quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Receita opaca – Editorial | Folha de S. Paulo

Em atenção à própria credibilidade, a Receita Federal deve explicações sobre alteração promovida de forma sorrateira num documento oficial disponível na internet.

Conforme noticiou esta Folha, o "Estudo sobre Impactos dos Parcelamentos Especiais", crítico aos programas que oferecem vantagens a contribuintes em atraso com o fisco, teve seu conteúdo modificado—e suavizado— em 22 de dezembro.

Na semana anterior, o governo Michel Temer (PMDB) havia anunciado mais um desses programas, adicionado a um pacote de medidas destinadas a animar a economia e, sobretudo, aplacar o desgaste político de sua administração.

Da versão original do trabalho da Receita, datada de setembro, foi retirado trecho em que se considerava haver descumprimento sistemático de regras da Lei de Responsabilidade Fiscal nos parcelamentos especiais de dívidas tributárias.

De acordo com essa tese, tais iniciativas configuram benefícios fiscais —que, segundo a legislação, devem ser acompanhados de estimativa de impacto orçamentário e providências para restabelecer o saldo das contas do Tesouro.

Trata-se de afirmação grave, que remete a debates internos entre a área jurídica da Fazenda e os órgãos federais de controle em torno da lisura dos programas.

Se o comando da Receita mudou de ideia, deveria expor seus motivos com transparência. Fazê-lo à socapa apenas sugere que as convicções do órgão —um dos mais importantes e qualificados do Executivo— podem moldar-se às conveniências do governo.

Já o Planalto faria bem em repensar a opção por uma política cuja eficácia sucumbiu à adoção abusiva e perdulária dos últimos anos.

Contam-se nada menos que 27 parcelamentos especiais desde 2000, aí incluídos o inaugural Refis, reaberturas de prazos de adesão a programas já lançados e medidas setoriais que beneficiaram, entre outros, bancos, clubes de futebol e faculdades privadas.

De 9.427 contribuintes com faturamento anual acima de R$ 150 milhões, 2.023 (21,5%) já participaram de três ou mais modalidades de parcelamento, numa evidência de que grandes empresas abandonam pagamentos na certeza de que novas vantagens serão oferecidas.

Com isso, o ganho inicial de arrecadação desaparece, enquanto ressurgem pressões do Congresso e de entidades empresariais por mais uma benesse.

Não faltam estratégias melhores para enfrentar o peso e a complexidade do sistema tributário, cuja reforma tarda há décadas. Igualmente fundamental é preservar a confiabilidade da política econômica e das instituições que zelam pela solidez das contas públicas.

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