domingo, 19 de fevereiro de 2017

O valor do debate - Míriam Leitão

- O Globo

André Lara Resende se sente um mensageiro que apanhou. Estava interessado em trazer para o debate especializado novas teorias sobre os juros e seu impacto na inflação, mas isso foi entendido como uma declaração política. Outros economistas lembraram que, da maneira como foi posta, reforça a ideia de que há uma solução mágica para o problema dos juros excessivos. Resende prepara um livro com novos artigos.

O debate é bem-vindo. Principalmente num país com tantos dilemas e tantas distorções acumuladas durante as muitas anomalias que o Brasil sempre viveu. Os vários economistas que ponderaram os riscos de traduzir para o país conclusões apressadas de textos que estão apenas no início de discussão têm razão. Mas, ao mesmo tempo, André, um dos mais criativos e brilhantes economistas brasileiros, faz bem de trazer à tona mudanças teóricas, ou, no mínimo, dúvidas teóricas.

Na semana passada, André Lara esteve no Brasil para aprofundar aqui discussões com economistas sobre a tese que foi popularmente entendida como se juros altos não fossem necessários para derrubar a inflação e pudessem ser, no médio prazo, fator inflacionário. Conversei com ele, mas não o convenci a me conceder uma entrevista. Ele acha o tema técnico demais para a televisão ou para uma conversa curta que era a que seria possível na rápida passagem dele. Está com outros artigos em andamento para publicá-los em livro.

O “Valor” publicou neste fim de semana entrevista com o economista que defendeu as primeiras teses sobre o dilema da política monetária. Professor de Stanford, John Cochrane explicou que, pela teoria clássica, depois de tanto tempo de juros perto de zero em grandes economias, como vimos recentemente, e um aumento tão grande de emissão, a inflação deveria ter subido. Mas ficou estável. Logo, há algo que não está funcionando como a teoria convencional.

O Brasil viveu recentemente um episódio de queda forçada de juros e uma elevação da inflação, que voltou a dois dígitos. Ela subiu por outros motivos também. O governo da presidente Dilma produziu um rombo nas contas públicas e transformou o superávit primário de mais de 3% do PIB num déficit da mesma proporção. Além disso, o governo cometeu erros de resultados conhecidos: manipulou preços monitorados, sendo obrigado depois a fazer um tarifaço.

Desse pesadelo de inflação de dois dígitos o Brasil acabou de se livrar com a queda das taxas que, agora, se aproximam do centro da meta. Alguém pode argumentar: os déficits continuam e a inflação caiu, portanto, a política fiscal não é inflacionária. Seria um absurdo concluir isso, mas se formos ser apenas impressionistas poderíamos chegar a essa conclusão. O que derrubou a taxa foi a recessão, a convicção geral de que o Banco Central está determinado a manter a inflação na meta, e os primeiros movimentos para resolver, ainda que no futuro, a explosão do déficit.

O Brasil vive uma situação completamente anormal: recessão há dois anos com 12 milhões de desempregados, e uma taxa de juros nominal de 13% e taxa de juros real que subiu nos últimos meses. Ao mesmo tempo, conseguiu reduzir a inflação à metade, mesmo diante do tumulto político vivido nos últimos doze meses.

Armínio, que entrevistei dias atrás, como escrevi na coluna de sexta-feira, disse que “o Brasil é anormal e não é de hoje”. Uma das anomalias é a dos juros altíssimos. Portanto, o debate deve ser travado sem medo de que isso signifique recomendações para aplicações imediatas pelos que têm responsabilidade de condução da política monetária.

Quando o jornalista Alex Ribeiro, do “Valor”, perguntou a Cochrane se ele seria capaz de aconselhar bancos centrais, ele respondeu que teria “recato científico” em fazer recomendações a bancos centrais com base em seus artigos. Deu apenas um conselho: “Seja lá o que fizerem, o importante é que o façam de forma previsível.”

André me disse que seu artigo não é uma “declaração política”. O mais valioso é que os economistas analisem o que há de novo diante dos problemas resistentes do Brasil. Foi debatendo e formulando novas teorias que um grupo de economistas brasileiros chegou à solução engenhosa e decisiva para a hiperinflação que nos atormentou.

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