sexta-feira, 14 de abril de 2017

O avesso | Míriam Leitão

Adicionar legenda
- O Globo

A empresa paga propina com a expectativa de se dar bem no mercado, de aumentar os lucros e ganhar contratos. O caso da Odebrecht mostra que, ao fim, a empresa conseguiu o avesso do que buscou. Era uma distorção e acabou engolindo a empresa e ditando a lógica corporativa. Hoje, há sérias dúvidas sobre a capacidade de sobrevivência da empreiteira.

Através do pagamento de propinas, a Odebrecht ganhou inúmeros contratos. Talvez fosse a mais capacitada para executar essas obras, mas em vez de vencer uma competição limpa, encurtou caminho pagando propina. Não foi a única, foi apenas a maior delas. A empresa pensava que assim dominaria o governo e de certa forma conseguiu. “Ele (Mantega) sabia que estava falando com um grande doador, com quem pagava João Santana”, disse Marcelo Odebrecht. Por outro lado, a empresa acabou dominada pelo governo que comprara. Teve que pagar propinas cada vez maiores. “Seu pessoal está com a goela muito aberta”, disse Emílio a Lula. Teve que fazer obras que não faria, como a construção do estádio do Corinthians, que era para ser de R$ 400 milhões e acabou ficando em R$ 1 bilhão. Teve que entrar em negócios dos quais desconfiava seriamente da viabilidade.

O caso da Sete Brasil é um exemplo. Nem a Odebrecht nem a Petrobras acreditavam no modelo inventado pela ex-presidente Dilma para viabilizar aqui mesmo no país a construção de sondas para a exploração do pré-sal. Marcelo Odebrecht explicou que todas as sondas usadas pela indústria de petróleo no mundo foram produzidas na Coreia do Sul. Apenas algumas foram em Cingapura. Dilma ficou inconformada de elas não serem produzidas no país e inventou um modelo de negócio que tentava compensar o alto custo brasileiro por meio de um financiamento mais barato, garantido pelos bancos públicos, pelo FGTS, e pela participação dos fundos de pensão das estatais.

— Eu nunca entendi esse modelo e tive oportunidade de conversar com vários acionistas da Sete Brasil. Eles diziam: Olha, não sei a conta que eles fizeram, mas a conta não fecha — disse Marcelo Odebrecht ao juiz Sérgio Moro.

O investimento total previsto chegava a US$ 24 bilhões, com 40 sondas no valor de US$ 600 milhões cada. Além de produzir no Brasil, Dilma queria que as regras de conteúdo nacional fossem quase o dobro das praticadas pelos coreanos.

— Para você ter uma ideia, a sonda feita na Coreia, que construiu quase todas as sondas do mundo, tinha 35% de conteúdo nacional coreano. E o Brasil queria produzir uma sonda com 60% de conteúdo brasileiro. Coisa de maluco — disse Marcelo.

E por que então a Odebrecht aceitou participar do projeto? Segundo Marcelo, porque “a pressão era grande”, e vinha diretamente da presidente Dilma, que chegou a dar “broncas” no executivo. Segundo ela, a empresa tinha custos elevados demais, mas ela iria montar um modelo que permitiria a entrada de novas companhias, entre elas, chinesas, que quebrariam o custo Brasil:

— No fundo, o que nós queríamos era cair fora de construção e ficar apenas com afretamento. O problema é que o governo queria que a gente fizesse o investimento na Bahia, até na parte de construção. A pressão vinha sempre de lá para cá. A presidente dizia que a gente tinha que participar, que a gente tinha preços altos.

No final do ano passado, a Sete Brasil entrou com pedido de recuperação judicial, depois de registrar um prejuízo de R$ 26 bilhões em 2015 e somar dívidas que chegavam a US$ 17 bilhões.

O caso da Odebrecht é paradigmático de que esse crime definitivamente não compensa. O argumento de que essa era a única forma de fazer negócios no Brasil é completamente sem sentido. Imagina se uma empresa desse tamanho, com a projeção internacional que tinha, com obras inclusive nos Estados Unidos, deveria mesmo se curvar a projetos mal feitos da ex-presidente, aos caprichos do corintiano Lula e aos enviados de qualquer partido com pedidos milionários de propina. A Odebrecht montou um sofisticado sistema de segurança das informações sobre o crime que praticava em bases diárias e acabou agora delatando cada um dos seus crimes. Quanto pode custar a prática da corrupção para a Odebrecht? Provavelmente a sua sobrevivência.

Nenhum comentário: