quarta-feira, 27 de abril de 2016

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

O PSDB tem responsabilidade política pelo que está acontecendo, porque apoiou o impeachment. Então não pode simplesmente dizer não entro [no governo]. Eu sou propenso a entrar desde que as condições sejam explicitadas. Entrar como partido, indicando nomes, porque a situação do Brasil é mais grave do que aparece.
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Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, em entrevista na Folha de S. Paulo, 26/4/2016

PSDB já negocia adesão total a governo Temer

• Tucanos querem compromisso de que PMDB não disputará eleições deste ano em cidades que partido considera prioritárias; negociações de ministérios têm de passar pela direção do PSDB

Alberto Bombig, Pedro Venceslau, Igor Gadelha, Ricardo Brito e Leonêncio Nossa - O Estado de S. Paulo

A direção nacional do PSDB impôs condições ao vice-presidente Michel Temer para aderir em sua totalidade a um eventual governo dele. A primeira delas é que qualquer conversa com o partido deve ocorrer em “caráter institucional”, o que significa dizer que o senador José Serra (SP) não é o único nome entre os tucanos a ser procurado pelo vice. A segunda e mais complexa é que Temer e o PMDB devem se manter distantes das eleições municipais deste ano em cidades que o PSDB considera prioridades eleitorais do partido.

Temer está disposto a conversar sobre esses pontos e, nesta terça-feira, 26, o senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB, mudou seu discurso e disse que o partido não deverá se opor a eventuais participações de membros em um futuro governo Temer. “Se amanhã o presidente Michel optar, considerar o nome de membros do PSDB, obviamente deverá fazer isso conversando com a direção do partido, que não deverá se opor”, afirmou Aécio, após reunião de quase três horas com a bancada do partido na Câmara.

O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), deu declaração na mesma linha, após se reunir com Temer. “O desejo do partido é de ter uma relação institucional com o novo governo. O PSDB não quer que o PMDB faça conosco o que o PT fez com o PMDB.”

Aécio também rechaçou a proposta de que tucanos que assumirem cargos em um futuro governo Temer devem se licenciar do partido, conforme revelou o Estado. A ideia foi defendida por membros do legenda, como o secretário-geral da sigla, deputado Silvio Torres (SP).

Eleições. Os tucanos querem o peso político de um eventual governo Temer e do PMDB fora das eleições em cidades onde os tucanos possuem boas chances neste ano, como Manaus, Fortaleza e São Paulo.

Eles também buscam um compromisso em relação a 2018: Temer não disputar a reeleição e não interferir nas eleições estaduais.

Essas propostas já haviam sido apontadas por Serra em entrevista ao Estado em março, mas agora foram encampadas pela direção nacional do PSDB. Esse é o maior entrave para o acordo. O PMDB é um partido com forte tradição municipal e estadual, com a qual impulsionou na última década a ampliação das bancadas no Congresso.

Divisão. As declarações de Aécio foram dadas após o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defender a participação do PSDB em ministérios de um futuro governo Temer, a exemplo do que ocorreu quando Itamar Franco assumiu a Presidência após o impeachment de Fernando Collor, em 1992.

A posição de FHC reforçou tese de embarque total dos tucanos e pesou na resolução da bancada divulgada nesta terça-feira. Aécio e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pré-candidatos ao Planalto em 2018, se diziam contra o PSDB ocupar cargos num eventual governo Temer.

Embora tenha dito que a direção do partido não vai se opor, o presidente do PSDB sinalizou que pessoalmente continua contra o partido assumir ministérios e outros cargos na gestão do peemedebista. “Para mim, cargos são secundários”, disse, ao ser questionado se sua fala significava uma mudança de opinião pessoal. Ainda assim, a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP) se reuniu a sós com Temer. Ela é cotada para Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

A bancada do PSDB do Senado também se reuniu nesta terça-feira para discutir o assunto. Após a reunião, os líderes do partido no Congresso, senador Cássio Cunha Lima (PB) e deputado Antônio Imbassahy (BA) foram juntos à residência de Temer para defender que o partido dê apoio “institucional” a eventual governo do peemedebista.

Na linha do que Aécio defendeu, Cássio e Imbassahy disseram a Temer que caberá a ele, caso assuma a Presidência fazer eventuais convites para filiados ao partido.

Aécio admite nomes do PSDB em gestão Temer

Aécio muda discurso e cogita participação do PSDB em eventual governo Temer

• Senador, que se diz 'pessoalmente' contra participação do PSDB em eventual governo, direção da legenda 'não deverá se opor' se for procurada pelo vice

Igor Gadelha - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), defendeu nesta terça-feira, 26, que o vice-presidente Michel Temer deve tratar em nível institucional a participação de tucanos em seu eventual futuro governo. Segundo o tucano - que se diz "pessoalmente" contrário à participação em possível governo - a direção da legenda, no entanto, "não deverá se opor" a essas participações.

"Se amanhã o presidente Michel Temer optar por querer nossa participação, deverá fazer institucionalmente com a direção do partido, que não deverá se opor", disse o tucano após reunião de quase três horas com a bancada do PSDB na Câmara para discutir como a legenda se portará em eventual governo do peemedebista.

A declaração de Aécio foi um recado direto ao vice-presiente de que uma possível indicação do senador José Serra (SP) - principal nome da sigla cotado para integrar o primeiro escalão de futuro governo Temer - deve ser negociada com a direção partidária, e não diretamente com o político a ser indicado. No último domingo, 24, Serra se reuniu a sós com Temer em Brasília.

Embora tenha dito que não vai se opor como presidente do partido, Aécio sinalizou que pessoalmente continua contra o PSDB assumir cargos no governo. "Para mim, cargos são secundários", disse, ao ser questionado se sua fala de hoje significava uma mudança de opinião pessoal.

A participação dos tucanos em eventual governo Temer divide os principais membros do PSDB. Enquanto Serra tem sido o principal entusiasta da ideia, Aécio e o governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que planejam disputar a Presidência em 2018, são pessoalmente contra a proposta.

O presidente do PSDB também rechaçou a proposta de que tucanos que assumirem cargos em um futuro governo Michel Temer devem se licenciar do partido. A ideia foi defendida por membros do legenda, como o secretário-geral da sigla, deputado federal Silvio Torres (SP).

Agenda emergencial. Na entrevista, Aécio confirmou que o partido deverá apresentar na reunião da Executiva Nacional do partido marcada para 3 de maio uma "agenda emergencial" com 12 a 15 propostas de saída para crise econômica que o Brasil vive. De acordo com o senador, a agenda será entregue a Michel Temer.

Aécio recua, e PSDB terá cargos no governo

Pressionado, o presidente do PSDB, Aécio Neves, e a cúpula do partido recuaram e decidiram apoiar o governo Temer, inclusive com a ocupação de cargos.

Aécio recua, e PSDB agora pode ter cargos em governo Temer

• Partido decide dar apoio integral a gestão, caso haja impeachment

Maria Lima - O Globo

- BRASÍLIA- Após mais de uma semana de embates públicos entre algumas das principais lideranças do partido, o PSDB decidiu ontem que dará apoio integral ao governo de Michel Temer, inclusive com a participação em ministérios caso haja convite. A unidade tucana só saiu após o ex- presidente Fernando Henrique Cardoso aderir à linha que vinha sendo defendida pelos senadores José Serra ( SP) e Aloysio Nunes Ferreira ( SP) e defender publicamente o apoio integral da legenda ao governo peemedebista. Assim, acabou sendo derrotada a posição de apoio apenas parlamentar, que vinha sendo propagada pelos dois principais pré- candidatos da legenda à presidência: o senador Aécio Neves ( MG) e o governador Geraldo Alckmin ( SP).

Presidente nacional do partido, Aécio passou o dia em reuniões com deputados e senadores tucanos. Além da posição de FH, influenciaram no recuo a avaliação de que a preocupação com as eleições de 2018 e a crescente evidência do racha partidário haviam repercutido negativamente na sociedade. Pelo acordo costurado ontem em Brasília, os tucanos apresentarão na próxima semana uma agenda emergencial de medidas com as quais Temer deverá se comprometer a adotar e os eventuais convites para ministérios precisarão se dar de “forma institucional”. Eles ocorreram logo após o anúncio do acordo. À noite, Temer chamou para a primeira reunião os líderes tucanos no Senado e na Câmara, Cássio Cunha Lima ( PB) e Antônio Imbassahy ( BA).

— De ontem para hoje a ficha caiu. As discussões do fim de semana não foram felizes. Discutir 2018 no momento em que o país sangra apequena a participação do PSDB no momento de enfrentar a crise. A fala do Fernando Henrique ( em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”) reflete a evolução desse raciocínio de que o PSDB deve participar de corpo inteiro, de forma institucional. Discutir 2018 agora é covardia — explicou o senador Ricardo Ferraço ( PSDB- ES).

