sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Os fatos positivos - Míriam Leitão

- O Globo

Quinhentos bilhões de reais da renda agrícola estão entrando na economia neste começo de ano como resultado da safra recorde que o Brasil está colhendo no verão. Essa é uma das boas notícias no país, que está ainda dominado pelos indicadores ruins desta crise prolongada. Ontem, o IBGE divulgou que 24 milhões de brasileiros estão desempregados ou subempregados.

O economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, diz que a conjuntura é difícil ainda, mas há algumas notícias que atenuam a crise:

— A renda agrícola vai ser superior a R$ 500 bilhões neste período e a maior parte acontece nos primeiros quatro meses do ano, quando a colheita de verão está no auge. Isso é o valor em reais da produção agrícola de todos os segmentos. Esse dinheiro vai para a economia, mas antes foi para a compra de insumos. No meio do desastre do setor automotivo, as vendas de máquinas agrícolas foram uma das poucas boas notícias. Isso vai depois para a indústria de processamento de alimentos, vai para a exportação e se espalha para todos os lados ajudando a demanda em geral.

Assim, José Roberto explicou o impacto generalizado da colheita de uma safra que será 20% maior do que a do ano passado. Para o país, há ainda o benefício da inflação mais baixa:

— Há o efeito positivo na inflação, que estamos vendo e chega ao supermercado. Isso todo mundo percebe. Os alimentos sempre pressionam no início do ano e este ano a queda da inflação está sendo puxada por alimentos. Isso beneficia os mais pobres que gastam uma parte maior do orçamento com comida. O que está acontecendo agora é o oposto do ano passado.

Entrevistei José Roberto Mendonça de Barros na Globonews sobre a situação atual da economia. Ele acha que este ano o país cresce 1% e chega ao fim do ano com uma alta de 2% em relação ao mesmo período do ano passado. Ele calcula que a inflação ficará em 4,3% este ano e que em julho e agosto ela pode ficar abaixo de 4% no acumulado de 12 meses. Para o ano que vem, sua projeção também é de uma inflação nessa faixa de 4%. A vantagem de dois anos de inflação nesse patamar é convergir os dissídios para o patamar de 5%, reduzindo novas pressões de custos:

— E os dissídios vão cair sem que haja queda de salário real, que vai aumentar para os que estão empregados. Essa é uma chance extraordinária de reduzir os juros de forma significativa, para ficar.

José Roberto disse que parte da queda da inflação é decorrente da recessão, mas não apenas isso. Houve, por exemplo, um movimento espontâneo de renegociação de contratos de aluguel entre inquilinos e proprietários que levou a uma queda do valor dos aluguéis e uma redução da indexação.

Ele espera mais três pontos percentuais de queda da taxa de juros. A Selic já caiu dois pontos.

— É uma queda apreciável. Sem forçar, ela pode ir para 8%. Mesmo quem é conservador há de concordar que nessas circunstâncias a taxa de juros pode ficar abaixo da taxa de equilíbrio para tirar o país da recessão. Isso não tem nada a ver com a experiência recente, triste para nós, de o governo forçar a queda da Selic. A taxa de juros pode cair porque a inflação caiu, mesmo.

O lado mais difícil da crise continua sendo o desemprego. José Roberto acha que o desemprego vai aumentar no primeiro trimestre antes de cair. E há outro complicador para a conjuntura econômica que é a situação das empresas em dificuldades:

— Há muita empresa zumbi na praça, empresa que na prática já quebrou e que está empurrando para um pouco mais adiante. Haverá casos sem solução, de companhias que não têm capacidade nem de entrar em recuperação judicial.

Há fatos positivos na economia brasileira, mesmo num contexto que ainda é de crise. E algumas dessas empresas zumbis são empreiteiras atingidas pela Lava-Jato. Nem todas estão na mesma situação. O economista acha que a retomada do emprego terá que ser pelos investimentos em infraestrutura e na indústria da construção. Para isso, e em meio às dificuldades de muitas empreiteiras, ele acha inevitável ter regras mais flexíveis na regulação das concessões e das parcerias público-privadas para a participação de empresas estrangeiras. Há fatos positivos, mas ainda há um longo caminho até a retomada.

Nenhum comentário: