terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

A longa e árdua batalha para diminuir o custo do crédito – Editorial | Valor Econômico

Não deixou de causar alguma decepção o seminário sobre spread bancário realizado na semana passada pelo Banco Central (BC). A intenção da Agenda BC+ era boa ao reunir nomes importantes para debater o assunto, a começar pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, e dois de seus antecessores, Armínio Fraga e Gustavo Loyola, além do presidente Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal. Esperava-se que o BC e os bancos anunciassem caminhos concretos para reduzir o spread de modo a baratear o crédito. Mas nada de novo aconteceu.

O Banco Central divulgou pesquisa a respeito da composição do spread bancário no crédito para pessoas físicas que mostra variações significativas conforme a origem dos recursos que lhe servem de lastro, sem indicar o que pode ser feito em cada caso de modo a reduzir os juros, que é o que as pessoas e empresas desejam. No crédito prefixado com recursos livres, que constitui a imensa maioria das operações com pessoas físicas, a taxa média do spread ficou em 35,2 pontos de 2011 a 2016, dos quais nada menos do que 53% são embolsados pelos bancos como lucro; 20% são canalizados para pagar impostos; 18,5% servem para cobrir a inadimplência; e o restante, os custos administrativos. Já no crédito total, incluindo as linhas direcionadas, com funding abaixo dos custos de mercado como o crédito imobiliário e o agrícola, a inadimplência fica com 53,5% do spread, e troca de lugar com o lucro, que cai para 23,8%. Mantêm suas participações os impostos, com 15,8%, e as despesas administrativas, com 5,1%.

Armínio lembrou que, quando presidiu o Banco Central, de 1999 a 2003, e Goldfajn foi diretor de Política Econômica, já havia tentado reduzir o spread bancário, sem sucesso. Além disso, o peso de cada um dos componentes no spread vem se mantendo. Mas sua decomposição ajuda a entender onde estão os focos de resistência. Mesmo com queda da taxa básica de juros no fim de 2016 e a sinalização de novos cortes, o custo do crédito só foi recuar no fim do ano passado. O spread médio do crédito total caiu 1,1 ponto em dezembro para 22,5 pontos, ainda assim acima dos 18,6 pontos de dezembro de 2015, apesar de o custo de captação no período ter diminuído quase 2 pontos ao longo do ano e da inadimplência da pessoa física ter recuado de 4,2% para 3,9%.

Além do corte da Selic, o BC vem trabalhando em outras direções para reduzir o custo do crédito, como parte da agenda microeconômica. Uma das medidas envolveu especificamente a linha do rotativo do cartão de crédito, impedindo seu prolongamento além de um mês. O cartão de crédito dá ao banco um conhecimento profundo do cliente, que não justifica as taxas estratosféricas do rotativo. Houve ainda mudanças no compulsório, cujas regras de recolhimento foram simplificadas com a unificação de prazos e de alíquotas e o objetivo de reduzir os custos das instituições financeiras, um ganho que o BC espera que seja repassado ao cliente por meio da redução do spread. Mais aperfeiçoamentos podem ser feitos nessa frente de trabalho.

A agenda inclui outras mudanças. Uma das mais importantes e complexas será mexer no crédito direcionado, o que deve passar por alterações também na TJLP. Com funding subsidiado e taxas definidas pelo governo, geralmente mais baixas do que as de mercado e garantidas por subsídios cruzados que oneram outras linhas, o crédito direcionado foi comparado por Ilan Goldfajn à meia entrada do cinema que acaba encarecendo o preço da inteira de todos. Além disso, o crédito direcionado tende a tirar potência da política monetária, exigindo juros básicos mais elevados. Como praticamente metade do total de empréstimos é direcionada, suas taxas de juros não são afetadas quando o juro básico sobe. Fazem ainda parte do cardápio anunciado no seminário medidas para facilitar a retomada de bens em caso da calote, mudanças no cadastro positivo tornando automática a inclusão dos tomadores de crédito, e a mais complexa ainda revisão da lei de recuperação judicial.

A Febraban assinalou que as medidas vão na direção correta. Como disse Portugal, não há uma "bala de prata" para atacar a questão. O Banco Central vem, de fato, trabalhando em várias direções, além de se mostrar sensível às diversas demandas dos bancos. Espera-se que os bancos retribuam, indo além de apresentar uma lista de reivindicações.

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