A ideia da cúpula tucana é não tomar iniciativa de sugerir nomes, e jogar para Temer a decisão de chamar o PSDB para discutir eventuais convites, como o que provavelmente será feito ao senador José Serra ( SP), com quem o vice já conversou. Só que Temer não deve convidá- lo para ocupar a pasta que o senador deseja, a Fazenda. Ao GLOBO, Temer sinalizou que já está fechado com o ex- presidente do Banco Central Henrique Meirelles.

— Houve uma evolução com a costura desse acordo. No partido ficou pacificado que, se Temer quiser convidar alguém, deverá discutir isso institucionalmente, sem veto. Mas eu ainda não decidi se vou para o governo — disse Serra.

Outra decisão dos tucanos é de fazer ampla divulgação, inclusive no programa de TV do partido que irá ao ar dia 17, do documento com agenda de reformas que o PSDB entregará a Temer. Para se blindar de um eventual fracasso do futuro governo, o PSDB quer condicionar o apoio ao compromisso de Temer de apoiar essa agenda que inclui apoio integral a Operação Lava- jato, redução do tamanho do estado e reformas política e da Previdência.

— Caberá ao Michel ( Temer), se assumir, procurar a direção do partido para discutir isso. Se ele colocar esse assunto, vamos debater, não depende de nós. O que vamos fazer é lhe entregar um conjunto de propostas emergenciais e vamos cobrar um compromisso com o país — afirmou Aécio.

Aécio ligou para os governadores, entre eles Geraldo Alckmin, de São Paulo, contrário à participação do governo com cargos para discutir a saída negociada. Semana que vem a Executiva Nacional do partido irá bater o martelo, fechar uma agenda emergencial de medidas com as quais Temer deverá se comprometer a adotar.

Outra decisão nas reuniões é que, mesmo que Temer nomeie alguém do partido, o PSDB ficará à vontade para não assinar embaixo de todas as medidas do eventual governo Temer.

TSE julga contas de 2010
O Tribunal Superior Eleitoral aprovou ontem com ressalvas as contas do PSDB de 2010 e condenou o partido a devolver R$ 1,1 milhão aos cofres públicos. A punição foi determinada porque houve irregularidade na aplicação dos recursos. O PMDB também teve as contas aprovadas com ressalvas, mas não foi punido, porque as irregularidades foram apuradas em percentual inferior a 7% dos recursos totais.

Acordo com tucanos também envolve comando da Câmara

Adriano Ceolin - O Estado de S. Paulo

Além da oferta de ministérios, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) estuda negociar com o PSDB o comando da Câmara dos Deputados a fim de garantir o apoio dos tucanos a seu provável governo. A ideia agrada a lideranças de partidos que defendem um maior equilíbrio de forças entre as siglas no Congresso.

Basicamente, essas lideranças não querem que o PMDB fique ao mesmo tempo com as presidências da República, do Senado e da Câmara.

Atualmente, os peemedebistas detêm as maiores bancadas nas duas Casas do Congresso. Por isso, desde fevereiro de 2015, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) comanda a Câmara e Renan Calheiros (PMDB-AL), o Senado. Os chamados partidos do “centrão” – liderados por PSD, PP e PR - avaliam “que é muito espaço para o partido só”, por isso defendem que o PMDB ceda para um deputado de outra sigla um desses postos importantes.

A ideia original do “centrão” é emplacar um dos seus. Nesse caso, os primeiros da lista são Rogério Rosso (PSD-DF) e Jovair Arantes (PTB-GO). Os dois ocuparam, respectivamente, a presidência e a relatoria da Comissão Especial do impeachment.

Ambos agradam ao atual presidente da Câmara, que gostaria de contar com um aliado como sucessor no comando da Casa quando terminar seu mandato.

Pelo PSDB, o nome que surgiu como opção inicial é o de Jutahy Júnior (BA), que já foi líder de bancada e está no seu décimo mandato na Casa. O parlamentar tem forte ligação política com o senador José Serra (SP), tucano que priva da confiança de Michel Temer. “Ninguém falou nada comigo”, disse Jutahy ao Estado. Ele é a favor do ingresso de Serra no Ministério. “Defendo isso 100%”, completou.

Temer aceita discutir de forma institucional participação do PSDB em governo

Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer concordou na noite desta terça-feira (26) discutir a partir de agora de maneira institucional, com o comando nacional tucano, a participação do PSDB em um eventual governo peemedebista.

A resposta foi dada em encontro com os líderes do PSDB no Senado Federal, Cassio Cunha Lima (PB), e na Câmara dos Deputados, Antônio Imbassahy (BA), no gabinete da Vice-Presidência da República.

A reunião teve como objetivo iniciar uma relação institucional com o vice-presidente, evitando negociações paralelas.

As conversas entre o peemedebista e o senador José Serra (PSDB-SP), cotado para assumir o Ministério da Educação, incomodaram a cúpula nacional tucana.

"O que o PSDB não quer é que o PMDB faça conosco o que o PT tentou fazer com o próprio PMDB", disse Lima. "O PSDB deseja uma relação institucional, que é o melhor caminho", acrescentou.

Na conversa, os líderes tucanos também apresentaram de maneira resumida ao vice-presidente algumas condicionantes que o partido entregará em documento na semana que vem para que o PSDB integre a gestão do PMDB.

Eles citaram a Temer, por exemplo, o compromisso de manter e não interferir na Operação Lava Jato, a promessa de adotar medidas para recuperar a credibilidade do país e retomar o nível de investimento e a realização de na reforma política.

O partido estuda, por exemplo, a adoção de uma cláusula de barreira partidária e o voto distrital misto, bandeiras históricas do partido. Ele defende ainda a redução da máquina pública e o reequilíbrio das contas públicas.

"O PSDB vai ajudar o país a sair da crise", disse Lima. "Nós oferecemos uma contribuição efetiva para virar a página e apontar uma saída para o país", acrescentou.

Além dos líderes partidários, Temer deve se reunir nos próximos dias com o presidente nacional do PSDB, Aécio Neves.

Temer convida Serra, Mariz, Meirelles, Geddel e Padilha

Por Daniel Rittner, Claudia Safatle, Andrea Jubé, André Guilherme Vieira e Juliano Basile – Valor Econômico

 Brasília, São Paulo e Washington - O vice presidente Michel Temer começou a definir os nomes que vão compor seu eventual governo. O ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles deve assumir a Fazenda. O senador do PSDB José Serra (SP) fica com a pasta da Educação e o senador Romero Jucá (PMDB-RR), com o Planejamento. A equipe do Palácio do Planalto também está escolhida: Eliseu Padilha, ex-ministro da Aviação Civil, vai para a Casa Civil e o ex-ministro da Integração Nacional no governo Lula, Geddel Vieira Lima, cuidará da articulação política na Secretaria de Governo.

O advogado criminal Antonio Cláudio Mariz de Oliveira confirmou ao Valor que foi sondado para a pasta da Justiça e, de antemão, sugeriu um projeto de lei para adequar a delação premiada "à doutrina jurídica brasileira".

O PMDB tem uma lista de nomes para a presidência do Banco Central que será submetida a Meirelles. São eles os ex-diretores do BC Mário Mesquita, Ilan Goldfajn (hoje no Itaú) e Eduardo Loyo (hoje no BTG Pactual) e o ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos Kawall. Meirelles terá a palavra final também nas indicações para os bancos federais, como Banco do Brasil, Caixa, BNDES, Banco da Amazônia e Banco do Nordeste. Há, no PMDB, a compreensão de que o sistema financeiro público deve estar bem alinhado com o Ministério da Fazenda.

Na semana passada, em Nova York, Meirelles defendeu a autonomia do Banco Central e a reforma da Previdência, com a fixação de idade mínima para aposentadoria e desindexação dos benefícios à variação do salário mínimo. Ele disse ser favorável ao aumento de impostos no curto prazo para permitir o equilíbrio orçamentário, mas com redução da carga de tributária à medida que o governo corte seus gastos.

O ex-ministro Moreira Franco deverá coordenar um novo órgão que vai centralizar as concessões de infraestrutura. Ele terá como tarefa destravar a agenda das privatizações.

Dilma discute com Lula realização de eleições gerais

Por Andrea Jubé e Lucas Marchesini – Valor Econômico

BRASÍLIA - Nas conversas que manteve com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem e na segunda-feira, a presidente Dilma Rousseff discutiu a estratégia de encabeçar o movimento a favor de novas eleições presidenciais neste ano. Dilma e Lula avaliam essa possibilidade, caso a maioria dos senadores determine o seu afastamento da Presidência, em sessão prevista para 11 de maio.

Outro plano que está sendo alinhavado é impedir sua condenação no impeachment e reconduzi-la ao cargo, caso os senadores julguem que não se configurou o crime de responsabilidade atribuído à petista. Para isso, Dilma precisa de 28 votos contrários, abstenções ou ausências.

Dilma e Lula têm consciência de que a admissibilidade do impeachment, que implica o afastamento da presidente do cargo, é fato consumado no Senado. Mas não a sua eventual recondução, embora o ex-presidente considere essa hipótese como "remota".

