domingo, 24 de abril de 2016

Opinião do dia – Ferreira Gullar

Depois de mentir durante a campanha, teve que, ao tomar posse, admitir que deveria fazer, no plano da economia, o contrário do que prometera. 

Por isso chamou, para o ministério da Fazenda, Joaquim Levy, 
economista que pensa exatamente o contrário do que o PT e ela própria sempre defenderam. Resultado: diante da pressão dos petistas, teve o ministro que deixar o governo, agravando ainda mais a situação. Com isso, a inflação cresceu, o desemprego triplicou e o país parou de vez.

Resta a pergunta: independente de impeachment, convém ao país manter no governo uma presidente que já não governa? Com a palavra o Senado Federal.

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Ferreira Gullar, ensaísta, crítico de arte e poeta, ‘Com a palavra o Senado’, Folha de S. Paulo, 24/4/2014

Lava Jato vê elo entre sítio usado por Lula e propina

Lava Jato vê elo entre sítio usado por Lula e esquema de desvio na Petrobrás

• Independentemente da decisão do STF, que determinará se compete à Procuradoria em Brasília ou em Curitiba processar ex-presidente, força-tarefa considera ter provas para levar petista a banco dos réus por envolvimento no esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobrás

Ricardo Brandt, Fausto Macedo e Julia Affonso – O Estado de S. Paulo

A força-tarefa da Operação Lava Jato considera ter elementos para levar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao banco dos réus, acusado de envolvimento com a organização criminosa que corrompeu e lavou dinheiro desviado da Petrobrás – independentemente de qual instância ele será processado. O inquérito sobre a compra e reforma do Sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP), será a primeira acusação formal entregue à Justiça.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá ainda se Lula pode assumir o cargo de ministro da Casa Civil e se ele será denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR), considerando o direito ao foro especial por prerrogativa de função, ou se as acusações poderão ser apresentadas pela Procuradoria, em Curitiba, diretamente ao juiz federal Sérgio Moro – dos processos em primeiro grau da Lava Jato.

Alvo em Curitiba de três frentes de apuração na Lava Jato – as outras duas envolvem o tríplex 164 A, da OAS, no Guarujá, e os pagamentos e repasses para o ex-presidente via sua empresa de palestras, a LILS, e para o Instituto Lula -, a que envolve o sítio de Atibaia é a mais robusta, na avaliação dos investigadores. Os inquéritos estão suspensos depois que ele foi nomeado ministro da Casa Civil pela presidente Dilma Rousseff, no dia 17, e o tema foi levado ao Supremo.

A peça apontará a família do ex-prefeito de Campinas (SP) e amigo de Lula Jacó Bittar (PT) como “laranjas” na ocultação da propriedade, adquirida em 2010 pelo valor declarado de R$ 1,5 milhão. Os registros de escritura em nome dos donos oficiais, um “contrato de gaveta” em nome do ex-presidente e da mulher, Marisa Letícia, encontrado nas buscas e depoimentos dos investigados farão parte da acusação

O compadre e defensor jurídico do ex-presidente Roberto Teixeira também será citado como parte da operação de formalização do negócio. Oficialmente a propriedade está registrada em nome de um dos filhos de Bittar, Fernando Bittar, e do empresário Jonas Suassuna – ambos sócios do filho de Lula. O registro de compra do imóvel foi realizado pelo escritório de Teixeira.

Obra de presente. Com base nas notas fiscais localizadas nas buscas e apreensões, depoimentos colhidos e movimentações bancárias analisadas, a Lava Jato também vinculará os desvios de recursos na Petrobrás à reforma executada no sítio e a manutenção de bens referentes a Lula. OAS, Odebrecht e o pecuarista José Carlos Bumlai serão vinculados aos serviços executados, como compensação por obras loteadas pelo cartel.

Considerado pela Lava Jato um “resolve problemas” de Lula, o papel de Bumlai como responsável por parte da obra de reforma no sítio, como favor ao amigo ex-presidente será destacado na denúncia. Um dos pontos é o empréstimo do arquiteto Igenes Irigaray Neto, que trabalhava nas usinas do pecuarista e foi enviado para Atibaia para cuidar da reforma. Notas de compra de material em seu nome ajudarão a comprovar materialmente sua ligação com os serviços.

No caso da OAS, ela será citada, além de ter feito a reforma, pelo custeio da mudança e armazenamento de bens de Lula, retirados de Brasília, após ele deixar a Presidência.

Em documento enviado ao STF, a defesa de Lula sustenta que o sítio foi comprado pelo amigo Jacó Bittar para convívio das duas famílias, após ele deixar a presidência, em 2011. Ao Estado, o defensor de Lula Cristiano Zanin Martins informo que o “MPF tem conhecimento, em virtude de provas documentais, de que (i) o sítio foi comprado com recursos provenientes de Jacó Bittar e de seu sócio Jonas Suassuna; (ii) que Fernando Bittar e Jonas Suassuna custearam, com seu próprio patrimônio, reformas e melhorias no imóvel; (iii) que Fernando Bittar e sua família frequentaram o sítio com a mesma intensidade dos membros da família do ex-Presidente Lula, estes últimos na condição de convidados”.

“O ex-Presidente Lula e seus familiares foram submetidos a uma ilegal devassa por decisões do juiz Sérgio Moro, a pedido do MPF. A despeito disso, não lograram localizar qualquer elemento concreto que pudesse basear uma acusação — seja em relação à propriedade do imóvel, seja em relação às reformas feitas no imóvel”, disse o advogado de Lula.

Para a Procuradoria, todo material encontrado no sítio, bem como as notas de compra em nome do segurança do ex-presidente Rogério Pimentel apontam que ele era o verdadeiro dono da propriedade. Notas como compra de material para piscina e os registros de envio de materiais – como itens da adega presidencial – farão parte desse item.

Os procuradores apontarão que “o ex-presidente da República tinha ciência do estratagema criminoso e dele se beneficiou”. Segundo sustentará a denúncia, as etapas de aquisição, reforma e decoração do sítio em Atibaia “revelam operações sucessivas de lavagem de dinheiro no interesse de Luiz Inácio Lula da Silva”. A origem ilícita dos recursos empregados na compra, reforma e decoração do imóvel, advindos de crimes antecedentes praticados pela Odebrecht, OAS e Usina São Fernando (de Bumlai) integram os elementos que apontarão os estratagemas para dissimulação e ocultação do negócio.

Quebra-cabeça. Até março, procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba consideravam estar a um delator de completar o quebra cabeça acusatório contra Lula – como se tivessem o cenário da imagem já definido, restando apenas uma peça para completar o desenho.

A delação do senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS), ex-líder do governo no Senado, ajudou a definir esse cenário, em que Lula é pintado pela Procuradoria como um dos líderes, junto com personagens como o ex-ministro José Dirceu – que será condenado no próximo mês pelo juiz Sérgio Moro -, do esquema de sistematização da corrupção no governo. Além do fatiamento político entre partidos da base – PT, PMDB, PP e PTB -, teriam sido criadas regras para a propina. Com o esquema teria sido montada a base de sustentação para a governabilidade, uma versão ampliada do mensalão, e pagos valores também para a oposição.

A figura do delator bomba é considerada peça faltante ainda no caso do tríplex no Guarujá, que deve ser a segunda peça de acusação formal a Justiça contra Lula, segundo esperam os investigadores. Lula será denunciado nesse caso por lavagem de dinheiro, sendo beneficiado pela OAS, uma das líderes do cartel que atuava Petrobrás, com a reforma e decoração do imóvel com dinheiro oriundo de corrupção. As tratativas para um acordo com o ex-presidente da empreiteira José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro, mesmo que distantes de um final, poderão completar esse quadro.

O inquérito considerado o mais incipiente é o que trata das palestras, pós-Presidência, via empresa LILS, Palestras, Eventos e das doações ao Instituto Lula. Nessa frente, um delator que confirme que os repasses e pagamentos por palestras podem ter ocultado propina é essencial para investigadores.

Efeito impeachment amplia debandada de prefeitos do PT

• Com impeachment, PT vive onda de deserções e perde 1 de cada 5 prefeitos eleitos pela sigla em 2012 mudou sua filiação até a metade deste mês

João Pedro Pitombo, Rodrigo Russo – Folha de S. Paulo

SALVADOR, SÃO PAULO - A janela de filiação partidária aberta no mês de março e a possibilidade de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) impulsionaram o movimento de debandada de prefeitos petistas para outros partidos políticos.

A seis meses das eleições municipais, levantamento feito pela Folha no sistema de filiação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aponta que, de cada cinco prefeitos do PT eleitos em 2012, um deixou o partido. Os dados mostram filiações e desligamentos concluídos até 15 de abril.

Ao todo, 135 dos 638 prefeitos eleitos pelo PT pediram desfiliação ou foram expulsos do partido. Essa conta inclui gestores que renunciaram ou foram cassados.

O maior desgaste da legenda está concentrado em São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, governados pelo PSDB e pelo PMDB, mas o movimento também atingiu Estados comandados por petistas, como a Bahia e Minas Gerais.

Em São Paulo, 35 dos 73 prefeitos eleitos migraram. No Paraná, foram 18 baixas entre 40 gestores. No Rio de Janeiro, mantiveram-se fiéis ao PT só quatro dos 11 prefeitos eleitos há quatro anos.

Em Mato Grosso do Sul, oito dos 13 prefeitos saíram da legenda. Está nesse grupo Paulo Duarte, gestor de Corumbá, município com mais de 100 mil habitantes. A maior parte das desfiliações ocorreu neste ano, após a prisão do senador Delcídio do Amaral, tido até então como a estrela do partido no Estado.

As baixas atingiram ainda cidades com mais de 500 mil habitantes, próximas de grandes metrópoles, como Osasco (SP) e Niterói (RJ).

Fatores
Em outubro do ano passado, a Folha já havia mostrado que a grave crise econômica, as acusações de corrupção apuradas na Lava Jato e o desgaste de popularidade de Dilma haviam feito 69 prefeitos eleitos pelo PT em 2012abandonarem o partido.

Agora, seis meses depois, o número de deserções praticamente dobrou. O início da tramitação do pedido de impeachment da petista na Câmara ocorreu entre os dois levantamentos, em dezembro.

Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, pesa sobretudo a proximidade das eleições nas decisões tomadas pelos prefeitos. "Há vários prismas a considerar: a má imagem do PT com a Lava Jato, a dificuldade dos municípios de renegociar dívidas com o governo federal, de obter repasse e de aumentar arrecadação. Sair do partido dá a esses prefeitos o discurso da oposição ao menos", afirma Melo.

O secretário nacional de organização do PT, Florisvaldo Souza, no entanto, diz que a perda de prefeitos não é um assunto que preocupa a agremiação neste momento.

"Temos um golpe em curso. Não estamos preocupados com quem saiu, mas sim com quem ficou e vai defender a democracia e nosso legado", afirmou Souza, destacando que o partido teve crescimento de militantes filiados.

Para o dirigente, apesar de ter perdido alguns quadros históricos, a maioria dos prefeitos que deixou o PT não possuía raízes no partido. "São pessoas que vieram na onda e na onda saíram. Estão mais interessadas em objetivos eleitorais do que programáticos", diz ele.

Filiado ao PT em 2011, eleito em 2012 e desligado do partido neste ano, o prefeito de Maracás (BA), Paulo dos Anjos, é retrato da "onda" citada pelo dirigente da legenda.

Ele diz que trocou o PT pelo nanico PSL (Partido Social Liberal) por divergências locais com o comando da legenda. Mas dos Anjos argumenta que o atual cenário de crise do PT também influenciou a sua decisão.

"A gente vê tanta coisa errada que acaba ficando entristecido, desiludido", diz o prefeito, que vai disputar a reeleição neste ano.

Já o prefeito de Osasco, Jorge Lapas, migrou para o PDT (Partido Democrático Trabalhista) após 11 anos no PT. Em carta aberta à população, Lapas observou que a antiga sigla vive "momento delicado no cenário nacional", mas ressaltou o papel das disputas internas em sua decisão.

"No âmbito municipal, a legenda vem se deixando levar por visões e interesses individuais, que dividem o partido e promovem um clima de insegurança e instabilidade em nossos aliados", disse. O prefeito travou disputa local com o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, condenado no mensalão.

Se ao fim dessa janela de filiação o PT conta com 503 prefeitos, o professor do Insper avalia ser plausível que o número diminua –e que deputados estaduais e federais também deixem o partido nos próximos meses.

"Haverá um efeito cascata. Houve um enfraquecimento grande do PT, e é improvável que a legenda vença todas as reeleições ou eleja sucessores para obter mais que os 500 prefeitos atuais. Como o Legislativo depende das máquinas municipais, é natural a perspectiva de procurar alternativas", afirma Melo.

Serra defende participação do PSDB em eventual governo Temer

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O senador José Serra (PSDB-SP) afirmou neste sábado (23) que o seu partido deve participar de um eventual governo de Michel Temer, caso o peemedebista aceite "pontos programáticos" do PSDB.

Em mensagem em seu Facebook, o tucano disse que seu entendimento é o mesmo do senador Aloysio Nunes Ferreira: "se apoiar o governo e for convidado, deve participar do governo".

"Seria bizarro o PSDB ajudar a fazer o impeachment de Dilma e depois, por questiúnculas e cálculos mesquinhos, lavar as mãos e fugir a suas responsabilidades com o país", escreveu.

Em nota ao site "Antagonista", Aloysio Nunes afirmou que o PSDB propiciou o governo Temer –ao votar pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara– e agora não pode sabotá-lo antes mesmo da sua constituição.

"Não é hora de desperdiçarmos nossa energia política com uma resolução partidária impeditiva de nossa eventual participação no governo Temer", diz o texto.

O senador defende que o PSDB defina qual linha de ação deseja que Temer tome para merecer o apoio tucano. "E, se estivermos de acordo, contribuir com todas as nossas forças, integrando, inclusive, o ministério", disse.

"Se prevalecer a ideia de nos preservarmos dos riscos inerentes à nossa responsabilidade e pretendermos chegar a 2018 como se estivéssemos recém-saídos da pia batismal, receberemos o carimbo de oportunistas e pagaremos caro por isso", conclui Aloysio Nunes.

Articulador
Presidente do PMDB e principal articulador do vice-presidente Michel Temer na montagem de seu eventual governo, o senador Romero Jucá (RR), minimizou a questão interna dos tucanos e afirmou que "não há nenhum distanciamento do PSDB de qualquer governo Temer".

"O importante para a coalizão, para a mudança do país, é a participação do PSDB no agrupamento político. Na base parlamentar que vai efetivamente votar mudanças estruturais para o país. E nisso o PSDB está engajado. Está discutindo a todo o momento todos os procedimentos", disse Jucá. Ele afirmou que a discussão do partido é legítima e destacou que existem "excelentes quadros" da legenda que poderiam ajudar qualquer governo.

Questionado sobre a provocação feita pela presidente Dilma Rousseff de que o PMDB estaria prometendo até "terreno no céu" para aliados, Jucá afirmou que o vice-presidente não tem o Diário Oficial da União. "Quem tem é o atual governo que nomeou muita gente tentando não passar o impeachment na Câmara. Portanto, é uma política que não dá resultados. Estamos discutindo com os partidos um bloco parlamentar para recuperar o país e nisso os partidos estão engajados", disse.

Divisão
Aliados do governador paulista, Geraldo Alckmin, defendem que o PSDB exija o licenciamento de tucanos que integrarem um eventual governo Temer. Serra é cotado para algum dos principais ministérios, como Fazenda ou Educação.

O presidente da legenda, Aécio Neves, ainda não se manifestou sobre o assunto. O PSDB só deve definir a questão em reunião no próximo dia 3.

Serra, Alckmin e Aécio ambicionam a candidatura do partido na eleição presidencial de 2018.

Para Serra, PSDB deve participar de governo Temer

• Senador diverge de lideranças que defendem maior distância do vice-presidente e diz que ‘seria bizarro’ se seu partido não aderisse

Rodrigo Burgarelli - O Estado de S. Paulo

O senador José Serra (PSDB-SP) usou na noite deste sábado, 23, o seu perfil no Facebook para afirmar que seu partido deve aderir oficialmente ao provável governo do vice-presidente Michel Temer (PMDB), ao contrário do que vêm afirmando diversos outros líderes da sigla. Segundo Serra, “seria bizarro o PSDB ajudar a fazer o impeachment de Dilma e depois, por questiúnculas e cálculos mesquinhos, lavar as mãos e fugir a suas responsabilidades com o País.”

A disputa dentro do principal partido de oposição à gestão de Dilma Rousseff (PT) sobre a adesão ou não ao novo governo, caso a abertura do impeachment da presidente seja aprovada no Senado, está dividindo as lideranças tucanas – ao menos em suas declarações públicas. Enquanto nos últimos dias nomes ligados ao presidente nacional da sigla, senador Aécio Neves (MG), e ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) defenderam por ora maior distância de Temer, neste sábado foi a vez de Serra defender a participação.

“Eu concordo com o senador Aloysio Nunes Ferreira: se o futuro presidente Michel Temer aceitar os pontos programáticos do PSDB, o partido deve apoiar o governo. E se apoiar o governo e for convidado, deve participar do governo”, escreveu o ex-governador paulista em seu perfil na rede social.

Ele se referia a uma declaração feita horas antes por Nunes, seu aliado e senador por São Paulo, que postou um vídeo também no Facebook em que praticamente dá como certa a participação do partido na gestão de Temer. De acordo com Nunes, o PSDB “não vai faltar com a sua responsabilidade”, já que participou ativamente do processo de impeachment. “Agora, cumprida essa etapa, cabe a nós ajudarmos o novo governo com todas as forças, para que o governo (...) de Michel Temer possa ter condições de enfrentar a crise”, disse.

Disputa. O discurso da dupla paulista marca posição contrária às lideranças tucanas que se opõem a uma conciliação imediata com Temer. Conforme revelou na sexta-feira o Estado, há até uma ala no PSDB que defende a ideia de que membros do partido se licenciem e não disputem a Presidência em 2018 caso decidam assumir cargos no governo do atual vice.

Os tucanos e líderes de oposição reunidos no Fórum Empresarial, em Foz do Iguaçu, preferiram não polemizar com Serra. A avaliação da cúpula do PSDB, porém, é que existe hoje uma ampla maioria formada em defesa da tese de que o partido não deve participar de forma orgânica, ou seja, ocupando cargos, em eventual governo Temer.

Segundo dirigentes ouvidos pela reportagem, a defesa do embarque na administração peemedebista se restringe apenas a aliados de Serra – que, por sua vez, é apontado como o tucano mais cotado para assumir um ministério importante por causa da sua boa interlocução com Temer. Uma reunião da Executiva do PSDB para decidir a posição definitiva do partido sobre o assunto está marcada para o dia 3 de maio.

Presença do PSDB é 'garantida' na base de Temer, diz Jucá

• Senador disse que partido está 'engajado'; PSDB definirá, no dia 3 de maio, se aceitará ocupar cargos oferecidos por Temer

Luísa Martins - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente do PMDB, Romero Jucá, disse que “está garantida” a presença do PSDB na base parlamentar de um eventual governo Michel Temer. “O importante para a coalizão não é a ocupação de cargos, mas a participação do PSDB no agrupamento político, na base, o que vai efetivamente trazer mudanças estruturais para o País. O PSDB está engajado”, disse o senador após uma reunião de duas horas no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente em Brasília.

O PSDB definirá, no dia 3 de maio, se o partido aceitará ocupar cargos oferecidos por Temer caso ele assuma a Presidência. Caso não aceite, uma das propostas é obrigar os filiados que queiram assumir cargos a se licenciar da sigla. “Não há distanciamento, mas sim uma discussão interna e legítima. O PSDB tem excelentes quadros que poderiam ajudar qualquer governo, mas é uma decisão interna que nós vamos respeitar”, disse Jucá. Para ele, tucanos são “muito importantes para a união e para a retomada da atividade econômica do País”.

Jucá criticou a fala da presidente Dilma Rousseff de que os defensores de seu afastamento estão “vendendo terreno na lua” para chegar ao poder. “O vice-presidente não está garantindo cargo para ninguém, vendendo ou entregando nada, nem nomeando ninguém, até porque não estamos no poder”, disse.

“O atual governo nomeou muita gente na tentativa de não passar o impeachment na Câmara, uma política que mostrou que não dá resultado”, completou. O senador disse que o PMDB está conversando com vários partidos para definir a formação de um bloco político parlamentar para recuperar o País. “A nenhum deles (partidos) cabe essa reprimenda de Dilma”, disse. “Estamos discutindo um futuro governo para o caso de o Senado decidir afastá-la, algo que vamos aguardar com tranquilidade”.

Planalto e petistas já preveem governo paralelo contra Temer

• Batalha é dada como praticamente perdida na 1ª votação no Senado; estratégia mira em desgaste do vice

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo e o PT avaliam que só um “milagre” salvará a presidente Dilma Rousseff na primeira batalha contra o impeachment no plenário do Senado – prevista para 12 de maio – e já traçam estratégias para o período de afastamento dela. Embora até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva considere que dificilmente Dilma voltará, se ficar fora do Palácio do Planalto por até 180 dias o PT fará tudo para implodir uma eventual gestão comandada pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB).

Na tentativa desesperada de reverter o quadro, o plano é montar uma espécie de “governo paralelo”, com o objetivo de desconstruir a agenda de Temer. Se a saída de Dilma for mesmo aprovada pelo Senado em maio, após passar pela Comissão do Impeachment, ela ficará reclusa no Palácio da Alvorada por uma temporada que pode ir de três a seis meses.

Com a ordem de “sangrar” Temer, dirigentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e de movimentos sociais preparam greves e protestos, em todo o País, contra o que chamam de “golpe” de Estado. “É impossível falar em golpe quando tudo está sendo feito de acordo com a Constituição”, rebateu o ex-ministro da Aviação Civil Eliseu Padilha, um dos mais próximos aliados de Temer. “Não existe falta de legitimidade de eventual governo do Michel, já que, se o PMDB não estivesse na chapa, dificilmente Dilma venceria a eleição.”

No duelo com Temer, porém, o PT vai bater na tecla de que ele recorre agora a propostas já apresentadas por Dilma, como as reformas tributária e da Previdência. Os petistas também vão jogar luz sobre pontos polêmicos do programa do PMDB – intitulado “Uma Ponte para o Futuro” e rebatizado ironicamente por eles de “Uma Pinguela para o Passado” –, que prega o fim de gastos mínimos constitucionais com saúde e educação.

Tática. A tática consiste em desgastar Temer até o julgamento final de Dilma no Senado. Pelos cálculos do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), a última sessão de votação para decidir o destino da presidente deve ocorrer em setembro, às vésperas do primeiro turno das eleições municipais, marcadas para outubro. A presidente precisa de 28 votos – hoje tem 20 – para impedir o outro lado de conquistar 54 (dois terços) e vencer a guerra.

Ministros do “núcleo duro” do Planalto tentam agora convencer Dilma a fazer um gesto e propor a antecipação das eleições presidenciais, encurtando o seu mandato em dois anos, ainda que ela consiga virar o jogo e se salvar. Nos bastidores, o diagnóstico é que, mesmo se no último julgamento do Senado Dilma obtiver votos para ficar, ela não terá governabilidade porque sua base de apoio no Congresso derreteu. Além disso, não será fácil reverter seu alto índice de rejeição.

É nesse cenário que surge a ideia da convocação de novas eleições. Até agora, no entanto, Dilma resiste à proposta, que precisa ser aprovada pelo Congresso e também não tem consenso no PT. Lula, por exemplo, é um dos que manifestam dúvidas sobre a conveniência do plano. Apesar de estar na mira da Operação Lava Jato, o ex-presidente ainda é o único nome com viabilidade eleitoral que o PT dispõe para a sucessão de Dilma.

Supremo. Diante de tantos percalços, o governo estuda o melhor momento para recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de pedir a nulidade do processo de impeachment. Alega não haver crime de responsabilidade praticado por Dilma e insiste no argumento de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cometeu desvio de poder em várias ocasiões, culminando com a votação do último dia 17, quando 367 deputados aprovaram a deposição de Dilma.

“Eu não acredito que a presidenta será afastada do cargo”, afirmou o ministro-chefe da Advocacia Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo. “Não existe crime de responsabilidade nesse caso e vou procurar todos os senadores para explicar detalhadamente nossas razões.”

Cardozo observou que o Supremo nunca examinou se há justa causa para impeachment nem desvio de poder de Cunha, réu da Lava Jato, acusado de participar do esquema de corrupção na Petrobrás.

O ministro também vai apresentar a defesa de Dilma na Comissão do Impeachment do Senado e no plenário da Casa. Ao sustentar a tese do desvio de poder, Cardozo citará reportagem do Estado para mostrar que, quando Cunha escolheu Jovair Arantes (PTB-GO) para relator do processo, o nome do deputado já era cogitado para a sucessão dele na Câmara.

A ausência de justificativas relacionadas às acusações contra Dilma por parte daqueles que se manifestaram a favor do impeachment, na sessão do último dia 17, também será mencionada por Cardozo na defesa ao Senado.

Naquela noite, muitos deputados foram criticados nas redes sociais após evocarem “o filho, o neto, o pai” antes do voto. “O que isso tem a ver com o julgamento?”, perguntou Cardozo. “A nossa tristeza e indignação é justamente porque a decisão da Câmara foi puramente política.”

Alckmin e Serra dizem que PSDB tem o dever de apoiar Temer

• Governador de SP e senador, porém, divergem sobre ocupação de cargos

Apoio do partido pode ser fundamental para que o possível novo presidente enfrente desafios econômicos urgentes, como a dívida dos estados e o risco de calote do governo

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador José Serra reagiram ontem a setores do PSDB que defendem restrições ao apoio a Michel Temer. Em entrevista a JORGE BASTOS MORENO, Alckmin afirma que o partido tem o “dever de apoiar e sustentar” um eventual novo governo, mas “sem cargos”. Serra vai além, defende participação no Executivo e diz que “seria bizarro o PSDB ajudar a fazer o impeachment de Dilma e, depois, por cálculos oportunistas, lavar as mãos”, informa MARTHA BECK. O apoio dos tucanos pode ser fundamental para Temer enfrentar desafios econômicos urgentes. Se assumir, ele precisará, até 22 de maio, de autorização do Congresso para elevar o rombo orçamentário de R$ 30 bilhões para R$ 90 bilhões. Sem a mudança, o Tesouro suspenderá pagamentos a fornecedores. Além disso, os estados estão mergulhados em déficits, e governadores já não conseguem suportar gastos com pessoal, relata JOSÉ CASADO. Temer se reuniu ontem com o ex-presidente do BC Henrique Meirelles.

