo crescimento e à frustração de promessas – o pálido desempenho da América Latina nas últimas duas décadas, sobretudo de países como o México e a Colômbia, revelam esperanças jamais concretizadas.

A conclusão a tirar dessas experiências deveria ser que políticas econômicas fundamentadas em visões extremistas sobre o papel do Estado no desenvolvimento econômico não alcançam os objetivos aos quais se propõem. Do mesmo modo, transplantar experiências e receitas de um país para o outro tampouco leva a grande coisa se o contexto e as características institucionais da economia em questão forem ignorados.

Refletindo sobre esses temas e tentando entender por que o consenso do pós-guerra está sendo intensamente questionado nas economias maduras, voltei a 1945. Defina-se o consenso do pós-guerra por quatro pilares: a exaltação da livre concorrência; a preferência por políticas industriais horizontais, em que o papel do Estado é confinado à educação, à infraestrutura e a facilitar a inovação; a estabilidade macroeconômica orientada para a manutenção de baixos níveis de inflação e dívida pública, com alguma margem para políticas de estabilização; ao livre-comércio e livre fluxo de capitais dentro do arcabouço institucional da OMC, do FMI, do Comitê da Basileia.

Por que 1945? Cinco “modelos” de desenvolvimento caracterizaram o período em torno de 1945: a industrialização e os milagres econômicos do Japão, da Coreia do Sul e de Taiwan, de um lado, e o dirigismo latino-americano da Argentina de Perón e do Brasil de Vargas. As histórias desses cinco países são conhecidas: os asiáticos, devastados pelas guerras – a Segunda Guerra Mundial e a guerra da Coreia – implantaram em meados dos anos 40 (Japão) e nos anos 60 e 70 (Coreia e Taiwan) – o que veio a ser chamado pelo economista norte-americano Chalmers Johnson de Estado Desenvolvimentista.

A definição pouco tem em comum com o que hoje se entende no Brasil por desenvolvimentismo, sobretudo no que diz respeito ao papel do comércio internacional. Johnson, em uma série de célebres livros e análises acadêmicas, caracterizou o modelo japonês, mais tarde copiado por outros países asiáticos, como o de um Estado que, se de um lado definia objetivos de desenvolvimento e metas setoriais, de outro contava com o setor privado para levar a cabo a estratégia. Em 1976, a economia japonesa era 55 vezes maior do que em 1946 e já era a segunda maior do planeta. Coreia e Taiwan passaram por experiências semelhantes – hoje os dois países pertencem ao seleto rol das economias avançadas.

Enquanto isso, Brasil e Argentina parecem continuar amarrados ao corporativismo, à relação de dependência entre Estado e setor privado, às instituições erigidas pelo Peronismo e pelo Getulismo. Presa entre as grades institucionais e políticas erguidas em 1945, a economia brasileira asfixia e estrebucha. O caminho já não é nem a ortodoxia tradicional de outrora, nem a heterodoxia jurássica que trouxe o descalabro fiscal. Necessário é encontrar o caminho do meio. Fundamental é mudar estruturas que conosco estão há 70 anos.
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* Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

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