sábado, 4 de fevereiro de 2017

Números confusos - Miriam Leitão

- O Globo

O governo confunde quando apresenta os números do custo das aposentadorias. Além disso, fortalece o discurso antirreforma. O que ele chama de “déficit da previdência” é apenas o dos trabalhadores do setor privado. O rombo dos servidores é anunciado em outro momento, junto ao resultado do Tesouro. Depois, faz mais confusão quando junta os dois déficits aos gastos da assistência social e saúde.

Numa semana, o governo anunciou que o déficit da previdência foi de R$ 149,7 bilhões em 2016. Na semana seguinte, que foi de R$ 77,1 bilhões. Os dois são duas partes da mesma verdade sobre o desequilíbrio do sistema de aposentadorias e pensões. O primeiro é o rombo do sistema dos trabalhadores do setor privado, o chamado Regime Geral de Previdência Social. O segundo é a conta dos servidores públicos federais, ou o Regime Próprio de Previdência Social. Divulgados em dias separados, como parte de estatísticas distintas, formam o déficit que, no ano passado, chegou a R$ 226,8 bilhões. Isso, sem contar o dos servidores estaduais e municipais, que tem outro rombo.

O Brasil tem uma parcela de apenas 14% da população com 60 anos ou mais, tem um desequilíbrio com o pagamento anual de aposentadorias crescente e insustentável, próprio de países com população bem mais velha. Essa liberação do número em etapas, sequer somando os servidores federais com o INSS, dá uma impressão errada da dimensão do problema. A contabilidade pública deve mostrar, claro, o que acontece com cada sistema, mas tem que revelar que, juntos, trabalhadores e servidores têm um déficit desse tamanho.

O governo separa o que não deve ou junta o que não deve. Aposentadoria é uma coisa, assistência social e saúde são outra. Mas, quando se reúne tudo na estatística da seguridade social, permite o argumento de que o governo está jogando sobre a previdência gastos que não deveriam estar lá. Tudo fica ainda mais confuso porque existem impostos dedicados à seguridade social: a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Nesse conjunto de números, cada um usa o que quer para provar seu ponto. Esses dois impostos são para a assistência social, não podem entrar na conta como se fossem receita para pagar aposentado. Têm que ser para a assistência social mesmo: Benefícios de Prestação Continuada, Loas, Bolsa Família. E a saúde é outro bloco de despesas.

Muitos dizem que a receita da previdência está subestimada e o déficit é falso, porque soma a arrecadação dos impostos previdenciários, pagos pelo trabalhador e empregador, com toda a receita da Cofins e da CSLL. Quem permite essa confusão é o governo com essa divulgação. Para evitar essa confusão, feita às vezes até de boa fé, é preciso ter uma estatística que junte os custos de pagar as aposentadorias e pensões — de trabalhadores do setor privado e os servidores — e os separe de todos os outros gastos da assistência social ou da saúde.

O que o país precisa saber é quanto temos sido insensatos ao pensar no nosso futuro. Ao longo dos anos, foram criadas vantagens para alguns trabalhadores, gerando enormes desigualdades. São as aposentadorias especiais, em valores ou em idade, as pensões de filhas de militares e de algumas outras castas, as acumulações de benefícios, como se uma mesma pessoa pudesse se aposentar várias vezes. Essas liberalidades com alguns, na distribuição do dinheiro público, é que estão tornando o sistema inviável. Algumas dessas vantagens não são mais concedidas, mas as que já foram, no passado, pesarão sobre o país por muitos anos.

A seguridade social — que hoje inclui a previdência — tem um outro calendário de divulgação. O último dado conhecido ainda é parcial: de janeiro a outubro de 2016 o déficit geral foi de R$ 202 bilhões. A maior parte do rombo é o da previdência. E para complicar ainda mais, recentemente o Ministério da Defesa disse que parte da previdência dos militares não é déficit porque é paga pelo Orçamento da Defesa.

A reforma continua dando tratamentos diferenciados e deixando um grupo de fora. No caso, foram protegidos das mudanças os militares das Forças Armadas e os policiais. A reforma teria que ser o mais universal possível, e ajudaria bastante se houvesse uma arrumação na bagunça dos números da previdência.

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