Sem margem para errar

• Se assumir, Temer terá que enfrentar situação caótica das contas públicas dos estados

José Casado - O Globo

Com um olho no calendário do impeachment de Dilma Rousseff e outro nos sinais de agravamento da crise no caixa da União, estados e municípios, que se espraia pela economia, Michel Temer começou a perceber que não haverá dia fácil no Palácio do Planalto.

O vice poderá se tornar titular na segunda quinzena de maio. É para quando se prevê uma decisão do Senado favorável à abertura de processo contra a presidente por crime de responsabilidade — a maquiagem das contas para ocultar despesas de R$ 90 bilhões acima da receita. Dilma deixaria a Presidência até novembro, quando ocorreria seu julgamento definitivo. Se derrotada, o vice cumpre o restante do mandato.

Depois de meio século de vida na política, Temer nunca esteve tão perto do centro do poder e, ao mesmo, tão distante do governo. Não teria tempo ou margem para errar num ambiente político conturbado, em que cada brasileiro deve terminar este ano 10% mais pobre do que no ano passado, e sob o temor de que tudo isso seja apenas o prólogo da crise. Tem elevada rejeição: 58% dos eleitores apreciariam assistir à sua partida com Dilma, segundo as pesquisas de opinião.

Expoente de uma geração de líderes políticos desacreditados, o eventual sucessor tem encontro marcado com a caótica situação financeira do setor público na segunda quinzena de maio, logo após a primeira votação do impeachment no Senado.

O caixa dos governos federal, estaduais e municipais foi implodido pela incúria administrativa: os gastos cresceram numa velocidade muito maior que a arrecadação de tributos, impulsionada pelos novos impostos na última década.

O desequilíbrio nas contas conduziu o país a uma recessão inédita. A arrecadação tributária cai (-8,1% no primeiro trimestre), enquanto as despesas se mantêm elevadas. Com déficits contínuos, os governos passaram a adiar pagamentos.

Agora, se tornou real o perigo de calote governamental em série. O risco foi ampliado pela paralisia do governo e do Congresso, que há meses dedicam tempo integral ao processo de impedimento da presidente. Essa preocupação tem permeado as conversas de Temer com economistas de peso que podem, inclusive, integrar sua equipe no futuro. Ontem, ele se reuniu com o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles.

Colapso
A perspectiva de permanência no imobilismo levou o Tesouro a marcar data para bloquear o caixa: a partir de terçafeira, 23 de maio, vai deixar de pagar fornecedores — incluindo os de água, luz e telefone —, com possibilidade de atrasar salários dos servidores. O aviso foi dado nesta semana pelo Ministério da Fazenda ao Congresso.

Por ironia, é consequência da aplicação das normas de responsabilidade fiscal, essência do processo de impeachment em curso. O governo está obrigado a cumprir as metas de equilíbrio fiscal na programação orçamentária bimestral. A exigência é do Tribunal de Contas e tem o objetivo de impedir novas “pedaladas fiscais”.

Para evitar o colapso, um eventual governo Temer precisaria estrear apresentando ao Congresso um pedido de autorização para triplicar o déficit orçamentário — de R$ 30 bilhões para R$ 96 bilhões. Dilma pediu um mês atrás, mas o presidente da Câmara decidiu não votar nada até a decisão do Senado sobre o impeachment. É o terceiro ano seguido de déficit governamental. Em 2014 foi de R$ 32,5 bilhões. Ano passado somou R$ 117 bilhões, recorde que, talvez, seja superado ainda neste primeiro semestre.

Os sucessivos rombos provocam aumentos substanciais na dívida pública. Ela equivale, atualmente, a 66% do Produto Interno Bruto. Ou seja, o país deve R$ 6,6 para cada R$ 10 que é capaz de produzir. Pode ultrapassar 85% do PIB até 2018. “O desequilíbrio fiscal significa, ao mesmo tempo, aumento da inflação, juros muito altos, incerteza sobre a evolução da economia, impostos elevados, pressão cambial e retração do investimento privado” — repetem documentos do PMDB produzidos para Temer.

Uma saída emergencial estaria na renegociação das dívidas estaduais com a União, tema prioritário nos debates do Senado, arena política onde será decidido o futuro de Temer.

Empenhado em conquistar maioria legislativa, o vice se preocupou em acenar aos governadores estaduais na peculiar versão da “Carta aos Brasileiros”, que gravou e divulgou “por acidente” semana passada: “Há estudos referentes à eventual anistia ou perdão de uma parte das dívidas e até da revisão dos juros que são pagos pelas unidades federadas”, disse, acrescentando: “Vamos levar isso adiante. Vamos estudar isso com muita detença e vamos levar adiante.”

Folha de pagamento
A situação dos estados piora a cada mês. O problema central não está nas dívidas com a União, sempre passíveis de renegociação, mas nas folhas de pagamentos de pessoal.