Para bater o martelo sobre a proposta de liderar o movimento pelas novas eleições presidenciais, Dilma gostaria que os movimentos sociais encampassem a ideia. Há resistência em sua base social, e o tema foi debatido em reunião com lideranças da Frente Brasil Popular e do movimento Povo Sem Medo no Palácio do Planalto na segunda-feira, da qual também participaram Lula e o presidente do PT, Rui Falcão, além dos ministros Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Jaques Wagner (Gabinete Pessoal da Presidência).

Ainda refratária à proposta, Dilma considerava avalizar o projeto até mesmo em caso de vitória no Senado, no julgamento do mérito do impeachment, o que deve ocorrer até novembro. Neste caso, ela encaminharia a emenda constitucional ao Congresso, convocando novas eleições, como solução para encerrar a crise política.

Mas diante do risco de que, sendo afastada, não consiga voltar ao Planalto Dilma, Lula e o PT consideram antecipar o envio da emenda pelas novas eleições antes de seu eventual afastamento, em 10 ou 11 de maio.

A ideia de que Dilma encabece o movimento por novas eleições ganhou fôlego após a divulgação da recente pesquisa Ibope, em que 62% dos brasileiros apoiam a realização de um novo pleito presidencial. Segundo o mesmo levantamento, apenas 8% avalizam a posse do vice-presidente Michel Temer no lugar de Dilma, em caso de impeachment.

Ontem o ex-presidente Lula foi ao encontro do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com a expectativa de discutir o rito de tramitação do impeachment e sondar o pemedebista sobre a ideia de novas eleições. No início deste mês, Renan manifestou simpatia pela ideia, afirmando que enxergava "com bons olhos essa coisa da eleição geral". Depois de se reunir com Lula, Renan se encontrou com a presidente Dilma no Planalto.

Mas após a reunião com Lula, Renan negou que tenham discutido o projeto de novas eleições. O pemedebista ponderou que, neste momento, essa proposta implicaria a renúncia de Dilma e Temer, o que não está no horizonte do PMDB. "Ele [Lula] demonstrou muita preocupação com os desdobramentos da crise política e defendeu valores democráticos pelos quais ele sempre lutou", disse Renan à imprensa. "Eu reforcei o papel histórico do Senado, meu esforço para ampliarmos a previsibilidade política e constitucional" do impeachment, completou.

Em qualquer cenário - liderando ou não o movimento por novas eleições -, Dilma decidiu que sairá às ruas para enfatizar e ecoar o discurso de que é vítima de um "golpe". Ela participará, ao lado de Lula, de ato comemorativo do dia 1º de Maio, comandado pela Frente Brasil Popular, da qual faz parte a Central Única dos Trabalhadores (CUT), no Vale do Anhangabaú em São Paulo.

Dilma também avalia fazer um pronunciamento no dia 1º de Maio, em rede de rádio e televisão, quando poderia anunciar, por exemplo, o reajuste do Bolsa Família. Mas isso ainda está em estudo no governo. (Colaboraram Fabio Murakawa e Vandson Lima)

Em reunião, Lula e Renan Calheiros discutem nova eleição presidencial

Marina Dias, Mariana Haubert, Débora Álvares e Leandro Colon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), conversou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta terça-feira (26) sobre a viabilidade de realizar novas eleições presidenciais no país.

Os dois se reuniram por uma hora e meia na residência oficial da Presidência do Senado, em Brasília.

O maior entrave para viabilizá-la é o fato de que, independente da forma como seja colocada, ela tem que ser aprovada pelo Congresso.

Hoje, a avaliação majoritária é de que a tramitação de uma proposta como esta é inviável. Ligado ao vice-presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já sinalizou que não pautará algo neste sentido. Nesta terça, Temer afirmou que a tese representa um "golpe".

Segundo a Folha apurou, Renan disse a aliados que Lula está "muito realista" sobre a situação da presidente Dilma Rousseff. A comissão especial do Senado vai julgar a admissibilidade do processo de impeachment da petista, previsto para o dia 11 de maio e, se aprovado, Dilma será afastada do cargo por até 180 dias.

A presidente tem feito consultas sobre a possibilidade de realizar novas eleições. O modelo, porém, ainda é bastante incerto e foi isso que Lula debateu com Renan.

O presidente do Senado defende o novo pleito mas acredita que Dilma não conseguirá fazê-lo via PEC (Proposta de Emenda Constitucional), pois o Congresso não aprovaria a medida.

A saída pensada por Renan seria um plebiscito, que pode ser feito nas eleições de outubro deste ano, regulamentado em 60 dias e, assim, as novas eleições presidenciais ficariam para o ano que vem.

Lula está bem posicionado nas últimas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República e, segundo aliados, ficou animado com o cenário.

Dilma também pediu uma reunião com Renan para esta terça, após o encontro do peemedebista com Lula.

Publicamente, Renan nega que tenha tratado com Lula sobre novas eleições.

Desdobramentos políticos
O ex-presidente Lula afirmou a Renan estar preocupado com o desdobramento do processo político em curso no país.

O peemedebista limitou a dizer que Lula falou de sua experiência como presidente do país e defendeu valores democráticos. "Ele disse que acredita muito no Brasil, que o Brasil é maior do que as suas crises, e que ele quer colaborar com saídas".

Em resposta, Renan afirmou que reforçou o papel histórico do Senado e o seu esforço pessoal para ampliar a previsibilidade política e constitucional para que a Casa julgue a presidente Dilma Rousseff. "Ao fim e ao cabo [disse] que seria uma decisão política, claro, mas que seria uma decisão de mérito com relação a saber se a presidente cometeu ou não crime de responsabilidade", afirmou.

A conversa com o petista foi a primeira de uma série de reuniões que Renan fará nesta terça e quarta. No fim da tarde, o peemedebista se encontrará com a presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Amanhã, ele irá ao Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência da República, para uma conversa com o vice-presidente Michel Temer. Segundo Renan, pela tarde ele receberá o senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB, em seu gabinete.

"Eu vou continuar conversando com todos. Conversar não arranca pedaço. [...] Acho que o papel do presidente do Senado é exatamente esse. É conversar com todo mundo para, em todos os momentos, demonstrar isenção e responsabilidade com o país. Conversar e trabalhar para construir convergências com todos os atores dessa crise política", disse.

Temer tem realizado uma série de reuniões com economistas e políticos que podem integrar o seu eventual governo, caso o Senado aprove o afastamento da presidente Dilma Rousseff.

Questionado sobre se considera que o vice está se apressando na definição do seu governo, Renan afirmou apenas que "não acha nada". "Eu sinceramente não acho nada e, cada vez mais para manter a isenção, eu devo achar menos para chegar ao final desse processo administrando essa convergência", disse.

Movimentos
Renan também recebeu durante a tarde representantes dos movimentos Povo Sem Medo e da Frente Brasil Popular, contrários ao impeachment de Dilma Rousseff e afirmou que não se deve "partidarizar" debate.

O peemedebista ouviu pedidos para que trate com isenção e assegure à petista o direito de defesa ao longo da tramitação do processo na Casa.

Enquanto Renan ainda recebia os integrantes dos movimentos sociais, Raimundo Lira (PMDB-PB) e Antonio Anastasia (PSDB-MG), respectivamente, eram confirmados na presidência e relatoria da comissão especial do impeachment.

Segundo o líder do MST (Movimento Sem Terra) João Pedro Stédile, o grupo entregou um "manifesto com milhares de assinaturas para dizer que somos contra o golpe".

"Estamos convencidos que o Senado, ao contrário da Câmara, que foi um tribunal de exceção comandado por um réu que pode ser preso a qualquer momento, vai recuperar a legalidade do processo".

Como tem afirmado publicamente, Renan repetiu ao grupo que vai garantir o rito democrático do processo, sempre agindo com isenção.

Temer critica 'golpe' de eleição antecipada

Temer critica 'golpe' de eleição antecipada e Lula discute plano com Renan

• Vice considerou que antecipação de pleito é 'casuísmo'; ideia conta com apoio de ex-presidente e de Dilma, que nos bastidores, já admite possibilidade de enviar ao Congresso PEC para encurtar em dois anos o seu mandato

Vera Rosa, Lu Aiko Otta, Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer criticou nesta terça-feira, 26, a proposta de antecipação das eleições presidenciais, que ganha força no PT e no governo. Em reunião com um grupo de sindicalistas, Temer chamou a iniciativa de “golpe”, recorrendo ao mesmo termo usado pela presidente Dilma Rousseff contra o processo de impeachment.

“Se essa iniciativa fosse tomada nos Estados Unidos, as pessoas ficariam coradas porque não há uma linha na Constituição sobre isso”, afirmou Temer, de acordo com relato de dirigentes de quatro centrais sindicais que estiveram com ele, no Palácio do Jaburu.

Na conversa, Temer disse que o impeachment está previsto na Constituição, mas considerou um “casuísmo” o plano de antecipar as eleições. Dilma já admite, nos bastidores, a possibilidade de enviar ao Congresso uma proposta de emenda constitucional (PEC) para encurtar em dois anos o seu mandato.

