quarta-feira, 19 de abril de 2017

Santana: o ‘por fora’ era pago por Palocci

O ex-marqueteiro do PT João Santana e sua mulher, Mônica Moura, detalharam, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, o papel do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci na arrecadação das campanhas do PT: era ele que apontava ao casal as formas de pagamento, entre elas o dinheiro “por fora” ou o caixa 2. “Eu estava sendo cúmplice de um sistema eleitoral corrupto e negativo. Fui agente disso”, disse Santana. Os dois já assinaram acordo de delação.

O ‘guichê’ Palocci

João Santana e Mônica Moura dizem a Moro que tratavam de caixa 2 com ex-ministro

Gustavo Schimitt, Dimitrius Dantas | O Globo

-SÃO PAULO E BRASÍLIA- Homem de confiança do expresidente Lula e todo-poderoso na gestão de Dilma Rousseff, o ex-ministro Antonio Palocci foi o interlocutor dos pagamentos de caixa 2 nas campanhas do PT. É o que disseram, em depoimento ontem ao juiz Sérgio Moro em Curitiba, os marqueteiros João Santana e Mônica Moura. Eles confirmaram que negociaram com o ex-ministro os valores não contabilizados pagos na reeleição de Lula, em 2006, e na eleição de Dilma, em 2010. Mônica também relatou pagamentos “por fora” nas campanhas das senadoras Marta Suplicy (PMDB-SP) e Gleisi Hoffman (PT-PR), em 2008, e do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), em 2012. Marta, Gleisi e Haddad negam irregularidades em suas campanhas.

O casal, que fechou acordo de colaboração premiada na Justiça do Paraná, disse que boa parte dos recursos de caixa 2 foi repassada pela Odebrecht, a pedido de Palocci até 2014, quando o então ministro Guido Mantega teria passado a ser o contato dos marqueteiros para os pagamentos não contabilizados. Segundo a mulher de João Santana, depois do acerto com Palocci, ela negociava diretamente com a Odebrecht a forma do pagamento.

— O meu interlocutor para discutir valores e negociar campanha sempre foi o Palocci. Depois que o Palocci acertava comigo o valor da campanha, ele me dizia: “Então, vai ser pago X por dentro, e isso você acerta com o tesoureiro. Essa parte por fora, o partido vai pagar tanto e a Odebrecht vai colaborar com outro tanto”. E ele (Palocci) me dizia: “Vai lá e acerte com eles (Odebrecht), como você quer” — afirmou Mônica, que cuidava da parte financeira das campanhas da empresa de Santana.

Mônica, que muitas vezes disse ter recebido dinheiro vivo em mochilas e malas, também relatou pagamentos da Odebrecht para campanhas no exterior. Ela disse que, nas eleições feitas por Santana em sete ou oito países, a Odebrecht só não contribuiu nas disputas na Argentina e na República Dominicana. João Santana admitiu ser um agente desse esquema:

— Construí esse equívoco para mim mesmo, sem perceber que, ao fazer isso, eu estava sendo cúmplice de um sistema eleitoral corrupto e negativo. Não estou aqui demagogicamente dizendo que eu não tinha culpa, que só fui vítima disso. Não. Eu fui agente disso.

O publicitário e sua mulher são réus junto com Palocci e o empreiteiro Marcelo Odebrecht numa ação penal que investiga a atuação do ministro em decisões de governo para favorecer a empresa. Na denúncia, o MPF diz que o casal teria recebido recursos de caixa 2 da empreiteira para campanhas eleitorais do PT.

Em seu depoimento, o marqueteiro refez ao juiz Sérgio Moro todo o roteiro que o levou a comandar o marketing político e eleitoral do PT desde a crise do mensalão, em 2005. Segundo Santana, o então ministro da Secretaria-Geral da Presidência nos governos Lula, Gilberto Carvalho, o convidou para uma visita ao Palácio do Planalto em meio ao escândalo.

— Cheguei e encontrei ele (Lula) muito fragilizado e ele me convidou, (perguntou) se eu podia ajudá-lo. Ele, nesse momento, disse: “Qualquer detalhe mais burocrático, depois o Palocci conversa com você” — afirmou o marqueteiro.

A conversa com o ex-ministro Antonio Palocci ocorreu após o encontro com Lula. Palocci indicou que o convite seria praticamente um acerto para que o marqueteiro comandasse a campanha de reeleição de Lula no ano seguinte, 2006. Na ocasião, o marqueteiro disse ter sugerido a Palocci que não se repetisse o mesmo erro de financiamento ilegal de campanha que causou o escândalo do mensalão. Meses depois, em outra conversa com o Palocci, o ministro teria avisado a Santana que a campanha teria que usar verba de caixa 2.

— Em maio de 2006, ele conversa comigo e diz: “Olha, infelizmente não vai poder ser tudo com recurso contabilizado por causa das dificuldades naturais, por causa da cultura existente, mas nós temos uma empresa que dá total garantia à realização para fazer o pagamento” — contou Santana.

A empresa citada por Palocci, segundo o marqueteiro, era a Odebrecht.

Palocci ainda teria questionado se Santana tinha conta no exterior. Além disso, o marqueteiro contou a Moro que Palocci era o interlocutor a ser procurado em casos de atrasos nos pagamentos de recursos não contabilizados pela campanha. Questionado pelo juiz se não estranhava o motivo para o uso de pagamentos não contabilizados, Santana disse que a respostas ouvidas na época indicavam as empresas como maiores interessadas no caixa 2.

— O que era dito era o óbvio. Os financiadores não querem fazer dessa maneira, nós não temos como fabricar dinheiro. Existe uma cultura, existe uma doutrina de senso comum e o caixa 2 existe dessa maneira, então é impossível lhe pagar. Se o senhor não puder receber assim, a gente não pode fazer a campanha com você. Eu exercia mais uma pressão para diminuir o montante por fora — disse. 

STJ NEGA HABEAS CORPUS PARA PALOCCI 
Em seu depoimento, João Santana afirmou que, à época, também não imaginava a escala do esquema de corrupção que financiava os recursos pagos pela Odebrecht.

— Quando o próprio Palocci veio me dizer que a Odebrecht era a empresa que dava segurança eu, candidamente, singelamente, imaginava que a Odebrecht só pagasse, pelo menos na minha área, para mim. Hoje eu vejo que até mesmo na minha área vários marqueteiros receberam assim. Alguns já apareceram e pode ser que apareçam muito mais — disse.

Ao final de seu depoimento, João Santana pediu a Sérgio Moro para aprofundar uma pergunta do juiz, sobre como ele aceitava conviver com pagamentos ilegais de campanha:

— Mesmo sendo uma pessoa organicamente a favor das coisas bem feitas, legais e honestas, criei um duplo escudo em minha cabeça. Um, social, externo, que era doutrina de senso comum do caixa 2, de que (sem ele) não se faz campanha. E outro, interno, que era: recebo por um trabalho honesto que estou fazendo.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou ontem habeas corpus a Palocci, acusado de receber propina da Odebrecht. O petista, que vai prestar depoimento na quinta-feira a Moro, foi preso em setembro do ano passado por ordem de Moro, que conduz a Lava-Jato na primeira instância. Ele continuará preso por tempo indefinido. A decisão foi tomada por unanimidade pela Quinta Turma do STJ. O relator, ministro Felix Fischer, discordou do argumento da defesa de que houve “constrangimento ilegal” na prisão do petista. Para o colegiado, a prisão é necessária para a garantia da ordem pública, pois foi decretada para combater a corrupção sistêmica e serial. (Colaborou Carolina Brígido)

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