domingo, 14 de maio de 2017

Desatando o nó (2) | Sérgio Besserman Vianna

- O Globo

A crise da representação política é global, e não apenas brasileira

Desatar o nó é inaugurar uma outra República. A atual é irrecuperável. A população, embora passiva (em que outro país as vísceras expostas não teriam provocado tumultos muito maiores do que nas nossas bandas?), não é inconsciente, apesar do grau extraordinário de hipocrisia que a sociedade brasileira é capaz de considerar aceitável.

Para além da polarização política, em que cada um interpreta conforme suas crenças tribais os acontecimentos, todos percebem que o que está exposto em praça pública não são apenas crimes e culpados, mas aquilo que o José Padilha escreveu com a precisão de um corte de navalha: o “mecanismo”.

Nos tempos do regime militar havia o “sistema”. Era o poder exercido sob segredo por quem de direito na ditadura. Descobrimos na Nova República o “mecanismo”, o fato de que nossa democracia é, desde seu inicio, maculada pelo exercício sigiloso do poder por forças distintas daquelas que imaginávamos ter escolhido para o palco da representação política.

Sigilo é poder. Há que reconhecer que a crise da representação política é global, e não apenas brasileira. No século XXI, ao mal-estar generalizado com a grande recessão de 2008, ainda em andamento, somaram-se raios de luz do sol que, entre nuvens antes fechadas, agora iluminam catacumbas que retiram legitimidade à representação. Mas, no Brasil, acrescente-se que as catacumbas fedem. Sendo um país de inqualificável desigualdade, patrimonialista e onde tudo (mesmo fora da lei) se justifica em nome de sua própria tribo (família, grupo, quadrilha etc), a crise de legitimidade da representação é terminal.

Como enterrar a estaca no coração do vampiro e abrir os caminhos para uma nova aventura democrática menos viciada e com mais reconhecimento popular, não de suas rotas (que a história irá decidir), mas de mais confiança nas instituições e, portanto, capaz de uma cultura mais ética, mais racionalidade no exercício do poder e de governos com condição de pedir sacrifícios à população quando necessário?

No Brasil, apodrecido o regime, sempre ocorre uma conciliação entre as elites. Seu instrumento sempre foram os militares. Apodrecido o regime, cabia a eles, com o poder óbvio da força, derrubá-lo.

Assim foi com o Império em 1889, com a República Velha em 1930, com o Estado Novo em 1945, com o golpe em 1964 dando fim à República de 1946 e, então, uma meia exceção: a distensão lenta, segura e gradual em um processo complexo de transição para a democracia que não teria ocorrido sem a resistência popular.

Mas, e agora? O poder militar está vetado pela experiência da ditadura e pela nova realidade global. Certamente, haverá uma nova conciliação entre as elites, mas a população, embora ainda deseducada e desorganizada politicamente, não pode mais ser ignorada. O que fazer?

Acabou o espaço. Fica para “Desatandoonó(3)”.

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Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro

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