quarta-feira, 5 de julho de 2017

Crise é deflacionária e Banco Central vai agir | Cristiano Romero

- Valor Econômico

Crise que ameaça Temer afeta PIB e justifica queda maior da Selic

Os mercados deram ao Banco Central (BC) uma mensagem muito clara: a crise política que ameaça o mandato do presidente Michel Temer é deflacionária. Deflagrada em 17 de maio, quando o jornalista Lauro Jardim, de "O Globo", revelou diálogo comprometedor entre o presidente e o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, a crise provocou, no primeiro momento, uma correção nos preços dos ativos, já praticamente revertida. Seu pior efeito, porém, foi abalar o ânimo dos empresários quando estes se preparavam para voltar a investir.

Esta análise é compartilhada por participantes do mercado, economistas de bancos e gestoras e integrantes da equipe econômica do governo. É crescente a percepção de que, com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) derretendo, isto é, caindo bem abaixo da meta de 4,5%, as expectativas de inflação sob controle, a atividade econômica ainda bastante desaquecida e as contas externas operando no azul, o Comitê de Política Monetária (Copom) deveria acelerar a queda da taxa básica de juros (Selic), fixada hoje em 10,25% ao ano.

Quando a mais recente crise irrompeu no cenário político, o Copom caminhava para aumentar o ritmo de corte da taxa Selic para 1,25 ponto percentual a cada reunião. O mercado, em sua maioria, esperava que esse movimento ocorresse no encontro do dia 31, mas, tão logo a turbulência começou, as expectativas mudaram. E, aí, o próprio Banco Central decidiu alterar a estratégia, tornando-se mais conservador.

No dia 31, o Copom reduziu a Selic em 1 ponto percentual e, no comunicado, deixou claro que, na sua avaliação, a nova crise gerou dúvidas sobre a aprovação das reformas estruturais encaminhadas pelo governo ao Congresso Nacional. Antes, disse que a diminuição dos juros dependeria da estimativa da taxa estrutural, isto é, da taxa que assegura o crescimento da economia sem gerar inflação acima da meta definida pelo governo.

O impacto da política monetária sobre a inflação é, em tese, proporcional à diferença entre a taxa Selic e a taxa estrutural (também conhecida como neutra ou de equilíbrio). Se a Selic é fixada abaixo da taxa neutra, a tendência é que a inflação acelere. Se é colocada acima, deve ocorrer o oposto. A estimativa da taxa neutra não é um passeio no parque. Envolve fatores como produtividade da economia, grau de incerteza, respeito a contratos, financiamento do Estado, entre outros.

Sabe-se que, no último boom da economia brasileira (2004-2010), a taxa de juros estrutural diminuiu, mas, de lá para cá, diante da acentuada deterioração da situação fiscal, da forte queda da produtividade e do aumento das incertezas, para citar apenas três razões, voltou a crescer. "O Comitê entende que o aumento recente da incerteza associada à evolução do processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira dificulta a queda mais célere das estimativas da taxa de juros estrutural e as torna mais incertas", diz o comunicado da última reunião do Copom.

A crise iniciada em 17 de maio já mostrou seus contornos. Nos primeiros dias, os mercados corrigiram os valores dos ativos - juros, dólar e taxa de câmbio -, mas não houve pânico. Este, se tivesse ocorrido, teria obrigado o Banco Central a, talvez, interromper o afrouxamento monetário, uma vez que teria que lidar com provável pressão inflacionária decorrente, por exemplo, de uma forte desvalorização do real em relação ao dólar. O fato é que não houve pânico e, nas semanas seguintes, os preços dos ativos voltaram quase inteiramente aos valores anteriores aos do início da crise.

Constatou-se que Temer, até então quase incólume aos efeitos da Operação Lava-Jato, pode sobreviver à turbulência, mas perdeu força para aprovar mudanças na previdência, a reforma mais importante da agenda de Brasília neste momento. Há também a crença de que, se o presidente perder o mandato, a coalizão que governa o país desde maio de 2016 permanecerá dando as cartas até a eleição de 2018, seja quem for o presidente.

Esse cenário, como se vê, afeta pouco os mercados, mas arrefece o ânimo do setor produtivo. Diante disso, a terrível recessão, que assola o país há três anos, pode continuar se nada for feito. A aprovação das reformas fiscais é importante para reequilibrar as finanças públicas no médio e longo prazo e, assim, aumentar a capacidade de crescimento da economia no futuro. O crescimento no curto prazo depende, entretanto, da taxa de juros administrada pelo BC.

Os números do boletim Focus, do BC, mostram que o mercado está projetando mais uma rodada de desaceleração da atividade econômica. Antes mesmo da crise política, a mediana das expectativas colhidas pelo Focus já previa um arrefecimento da atividade, mas, depois da crise, essa percepção se intensificou. Com isso, as expectativas de inflação desabaram.

Sabe-se que as expectativas do mercado estão sob controle - o que significa dizer que os agentes confiam no trabalho do BC - quando as projeções para dois anos à frente apontam o IPCA na meta ou em torno dela. Para 2018 e 2019, a mediana das opiniões colhidas pelo Focus prevê inflação de 4,25%. Para 2020 e 2021, 4% respectivamente. É verdade que a redução da meta de 2019 para 4,25% (até 2018 será de 4,5%) e da de 2020 para 4% ajudou a melhorar ainda mais as expectativas.

Além da queda acelerada da inflação e das expectativas amplamente favoráveis, o balanço de pagamentos se mostra absolutamente administrável. Nos 12 meses até maio, o país registrou déficit em conta corrente de US$ 18,1 bilhões (ou 0,96% do PIB) e ingresso líquido de investimento estrangeiro direto (IED) de US$ 80,7 bilhões, ou seja, o saldo de IED é mais que suficiente para cobrir o déficit. Em outras palavras, mesmo com o país enfrentando turbulência que pode derrubar o presidente da República, uma crise cambial está fora do radar.

Nesse ambiente, o Copom tem todas as condições para aumentar, na reunião do dia 26, o ritmo de queda da taxa Selic e ir além das previsões que a colocavam, ao fim do processo de alívio monetário, em torno de 8,5% ao ano. "Isso [os fundamentos da economia] dá estabilidade suficiente para o BC agir segundo o manual. Além disso, com a inflação derretendo, ele vai agir como deve", disse com confiança a esta coluna um integrante da equipe econômica.

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