segunda-feira, 24 de julho de 2017

Eleições podem impor retrocesso às reformas | Angela Bittencourt

Valor Econômico

PSDB é atestado de política econômica dirigido ao mercado

A eleição presidencial de 2018 poderá minar o esforço empreendido até agora para aprovar reformas estruturais com o objetivo de promover uma recuperação econômica, capaz de minimizar os efeitos inquestionáveis da Operação Lava-Jato sobre a atividade.

Para grandes investidores, é de 90% a probabilidade de o próximo governo dar continuidade às reformas estruturais e garantir ao Brasil uma política fiscal sustentável e que dará suporte para uma taxa de crescimento econômico igualmente sustentável.

Os investidores não consideram a possibilidade de a corrida eleitoral mostrar que a probabilidade do ajuste é de 50% e não de 90%. Se for configurado o cenário de 50%, os preços dos ativos financeiros sentirão o baque em função da reestimativa do sucesso já creditado não se sabe a quem.

O mais provável é que tudo termine bem, mas isso não é certo. Nos próximos quatros meses nada acontece. Contudo, a corrida eleitoral pode levar o mercado a fazer o dobro do ajuste feito até agora em câmbio e ações. A delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS, não promoveu esse ajuste. Os juros, em forte queda, seguem sua própria dinâmica. Reagem à inflação em queda e à atividade baixa.

Essa combinação permite ao Banco Central manter, por um período, o juro abaixo do patamar considerado 'neutro', que banca crescimento sem pressões inflacionárias. Um descompasso do juro corrente em relação ao juro 'neutro', estimado em torno de 8%, é necessário inclusive para a recuperação do crescimento", disse em entrevista à coluna, na condição de anonimato, um experiente profissional sempre dedicado ao setor privado e que hoje compõe a diretoria de uma importante gestora de ativos.

Questionado sobre candidatos que poderão despertar confiança nos investidores, nosso interlocutor apontou personalidades filiadas ao PSDB: João Doria, prefeito de São Paulo, e Geraldo Alckmin, governador do Estado. "O PSDB é um atestado de qualidade de política econômica. Qualquer candidato do partido seria recebido dessa forma".

Quanto às condições em que o mercado financeiro pode vir a receber uma candidatura de Ciro Gomes, do PDT, o diretor da asset garante que o ex-senador tem duas características entre aquelas que o mercado financeiro mais teme: "Vai fazer a coisa errada e de maneira errática. E isso é tudo o que o Brasil não precisa."

Nosso entrevistado lembra que os candidatos devem ser conhecidos no ano que vem, perto da eleição de outubro, e afirma que Marina Silva (Rede Sustentabilidade) é um balizador de preferências.

"De Marina à direita, todos serão vistos como bons candidatos e ela mesma pode surpreender sendo bem assessorada. O PMDB está fazendo uma política econômica exemplar, mas não parece haver condição de o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, se fazer candidato. Ele seria o ideal por sua credibilidade, experiência e acertos da atual gestão."

A atual equipe segue um "bom roteiro" de política macroeconômica. A questão fiscal não está equacionada, mas o teto de gastos do setor público foi um meio competente de endereçar os problemas fiscais. O diretor de investimentos de um conglomerado brasileiro entrevistado pela coluna afirma que o espólio do governo Dilma foi uma política macro toda errada, o que levou o país a crescer abaixo do potencial.

"A taxa de crescimento do PIB voltará ao seu potencial, mas além das reformas estruturais, o governo deve rever uma série de mecanismos que foram criados como paliativos. Um desses mecanismos é atrelar tudo à variação do PIB. O melhor exemplo é o salário mínimo. Mas o Brasil teve importantes avanços na área social", diz.

Esse profissional entende que a conquista de uma agenda social não pode e nem deve ser esquecida. "Temos hoje uma pausa na política de distribuição de renda. Ao mesmo tempo, com o desequilíbrio da Previdência, temos também uma transferência de renda do futuro para nós. O sistema de aposentadoria precisa ser totalmente reorganizado. O Brasil tem uma agenda fiscal complexa também em função dos gastos", comenta.

O entrevistado da coluna calcula que o ajuste fiscal deve ser equivalente a 5% do PIB. O problema é grave, mas não insolúvel. A carga tributária não vai subir mais e os gastos continuarão avançando. Ainda no escopo da política fiscal, entende a fonte, o governo deverá rever subsídios e optar pela transparência. "O BNDES tem subsídio para as suas operações, mas deveria demarcá-lo explicitamente e definir em que prazo esse mecanismo será usado."

As contas externas também chamam a atenção desse profissional que teme uma mudança de ventos, antes de o governo brasileiro realizar as reformas.

Os dados do setor externo divulgados pelo BC, na semana passada, mandaram um recado curto e grosso para o presidente Michel Temer: cuide da competitividade das exportadoras, faça valer cada centavo de investimento direto no país e não menospreze as políticas mais restritivas dos grandes bancos centrais.

O desempenho das contas externas também chama a atenção desse profissional que teme uma mudança de ventos no exterior antes de o governo brasileiro realizar as mudanças necessárias. "As condições internacionais ainda são bem favoráveis, mas os maiores bancos centrais do mundo estão em movimento."

No primeiro semestre, as contas externas tiveram o melhor resultado em anos. Fizeram diferença para melhor o superávit comercial e o ingresso de US$ 80 bilhões para investimento na economia real. O juro, ainda um dos mais altos do mundo, não evitou a saída de US$ 11, 3 bilhões de estrangeiros aplicados em renda fixa local.

Investimentos financeiros em ações superaram ligeiramente US$ 2,2 bilhões __ cifra ainda modesta para um país cujo governo já vê crescimento. E se o crescimento não vier, ou não tiver sustentação, haverá um retumbante retrocesso da política econômica.

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