quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

O modus operandi do Banco Central - Cristiano Romero

- Valor Econômico

• Dados econômicos e comunicação explicam estratégia atual do BC

Os diretores do Banco Central (BC) chegaram à última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) abertos a mais de uma possibilidade de corte da taxa básica de juros (Selic). A redução tanto poderia ser de 50 pontos básicos quanto de 75. O que os levou a optar pelo corte maior foram os dados sobre inflação e atividade econômica, ambos inesperados. Tanto o IPCA caiu abaixo do que se esperava quanto a atividade econômica, no último trimestre, ficou aquém do previsto.

As expectativas de inflação vinham melhorando desde a posse da equipe econômica do governo Temer. No mercado, todos sabem do compromisso do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e do presidente do BC, Ilan Goldfajn, com a inflação na meta (4,5%). O processo de melhora das expectativas vem ocorrendo, portanto, desde maio.

De lá para cá, as projeções do mercado para o IPCA foram diminuindo e, sem que se esperasse por isso, o índice terminou 2016 a 6,3%, um pouco abaixo do teto do intervalo de tolerância do regime de metas. Considerando-se que a inflação de 2015 chegou a dois dígitos - 10,67% -, a queda para 6,3% em apenas 12 meses representa uma desinflação acentuada.

Ao longo de 2016, porém, a mediana das expectativas do mercado apontava para uma inflação acima de 6,5% no ano passado. Somente no boletim Focus divulgado em 16 de dezembro, a mediana caiu abaixo de 6,5% (para 6,49%). Além disso, as expectativas para 2017 e 2018 melhoraram de forma significativa, mostrando convergência da inflação para a meta de 4,5%.

Quando o mercado acredita que o IPCA de dois anos à frente atingirá a meta oficial, isto significa que os agentes econômicos acreditam no compromisso e na capacidade do BC de manter ou levar a inflação à meta e também na condução da política fiscal a cargo do Ministério da Fazenda. Há 26 semanas, os participantes da pesquisa Focus acreditam que o IPCA de 2018 estará na meta. O nome disso é confiança na equipe e na política econômica, algo que faltou às gestões Lula e Dilma desde a crise de 2008 e até seus últimos dias no governo.

A expectativa em relação ao curtíssimo prazo, contudo, depende da confiança e também dos dados econômicos que saem do forno a cada dia. Na ata do mais recente encontro do Copom, o chamado cenário de mercado está assim: a inflação recuará para 4,4% em 2017 e para 4,5% em 2018. Os parâmetros para a projeção desses resultados são os seguintes: a taxa de câmbio chegará ao fim deste ano a R$ 3,45 e a taxa Selic cairá a 10,25% ao ano; em 2018, o câmbio fecharia a R$ 3,50 e os juros, a 9,63% ao ano.

No boletim Focus desta semana, a mediana das expectativas do mercado para a taxa de câmbio no fim de 2017 já recuou para R$ 3,40 e, no fim de 2018, estaria em R$ 3,50. Já a taxa de juros chegaria ao fim do ano em 9,75% e a 9,5% em 2018. Como o Copom cortou a Selic para 13% na última reunião, os analistas esperam redução de 3,25 pontos percentuais até dezembro, uma média de 0,46 ponto por reunião do Comitê - neste momento, o ritmo de corte anunciado pelo BC é de 0,75 ponto percentual.

Para justificar a aceleração do ritmo de redução da Selic, o BC alegou que o processo de acomodação dos preços se tornou mais difundido na economia, afetando, inclusive, os componentes mais sensíveis ao ciclo econômico e à política de juros. Um exemplo: os preços dos serviços, que, mesmo em meio à recessão que já dura quase três anos, vinham mostrando forte resistência a cair.

Outro argumento é que a saída do país da recessão está sendo mais lenta e gradual do que se esperava. A volta da confiança de empresários e consumidores na política econômica, algo que não se via desde 2010, não foi suficiente para tirar a atividade da paralisia. A economia brasileira foi muito machucada nos anos Dilma. O governo perdeu o controle das finanças públicas, elevando gastos e dívida de forma exponencial; empresas fecharam as portas ou pediram recuperação judicial; consumidores estão inadimplentes ou atolados em dívidas; Estados quebraram; 12 milhões de trabalhadores estão sem emprego.

Sair dessa tragédia vai levar mais tempo que o normal. Nos últimos meses, surgiram sinais de alento na indústria, especialmente, na automobilística. Companhias planejam abrir o capital com o objetivo de levantar recursos para investir. As indicações são boas, mas ainda não se materializaram.

No balanço de riscos do cenário básico do BC, o maior de todos depende do que ele - sim, Donald Trump, o novo presidente dos Estados Unidos - fará à maior economia do planeta. Sua promessa é reduzir impostos, injetar recursos em infraestrutura e atrair investimentos em território americano. Especialistas dizem que, a curto prazo, isso deve aumentar o ritmo de crescimento dos EUA.

Em entrevista aos repórteres Assis Moreira e Daniel Rittner, Kenneth Rogoff, professor de Harvard e ex-economista-chefe do FMI, disse que, se Trump fizer o que prometeu, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) será obrigado a elevar os juros além do planejado para este ano. Isso é ruim para países como o Brasil porque aumenta a aversão dos investidores a risco, desviando fluxos de capitais de mercados emergentes para os Estados Unidos, processo que pressiona a taxa de câmbio e, portanto, a inflação. A médio e longo prazos, a política de Trump pode gestar, no limite, uma nova crise, já que o Fed, para controlar a evolução dos preços, terá que aumentar os juros ainda mais.

O fato é que o Banco Central brasileiro elevou sobremaneira a transparência com que conduz a política monetária e isso é muito bom. Suas duas características marcantes: as decisões, mesmo que se depreenda que possa haver em certos momentos uma certa dose de componente político (e não há pecado nisso), são amparadas nos dados econômicos disponíveis; a comunicação ocupa papel central na gestão monetária.

A comunicação do BC tem tornado explícitas as condicionalidades econômicas que determinam a evolução da política monetária, o que, segundo palavras do Comitê na última ata, "melhor transmite a racionalidade econômica que guia as suas decisões". O melhor exemplo é o recente: o IPCA caiu além do esperado e de forma disseminada, a maioria das expectativas do mercado convergiu para a meta oficial e a atividade se mostrou mais fraca do que se previa. Esses fatores autorizaram o BC a estabelecer um "novo" ritmo de queda dos juros - de 0,75 ponto percentual.

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