A ideia conta com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tratou do assunto nesta terça com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e com senadores do PT. À noite, Renan também se reuniu com Dilma, no Palácio do Planalto, e nesta quarta-feira, 27, vai conversar com Temer. “Conversar não arranca pedaço”, afirmou Renan. “Vou trabalhar para construir convergências com todos os atores dessa crise política.”

O presidente do Senado disse que Lula está muito preocupado com os “desdobramentos” do processo de impeachment. “Ele falou que acredita muito no Brasil, que o Brasil é maior do que as suas crises, e que quer colaborar com saídas”, afirmou.

Renan negou que o tema da antecipação das eleições tenha sido objeto do encontro, mas o Estado apurou que o assunto foi, sim, abordado. Desafeto de Temer, com quem trava uma disputa pelos rumos do PMDB, o presidente do Senado é favorável à proposta e expressou sua opinião a Dilma.

Ministros do PT e a maior parte dos dirigentes do partido também consideram que Dilma precisa empunhar logo essa bandeira para “emparedar'' Temer. Nos bastidores, a proposta é vista como "única saída" para desembaraçar o nó político e constranger o vice, tentando, de quebra, atrair o PSDB do senador Aécio Neves (MG), hoje dividido sobre eventual participação em um novo governo.

A ideia é que antes da primeira votação no plenário do Senado, em 11 de maio, Dilma apresente uma PEC, sugerindo novas eleições em outubro, quando serão realizadas as disputas para as Prefeituras. Atualmente, há uma PEC sobre esse tema no Senado, mas auxiliares da presidente avaliam que a iniciativa de propor o encurtamento do mandato deve ser tomada por ela mesma, como um gesto de pacificação.

Sem volta. Dilma já foi avisada por petistas que os senadores autorizarão o seu impeachment. Em jantar no Palácio da Alvorada, na segunda-feira, o próprio Lula disse à presidente que ela precisa se preparar para ficar 180 dias afastada do cargo.

Embora neste cenário a chance de Dilma retornar ao Planalto seja remota, a cúpula do PT e os movimentos sociais avaliam que a forte pressão sobre Temer, aliada à cobrança por novas eleições, pode ajudar o partido a construir uma narrativa menos traumática.

A estratégia incomoda Temer, que já está escolhendo nomes para o Ministério.

“Ele disse que qualquer solução diferente do que está previsto na Constituição é, sim, um golpe”, insistiu o presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Antonio Fernandes dos Santos Neto. “Nos momentos mais difíceis do Brasil, quando ocorreram problemas com o Getúlio, ou com o Jango, sempre deram o golpe tentando modificar a Constituição”.

Além de dirigentes da CSB, estiveram no encontro com Temer representantes da Força Sindical, da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) e da União Geral dos Trabalhadores (UGT). O vice-presidente também recebeu um documento com propostas para a retomada do crescimento e do emprego.

Comissão do impeachment avança

A comissão do impeachment confirmou: votação que pode afastar Dilma será dia 11 de maio.

Senado pode decidir dia 11 se Dilma será afastada

• Tucano é confirmado relator da comissão que analisará impeachment

Eduardo Bresciani - O Globo

BRASÍLIA - Na primeira sessão da comissão do Senado que avalia o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, foi fixado um calendário que prevê sessões em todos os dias úteis e a votação do relatório no dia 6 de maio. Com isso, no próximo dia 11, deverá ser votada em plenário a admissibilidade do processo, o que pode levar ao afastamento da presidente por 180 dias para que o Senado realize o julgamento. Ontem, durante a sessão, ficou evidente a fragilidade do governo no colegiado. Com o voto contrário de apenas cinco senadores, foi confirmado como relator o tucano Antonio Anastasia ( MG).

A sessão começou com a eleição consensual e simbólica de Raimundo Lira ( PMDB- PB) para o comando. Mas este foi um raro momento de consenso entre governo e oposição. A partir daí, diversos senadores governistas manifestaram questionamentos regimentais e políticos sobre a indicação de Anastasia para a relatoria. Entre os principais questionamentos está a vinculação dele ao presidente do PSDB, Aécio Neves, que perdeu as eleições para Dilma no segundo turno de 2014, além do fato de um advogado da legenda ter assinado o pedido de impeachment.

O presidente do colegiado rejeitou os questionamentos que visavam a impedir a indicação de Anastasia. A votação foi simbólica, sem que cada senador registrasse nominalmente sua posição. Apenas os cinco senadores que apoiam Dilma registraram voto contrário a Anastasia. A comissão tem 21 titulares.

Após a decisão, Lira anunciou o calendário prevendo o fim dos trabalhos no colegiado no dia 6 de maio, uma sextafeira. A data foi uma busca de acordo entre os governistas, que defendiam como prazo final o dia 9, e os oposicionistas, que desejavam o encerramento no dia 4.

— Existiam duas correntes, uma que defendia dias úteis, com base na Resolução 37, e temos também uma corrente que defende dias corridos, previsto na Lei 1.079 de 1950. Nós definimos, e conversamos com vários líderes. Vamos encerrar os trabalhos da nossa comissão, a aprovação ou rejeição do parecer, no próximo dia 6. Serão 9 dias úteis ou 11 dias corridos. Eu acho que é a formula matemática que podemos encontrar — disse Lira.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB- AL), afirmou que vai respeitar os prazos regimentais para tramitação.

Na comissão, os senadores acertaram uma extensa agenda de trabalho. Hoje será realizada uma sessão para votação de requerimentos. Amanhã será aberto espaço aos juristas autores da denúncia, Janaina Paschoal, Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo. Nessa sexta- feira será a defesa do governo, que pode ter a participação do ministro Nelson Barbosa ( Fazenda), além do advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo. Foram reservados os dias 2 e 3 de maio para ouvir personalidades e juristas favoráveis e contrários ao impeachment. No dia 4, Anastasia apresentará seu parecer. No dia seguinte, a defesa de Dilma terá mais uma exposição. Finalmente, no dia 6, a comissão tomará sua posição.

Anastasia minimizou as críticas a sua escolha como relator e afirmou que agirá com “serenidade, respeitabilidade e seriedade”. Definiu o processo como um caso complexo. Ele disse que o seu trabalho deve se limitar aos pontos definidos pela Câmara — pedaladas fiscais e decretos de crédito suplementar — e que chegou a observar que há questionamentos, já levados à comissão, de que sejam abordados fatos relativos também ao ano de 2014. A área técnica da Casa, porém, defende a manutenção dos debates sobre as acusações relativas a 2015, como decidiu a Câmara.

Anastasia disse que o uso da palavra crime de responsabilidade, nesse caso, poderia ser substituído por “infração constitucional”, apesar de a gravidade igual.

— Quando popularmente se fala em crime parece que se matou alguém, e não é o caso — disse.


Desfaçatez - José Antonio Segatto*

- O Estado de S. Paulo

Roberto Schwarz, numa arguta análise de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, examina como o romancista tematiza, por meio da autobiografia de personagem de ficção, volúvel, o modo de ser de um tipo social da classe dominante brasileira da segunda metade do século 19. Fundado na impostura e na desfaçatez, concilia norma e transgressão; cultiva, a um só tempo, princípios liberais e procedimentos clientelistas; incorpora preceitos modernos, mas não abre mão dos privilégios da sociedade escravocrata.

Pode-se acrescentar ao enfoque de Roberto Schwarz aquilo que Karl Marx havia apontado na obra de Honoré de Balzac e Theodor Adorno, na de Franz Kafka – o caráter antecipatório ou profético de determinadas obras literárias. Ou seja, o fato de o romance machadiano evidenciar alguns traços que seriam permanentes no comportamento social e na prática política da história brasileira ao longo dos séculos 20 e 21: fisiologismo e patrimonialismo, clientelismo e favor, nepotismo e apadrinhamento, impostura e arbítrio. Um tipo de conduta peculiar que viria a manifestar-se de maneira paradigmática e recorrente nos procedimentos e nas concepções de agentes político-partidários.

Tal atitude está arraigada em representantes de setores dominantes tradicionalistas aferrados e habituados, secularmente, ao uso instrumental e patrimonialista do poder como forma de assegurar regalias, e pode ser observada a olho nu no Congresso Nacional e nas diversas esferas de governo. Mas não só neles. Impregna até mesmo a práxis de protagonistas oriundos de classes e camadas subalternas, incluindo os outrora radicais. Estes, quando tornados novos donos do poder, adaptaram-se, pragmaticamente, às conveniências do mando e da velha ordem.

Muitos são os protagonistas da história contemporânea do País que exprimem com a máxima nitidez e em toda a magnitude aqueles traços. No primeiro caso, a lista seria longa, mas poderia ser exemplificada na figura dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado; no segundo, uma figura típica reflete de forma extremada essa tendência, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Com um comportamento ambivalente e pragmático, sua trajetória é volátil.

