quinta-feira, 30 de março de 2017

Falta avaliar efeito da terceirização na receita | Ribamar Oliveira

- Valor Econômico

O receio é com o fenômeno da "pejotização"

O governo está devendo ao país uma avaliação sobre o impacto que o projeto de terceirização aprovado pela Câmara dos Deputados, e que aguarda sanção do presidente Michel Temer, terá sobre a arrecadação federal, principalmente sobre a receita da Previdência Social. As informações de bastidores são de que técnicos da própria Receita Federal manifestaram preocupação com o nível da perda de arrecadação que poderá ocorrer, o que aumentará ainda mais o atual desequilíbrio do sistema previdenciário do país.

A terceirização de serviços é uma realidade mundial, que deve ser regulamentada também no Brasil para melhorar a competitividade das empresas e ampliar a oferta de empregos. Hoje, setores importantes da economia não conseguem competir internacionalmente, principalmente com a China, se não apelarem para a terceirização, que muitas vezes envolve até mesmo a própria linha de produção.

As dúvidas mais significativas estão relacionadas ao efeito do projeto sobre a arrecadação tributária, pois o Estado precisa garantir recursos para financiar as suas despesas, que não foram reduzidas. O projeto aprovado pela Câmara não especifica qual será a alíquota previdenciária a ser paga pela empresa prestadora de serviço.

Estabelece apenas que a empresa contratante do serviço irá reter, como contribuição previdenciária, 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher aos cofres públicos, em nome da empresa contratada, nos termos do artigo 31 da Lei 8.212.

Atualmente, as empresas não pagam apenas a contribuição patronal de 20% ao INSS sobre a folha de pagamento. Sobre a folha, incidem também outros encargos sociais, como os percentuais (geralmente 5,8%) destinados ao sistema S (Senai, Sesc, Sesi, Senac, Sest, Sebrae, Senat e Senar), 2,5% do salário educação e 3% para o seguro acidente de trabalho. O projeto não esclarece quem pagará essas contribuições, no caso da terceirização dos serviços.

O grande receio na área técnica do governo é que o projeto de terceirização, depois de sancionado, incentive o fenômeno da "pejotização", que é o movimento de demissão de trabalhadores com carteira assinada e a contratação de outros como pessoa jurídica. Por meio desse mecanismo, as empresas ficariam livre do pagamento da contribuição ao INSS e dos demais encargos sociais incidentes sobre a folha.

Haveria, portanto, uma redução bastante significativa da carga tributária das empresas, que pode não ser integralmente compensada pelo pagamento a ser feito pelos trabalhadores na qualidade de pessoas jurídicas. Com quase toda a certeza, haverá uma redução da arrecadação, não apenas para Previdência Social.

A empresa que contrata trabalhador com carteira assinada retém mensalmente o Imposto de Renda na fonte de seu empregado. Se ele se tornar pessoa jurídica, irá declarar à Receita pelo lucro presumido, o que também poderá resultar em perda de arrecadação. Em passado recente, o governo tentou alterar a legislação tributária dos prestadores de serviço.

A ideia era continuar permitindo o pagamento do Imposto de Renda com base no lucro presumido. Mas se o lucro efetivo fosse além do presumido, a firma pagaria um adicional. A proposta não foi adiante, mesmo porque o então governo não tinha força política suficiente no Congresso para aprovar a medida.

Poderá ocorrer também uma evasão de recursos por não recolhimento dos tributos pelas empresas prestadoras de serviços. É mais fácil para a máquina pública fiscalizar grandes empresas. O projeto aprovado pela Câmara não esclarece ainda se a empresa poderá contratar um Microempreendedor Individual (MEI) para a prestação do serviço, que paga muito pouco à Previdência. Ou se empresas optantes do Simples Nacional também poderão prestar os serviços. O regime do Simples prevê uma alíquota menor de contribuição à Previdência. Em 2016, a perda de receita da Previdência Social com o Simples Nacional foi de R$ 23,1 bilhões e com o MEI, R$ 1,4 bilhão.

Os especialistas ouvidos pelo Valor ressaltam, no entanto, que todas essas questões poderão ser solucionadas por mudanças na legislação tributária e não serão obstáculos incontornáveis à terceirização. A expectativa do governo é poder resolver os problemas no projeto de terceirização que está sendo discutido no Senado ou no projeto da reforma trabalhista.

Ontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse, durante o anúncio do contingenciamento das dotações orçamentárias deste ano, que o governo não acredita que vá ocorrer uma "pejotização em massa" na economia. O ministro avalia que esse fenômeno deverá ocorrer mais entre os profissionais liberais. "A ideia é que a terceirização ajude a economia a crescer e gerar emprego, sem que haja perda relevante da receita", afirmou. Ele informou que a Receita Federal está estudando a questão para inclusive fornecer as informações adequadas ao presidente Michel Temer, antes da sanção do projeto.

Receita extra de R$ 15 bilhões
As contas feitas pelo governo, e divulgadas no relatório de avaliação de receitas e despesas do primeiro bimestre, mostram uma insuficiência de R$ 58,2 bilhões para cumprir a meta fiscal deste ano. Nessa conta, no entanto, foi incluída uma receita extraordinária de R$ 15 bilhões, que não é possível garantir se realmente ingressará nos cofres do Tesouro Nacional. No relatório, o governo diz que esses recursos decorrem "da recuperação de arrecadação referente a fatos geradores passados, em função da atuação direta da administração tributária, seja pela aplicação de autos de infração ou cobrança de débitos em atraso".

Se essa receita extraordinária não se realizar, o governo terá que fazer novo contingenciamento ou apelar para aumento de impostos. Essa questão será enfrentada nos próximos meses. Em anos anteriores, o governo foi reduzindo sua expectativa do valor das receitas extraordinárias ao longo do exercício.

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