domingo, 19 de fevereiro de 2017

Ajuste fiscal dói, mas alternativa é muito pior – Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

Elio Gaspari, em sua coluna de quarta-feira passada (15) nesta Folha, sugere haver escolha de Sofia a desafiar nossos gestores. Há conflito entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social?

Paulo Hartung, governador do Espírito Santo, e toda a sua equipe têm feito um duro trabalho para enfrentar a terrível crise fiscal pela qual passa o Espírito Santo, que, ademais, acomete também outros Estados brasileiros.

Elio Gaspari sugere que, no caso capixaba, há um conflito entre a responsabilidade fiscal e a social e Hartung errou ao esticar demais a corda do ajuste fiscal. Seria melhor que ele fizesse como o ex-presidente Geisel fez, em outro episódio e sob outras circunstâncias, e cedesse.

Penso que Elio Gaspari erra. Não há conflito entre responsabilidade social e fiscal. Muito pelo contrário. Esta é um pré-requisito para aquela.

É a responsabilidade fiscal que permitiu que o Espírito Santo não atrasasse salários dos servidores e, portanto, conseguisse manter os serviços públicos funcionando normalmente. Foi a responsabilidade fiscal que criou espaço orçamentário para que a participação do gasto com segurança na despesa total —entre 2010 e 2016— subisse de 9% do Orçamento para 14%.

Evidentemente, numa situação em que a receita do Estado despencou —fruto da crise econômica, da queda do preço do petróleo, de uma seca que atingiu pesadamente a cultura do café robusta, uma das bases da economia capixaba, e, finalmente, do desastre da Samarco, os salários de todos os servidores não se elevaram nos últimos dois anos.

Como a experiência do Rio de Janeiro demonstra, é muito pior conceder aumentos de salários e não ter dinheiro no caixa para honrá-los do que conter a subida dos salários, mas manter os pagamentos em dia.

É claro, portanto, o caráter político da greve dos policiais do Espírito Santo. Esse caráter fica mais evidente ainda pelo fato de o movimento ter sido deflagrado quando o governador se licenciou em razão de tratamento de saúde.

Há farta evidência em nossa história econômica de que descuido com a política fiscal é o primeiro passo para a desorganização da economia, e essa leva, inexoravelmente, à inflação e ao desemprego e, portanto, à irresponsabilidade social.

A irresponsabilidade fiscal no período da redemocratização está na raiz da hiperinflação brasileira.

No primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, houve descuido com a responsabilidade fiscal. Por muito pouco não perdemos a estabilidade econômica. Somente o ajuste fiscal no segundo mandato perenizou a estabilidade econômica ganha com o Plano Real e pavimentou o caminho para as melhoras sociais sob o petismo.

A desorganização fiscal que começou lenta e silenciosamente em 2009, após a crise de 2008, aprofundou-se ao longo do primeiro mandato da presidente Dilma e estabeleceu os contornos e a intensidade da crise atual. Os índices de pobreza têm aumentado para além da chaga do desemprego.

Evidentemente, em uma sociedade que passou anos vivendo o sonho de um permanente boom de commodities, governada por gestores da área econômica formados em uma escola de pensamento que considera não haver restrições de recursos, o sonho do ganho fácil e permanente contaminou cada um dos poros de nossa sociedade, em tudo já meio perdulária de nascença.

Ajuste fiscal dói: em casa, no trabalho ou no setor público. A alternativa é muito pior.

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