Alternando posturas, conforme as circunstâncias e conveniências, incentivou a criação da imagem – propagada pelo marketing – do homem simples, inculto, operário que se deu bem na vida graças à malícia e à perspicácia, à esperteza e à malandragem. A quebra de protocolo, a simpatia, a cordialidade e a informalidade tornaram-se sua marca. Emblemáticas disso são suas relações de compadrio e de companheirismo com determinados empresários – um deles, dono de uma grande empreiteira, tratava-o pelo apelido afetuoso de Brahma. Ele até se converteu em exímio animador de plateias, chegando mesmo a fascinar uma ilustre filósofa, que exclamou, feérica: quando ele “abre a boca, o mundo se ilumina”.

Não obstante afirmar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é o “AI-5 da classe operária”, Lula nunca deixou de desfrutar, de maneira oportuna e utilitária, as vantagens da antiga estrutura corporativa. No poder, cooptou boa parte da sociedade civil, transformada em correia de transmissão de seu governo. Aliás, jamais teve grande apreço pela democracia e pela coisa pública, nem antes nem depois de ascender ao poder, quando o aparelhamento das instituições e a apropriação do patrimônio público ganharam dimensões extraordinárias.

Estabeleceu seu governo como marco zero da história e o dístico “nunca antes neste país” passou a ser repetido como um mantra. Insistiu em dividir a sociedade brasileira, numa dicotomia maniqueísta, entre bons e maus, povo pobre versus elite branca; paralelamente, estabeleceu laço de intimidade com os representantes da velha política oligárquica e clientelista, patrimonialista e fisiológica (Paulo Maluf, José Sarney, Fernando Collor de Mello, Renan Calheiros, Jader Barbalho e Edir Macedo, entre outros). Expressão extrema de sua desfaçatez foi a justificativa que deu para a coligação com o peemedebismo nas eleições de 2006: “A mistura de raças é que permite que sejamos esse povo alegre, bonito, sem discriminação, que sabe se misturar. Foi isso que permitiu a aliança do PT com o PMDB”.

Simultaneamente, usava o boné do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e proclamava que os usineiros eram os novos heróis nacionais. Ao mesmo tempo que atacava a burguesia exploradora, circulava com desenvoltura nos salões e banquetes dos empresários, estabelecendo relações promíscuas com eles e seus negócios – um ex-deputado petista constatou que Lula “deu status de política pública ao compadrismo empresarial”. Também, do mesmo modo que desfrutava a camaradagem de Fidel Castro, flertava com George W. Bush – tomava rum com um e uísque com o outro.

Há pouco, alguém lembrou um vaticínio atribuído ao general Golbery do Couto e Silva, segundo o qual Lula viria a ser o “coveiro da esquerda brasileira”. Se sua predição não se realizou integralmente, o fato é que ele e o Partido dos Trabalhadores (PT) infligiram à esquerda democrática um severo revés político.

Empenharam-se até mesmo em apagá-la da história, utilizando-se de um recurso consagrado, aquilo que Érico Veríssimo denominou “operação borracha”.

Mais de um século depois, aqueles traços e caracteres prefigurados na personagem de ficção machadiana tornaram-se plenos. A ficção transfigurou-se em história – a personagem imaginária reaparece encarnada em figuras reais e vivas, fazendo estripulias políticas, maculando a democracia e aniquilando esperanças.

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José Antonio Segatto é professor titular de sociologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp)

PT e democracia, uma relação difícil - Sérgio Fausto*

- O Estado de S. Paulo

Derrotado por larga margem na Câmara, desaprovado pela maioria da sociedade brasileira, o governo refugia-se na narrativa do impeachment como golpe branco. A narrativa é frágil para tirar o lulopetismo da defensiva, mas é eficaz para arregimentar suas bases sociais e políticas mais fiéis com vista ao período pós-impeachment. Frágil porque, ao distorcer demasiadamente os fatos, não é capaz de persuadir senão quem já esteja de antemão convencido da tese do golpe branco.

Eficaz porque recupera um espaço político simbólico em que o petismo se sente em casa. Evita assim que a militância se desorganize. No caso atual, a narrativa é facilitada pela presença de Eduardo Cunha na presidência da Câmara e de figuras execráveis como Jair Bolsonaro entre os favoráveis ao impeachment.

A divisão do campo político em dois lados opostos, segundo uma linha que demarca um plano moralmente elevado (o lugar do PT e seus satélites) e outro decaído (o lugar de todos os demais), é uma estrutura mental e retórica recorrente no petismo. Desde sua origem, em momentos críticos o partido apela a essa estratégia, com o auxílio lamentável de não poucos intelectuais petistas.

Em 1982 realizaram-se as primeiras eleições diretas para os governos estaduais depois que a ditadura militar as proibiu. Com Lula candidato, o PT atacou mais o candidato do PMDB, Franco Montoro, um dos líderes da oposição democrática ao regime autoritário, do que o candidato apoiado pelo malufismo e pelos militares.

Eram ambos, para o petismo nascente, “farinha do mesmo saco”. Na verdade, eram água e óleo: eleito, Montoro impulsionou a campanha das Diretas-Já, que pavimentou o trecho final da transição do autoritarismo para a democracia.

Em 1988 o PT votou contra a aprovação da Constituição e hesitou em assiná-la por ser “conservadora”. Desconsiderou que ali estava o produto de um amplo processo de negociação do qual participou, sem restrições, o conjunto das forças políticas e sociais, como nunca antes na história brasileira. No momento que consagrou o retorno definitivo do Brasil à democracia, com eleições diretas para a Presidência, ampla liberdade de organização partidária, expansão dos direitos sociais, enfim, todas as principais bandeiras da oposição democrática ao regime autoritário, o PT preferiu reiterar o princípio da divisão entre “nós” e “eles”.

Passaram-se vários anos, o PT ampliou seu leque de alianças e Lula finalmente venceu a eleição presidencial em outubro de 2002. O então presidente Fernando Henrique Cardoso organizou um processo de transição de governo raro de encontrar mesmo nas democracias mais maduras do mundo. Criavam-se, em tese, condições para uma convivência democrática construtiva e civilizada entre o novo governo e a oposição.

Ledo engano. Em resposta, uma vez instalado no poder, o PT escolheu o governo anterior e seu partido como alvo principal de uma campanha de destruição política.

Ao mesmo tempo que se empenhava na denúncia da suposta “herança maldita”, estimulava com dinheiro a transferência de parlamentares para legendas de aluguel e comprava na mesma moeda apoio no Congresso, no esquema que ficou conhecido como mensalão. O anátema da “herança maldita” repetia a caracterização do governo FHC como “neoliberal e entreguista”. Esse slogan, mais um, que não resiste ao exame minimamente isento dos fatos e hoje soa ainda mais ultrajante em face da destruição a que os governos petistas submeteram as maiores empresas estatais do País, em particular a Petrobrás, serviu de base não apenas para uma luta política feita de “bravatas” e mentiras, mas também para a montagem de uma indústria de ações populares visando a acossar juridicamente integrantes do governo FHC.

Em retrospectiva, vê-se a dificuldade do PT em estabelecer relações políticas que sejam propriamente democráticas. O partido só parece conhecer duas opções: submissão ou estigmatização. Para não falar na peculiar forma de parceria revelada pelo petrolão.

A democracia supõe que os adversários se legitimem mutuamente. O suposto é de que cada qual representa uma parte e uma perspectiva do interesse geral. Este é concretamente definido com base na disputa política travada dentro das regras do jogo. Nesse processo vale a regra da maioria, preservado os direitos da minoria, em particular o de vir a se tornar maioria. Daí, entre outras coisas, o governo de turno não poder se apoderar do Estado. A estigmatização do adversário é sempre um ataque à democracia. A cooptação dos aliados por dinheiro, também.

Argumenta o lulopetismo que o impeachment representa quebra das regras do jogo democrático. Quer fazer crer que todos os outros somos “golpistas”: você, eu, os ministros do STF, que regulamentaram o rito do processo, cerca de 65% dos brasileiros ouvidos em diversas pesquisas de opinião, 367 deputados federais, representando 71,6% da Câmara.

É possível sustentar que o hábito petista de dividir a política em dois campos opostos e colocar-se em plano moralmente superior ao dos demais serviu para que o PT se consolidasse como expressão política de atores antes sub-representados na esfera política e na sociedade civil. Nesse sentido, apesar de negar avanços no processo de democratização, como a eleição de governadores de oposição em 1982 e a Constituição de 1988, o PT contraditória, mas efetivamente contribuiu para democratizar em maior profundidade a política e a sociedade brasileira.

Hoje, porém, o recurso à mesma surrada estrutura mental e retórica é pura farsa. No passado, o crescimento do PT teve aspectos inegavelmente positivos. No presente, a recuperação do lulopetismo implica a ruína política e moral do País. Isso não interessa a ninguém, nem aos petistas lúcidos e democráticos, de cuja contribuição o Brasil não pode prescindir.

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*Sério Fausto é superintendente executivo do IFHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of public policy da Rice University, é membro do Gacint-USP

Bate o desespero - Merval Pereira

- O Globo

A eleição ontem do presidente e do relator da comissão do impeachment no Senado serviu para confirmar que a oposição tem maioria esmagadora — o senador Antonio Anastasia, do PSD B, foi eleito por 15 a5— eque os governistas, à falta do que fazer para evitar o afastamento da presidente Dilma dentro de 15 dias, tentam retardar decisões com expedientes simplesmente ridículos.

