terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Caiu, mas continua caro

• Queda dos preços dos alimentos e das tarifas não compensou as altas registradas em 2015

Daiane Costa | O Globo


Apesar de os números oficiais da inflação mostrarem queda nos preços de itens que consomem boa parte do orçamento das famílias, como alimentos e energia elétrica, a percepção do consumidor é que o valor das contas não para de aumentar. Isso acontece porque as reduções ocorridas em 2016 não foram suficientes para anular as altas registradas em 2015, quando a inflação média geral atingiu dois dígitos, chegando próxima dos 11%. Cerca de 10% dos 373 itens cujos preços são monitorados pelo IBGE tiveram deflação inferior à alta registrada no ano anterior — como batata inglesa, tomate, cebola, limão, brócolis, corvina e maionese. O caso mais emblemático é o da energia elétrica, que acumula, nos últimos dois anos, alta de 40,34% — caiu 10,66% em 2016, mas tinha encarecido 51% em 2015.

Além disso, explicam os economistas, apesar de a taxa média ter recuado para 6,29% em 2016, contribui para a percepção de uma inflação que ainda pesa muito no bolso o fator renda, que não tem acompanhado o crescimento dos preços. De acordo com os dados mais recentes do IBGE, a renda média do brasileiro ocupado caiu de R$ 2.074 em novembro de 2014 para R$ 2.032 no mesmo período de 2016, e o desemprego já atinge mais de 12 milhões de pessoas. Enquanto isso, a inflação acumulou alta de 17,63% nos últimos dois anos.

— As pessoas reclamam que tudo está mais caro com razão. Porque, na média, está mesmo. Só vão começar sentir uma melhora quando o poder de compra voltar a acompanhar o custo de vida. Muitas categorias de trabalhadores estão tendo seus rendimentos corrigidos abaixo da inflação ou ficando sem correção. Num contexto de desemprego e renda em queda, qualquer nível de inflação é perverso, porque interfere no bem-estar, nos desejos de cada pessoa — analisa Eulina Nunes, coordenadora do Índice de Preços do IBGE.

Para a consumidora Júlia Schnoor, de 36 anos, pesa o fato de produtos indispensáveis continuarem com os preços elevados:

— A alta de alguns alimentos foi muito expressiva nos últimos dois anos. Vivemos um falso milagre econômico. Passei 20 dias na Itália recentemente e, mesmo com o euro a R$ 3,70, fazer feira e supermercado lá não era tão caro como aqui.

Ela diz que, mesmo com os descontos anunciados pelos supermercados, a sensação é de que, há pouco tempo, o preço fora da promoção era muito inferior.

O economista Gilberto Braga, professor do Ibmec, explica que isso acontece sempre que há oscilações bruscas de preço, para cima e para baixo, como vem ocorrendo com itens bastante voláteis, como os hortifrutigranjeiros:

— Quando um preço se mantém por muito tempo estável, como ocorria nos anos anteriores a 2015, quando tínhamos uma inflação controlada, o consumidor memoriza os valores. Hoje, ele sente que a conta final está muito maior. Compra-se menos e paga-se mais.

A consumidora Ana Luiza Oliveira, de 56 anos, destaca, principalmente, a alta nos preços das frutas, que encareceram, em média, 38% nos últimos dois anos.

— Lá em casa, deixamos de consumir muita coisa. Fruta, só banana e laranja. E, na minha opinião, ainda vai ficar pior este ano, pois o desemprego deve aumentar, e as pessoas vão ficar mais pobres — opina.

Para Patrícia Costa, supervisora de Preços do Dieese, a percepção tem muito a ver com o poder de compra de cada família e, consequentemente, do que integra sua cesta de consumo — itens mais caros ou mais baratos.

— As famílias com renda de até cinco salários despendem uma parcela maior do orçamento com alimentação e gastam muito com remédios. Já famílias com maior poder aquisitivo sentem mais a mensalidade da escola particular dos filhos — exemplifica Patrícia.

CUIDADOS COM A SAÚDE DISPARARAM
Quem tem gastos fixos com plano de saúde e medicamentos, provavelmente, teve uma percepção ainda maior da inflação em 2016. Os preços desses dois itens subiram bem mais do que a média geral. As mensalidades dos planos encareceram 13,55% — maior alta em 19 anos —, e os remédios subiram 12,5%, maior acréscimo em 16 anos.

Patrícia acredita que a percepção de inflação tende a melhorar este ano por duas razões: as previsões convergem para uma taxa média mais próxima do centro da meta estabelecida pelo Banco Central, que é de 4,5% — patamar que não é atingido desde 2009. Depois, as previsões de crescimento baixo ou quase nulo para a atividade econômica brasileira este ano devem manter a demanda reprimida, levando os comerciantes a promoverem promoções para escoar estoques ou, no caso dos perecíveis, evitar que estraguem.

Com relação à conta de energia elétrica, cuja bandeira está verde, sem cobrança extra, desde dezembro do ano passado, as pessoas não têm sentido diferença na hora de pagar porque coincidiu com a chegada do verão, quando o uso de ventiladores e aparelhos de ar-condicionado aumenta, observa Gilberto Braga:

— Com uma alta acumulada de mais de 40% em dois anos, vão ser necessários muitos anos de deflação para esse acréscimo ser anulado. Até porque, nos últimos anos, o consumidor foi bastante incentivado a comprar equipamentos eletroeletrônicos e, hoje, está pagando essa conta.

O economista lembra que a percepção de inflação alta leva o consumidor a mudar hábitos de compra: consome menos unidades de determinados itens, corta outros e substitui o que é possível.

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