quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

A opção do presidente - Maria Cristina Fernandes

- Valor Econômico

• Judiciário que se politiza merece Alexandre de Moraes

O roteiro é novelesco, mas os obituários que abriram os trabalhos de 2017 liberaram as asas da imaginação. O governo Michel Temer decanta e a retomada da economia cavalga uma política que extrapola o cinismo.

O ministro Gilmar Mendes, conselheiro presidencial com assento na Corte, permanece calado sobre a nomeação de Moreira Franco para o ministério, mas, às vésperas do julgamento da liberdade de Eduardo Cunha, defendeu abertamente a revisão das prisões temporárias da Lava-Jato. Contra uma eventual delação de Eduardo Cunha, a turma da "solução Michel", celebrizada nos grampos de Sérgio Machado, está na ofensiva.

Homologada a delação da Odebrecht, o ex-deputado é o preso provisório com maior potencial ofensivo de Curitiba. Em depoimento ao juiz Sergio Moro, Cunha apenas tangenciou os temas anteriormente tratados nas 41 perguntas que havia sugerido ao presidente, arrolado como sua testemunha de defesa. Ainda que não consiga deixar a prisão, o ex-deputado ganha estímulo para continuar calado se os aliados governistas continuarem a demonstrar empenho por teses como a brevidade das prisões temporárias.

Alexandre de Moraes era a melhor opção para a turma da "solução Michel". A escolha explica a de Edson Fachin. Este será o relator da Lava-Jato, mas é o futuro ministro quem, na condição de revisor, pode lhe corrigir o prumo. Sua nomeação é propagandeada como fruto da pressão aliada. A aliança PMDB/PSDB recebeu argamassa e o governador Geraldo Alckmin, de fato, além de ter ganho um Gilmar Mendes para chamar de seu, reduziu a fila de pré-candidatos à sua sucessão.

Temer, no entanto, tem interesses próprios a zelar. É pacificado o entendimento de que não pode haver ação penal contra o presidente da República por atos estranhos às suas funções, mas há dúvidas em relação à abertura de inquérito a serem dirimidas pela Corte que passará a ser integrada por seu ex-ministro.

A "PEC da bengala", como ficou conhecido o projeto de lei de autoria do então senador José Serra, estendeu a aposentadoria dos decanos Celso de Mello e Marco Aurélio Mello para 75 anos. Com isso, os governos Luiz Inácio Lula da Silva (8) e Dilma Rousseff (5) não ultrapassariam a soma dos indicados por todos os governos da redemocratização - FHC (3), Itamar (1), Collor (4), Sarney (5).

O impeachment não estava no cenário quando o projeto, um dos primeiros da legislatura, foi aprovado. Temer passaria à história como o único a ocupar a Presidência da República por mais de dois anos sem indicar um único ministro não fosse a queda do jatinho de Carlos Alberto Filgueiras.

Há uma abundância de ministros com filiação partidária ou atuação política prévia - e posterior - ao ingresso em cortes supremas em todo o mundo. A americana, inspiradora do modelo nacional, teve como um de seus mais influentes integrantes um ex-governador (Earl Warren). Em visita à Alemanha, um juiz brasileiro foi surpreendido por um colega da Corte Constitucional a discorrer sobre o partido da vez na indicação de vaga aberta.

Não é a filiação ao PSDB ou sua condição de ex-secretário de Alckmin e Gilberto Kassab ou ex-ministro de Temer que comprometem a indicação de Moraes. Todos os presidentes pós-redemocratização, à exceção de Dilma, indicaram ex-colaboradores para a missão. O problema é a falta de transparência e a frouxidão do processo de escolha que não permitem aquilatar se os vieses do indicado comprometerão seu desempenho na Corte.

As lacunas são históricas, bem como o momento. A Lava-Jato, segundo cálculos que se fazem no Supremo, já é 40 vezes maior que o mensalão. Sem transparência e controle público sobre a escolha dos juízes, a operação custa a convencer que está, de fato, a passar o Brasil a limpo.

A Argentina ensaiou mudança nessa direção em 2003 (governo Néstor Kirchner) ao obrigar o presidente a submeter o nome de seus candidatos a 30 dias de exposição pública com a divulgação de patrimônio, currículo e clientes e sujeitá-los a objeções de qualquer cidadão antes da indicação ao Senado. Em 2015, Maurício Macri, que partilha com Temer o lema do despejo da herança política de seus antecessores, encontrou uma brecha na lei e abriu o precedente com a nomeação de dois juízes por decreto durante o recesso legislativo.

No mesmo dia em que Moraes foi indicado, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, apressou-se em prever a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça para dali a duas semanas. Governistas esperam que a maioria folgada de Temer na Casa assegure uma sessão mais tranquila do que aquela de Luiz Edson Fachin, cuja presença num evento eleitoral petista em 2010 e a defesa da reforma agrária lhe custaram 12 horas de questionamentos.

Foi a mais longa desde a redemocratização, mas ainda está longe dos quatro dias ao longo dos quais se estendeu a sabatina, com direito a testemunhas contra e a favor, das duas juízas indicadas por Barack Obama para a Suprema Corte Americana.

Ainda que a maioria governista não deixe dúvidas sobre a chance de Alexandre de Moraes ser aprovado, parece razoável que uma sociedade que passou a colocar juízes no pedestal possa saber de casos em que o futuro ministro deverá se declarar suspeito para se pronunciar. Dado seu gosto por holofotes, é inevitável que opine sobre magistrados que se pronunciam fora dos autos. O voto de Moraes será decisivo em julgamentos apertados como o da prisão em segunda instância. Já se pronunciou sobre a tese? Com o grau de ativismo da Corte, parece obrigatório saber do ministro a diferença entre fazer a lei e interpretá-la. Se uma sabatina dessas já seria improvável, ficou ainda mais difícil com a CCJ nas mãos de Edison Lobão.

O domínio da jurisprudência constitucional azeitou a ascensão de Moraes numa política cada vez mais judicializada, mas essa estrada não tem mão única. O ministro está prestes a ocupar o topo da carreira jurídica num momento em que esta sai da curva e se politiza. Sem isso, talvez não o tivesse alcançado.

Temer não é o único responsável por Moraes. Se não estão claros os critérios para a escolha presidencial, tampouco a Corte para a qual o ministro foi designado se preocupa em dar transparência à aleatoriedade dos sorteios que distribui seus processos. O problema apontado por pesquisadores da FGV até hoje não recebeu resposta apropriada do Supremo. Não parece deixar dúvidas que está por merecer o futuro ministro.

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