sexta-feira, 12 de maio de 2017

Lula dava ‘palavra final’ sobre caixa 2, diz Santana

Ex-marqueteiros do PT contam que Dilma também sabia de tudo

Fachin liberou delações de João Santana e sua mulher, Mônica Moura, que revelaram detalhes de conversas com ex-presidentes e ilegalidades nas campanhas; defesas negam acusações

Em delação premiada, o marqueteiro João Santana e sua mulher, Mônica Moura, afirmaram que os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff tinham pleno conhecimento do esquema de caixa dois que irrigou as campanhas de 2006, 2010 e 2014. O casal, que tinha, em suas palavras, “convívio íntimo” inegável com Lula e Dilma, deu detalhes e provas dessas negociações. Santana disse que os pagamentos dependiam da “palavra final do chefe”, como Antonio Palocci se referia a Lula. O relator da Lava-Jato no STF, ministro Edson Fachin, fez 22 petições com base nas delações. A defesa do ex-presidente afirmou que os depoimentos dos dois não são prova. A de Dilma afirmou que o casal prestou “falso testemunho”.

Por baixo dos panos

Publicitários revelam que Lula e Dilma sabiam da origem clandestina de caixa de campanh

Carolina Brígido e André de Souza | O Globo

-BRASÍLIA- Os marqueteiros João Santana e Mônica Moura, que fizeram campanhas e prestaram serviços para o PT entre 2005 e 2014, atestaram, em delação premiada: a ex-presidente Dilma Rousseff e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, sabiam que uma boa parte dos pagamentos ao casal era feita por baixo dos panos, sem registro oficial, em contas no exterior. Segundo eles, Lula e Dilma também sabiam da origem espúria do dinheiro, que vinha em grandes levas da Odebrecht. Segundo o publicitário, Lula era o “chefe” que autorizava os pagamentos da campanha à reeleição do petista, em 2006.

“João Santana relata conversas nas quais Lula e Dilma demonstraram possuir conhecimento sobre o custeio de suas campanhas mediante a utilização de recursos de caixa 2”, diz trecho da delação.

 “Apesar de nunca ter participado de discussões finais de preços ou contratos — tarefa de Mônica Moura — João Santana participou dos encaminhamentos iniciais e decisivos com Antonio Palocci. Nestes encontros ficou claro que Lula sabia de todos os detalhes, de todos os pagamentos por fora recebidos pela Pólis (empresa do casal), porque Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, sempre alegava que as decisões definitivas dependiam da ‘palavra final do chefe’”, diz outro trecho da delação.

Os depoimentos do casal, e também do operador deles, André Luís Santana, foram revelados ontem, por decisão do relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, que derrubou o sigilo dos depoimentos. Algumas citações serão investigadas na Corte e outras ficarão a cargo da primeira instância, por se tratar de pessoas sem direito a foro especial. Ao todo, os indícios apresentados pelos depoentes motivaram 22 petições.

Ao responder sobre quais questões que, segundo Palocci, dependeriam do respaldo do chefe, Santana afirmou que eram questões referentes aos valores totais de seus honorários nas campanhas. O delator contou que, em 2006, pediu a Palocci que todos os pagamentos fossem feitos de forma oficial, a fim de evitar os erros da campanha de 2002 e do mensalão. Alguns meses depois, porém, Palocci disse que estava com dificuldades de pagar pela via oficial e avisou que seria necessário recorrer ao caixa 2 da Odebrecht, por meio de contas no exterior.

Santana revelou ainda que Lula encarava de forma bem-humorada os atrasos nos pagamentos feitos por meio de caixa 2 — que, segundo o delator, eram muito frequentes. “E aí, os alemães têm lhe tratado bem?”, era a frase usada por Lula, segundo o marqueteiro, numa referência à Odebrecht.

Segundo Santana, em momentos críticos de atraso nos pagamentos, Mônica Moura dava o “alerta vermelho” a Lula ou a Dilma, ameaçando interromper os trabalhos. Com Lula, isso foi feito duas vezes: na reta final do primeiro turno de 2006 e entre o primeiro e o segundo turno daquela campanha. Santana relata que possuía “convívio íntimo inegável” com Lula e Dilma, assim tem plenas condições de expor detalhes de caixa 2 nas campanhas dos petistas.

Santana relatou episódios em que tratou diretamente de caixa 2 com Lula e Dilma. Segundo ele, isso ocorreu, por exemplo, em 2009, quando conversou com o ex-presidente sobre a campanha presidencial de El Salvador. Com Dilma, Santana diz ter conversado sobre isso pelo menos duas vezes em 2014. De acordo com ele, foi sua mulher, Mônica Moura, quem tratou do assunto com Dilma no intervalo de uma gravação no Palácio do Alvorada. Mônica também firmou acordo de delação.

“O tema caixa 2 e depósitos no exterior foram abordados ainda mais diretamente em setembro de 2014, quando a presidenta perguntou se os depósitos no exterior, feitos pela Odebrecht, foram de forma segura. Na época, João a tranquilizou porque não sabia do emaranhado das contas da Odebrecht”, diz trecho da delação.

CAIXA DOIS DE R$ 35 MILHÕES
Santana e Mônica dizem que Dilma tinha pleno conhecimento de que a Odebrecht ficou responsável por pagar, via caixa 2, R$ 35 milhões ao casal na campanha de 2014. Outros R$ 70 milhões foram pagos com recursos declarados. Mônica contou que, já em 2010, uma parcela relevante da campanha no primeiro turno foi paga mediante caixa 2. Os valores, em espécie ou transferidos por meio de uma conta na Suíça, teriam sido repassados com a ajuda da Odebrecht.

