domingo, 11 de junho de 2017

Crise política, incerteza e o papel do presidente | Rolf Kuntz*

- O Estado de S.Paulo

O custo econômico pode ir muito além de um atraso no corte de juros e de seus efeitos

Incerteza tornou-se a palavra mais assustadora do vocabulário econômico brasileiro, mais do que recessão, inflação, desemprego ou estagflação. A tensão política aumentada nas últimas semanas, primeiro com a delação do empresário Joesley Batista, depois com o julgamento da chapa Dilma-Temer na Justiça Eleitoral, tornou mais arriscada qualquer aposta sobre o rumo da economia. Não se trata só de adivinhar quem estará no Ministério da Fazenda se houver mudança na Presidência, mas de saber se o novo chefe do Palácio do Planalto estará disposto a apoiar políticas sensatas e calibradas para instalar o Brasil, com segurança, no século 21. Apoiar é palavra-chave. A principal função de um presidente brasileiro, hoje, num governo bem orientado, é sustentar a execução de políticas sensatas e de longo alcance por ministros bem escolhidos.

Não se cobram do chefe de governo grandes ideias e planos brilhantes nem conhecimento profundo e minucioso de qualquer das áreas principais da administração pública. Firmeza, bom senso político, inteligência na escolha de auxiliares e coragem para sustentá-los nas decisões mais difíceis são as qualidades indispensáveis a um ocupante do Planalto.

O Plano Real só foi lançado com sucesso, em 1994, porque o presidente Itamar Franco teve essas qualidades. João Goulart desperdiçou o talento e a competência de San Tiago Dantas. Os dois propuseram ações bem concebidas para conter a inflação, estabilizar a economia e retomar o crescimento. Goulart poderia ter dado outro rumo ao País, a partir da primeira metade dos anos 1960, mas foi incapaz de acatar e de promover qualquer iniciativa séria. Juscelino havia exibido uma combinação extraordinária de ambição transformadora, visão de futuro, percepção dos problemas administrativos e competência para mobilizar talentos.

A oferta de figuras como JK é escassa no mercado político, mas pode haver, e tem havido, bom governo mesmo com líderes mais comuns. Pode haver dificuldades especiais num país – como o Brasil – vulnerável ao populismo e às suas promessas de crescimento sem produtividade, consumo sem produção, diploma sem estudo e atenção permanente e carinhosa de um governo paternal. Mesmo em países mais desenvolvidos e com melhores padrões escolares, como os Estados Unidos, o mais tosco discurso populista pode ter sucesso, como comprova a eleição de Donald Trump. Mas o retorno do bom senso é sempre uma esperança razoável.

Esse retorno ocorreu no Brasil, há cerca de um ano, quando houve troca de governo e as autoridades passaram a cuidar dos problemas econômicos mais prementes com alguma seriedade. As projeções orçamentárias foram refeitas, a meta fiscal foi recalculada com algum realismo e ao mesmo tempo se começou a cuidar dos anos seguintes.

Conseguiu-se a aprovação de um teto para o gasto federal, trabalhou-se em propostas de reformas previdenciária e trabalhista e começou-se a desmontar o arsenal de besteiras acumulado em uma década. Alterou-se a regra de conteúdo nacional para os investimentos no setor de petróleo e gás, um fator irracional de aumento de custos, de perda de objetivo empresarial e de estímulo à corrupção. Mudou-se a direção da Petrobrás, convertida na administração anterior num paraíso da bandalheira, do desperdício, do empreguismo e do endividamento irresponsável e improdutivo. Além disso, a empresa foi dispensada da participação obrigatória em todos os projetos de investimento em exploração.

Basta pensar no esforço de recuperação da maior estatal brasileira para perceber o tamanho da insegurança criada pela crise política. Mas a política inaugurada no ano passado é mais ampla e envolve também a alteração de critérios para licitações e contratos na área de infraestrutura. Não se pode pensar em recuperação do crescimento econômico sem a retomada do investimento em rodovias, ferrovias, portos, centrais elétricas e redes de transmissão – sem contar as indispensáveis aplicações em equipamentos de saúde e centros de ensino e pesquisa.

O investimento em capital fixo, isto é, em máquinas, equipamentos e construções, ficou em míseros 15,6% do produto interno bruto (PIB) no primeiro trimestre deste ano. Um ano antes, já em queda acelerada, havia chegado a 16,8%. Qualquer governo deve fixar como objetivo mínimo algo em torno de 25% do PIB.

Sem isso, e sem mudanças importantes na política educacional, outro desastre legado pelo petismo, é inútil pensar em padrões de crescimento parecidos com os de outros grandes emergentes. Mas para avaliar com algum realismo a situação atual é preciso levar em conta a baixíssima produtividade do capital investido durante vários anos. É preciso pensar nas falhas de planejamento e de execução, no desperdício de recursos, nas muitas obras paralisadas e assim por diante. O quadro real é com certeza muito pior que o indicado somente pelo baixo volume de investimento fixo. Não há como ambicionar grandes ganhos de competitividade quando a produção e a exportação dependem da miserável infraestrutura disponível no Brasil.

Tudo isso parece irrelevante, naturalmente, quando se leva a sério a conversa de quem defende redução voluntarista de juros, protecionismo comercial, investimento em infraestrutura com taxa de retorno tabelada, livre gastança de recursos públicos e distribuição festiva de diplomas em faculdades de padrão indigente. Haverá uma oportunidade, agora ou nas eleições de 2018, para o retorno dessa gente?

Essa indagação é tanto mais importante quanto maior o risco de se entravar, a curto prazo, a pauta de ajustes, de reformas, de combate à inflação e de mudança da política de cooperação entre setor público e capital privado. Cortes menores de juros nos próximos meses, por causa da incerteza alegada pelos dirigentes do Banco Central, são o menor problema. O custo geral da crise política pode ser muito maior.
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*É jornalista

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