domingo, 29 de janeiro de 2017

Guerra comercial - Míriam Leitão

- O Globo

O risco para o mundo de uma guerra comercial. Há uma grande chance de ser contra as leis do comércio internacional a criação de uma barreira tarifária contra um país específico. Quando o presidente Donald Trump faz a ameaça em relação ao México, ele pode criar apenas um ruído, mas, se o fizer em relação à China, pode iniciar uma guerra comercial. O mundo já viveu isso nos anos 1930 e terminou muito mal.

Os Estados Unidos só podem elevar barreiras contra o México nas seguintes circunstâncias: se as novas tarifas estiverem dentro do limite estabelecido pelo país na Organização Mundial do Comércio e se for apenas uma suspensão de vantagem já concedida no âmbito do Nafta. Há uma lista de milhares de produtos com tarifas variáveis e cada país assume o compromisso de não subir além de um ponto específico. Uma elevação generalizada de 20% tem uma grande chance de estar contra os compromissos assumidos pelos Estados Unidos.

No momento em que ele atacou o México, a resposta acabou sendo a suspensão da viagem do presidente, seguida de uma conversa por telefone. Com a China, a coisa muda de figura e não será fácil resolver um conflito. Se o governo Trump aplicar uma sobretaxa sobre produtos chineses, como prometeu, pode recriar o ambiente dos anos 30 do século passado.

Em 1930, o Congresso americano aprovou a lei tarifária Hawley-Smoot, que elevou o imposto de importação de cerca de 900 produtos. Isso gerou um efeito cascata. Os principais parceiros comerciais americanos também responderam da mesma forma, subindo tarifas. Em três anos, dois terços do comércio internacional desapareceram e houve um aprofundamento da recessão. Nos Estados Unidos, houve forte retração de importações e exportações. Quatro anos mais tarde, a lei caiu. Os diplomatas americanos têm dito que o país não vai repetir esse erro. A guerra comercial, mesmo que não seja da mesma forma e na dimensão desse episódio histórico, nunca é um bom caminho.

Por isso a conversa de que o Brasil tem a ganhar com os conflitos comerciais americanos é uma forma estreita de pensar. Ninguém ganha. Por outro lado, a decisão do Itamaraty de fazer uma nota se solidarizando com o México foi reprovada por alguns veteranos da diplomacia. Um deles, o embaixador Roberto Abdenur, que chefiou a missão brasileira na China e nos Estados Unidos.

— A nota foi um erro. O Brasil não tem que se envolver. Primeiro, o México tem uma larga tradição de dar as costas para o resto da América Latina. Segundo, o que o Brasil fará? Diante de cada diferendo soltará notas? — disse o embaixador.

Trump terá mais dificuldades do que parece para pôr em prática suas ideias radicais. O jornalista Lourival Sant’Anna contou, num programa que fiz sobre o assunto na semana passada na Globonews, que em 2002, no governo George W. Bush, foram criados cartões inteligentes para mexicanos que cruzam a fronteira diariamente para trabalhar ou consumir nos Estados Unidos e depois voltam para as suas casas no México. E eles são 40% de todos os imigrantes. Na verdade, não são imigrantes, mas trabalhadores e consumidores. E isso gerou um crescimento forte dos dois lados da fronteira. Como ficará esse fluxo com tanta tensão?

Trump na Casa Branca, nestes primeiros dias, lembrou mais um elefante em loja de louça, mas mesmo assim a bolsa subiu e os indicadores de mercado mostraram confiança dos investidores. O economista Alexandre Schwartsman explica que não é exatamente confiança em Trump, mas o fato de que a economia já estava crescendo e, com os estímulos, de redução de impostos e aumento de investimentos que ele promete, crescerá ainda mais. As distorções aparecerão, segundo o economista, mas demoram um pouco.

Enquanto o mercado comemora com visão de curto prazo, o resto do mundo vê com preocupação alguns sinais avançados que lembram velhas tragédias mundiais. Um experiente diplomata da ativa, que serve em posto no exterior, afirma que “é sempre perigoso quando o extremismo e o nacionalismo caminham de mãos dadas, e o mundo já teve essa experiência”.


A política internacional ficará em suspenso à espera do próximo show do presidente americano. Os espetáculos não são apenas de gosto duvidoso. Podem terminar muito mal.

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