segunda-feira, 29 de maio de 2017

Calma com as reformas | Cida Damasco

- O Estado de S. Paulo

É inevitável uma parada estratégica até se identificar a direção dos ventos

Está perto de meia dúzia o número de candidatos à sucessão de Temer, quase todos negando taxativamente em público interesse no cargo. Daria um bom BBB, com paredões diários, e pelo menos duas diferenças fundamentais em relação ao reality show: com negociações e/ou conspirações o mais longe possível das câmeras, e sem votação direta.

Apesar dessas disputas, até agora sem prazo claro para terminar, repete-se que, seja qual for o desfecho, as reformas não podem parar. Num Congresso em chamas, com a crise política flertando com a crise institucional, parte da base parlamentar tenta passar a imagem de normalidade e garantir que vai tocar as reformas trabalhista e da Previdência. E, pelo desempenho dos últimos dias, tudo indica que os mercados compraram essa tese, independentemente dos resultados da tal transição negociada.

Vamos supor que as manifestações violentas da última quarta-feira, que assustaram o País, tenham sido um episódio isolado. Mesmo assim, não dá para chamar de normal uma situação em que o senso geral é de que o governo acabou, os líderes dos partidos que deveriam sustentá-lo se envolvem até o último fio de cabelo na escolha do seu sucessor – e até a sempre festejada autonomia da equipe econômica é posta em dúvida, com a mudança de comando do BNDES.

Temer ainda tenta ganhar sobrevida, com manobras como a surpreendente troca de cadeiras entre os ministros da Justiça e da Transparência, anunciada ontem, e insiste que o País não pode parar.

Claro que é bem-vindo todo empenho para fazer o Congresso funcionar e evitar que a pauta econômica seja congelada, principalmente MPs e projetos já maduros. Mas, com as reformas, obviamente, a situação é diferente. É até compreensível que, num momento como o atual, haja uma parada estratégica até que se possa identificar a direção dos ventos. E essa parada não deveria exasperar os setores interessados nas mudanças.

O Planalto vai fazer força para que a reforma trabalhista, mais adiantada, seja votada nesta semana na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, numa demonstração de que a vida segue. A intenção é que o texto – que o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) deu como lido, na conturbada sessão da Comissão na quarta-feira – passe do jeito que está por três comissões e depois pelo plenário, para evitar que mudanças provoquem sua volta para a Câmara.

Mas o roteiro acertado para escapar desse retorno inclui o próprio presidente vetar alguns pontos criticados, como é o caso da possibilidade de gestantes trabalharem em locais insalubres. Vão vingar essas combinações, seja quem for o presidente ao fim da tramitação? O relator da reforma, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), argumenta que o acerto entre Executivo e Legislativo foi institucional e, portanto, será cumprido por quem estiver sentado na cadeira presidencial.

É, porém, com a reforma da Previdência que a calma deve ser mais exercitada. É inegável que a Previdência não cabe mais dentro das contas públicas. Mas ainda restam pontos descosturados no texto do Planalto e, nos últimos tempos, estava cada vez mais visível que o governo faria qualquer coisa para conseguir os 308 votos necessários à aprovação da reforma – seja excluindo das regras gerais categorias com lobbies mais poderosos ou contemplando bancadas e setores com favores específicos, como o refinanciamento em condições “de mãe para filho” das dívidas de prefeituras com a própria Previdência.

As dúvidas são muitas. Com um governo tentando se equilibrar em cima de uma pinguela cada vez mais frágil, as concessões tenderiam a ser ampliadas? Um sucessor, já de olho nas eleições de 2018, teria “peito” para segurar as pressões? Por mais que a preservação das reformas faça parte do acordão – e tudo indica que fará – como isso vai funcionar na prática? Qual será o tamanho da reforma da Previdência?

É esperar para ver. Confundir avanço das reformas com atropelo de ritos tende a ser no mínimo improdutivo. Os mercados que tratem de operar com essa realidade, para não se entusiasmarem demais e depois se decepcionarem, reforçando o ciclo da instabilidade.

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