Osenador petista Lindbergh Farias está de volta aos tempos de líder estudantil, com manobras regimentais as mais rasteiras, com o objetivo de provocar reações da oposição. O sentido desse comportamento dos senadores da situação não é outro senão ganhar tempo para que o julgamento da aceitação do processo do impeachment demore o mais possível.

Não que isso vá mudar o rumo dos acontecimentos, pois dificilmente essa maioria que já existe será desfeita, mas qualquer dia amai salém dos 15 que lhe restam na presidência da República permite à presidente Dilma a chan cede continuar dando vazão à sua obsessão, queé denunciar um suposto golpe de que estaria sendo vítima.

Ela e o PT estão montando uma narrativa que dará suporte, mais adiante, à campanha que a presidente tentará organizara partirdes eu exílio no Palácio Alvorada, onde permanecerá durantes eu afastamento do cargo, cuja decisão final pode se dar em até 180 dias após o impeachment ser admitido no Senado.

O projeto petista, por enquanto, é manter viva a chama da revolta contra o impeachment, mas, até mesmo antes da decisão do Senado, a presidente pode ser questionada no próprio Supremo por suas atitudes. Já existem parlamentares dispostos a pedir que ela seja proibida de acusara Câmara dos Deputados de golpista, depois que a decisão oficial foi tomada pela ampla maioria de seus membros.

Continuando nessa toada, ela estará infringindo a Constituição e cometendo novosc rimes derespon sabilidade por tentar impedira atuação dos poderes Legislativo e Judiciário.

Teremos então a tentativa petista de montar um governo paralelo a partir do Alvorada, apoiado pelos movimentos sociais. A presidente Dilma pretende inclusive ter acessoa aviões da FAB para deslocamentos pelo país, eé previsível que tenhamos uma disputa judicial em torno dos direitos e deveres de uma presidente afastada.

Provavelmente o Supremo Tribunal Federal será chamado a decidir, por exemplo, se Dilma poderá se manifestar publicamente sobre o governo do presidente em exercício Michel Temer. E se poderá criticá-lo livremente, usando imóveis do governo e utilizando- se de aviões oficiais para suas viagens políticas.

Outra questão que certamente o STF terá que enfrentar será a regulamentação das facilidades que serão colocadas à disposição da presidente afastada. Não há legislação a esse respeito, e caberá ao Supremo definir os limites de atuação da presidente nesse período de 180 dias, findos os quais ela poderia voltar ao cargo se o julgamento não estiver terminado.

Dificilmente, porém, o PT e seus cada vez menos associados partidários conseguirão retardar o processo aponto de não estar concluído em seis meses.

Se o parâmetro for o processo de Collor, como tem sido nos ritos do Congresso, assessores próximos do então presidente quando este foi impichado relembram que lhe foi negado um imóvel oficial — pensou- se inicialmente na cessão da Granja do Riacho Fundo —e o apoio de assessores.

Collor permaneceu na Casa da Dinda, e despachava de um escritório improvisado na garagem. O processo durou em torno de quatro meses. Um futuro governo de Michel Temer terá pela frente, portanto, uma oposição minoritária no Congresso, e movimentos sociais tentando conturbar o país.

Resta saber se a disposição desses movimentos se manterá sem as verbas oficiais que os alimentam, e mais ainda se o interesse político do PT será mesmo apoiar uma presidente afastada e em julgamento. Certamente o PT e os movimentos sociais que orbitam em torno dele terão que arcar com as consequências de suas ações, pois o país está ladeira abaixo.

Caberá ao novo governo manter o apoio da maioria do Congresso para não apenas aprovar as medidas necessárias à retomada do crescimento econômico, como também mostrar- se robusto politicamente para resistir às investidas da minoria barulhenta que tentará, por todas as maneiras, colocar-lhe obstáculos.

Para resistira esses previsíveis passos, o governo terá também que conquistar uma popularidade que hoje o vice Michel Temer não tem. E que as medidas a serem adotadas não facilitarão.

Faces do golpe - Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

Michel Temer é a melhor prova de que o impeachment de Dilma Rousseff não é golpe. Nenhum conspirador racional escolheria o peemedebista para comandar o país. Ele tem pouco ou nenhum apelo popular, pertence a um partido tão enrolado quanto o PT nos casos de corrupção, já teve seu nome mencionado por delatores da Lava Jato e, na política, é mais afeito ao jogo pequeno de negociação de cargos do que à formulação de projetos e execução de programas.

Temer só está prestes a assumir o Planalto porque as regras constitucionais estão sendo observadas e ele, embora poucos se tenham dado conta na hora de votar, recebeu os mesmos 54 milhões de sufrágios dados a Dilma Rousseff. Mais, foi ela quem o escolheu para vice –no que pode ser interpretado como mais um dos muitos erros que Dilma impôs ao país.

A tese das eleições gerais antecipadas, à qual setores do próprio PT já aderem, é simpática, mas tem dois defeitos. É pouco realista e acende uma polêmica constitucional. Até consigo vislumbrar o Congresso destituindo Temer, dependendo de como a Lava Jato e a situação político-econômica evoluírem, mas não vejo muita chance de os parlamentares abreviarem seus próprios mandatos.

Quanto à constitucionalidade de uma PEC antecipando eleições, alguns entendem que tal medida é vedada pelo artigo 60, que estabelece as cláusulas pétreas. Eu não iria tão longe. Fico com uma leitura mais literal do 60, que bane emendas "tendentes a abolir" a periodicidade do voto, não as que apenas a alteram.

De todo modo, é forçoso reconhecer que a convocação de eleições gerais já em outubro embananaria um poucos as regras do jogo. Alguns dos prazos de desincompatibilização, por exemplo, já se esgotaram. Talvez seja demais qualificá-la como golpe, mas ela está mais perto de impor uma descontinuidade constitucional do que o impeachment de Dilma, eventualmente seguido pelo de Temer.

O bagaço da laranja - Luiz Carlos Azedo

• Ninguém deve se surpreender quando o STF fizer a sua parte na superação da crise ética que escandaliza o país e o mundo inteiro

- Correio Braziliense

Como naquele pagode de Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz — “Acabou a comida/Acabou a bebida/Acabou a canja”—, depois da aprovação da impeachment da presidente Dilma Rousseff pela Câmara, sobrou para o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o bagaço da laranja. De artífice da derrota do governo, tornou-se um estorvo para as forças políticas que querem o afastamento da presidente da República pelo Senado. E sua cassação será inexorável, por pressão da mesma opinião pública que desestabilizou a base do governo.

Cunha manobra com audácia e tenacidade para impedir a cassação pelo Conselho de Ética da Câmara, mas ela será inevitável, seja porque será traído por alguns dos aliados, seja porque o Supremo Tribunal Federal (STF) também está numa saia justa por não ter julgado até hoje o pedido de afastamento e perda do mandato do presidente da Câmara. O depoimento do lobista Fernando Baiano, ontem, na Comissão de Ética foi um exemplo de como a situação de Cunha está insustentável.

Baiano contou que conheceu Eduardo Cunha em 2009 e que, nos anos seguintes, se encontraram “mais de 10 vezes”, sendo duas depois de deflagrada a Operação Lava-Jato, em março de 2014. O presidente da Câmara teria pedido dinheiro para a campanha, porém, segundo o lobista, as empresas que ele representava não faziam doações fora de seu país de origem. A solução encontrada por Baiano foi pedir a Cunha que ajudasse na cobrança de uma dívida de US$ 10 milhões do empresário Júlio Camargo, por ter viabilizado um contrato de navios-sonda da Petrobras. O delator explicou que ofereceu 20% da propina a Cunha, mas o presidente da Câmara exigiu 50%, o que foi feito, em parcelas de R$ 1,5 milhão e R$ 1 milhão, entregues em dinheiro, pessoalmente.

A cobrança precisou ser feita “de forma mais incisiva” porque o empresário demorava a cumprir o acordo, segundo revelou Baiano no depoimento de ontem. Para pressionar o empresário, Cunha teria apresentado um requerimento na Comissão de Fiscalização da Câmara pedindo informações sobre os contratos dos navios-sonda. “Foi uma forma de pressão para que o Júlio pagasse, porque era uma dívida que vinha se arrastando por mais de três anos”, explicou Baiano. Esse assunto não é objeto da representação do PSol contra Cunha, que é acusado de quebra de decoro parlamentar por mentir na CPI Petrobras, ao negar a existência de suas contas na Suíça, em depoimento que prestou espontaneamente. Mas não dá para a Câmara dos Deputados separar uma coisa da outra ao prestar contas à opinião pública.

