domingo, 28 de maio de 2017

Truco na Lava-Jato | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

De origem espanhola, o jogo de truco foi popularizado na América Latina por imigrantes espanhóis e italianos, sendo muito popular em São Paulo, Minas, Goiás e no Rio Grande do Sul. O apelo popular do jogo vem do sistema emocionante de apostas, nas quais cada tipo de pontuação pode ser escolhido para marcar mais pontos para a equipe. As propostas são aceitas, rejeitadas ou aumentadas. O blefe e o engano também são fundamentais para o jogo, inclusive na distribuição das “mãos” de cartas, cujo número precisa ser conferido a cada rodada. Com todo respeito, a crise chegou aos tribunais superiores como uma espécie de jogo de truco.

A defesa do presidente Michel Temer pediu, na sexta-feira, ao ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, o desmembramento do inquérito. O presidente da República é investigado com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira sustenta que os fatos narrados sobre os três políticos na delação do empresário Joesley Batista, dono da JBS, não têm relação entre si. Em outra petição, Mariz pleiteou ao relator da Lava-Jato a “livre distribuição” do inquérito; ou seja, que outro ministro seja sorteado para cuidar do caso, em vez de permanecer com Fachin, como havíamos antecipado no domingo passado. Truco paulista!

No mesmo dia, quando parecia que a iniciativa estava com o presidente da República, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) autorização para que sejam interrogados Temer, Aécio e Rocha Loures, bem como outros citados na delação da JBS. Quem vai decidir a questão é o ministro Édson Fachin, que a defesa não reconhece como juiz natural. Janot pede ao relator para definir como será feito o depoimento, que normalmente fica a cargo da Polícia Federal. Truco mineiro? Pode ser que não: o pleito da defesa de Temer é que seja feito por escrito, após a perícia da gravação do empresário Joesley Batista. O presidente da República é investigado no STF por suspeita de corrupção, organização criminosa e obstrução de Justiça. Ou seja, virou pivô da crise.

Para embaralhar as cartas, o ministro Gilmar Mendes, que estava estranho em silêncio, trucou de verdade, à moda goiana. Anunciou que pretende rediscutir a forma como delações premiadas devem ser homologadas (validadas juridicamente) e também a decretação de prisão após a condenação em segunda instância. A oportunidade veio com o polêmico acordo de delação da JBS na Operação Lava-Jato, que virou completamente o jogo na opinião pública sobre as colaborações feitas por empresários corruptos. Mendes quer que as delações deixem de ser uma espécie de monopólio do relator e passem a ser homologadas de forma colegiada, pelos 11 ministros do STF, em sessão plenária, ou por uma de suas duas turmas, cada qual com cinco ministros.

Gilmar disse que o falecido ministro Teori Zavascki, antigo relator da Operação Lava-Jato, havia conversado com ele sobre essa questão. Se houver mais interlocutores com os quais o antigo relator tenha conversado, a chance desse truco é grande. “O que a lei diz? Que o juiz é quem homologa, mas o juiz aqui não é o relator, quando se trata de tribunal, é o próprio órgão. Ele pode até fazer a homologação prévia, mas sujeita a referendo. O fato de o caso envolver o presidente da República praticamente consagra a tese, pois não há como deixar de discutir o tema no próprio plenário.

“Mão” gaúcha
O truco gaúcho é jogado com baralho espanhol, não o francês, e será a rediscussão da execução penal após a condenação em segunda instância, que tanto apavora os envolvidos na Operação Lava-Jato sem direito a foro especial, ou seja, principalmente aqueles que estão sendo julgados em Curitiba pelo juiz federal Sérgio Moro, cujas decisões quase sempre são referendadas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre. Os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello discordam das prisões após decisão em segunda instância e defendem que ocorra somente após a terceira instância, no caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com base nisso, Gilmar pretende propor uma revisão da questão pelo Supremo, o que muda muito as regras do jogo para a força-tarefa da Operação Lava-Jato.

O ministro Gilmar Mendes vinha se mantendo em silêncio nas últimas semanas, quebrado ontem com novas e polêmicas declarações sobre a Lava-Jato. Mas confirmou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iniciará em 6 de junho o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, cuja eleição pode ser anulada por abuso de poder econômico, a pedido do PSDB. O vice-procurador-geral eleitoral, Nicolau Dino, pediu a cassação da chapa, ou seja, do mandato de Temer, e dos direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff, por oito anos. O voto do ministro relator do caso, Herman Benjamin, anterior à delação premiada de Joesley Batista, pede a cassação. Hoje, teria apoio da maioria do plenário. Entretanto, é dado como certo o pedido de vista por um dos ministros indicados pelo presidente Michel Temer. Nesse caso, o julgamento vai para as calendas. 

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