Entre 2009 e 2015, período marcado por duas eleições, prevaleceu a negligência da maioria dos governadores nas despesas com servidores e pessoal terceirizado. De maneira geral, ampliaram as isenções fiscais aos habituais financiadores de campanhas. Poucos reservaram um décimo das receitas para investimentos. A maioria optou por endividamento com a União, e, quase sempre, com uso ineficiente dos créditos subsidiados dados pelo BNDES.

A incúria foi muito além da imaginação: em 18 casos, os custos da folha aumentaram entre 31,7% e 69,6% em termos reais. Isto é, acima da inflação acumulada no período, que foi de 45,3%, na variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Aconteceu em Rio de Janeiro, Santa Catarina, Roraima, Tocantins, Piauí, Pará, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás, Rondônia, Rio Grande do Sul, Maranhão, Ceará, Espírito Santo, Pernambuco, Paraná e no Distrito Federal.

A gastança foi recorde no Rio. As despesas avançaram 70% à frente da inflação. A folha saltou de R$ 18,6 bilhões para R$ 31,6 bilhões.

O aumento médio de gastos com pessoal foi de R$ 1,8 bilhão em cada um dos últimos sete anos. Resultado: o Estado do Rio começou 2016 com um rombo no caixa de tamanho equivalente a cinco meses de salários do funcionalismo.

A folha se tornou um sorvedouro dos tributos pagos pelos fluminenses: para cada R$ 1 de receita líquida própria (descontados os repasses da União), o Rio gasta R$ 1,10 com pessoal.

Nenhum estado conteve a expansão dos gastos com pessoal nos limites da inflação, nos últimos sete anos. No conjunto, ampliaram as despesas em 0,5% do Produto Interno Bruto. Isso equivale a R$ 30 bilhões — valor igual ao da ajuda federal pedida pelos governadores para pagar as dívidas que vencem neste ano.

Na emergência da crise alguns governadores até fizeram cortes significativos na folha de pagamentos, extinguindo cargos de chefia, mas continuaram em dificuldades por causa da abrupta queda na receita. Aconteceu em Goiás, um dos menos endividados. O estado cortou R$ 1,5 bilhão em despesas com pessoal, mas a arrecadação despencou em R$ 3 bilhões.

— Como chegamos até aqui? Como é que jogamos tudo fora? — desabafou o economista Marcos Lisboa durante um debate sobre o endividamento dos estados, na última terça-feira no Senado. Presidente da universidade Insper e exsecretário de Política Econômica no primeiro governo Lula, tem sido procurado com frequência por auxiliares de Michel Temer.

Lisboa é um tipo raro de economista, com mais dúvidas do que certezas. Não cansa de repeti-las: — Como os estados chegaram aonde chegaram? Para que servem as nossas instituições? Qual o papel dos tribunais de contas estaduais? Como se tem uma Lei de Responsabilidade Fiscal que estabelece limites para o gasto com pessoal e terceirizado não conta?

Todas as respostas, ele acha, conduzem ao “ajuste agora, imediato, porque será mais caro fazer o acerto daqui para frente”. O problema é o alto custo político. E, principalmente, a disposição de um eventual presidente Temer em pagar o preço, por exemplo, de um congelamento de salários dos servidores, como já combinou com governadores.

Os doze trabalhos de Temer

• Caso o Senado aprove o impeachment, vice assumirá a Presidência com um trabalho hercúleo pela frente: uma longa lista de desafios na política, na economia e na esfera social

Jeferson Ribeiro e Danielle Nogueira - O Globo

I
TRINCHEIRA VERMELHA: Após quase 14 anos no poder, o PT voltará a ser oposição. O partido teve o PMDB como aliado durante todo esse tempo, mas se sente traído pelo o que classifica de golpe para tirar a presidente Dilma Rousseff do poder. Duas figuras-chave nessa suposta conspiração são do PMDB: Michel Temer e Eduardo Cunha, apontados por Dilma como chefe e vicechefe do golpe, respectivamente. Os petistas são a segunda maior bancada, considerando Câmara e Senado.

II
TOMA LÁ DÁ CÁ: Após fila de carros no Palácio Jaburu, onde Temer recebeu deputados para conseguir votos a favor do impeachment de Dilma, o eventual novo presidente precisará de jogo de cintura para agradar aos parlamentares. PP, PR, PSD, PRB e PTB vão cobrar a fatura por terem rompido, na reta final, o acordo que tinham fechado com o governo, por intermédio do ex-presidente Lula, para dar sustentação a Dilma. A demanda maior deverá vir de seu próprio partido, o PMDB, de olho nos cargos mais cobiçados.

III
MAIS COM MENOS: Caso assuma o comando do Executivo, Temer terá que usar sua habilidade de negociação à exaustão. Ele planeja cortar até dez ministérios e, com isso, terá menos cargos disponíveis para formar uma coalizão de partidos que estejam dispostos a apoiar no Congresso uma agenda econômica amarga, a poucos meses das eleições municipais. Construir governabilidade, herdando um governo impopular, será uma das tarefas mais difíceis para o vice-presidente.

IV
IMAGEM MANCHADA: O discurso do golpe de Dilma teve eco em algumas publicações internacionais, como a revista britânica “Economist”. O comportamento dos deputados na sessão de votação do impeachment na Câmara, com referências a parentes e homenagem a torturadores, também teve má repercussão. Mesmo antes de assumir o posto de presidente, Temer iniciou uma contraofensiva e tem dado entrevistas à imprensa estrangeira, na tentativa de recuperar a imagem do país no exterior.