Cunha desempenhou um papel decisivo na aprovação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, que poderia ter sido engavetado, como fez com outros pedidos, mas a escalada de confronto do Palácio do Planalto com ele, protagonizada pelo presidente do PT, Rui Falcão, e a própria presidente da República, transformou-o num inimigo mortal. Cunha fora advertido por aliados, como Paulinho da Força (SD-SP), que correria o risco de ser defenestrado depois da aprovação do impeachment, mas pagou pra ver. Na verdade, depois que entrou em rota de colisão com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, isso aconteceria de qualquer maneira. Parece que essa hora está chegando.

Cabeça a prêmio
Ninguém deve subestimar a rede de apoios que Eduardo Cunha tem Câmara, pois talvez lidere a maior bancada da Casa. Mas quem quiser que se engane. O destino que lhe está reservado é semelhante ao de Roberto Jefferson, presidente do PTB, que denunciou o mensalão, e do ex-deputado André Vargas, que era vice-presidente da Casa quando desafiou o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),

Joaquim Barbosa, ao posar de punho cerrado ao seu lado, em cerimônia oficial da Câmara. Vamos supor, porém, que as manobras de Cunha no Conselho de Ética continuem, com um olhar complacente e envergonhado de uma oposição agradecida por seu papel no impeachment.

O Supremo dá sinais de que vai fazer o caso Cunha andar rapidinho. Já são seis inquéritos contra ele, dois dos quais já resultaram em denúncias que estão sendo analisadas pelo ministro-relator da Lava-Jato, Teori Zavascki. Ninguém deve se surpreender quando o STF fizer a sua parte na superação da crise ética que escandaliza o país e o mundo inteiro. A mídia internacional não endossa a tese petista do golpe, mas tem péssima opinião sobre os políticos brasileiros. No confronto de imagem, Cunha perde para a presidente Dilma. Não é o único político enrolado na Lava-Jato, tem até razão quando questiona a fixação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no seu caso. Nada disso importa: sua cabeça está a prêmio.

A corrida contra o tempo de Temer - Fernando Exman

• Discurso de 'herança maldita' terá prazo de validade limitado

- Valor Econômico

Mais do que apenas receber potenciais colaboradores, o vice-presidente Michel Temer tem passado os últimos dias tentando estruturar os alicerces que considera necessários para conduzir o Executivo se a presidente Dilma Rousseff for de fato afastada pelo Senado: um governo de concertação que envolva políticos, empresários e trabalhadores. Não se trata apenas de um recurso retórico já verbalizado pelo vice. Essa vislumbrada união nacional é vista como essencial para dar maiores chances de sucesso a um governo que não contará com muito tempo útil para levar adiante os planos traçados no Palácio do Jaburu.

Os movimentos meticulosamente calculados, uma característica do pemedebista mas que na visão petista evidenciam a conspiração liderada pelo vice, buscam sinalizar aos diversos segmentos da sociedade que Temer estará pronto para cumprir suas missões constitucionais e governar assim que precisar assumir a Presidência da República. O PMDB quer evitar uma sensação de vácuo de liderança, num momento que deverá ser marcado pelo acirramento dos ânimos de quem fará tudo para que prospere a tese segundo a qual Dilma foi alvo de um golpe e, portanto, deve retomar o posto após julgamento definitivo pelo Senado.

O grupo mais próximo ao vice já dá como certo que a comissão especial responsável pela análise preliminar do impeachment e o plenário do Senado seguirão o entendimento da Câmara dos Deputados. Darão prosseguimento ao processo de interrupção do mandato da petista, afastando a presidente por até 180 dias. Nem mesmo eventuais recursos da Advocacia-Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal (STF) conseguiriam evitar que a partir de meados de maio o Palácio do Planalto tenha um novo ocupante, acreditam.

O cálculo também prevê alguns percalços. Temer teria que assegurar o pleno funcionamento da máquina federal e aprovar com rapidez uma série de medidas no Congresso em meio à Olimpíada, às tradicionais festas juninas que levam dezenas de parlamentares nordestinos às suas bases no fim do primeiro semestre, o recesso parlamentar de julho e ainda as campanhas para as eleições municipais de outubro.

O cenário não é dos mais favoráveis para quem precisa desarmar com rapidez a bomba fiscal instalada pelo Congresso e pelo governo Dilma, além de aprovar projetos que melhorem o ambiente de negócios do país.

Acenos ao mercado já foram dados. Além da possibilidade de o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles assumir o Ministério da Fazenda, auxiliares de Temer dizem que um dos principais diferenciais de uma cada vez mais provável gestão pemedebista seria a coesão da equipe econômica. Em vez das divergências observadas nas políticas fiscal e monetária das administrações Dilma Rousseff, a área passaria a falar "uma só língua".

Ao empresariado, o próprio vice e seus emissários também afirmam que trabalharão para dar mais atratividade aos editais de concessões de empreendimentos de infraestrutura, a parcerias público-privadas e marcos regulatórios setoriais. Ponderam que o aumento de impostos não seria a melhor solução para o momento, e asseguram que o governo federal anunciaria a redução de sua estrutura a fim de cortar gastos. Recebem de seus interlocutores como resposta que, superada a atual conjuntura, companhias de diversos setores estariam dispostas a destravar investimentos e responder aos estímulos do governo.

Temer não deixará de enviar ao Congresso medidas de iniciativa do Executivo, mas, para tentar dar celeridade à tramitação de projetos considerados estratégicos e ainda prestigiar parlamentares aliados, buscará impulsionar propostas de autoria de senadores e deputados que já estão em discussão no Legislativo. Trata-se de um gesto simples, mas adotado só por quem entende o funcionamento do Parlamento.

Outro desafio urgente do pemedebista será tratar do endividamento de Estados e municípios com a União. Temer defende uma repactuação federativa, e o assunto ganhará força no Congresso e no Judiciário, devido à proximidade das eleições de outubro. Milhares de gestores municipais desembarcarão na capital federal entre os dias 9 e 12 de maio, na marcha anual de prefeitos a Brasília, justamente na semana em que o plenário do Senado deve decidir o afastamento temporário de Dilma.

Nesse mesmo período, outra força política também deverá ocupar as avenidas de Brasília. Movimentos sociais ligados ao PT devem realizar novas manifestações para pressionar os parlamentares em apoio a Dilma, quando o processo de impeachment avançar no Senado. Os pemedebistas, porém, já analisam formas de minar a capacidade dessas e de futuras mobilizações. Ao atacarem "ineficiências" dos programas sociais, podem buscar limitar o poder das lideranças que mantêm influência sobre a execução dessas ações na ponta.

Mais um desafio de Temer será evitar que a máquina pública federal, em marcha lenta à espera de um desfecho da crise política, pare de funcionar de vez com uma troca no Palácio do Planalto. Muitos dos ocupantes de cargos comissionados já preparam seus pedidos de demissão para o dia 11 de maio, quando o Senado deve votar o afastamento de Dilma. Outros, decididos a não legitimar um governo Temer, pretendem não facilitar a transição em suas pastas.

Todos esses riscos estão nos radares dos frequentadores da Vice-Presidência e do Jaburu. Eles já se preparam para adotar o discurso da "herança maldita" e colocar a culpa por eventuais reveses nas gestões Dilma, caso a euforia a ser observada pelo menos a curto prazo não perdure. Estão prontos para argumentar que a atual situação do país é responsabilidade de um governo do qual nunca puderam participar de forma plena. Mas uma incógnita com a qual ainda convivem é por quanto tempo a população aceitará essa justificativa. No discurso dos governos do PT, o argumento da herança maldita que dizem ter recebido durou bem mais que uma década.

Carta fora do baralho - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Além de anunciar medidas que possam dar um “choque de animação” na economia, se vier a assumir cargo de presidente para completar o mandato de Dilma Rousseff, Michel Temer deve comunicar ao público em geral e aos políticos em particular que encerra por aí sua carreira de candidato a quaisquer cargos eletivos.

Ele recebeu o conselho de abrir mão de pretensões futuras de Nelson Jobim. O ex-ministro da Justiça, da Defesa e do Supremo Tribunal Federal apresentou a Temer uma série de pré-requisitos para obter êxito no possível comando da transição entre o impeachment e uma nova eleição. Esse foi um deles e que tem sido examinado com seriedade, pois, segundo seus aliados, seria fundamental dar um sinal de desprendimento pessoal a fim de pacificar os ânimos na política e na sociedade.

Nessa percepção, tal desistência facilitaria as articulações tanto para a composição da equipe de governo quanto para a articulação de uma base parlamentar ampla, forte e fiel. Além de firmar diante do País uma boa impressão: a de que não pretenderia fazer uso eleitoral da Presidência.

Outros pontos do receituário de Jobim que foram aceitos com entusiasmo e, por isso, incorporados pelo vice e seu grupo, foram os seguintes: montar um ministério irretocável, não perseguir politicamente ninguém (leia-se PT) – retirando do dicionário a palavra “vingança” – e não tentar influenciar as eleições municipais e escolhas da candidatura presidencial em São Paulo, seu Estado de origem. Neste ponto, o ex-ministro Eliseu Padilha – cotado para a chefia da Casa Civil – vai mais longe adiantando que Temer não pode nem vai interferir em lugar algum, seja município ou Estado, para tentar favorecer o PMDB.

