quarta-feira, 29 de março de 2017

O país e o quintal – Editorial | Folha de S. Paulo

A prudência política recomendaria ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) encarar com alguma reserva as juras do pupilo e correligionário João Doria, prefeito de São Paulo, de que o mentor segue como seu candidato preferido a presidente da República, em 2018.

Atitudes recentes de Doria sugerem que tenha entrevisto uma oportunidade e, como empresário feito político, não se incline a desperdiçá-la. Com luminares do PSDB no crivo da Lava Jato e o crescente repúdio a lideranças tradicionais, abre-se espaço para nomes menos maculados, como o seu.

É perceptível o empenho de Doria em projetar-se no cenário nacional. Exemplo ilustrativo foi a inclusão de propaganda de seu programa Cidade Linda em estádio onde ocorria jogo da seleção brasileira, transmitido pela TV.

A proeminência do prefeito suscita desconforto no próprio PSDB, cuja cúpula, exceção feita a Alckmin, já não desejava sua candidatura municipal no ano passado.

Nesse sentido, foram sintomáticas, e não tardaram a merecer resposta, declarações recentes do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, segundo as quais a capacidade de gestão não confere a necessária liderança, e a popularidade difere da credibilidade.

Às referências —a um atributo que reivindica e a outro de que, comprovadamente, dispõe—, Doria retorquiu que FHC já se equivocou duas vezes ao prognosticar seu potencial eleitoral.

Nos últimos dias o prefeito também polarizou prazerosamente com possíveis nomes da corrida de 2018. Ciro Gomes (PDT-CE) qualificou-o como "farsante" e ouviu que deveria preocupar-se, antes, com a própria saúde mental.

Já do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o tucano disse, sem ter sido provocado, ser "o maior cara de pau do Brasil".

O prefeito se apresenta como gestor, não político, mas será cobrado nas duas vertentes. A hiperatividade publicitária que abriu sua administração sofrerá erosão natural se não produzir resultados concretos no território que, antes de mais nada, lhe toca governar.

O cotidiano da maior cidade brasileira dificilmente resulta em noticiário favorável. Nas ruas, a pane dos semáforos é rotineira; a despeito do destaque especial conferido aos trabalhos de zeladoria, a prefeitura ainda ignora três quartos das queixas dos munícipes.

O próprio Doria reconhece que é preciso "melhorar bastante nessa área". As respostas —e os planos para setores cruciais como saúde, educação e transporte— terão de ser mais palpáveis com o tempo, à medida que se esgote o expediente de culpar a administração anterior pelos problemas de hoje.

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