Em 2012, parte do que a campanha de Dilma de 2010 devia a Santana ainda não havia sido quitada. Assim, Mônica contou que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto a chamou e disse para procurar o empresário Zwi Skornicki, hoje delator da Lava-Jato. Skonick então acertou pagamentos no exterior.

André Santana contou que foi orientado por Mônica Moura para receber valores em espécie, indo de Brasília para São Paulo durante a campanha de 2010. Ele afirmou ter recebido quatro vezes, em valores estimados entre R$ 150 mil e R$ 200 mil. Mas não soube identificar quem lhe entregou o dinheiro. Ele ficava hospedado em um flat para isso. Santana também relatou caixa 2 na campanha.

Em relação à campanha à reeleição de 2014, Mônica Moura afirmou que o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, intermediou o pagamento de valores através de caixa 2. Ela relatou que Dilma não queria interferência do PT nos pagamentos da campanha dela, por não confiar em Vaccari. A ex-presidente teria reclamado que o ex-tesoureiro do PT usou recursos destinados a Santana em 2010 para cobrir outras dívidas do partido.

Em 2014, teriam sido repassados ao casal R$ 10 milhões por meio de caixa 2, usando uma conta na Suíça. Outros R$ 25 milhões devidos pela campanha nunca foram pagos, uma vez que as investigações da Lava-Jato alcançaram a Odebrecht. Para tentar quitar as dividas, Mônica teria recebido de Mantega a sugestão para procurar a ajuda do empresário Eike Batista. André Santana contou que esteve em um hotel em São Paulo para receber R$ 1,5 milhão da Odebrecht para a campanha de 2014. Mas o dinheiro foi roubado num assalto.

Fachin determinou que os trechos da delação sobre a suposta compra de tempo de TV por parte da chapa Dilma-Temer sejam investigados em um inquérito já aberto no STF contra o ministro do Desenvolvimento, Indústria e comércio, Marcos Pereira. Ele presidia o PRB, partido que foi aliado de Dilma em 2014. João Santana disse que a disputa pelo apoio dos partidos — que leva ao aumento do tempo de TV — é um “verdadeiro leilão oculto nas campanhas eleitorais em todo o Brasil”. São comuns repasses financeiros a outras legendas para que elas deem suporte à campanha de determinado candidato. Dependendo do caso, isso é feito por baixo dos panos. Santana relatou conversas com Palocci e Vaccari.

Ao todo, Fachin enviou indícios obtidos contra dez pessoas sem foro especial para a primeira instância, incluindo Dilma e Lula. Essas pessoas devem ser investigadas em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Norte, Sergipe e Mato Grosso do Sul. Entre esses casos, Fachin enviou para a Justiça Federal do Paraná a parte das delações que trata de uso de caixa 2 nas campanhas de 2010 e 2014 de Dilma.

DILMA: FALSO TESTEMUNHO NOS DEPOIMENTOS
Em nota, a assessoria de imprensa de Dilma lamentou a demora de Fachin para retirar o sigilo das delações dos marqueteiros. Isso porque a defesa da petista queria ter acesso aos depoimentos para se defender perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde tramita processo para cassar a chapa Dilma-Temer. O prazo dos advogados já terminou. A nota afirma ainda que houve “contradições e falsos testemunhos”, além da “velha estratégia do vazamento seletivo dos depoimentos — uma rotina nos últimos tempos”.

“Dilma Rousseff, contudo, reitera o que apontou antes: João Santana e Mônica Moura prestaram falso testemunho e faltaram com a verdade em seus depoimentos, provavelmente pressionados pelas ameaças dos investigadores”, diz o texto. “Apesar de tudo, a presidente eleita acredita na Justiça e sabe que a verdade virá à tona e será restabelecida”, conclui a assessoria.

O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, divulgou nota dizendo que as delações dos marqueteiros não são elementos de prova. “Veículos de imprensa já denunciaram que a força-tarefa da Lava-Jato tem exigido referências a Lula como condição para aceitar delações. O assunto foi oficialmente levado ao procurador-geral da República para que seja investigado com isenção, mas, até o momento, desconhecemos qualquer providência nesse sentido”, diz a nota. “A perseguição política por meios jurídicos (lawfare) em relação a Lula fica cada dia mais clara e está sendo vista pelo mundo", concluiu o advogado.

O acordo de delação firmado com o Ministério Público Federal prevê que João Santana e Mônica Moura paguem multa no valor de R$ 3 milhões cada. O valor deve ser depositado em uma conta judicial até o início de junho. Agora, o casal vai passar um ano e meio no regime domiciliar fechado, sem autorização para sair da residência em Camaçari, na Bahia. Ambos usarão tornozeleira eletrônica e só poderão receber a visita de parentes até o 4º grau, além de profissionais de saúde e advogados.

O acordo prevê que o início da pena seria em regime fechado, em estabelecimento prisional, por 160 dias. No entanto, o Ministério Público considerou que esse período seria debitado do tempo em que ambos estiveram na prisão preventiva determinada pelo juiz Sergio Moro no ano passado – que foi exatamente de 160 dias.

Terminada a domiciliar em regime fechado, haverá mais um ano e meio de prisão domiciliar, mas no semiaberto. Eles usarão tornozeleira eletrônica em tempo integral. Os dois poderão sair de casa durante o dia, a partir das 6h, mas terão de voltar até as 22h. Por fim, o casal cumprirá um ano de regime aberto em casa. Durante a semana, ficam liberados para sair e chegar quando quiserem, mas precisam ficar na residência nos sábados, domingos e feriados.

O acordo também prevê o confisco do saldo de contas que os dois mantinham na Suíça e bens adquiridos com o dinheiro. Eles ficarão proibidos de trabalhar em campanhas eleitorais no Brasil ou no exterior durante o cumprimento da pena.

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