domingo, 22 de janeiro de 2017

Trump não era brincadeira - Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

Donald Trump não esqueceu suas promessas de campanha. Reafirmou parte de seus planos no discurso de posse. Mandou publicar resumos de seu programa no site da Casa Branca assim que se tornou presidente. Não estava brincando.

Trump diz que tem um plano para fazer com que a economia dos Estados Unidos volte a crescer 4% ao ano. Hum. Desde o fim dos anos dourados do mundo rico ocidental, em 1973, os EUA cresceram 2,7% ao ano.

Depois do fim da Grande Recessão (2008-09), o crescimento médio dos EUA foi de 2,1% ao ano. Razoável para um país já tão rico, apesar de tão e cada vez mais desigual.

Mas os americanos se queixam de que 2016 foi o décimo ano sem crescimento acima de 3%. As previsões para 2017 e 2018 andam em torno de 2,4%, já considerando os anabolizantes econômicos de Trump.

A última vez em que os EUA cresceram em média 4% ou mais em um quadriênio foi nos anos de Bill Clinton (4,4%, em 2000). Então decorria um período de aumento rápido, mas transitório, da produtividade (1996-2004), devido a inovações da internet. Parte do crescimento era bolha financeira, que estourou no início do milênio.

A década de 2004-2014 registrou o menor crescimento da produtividade nos Estados Unidos desde o fim da Guerra Civil. Trump quer reviver uma taxa de crescimento do PIB compatível com um aumento da produtividade típico dos anos dourados, improvável por vários motivos.

Muito improvável no entender do economista Robert Gordon, que no ano passado lançou um livro de reinterpretação do crescimento americano desde a Guerra Civil, que fez barulho ("The Rise and Fall of American Growth").

Para Gordon, algumas invenções tecnológicas aumentaram o padrão de vida de modo ora irreprodutível. Entre muitas outras causas, o crescimento acelerado também dependeu de "mudanças institucionais", como a grande reforma social de Roosevelt, que favoreceu o aumento dos salários e a redução da desigualdade (Gordon não é "heterodoxo").

Voltando à vaca fria de tetas gordas de Trump: é bem possível anabolizar o crescimento por uns bons anos, deixando a sujeira da festa de drogas para outro presidente limpar.

Qual o plano trumpista? Aumentar investimentos em infraestrutura, cortar impostos "para todas as faixas de renda" e reduzir impostos sobre empresas. Isso é uma receita de deficit fiscal e de juros em alta.

Trump acredita que pode azeitar a máquina e evitar esses superaquecimentos com ganhos de eficiência decorrentes de regulação menor. Hum. Além disso, o presidente americano pretende aumentar a produção com protecionismo beligerante, uma ideia beócia.

Empossado, refez a ameaça de guerras comerciais. Promete renegociar o tratado de livre-comércio com o Canadá e o México. Caso seus parceiros de 23 anos recusem um "acordo justo", promete abandonar o Nafta.

Também vai abandonar a Parceria Transpacífico, o acordo de livre-comércio com 12 países aprovado em 2016, mas não ratificado nos EUA. Implicitamente, ameaça guerra comercial com a China.

Caso cumpra o que promete no comércio, no mínimo vai conseguir um aumento de custos nos EUA; no máximo, vai lançar a desordem na economia mundial e atrair desgraça também para si.

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