Não por altruísmo, mas por cálculo político. Levando em conta que vai precisar do apoio do maior número possível de partidos (fala-se numa base de 17 ou 18 legendas) Michel Temer não pode criar atrito com ninguém. Inclusive porque nem precisa. No PMDB tem gente de sobra para organizar as disputas eleitorais de forma favorável ao partido. Ainda no tema candidaturas, os pemedebistas mantém a ideia (na verdade, mais forte do que nunca) de concorrer à Presidência em 2018, coisa que não fazem há cerca de 20 anos.

Quanto ao programa de governo propriamente dito, a prioridade obviamente é a economia. A retomada da produção e, com isso geração de empregos. No grupo de Temer a isso dá-se o nome de “animação econômica”. Todos os integrantes da turma sabem que viradas em prazo curto são impossíveis, mas acreditam conseguir pôr em prática ações para estancar a queda da atividade econômica, a fim de colocá-la em “viés de alta”, e reunir apoio do Congresso para aprovar medidas necessárias ao ajuste fiscal.

Reformas estruturais (política e trabalhista), à exceção de alguma coisa na Previdência, ficam para um segundo momento ou para o próximo governo. Já uma reformulação na distribuição de receitas hoje concentradas na União, entre Estados e municípios está entre os assuntos considerados urgentes. Em resumo, serão três os eixos a serem enfrentados: economia, políticas sociais e infraestrutura.

No tocante aos nomes de prováveis integrantes do primeiro escalão pode até haver definições, mas são mantidas em sigilo. De realidade, o que existe é que hoje Romero Jucá seria o ministro do Planejamento; Henrique Meirelles da Fazenda;

Temer preferindo José Serra na área social e decidido a consultar os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica antes de escolher o ministro da Defesa. Na Justiça, alguém que tenha especial sensibilidade para o tema dos Direitos Humanos. Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF, se encaixa no perfil e, embora não seja o único cogitado, é o preferido de gente influente junto a Michel Temer.

Problemas de Meirelles - Míriam Leitão

- O Globo

Henrique Meirelles, caso assuma o Ministério da Fazenda, terá que se preocupar com o risco de nomeações políticas para a Caixa Econômica e o Banco do Brasil. Se nomear o presidente do Banco Central, estará tirando do BC aquilo que exigiu quando esteve no cargo: autonomia. O BC passará a ser então subordinado à Fazenda. Meirelles, quando foi convidado por Lula em 2002, exigiu carta branca no Banco Central.

As conversas com interlocutores do vice-presidente, Michel Temer, confirmam aquilo que ele disse para o colunista Jorge Bastos Moreno em entrevista ontem: ele quer Meirelles na Fazenda e o senador José Serra num ministério da área social. Mas não tem feito convites. Apenas sondagens. Conversa mais livremente apenas com o grupo de políticos dos quais se cerca: Moreira Franco, Eliseu Padilha, Romero Jucá, Geddel Vieira Lima.

Quem esteve no fim de semana no Palácio Jaburu por longo tempo foi ninguém menos do que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mostrando estar bem à vontade. O senador Romero Jucá deve ser nomeado ministro do Planejamento.

O vice-presidente está imaginando que, com a nomeação de Meirelles, ele consegue dar um choque de credibilidade ao seu governo. Ontem o mercado reagiu bem à informação de que seria o ex-presidente do BC. O problema é a segunda parte do Plano Temer: ocupar com nomeações dos políticos as outras áreas e inclusive pedaços da área econômica.

Quem quer que assuma a Fazenda terá que ter poderes para nomear os presidentes dos dois bancos públicos que foram muito partidarizados. Temer tinha decidido entregar a Caixa para o PP. Se fizer isso, o novo ministro já entrará enfraquecido, e a área econômica ficará sujeita a escândalos. A Caixa está em situação financeira frágil, com as várias empreitadas nas quais foi jogada pelos governos petistas. Precisa de uma gestão técnica e eficiente.

O que Temer disse a Moreno foi que delegaria a Meirelles, caso ele assuma a Fazenda, a nomeação do presidente do Banco Central. Se nomear a direção do BC, Meirelles estará em contradição com sua própria história. Já do BNDES, ele deveria manter distância. Afinal, é atualmente o presidente do conselho do grupo JBS, que é o maior tomador de crédito do banco.

O eventual governo Temer terá que enfrentar, assim que chegar, necessidade urgente de corte de gastos porque as receitas estão caindo drasticamente, além das duas bombas fiscais que estão armadas. Uma será a necessidade de mudança até o dia 22 da meta fiscal. Se a meta não for aprovada no Congresso, o governo teria que suspender pagamentos e até fechar repartições. Seria um terrível início de governo. A outra bomba será a votação hoje do caso da dívida de Santa Catarina no Supremo que, se o governo perder, terá um impacto forte no aumento da dívida.

O advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo, negou que a AGU esteja se descuidando desta grave questão da dívida dos estados. Ele disse que há uma divisão natural de trabalho no órgão que comanda.

— Há muitas frentes aqui. A secretária- geral de Contencioso, Grace Mendonça, está trabalhando nisso intensamente em conversas com ministros do Supremo, aos quais levou o memorial preparado pela AGU em defesa da União. Se eu fosse falar com ministros, a esta altura, poderia ser interpretado como sendo sobre o processo de impeachment. — explicou Cardozo.

Neste estranho momento do Brasil, enquanto no grupo de Temer prepara- se o novo governo num quebra-cabeças cheio de contradições e dúvidas, no governo propriamente dito, o grupo de Dilma prepara- se para a batalha do Senado. Ontem mesmo o PT apresentou requerimento para que falem na Comissão do Impeachment a ministra Kátia Abreu, o ministro Nelson Barbosa e o vice-presidente do Banco do Brasil Osmar Dias.

— No Senado, terá que haver formação de prova, e por isso será preciso que os senadores analisem cada um dos decretos que fazem parte da denúncia. E precisa ser analisado também o Plano Safra. Por isso a ida destas três pessoas que arrolamos é essencial — disse Cardozo.

O Brasil é um país com dois governos em que aquele que ainda não é se comporta como se já fosse, e o que legalmente governa luta para sobreviver.

Qual o recado, Copom? - Celso Ming

- O Estado de S. Paulo

Como ninguém espera redução dos juros básicos (Selic) na reunião que o Copom realiza nesta quarta-feira, o mais importante seria o conteúdo do recado que fosse passado pelo Banco Central sobre o que pretende de sua política nos próximos sete ou oito meses ou, como prefere dizer nos seus papéis, “no horizonte relevante”.

O problema é que esse recado está prejudicado pelas circunstâncias. Ninguém sabe quem estará no comando do Banco Central já nos próximos dois meses e que tipo de política monetária pretenderá executar.

Se a presidente Dilma for afastada por um prazo máximo de 180 dias, ou até que o plenário do Senado sob o comando do presidente do Supremo decida o destino do impeachment, a Presidência da República será exercida pelo vice, Michel Temer. E este ou manterá a atual diretoria do Banco Central ou esperará pelo período máximo de 180 dias até que saia a decisão final. Ainda que mantenha provisoriamente a atual diretoria, fica difícil antecipar eventuais mudanças tanto na política monetária (política de juros) como na política cambial.

Mesmo quem espera que, no período de transição, o Copom tome uma decisão técnica, será impossível prever o que acontecerá alguns meses depois.

Esse problema não haveria se o Banco Central fosse uma instituição perfeitamente autônoma. Nesse caso, seus diretores teriam mandato fixo, em princípio não receberiam orientações superiores e somente poderiam ser demitidos caso fosse comprovada falta grave. Os mandatos dos dirigentes de um banco central independente não coincidem com os dos demais dirigentes do governo, qualquer que seja ele. Assim, estariam livres para definir a política de juros mais adequada para empurrar a inflação para dentro da meta, esta sim, estabelecida pelo governo que estivesse no comando.

Mesmo diante dessas incertezas, as projeções do mercado auferidas pela Pesquisa Focus do Banco Central indicam redução dos juros básicos até o fim de 2016, dos atuais 14,25% ao ano para 13,25% ao ano. Este não é mero palpite de conversa de bar. É o número com que trabalha o mercado e nisso mete dinheiro grosso, especialmente nas suas operações no mercado futuro de juros.

Essa aposta, digamos assim, leva em conta que a maior parte dos efeitos inflacionários produzidos pelo ajuste dos preços administrados (aqueles que ficaram atrasados ao longo de 2013 e 2014, como tarifas de energia e dos combustíveis) já acabou. E, também, que a nova tendência do câmbio não será mais a puxada das cotações para acima dos R$ 4 por dólar, fator que também aumentaria a inflação. Mas este não é um quadro à prova de instabilidades.

O resumo da ópera é o de que qualquer recado mais contundente do Banco Central sobre o comportamento futuro dos juros estará sujeito não só às decisões que forem tomadas sobre o impeachment, mas também à composição (e orientação) que vier a ser dada à equipe econômica, da qual o Banco Central é parte integrante.