domingo, 8 de janeiro de 2017

Pátria difícil - Míriam Leitão

- O Globo

No Brasil há muita gente se fazendo a pergunta sobre ficar ou ir embora, principalmente os mais jovens. Esse dilema é recorrente na história de qualquer nação em tempos de crises, guerras e tragédias. O Brasil vitimado pelas crises econômica e política, e por uma prolongada anomia, começa a ser visto como o ponto do qual fugir em busca do Eldorado.

‘Não existe Eldorado”, alerta a escritora e pensadora Nélida Piñon em entrevista que fiz com ela e com a escritora Marina Colasanti. Marina acha interessante a busca de alternativa no exterior. De que forma ir? Com o desejo de emigrar ou apenas para se expor às diferenças culturais e abrir a mente? O dilema é esse.

Fiz um programa com Nélida e Marina na Globonews sobre o Brasil. Em momentos de perplexidade, fui ouvir pensadoras, com obra extensa e profunda, que iluminam pontos da nossa aflição.

Nélida se diz “estupefata” com o que houve em Manaus e na quinta-feira dizia: “Temo que vá se repetir”. Na sexta, houve Roraima:

— Nós não podemos deixar de considerar que há práticas bárbaras no país. Sempre se acreditou numa suposta cordialidade brasileira e veja o epílogo de Canudos: todo mundo degolado. O Brasil já degolou mil vezes. Será que vamos olhar para essa tragédia como ela deve ser observada, ou vamos esquecê-la? Precisaríamos de um Goya que pintasse esse delírio, mas lembrar é muito penoso.

Marina, diante do massacre de Manaus, faz uma pergunta inquietante.

— A pergunta que surge é “quem somos nós”. Não se trata de saber quem são eles. Eles não estão ali por acaso. A pergunta é quem somos nós e por que estamos gerando esse tipo de barbárie. Todo mundo se horroriza com as cabeças cortadas pelo EI, por que não nos horrorizamos da mesma forma vendo as cabeças cortadas dos criminosos? Ah, por que eles são criminosos! Então deve-se cortar a cabeça? Nos põe diante de um questionamento muito incômodo: Quem somos nós?

As duas são filhas da imigração. Nélida é, como se define, “uma brasileira recente”. Seus pais vieram da Galícia, região da Espanha com a qual manteve desde a infância estreito contato. Marina, de pais italianos, nasceu na parte da Etiópia que hoje é a Eritreia. Morou na Líbia, na Itália, e veio para o Brasil com 11 anos. Isso molda o que cada uma sente do seu pertencimento.

— A sensação que tenho é que sempre vivi num país difícil, mas é o meu berço, minha pátria, minha língua. Eu pude morar no exterior várias vezes, mas eu nunca quis deixar o Brasil. O Brasil é um amor irrenunciável. Eu sempre vivi essa dupla cultura. Filha de galegos que atravessaram o Atlântico em busca de uma terra que eles não sabiam o que iriam encontrar — disse Nélida.

— Não sei se sou brasileira, também não sei se sou italiana e certamente não sou africana. Sou africana, italiana e brasileira. Cada coisa é uma, e sou as três coisas. Fui brasileira mais entusiasmada na juventude. À medida que fui amadurecendo, recuperei o meu ser europeu. Aquela antiguidade que habita os europeus. Minha sensação é sempre de exílio — explicou Marina.

O Brasil já foi o destino do fluxo de migrantes e hoje é o ponto de onde se parte. Marina acha que é preciso estar aberto a essa possibilidade.

— Para os jovens, é interessante, a mobilidade é boa. É bom que os jovens vivam outra vida, vejam outras realidades. Em todos os países há os que vão e os que ficam. Os que ficam têm a sobrecarga de que têm que melhorar o país — pensa Marina Colasanti.

— Eu não sou favorável. A tentação da aventura é uma maravilha. Visitar outros países é civilizatório. Mas você será sempre um estrangeiro. Não nos iludamos: os jovens vão achando que é o Eldorado. Não existe o Eldorado. Existe o sonho, a esperança, mas é melhor produzir o seu sonho e sua esperança onde você está. Eu acho que o Brasil é viável. Precisamos ficar e derrubar essas muralhas, esses preconceitos. Um país racista, um país homofóbico, mas é nossa obrigação ficar aqui e trabalhar. Aqui é o lugar de gritar e consolidar a democracia — disse Nélida.

As duas escritoras alertam: os que ficam precisam lutar para melhorar o país, mesmo diante desse sentimento de desalento que, admitem, atinge o país em momentos assim.

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