sexta-feira, 10 de março de 2017

Agora é samba - César Felício

- Valor Econômico

Continuidade de Temer e sucessão de 2018 em questão

Eis que se chegou ao hecatombe, ao armagedom político nacional ansiado e temido desde o xeque-mate na Odebrecht dado pela Lava-Jato no ano passado, com a descoberta do "Departamento de Operações Estruturadas". A nova lista de Rodrigo Janot e o levantamento do sigilo parece questão de dias, quem sabe horas, e a pergunta do milhão é saber o que já está precificado e o que virá de novidade sobre dois tabuleiros que se entrecruzam: o do governo de Michel Temer e o da sucessão presidencial em 2018.

O presidente, ao que tudo indica, procurou se vacinar. Um amigo de quase 40 anos de relacionamento estabeleceu uma narrativa para tentar tirar o presidente do circuito da remessa clandestina de dinheiro em 2014. Mas a entrada da versão de José Yunes no cenário e os depoimentos vazados de executivos da Odebrecht ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornaram o ar um pouco rarefeito no Planalto. Temer e seus aliados já traçam estratégias para se contrapor a um pedido de abertura de inquérito contra o presidente no âmbito da Lava-Jato e para reagir a uma decisão da Justiça pela cassação da chapa.

Sinal evidente no primeiro caso é a entrevista do ministro da Justiça, Osmar Serraglio, ao jornal "Folha de S. Paulo", e a palavra do grande esteio do governismo no Judiciário, o presidente do TSE Gilmar Mendes, à agência Reuters.

Serraglio disse que, caso Temer seja ignorante da origem do dinheiro que teria solicitado, nada tem a recear. Gilmar levantou a hipótese insólita de Temer ser cassado por irregularidades na chapa, manter a elegibilidade e concorrer a presidente na eleição indireta que a Constituição manda fazer nesta hipótese. As entrevistas são graves porque mostram Serraglio e Gilmar debatendo o que seria o pior cenário para o presidente.

Primeiro colocado em todas as pesquisas de opinião, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já é réu em cinco ações penais e sua situação pode se agravar em escala exponencial com as delações dos que o consideravam um grande amigo. As citações e os novos pedidos de inquérito encorajam a magistratura para agir de forma implacável e mudar o destino da sucessão presidenciais nas barras dos tribunais. Lula acelera a sua candidatura presidencial porque a sabe inviável, mas imprescindível para manter a trincheira de luta e porque, mesmo declarada extinta, poderá ser um fator desestabilizador do próximo presidente.

O efeito desestabilizador de Lula não se processa apenas no Brasil, mas fora. O ex-presidente ainda goza de razoável prestígio internacional e sua inelegibilidade por condenação em segunda instância pode jogar uma sombra sobre a lisura da institucionalidade brasileira. Combinada com a saída aventada por Gilmar na entrevista para a agência Reuters, o processo democrático brasileiro poderia levantar ainda mais dúvidas no palco externo.

Os presidenciáveis do PSDB talvez sejam os que mais percam com a megadelação da Odebrecht porque o território tucano é onde os danos estão menos precificados. Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin hoje sequer são investigados. É possível que os três fiquem sob o sereno e o trio, de uma maneira ou de outra, já acusou o golpe que poderá vir. Serra deixou a chancelaria e está em seu gabinete no Senado. Aécio e Alckmin, conforme noticiado nos últimos dias, pregam a necessidade de se separar o joio do trigo. Mais que candidatos a presidente, são hoje candidatos a trigo. Em um gesto raro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usou sua condição de presidente de honra da sigla para se manifestar a favor de Aécio e sugerir que os tucanos cometeram pecados veniais, e não mortais.

A cúpula tucana tenta usar o discurso de diferenciação entre dinheiro para caixa dois e para pagamento de propina como um bálsamo porque, até o momento, não há qualquer informação vazada que mostra seus hierarcas se locupletando do dinheiro ilícito. Não existem para os tucanos, até onde os vazamentos permitem antever, joias pagas por empreiteiros, sítios emprestados e "delivery" de dinheiro vivo, para citar alguns exemplos correntes.

Caso o envolvimento do trio presidenciável tucano fique delimitado ao que já se divulgou, a estratégia do trigo será lançada e o candidato tucano corre o risco de passar toda a campanha explicando ao eleitorado que não foi tão grave assim receber dinheiro para campanha de caixa dois. Talvez seja mais palatável apresentar ao eleitor alguém que não tenha nada a ver com esta história. Obviamente, o nome em questão seria o do prefeito de São Paulo, João Doria. Já se comenta esta hipótese intramuros no PSDB, inclusive no círculo político próximo ao governador de São Paulo.

A megadelação pode ser ainda um detonador para a liquefação política do que resta de ordem institucional no Rio de Janeiro. O presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, real foco de poder no Estado, poderá ser afetado e arrastado no temporal. A depender do que aparece em relação ao BNDES, pode influenciar no processo que afeta o destino político de Fernando Pimentel, governador petista mineiro alvo da Operação Acrônimo.

Ciro Gomes aparecerá? o ex-governador cearense não disputa eleição desde 2006, mas seu irmão Cid Gomes se reelegeu em 2010 e fez o sucessor em 2014. A eleição no Ceará foi uma das mais caras do país. O governador Camilo Santana (PT), eleito no esquema da família Gomes, fez o sexto maior caixa um do país, em doações para governador. Seu rival, Eunício Oliveira (PMDB), hoje presidente do Senado, fez a terceira campanha mais rica.

A mesma dúvida se aplica à campanha de Marina Silva, que entre doações para comitê e candidata captou mais de R$ 100 milhões. As menções à candidatura a ex-senadora na Lava-Jato até o momento são bastante laterais.

Em 10 de maio de 1973, censurado, o jornal "O Estado de S. Paulo" substituiu a sua manchete, que se referia a uma grande crise ministerial no governo Médici, por um anúncio de rádio que lembrava: "Agora é samba". Era a referência ao grande fato do dia, que não podia na ocasião ser comentado de público. Os segredos de polichinelo da megadelação ainda virão à luz do dia, mas seus sinais já dão o ritmo da melodia que toca em Brasília.

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