V
CRISE FISCAL: O país caminha para o terceiro ano seguido de déficit. Recolocar as contas em ordem passa pelo corte de gastos públicos e, provavelmente, aumento de impostos. Já há uma data fatal no horizonte: caso não seja aprovada uma mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) até 22 de maio, o país viverá um novo shut down do orçamento, o que impede qualquer gasto. Temer terá ainda de lidar com o caos fiscal dos estados, que tentam empurrar para a União o ônus de suas dívidas bilionárias.

VI
URGÊNCIA DAS REFORMAS: Ganha força o discurso da necessidade das reformas estruturais. Na lógica fiscal, defende-se a imposição de teto para gastos obrigatórios. Economistas avaliam que haveria tempo para Temer enviar ao Congresso a Reforma da Previdência, pois a discussão está madura. Estudo do Ipea mostra que, somando-se os déficits da Previdência de estados e União, o rombo chega a R$ 3,6 trilhões ou 65,8% do PIB. As reformas tributária e trabalhista ficariam para depois de 2018.

VII
INVESTIMENTOS EM QUEDA: O tombo foi de 14% em 2015, pior desempenho em 19 anos. Com o país indo para o segundo ano de recessão, o investimento em infraestrutura é fundamental para a economia voltar a crescer em 2017. Temer terá de recuperar a confiança dos empresários, não apenas nomeando uma equipe econômica com credibilidade, como também dando os primeiros passos para ajustes estruturais. Um programa de concessões poderia atrair o interesse do empresariado, incluindo o estrangeiro.

VIII
MANDATO AMEAÇADO: Caso assuma o cargo de presidente, Temer iniciará sua gestão com o mandato questionado. Corre no Tribunal Superior Eleitoral uma ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer devido a supostas irregularidades no financiamento da campanha eleitoral de 2014. O autor da ação é o PSDB. Temer já pediu ao tribunal para que suas contas sejam investigadas separadamente das de Dilma, mas até agora o TSE rejeitou a proposta de sua defesa.

IX
PRESSÃO DA LAVA-JATO: Temer terá que lidar com a maior investigação de corrupção já feita no país. Na mira dos investigadores estão caciques peemedebistas. Entre eles. Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado; Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, e Romero Jucá (PMDBRR), presidente interino do PMDB. Tanto essa ala do PMDB quanto grupos de novos partidos aliados, como o PP, devem fazer pressão para que o eventual futuro presidente contenha as investigações.

X
PROGRAMAS SOCIAIS: São incógnitas. Até agora, Temer promete uma política fiscal ainda mais austera. Ao mesmo tempo, tem dito que preservará o Bolsa Família (que seria até reajustado), o Fies e o Pronatec. Analistas acreditam que, ao cortar gastos públicos, nem todos os programas sociais serão poupados. Temer escalou Ricardo Paes de Barros, um dos criadores do Bolsa Família, para formular as políticas sociais. Estas decisões poderão determinar o apoio das classes mais dependentes das políticas governamentais.

XI
RUAS COM TEMER? Temer vai precisar convencer a sociedade a abandonar o clima de polarização que marcou a cena política nos últimos meses em prol de um pacto social para recolocar o país nos trilhos. Uma das incógnitas é como se portarão o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua, que vinham organizando setores da classe média contra a corrupção e a favor do impeachment. Não se sabe se eles vão se desmobilizar ou se seguirão erguendo a bandeira anticorrupção num eventual novo governo.

XII
OU RUAS CONTRA TEMER? Se há dúvidas sobre o comportamento da classe média, há certeza de que os movimentos sociais simpáticos ou ligados ao PT vão questionar a legitimidade de Temer. O MST pode ressuscitar estratégias de fechar rodovias. A CUT, a maior central sindical, convocar greves. Artistas e intelectuais pró-Dilma devem apoiar estes movimentos. Sob o comando do ex-presidente Lula, e mesmo de Dilma, manifestações poderão contestar Temer, que vai encarar estes protestos por meses.

PSDB tem o ‘dever’ de apoiar um governo Temer, diz Alckmin

• Declaração do governador de São Paulo ocorre após tucanos acenarem com restrições a apoio ao PMDB

Jorge Bastos Moreno e Martha Beck - O Globo

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, disse ontem ao GLOBO que o PSDB não precisa integrar um eventual governo Michel Temer, mas tem o “dever” de apoiar e sustentar no Congresso a gestão do peemedebista que pode assumir a Presidência se o Senado aprovar o impeachment e, consequentemente, a presidente Dilma Rousseff for afastada.

A manifestação de Alckmin ocorre um dia após o GLOBO revelar que parte da cúpula tucana estudava radicalizar a participação ou o apoio a um eventual governo Temer. Há tucanos defendendo que membros do partido que assumirem postos na eventual futura gestão sejam obrigados a pedir licença da legenda.

Com a ressalva de que não tem falado com Michel Temer desde a aprovação do impeachment pela Câmara dos Deputados, o governador de São Paulo disse que o PSDB tem o dever e a responsabilidade de apoiar o eventual governo do vice-presidente da República, inclusive na sustentação da base parlamentar, mas sem participar da sua administração.

— Temos o dever de apoiá-lo e sustentá-lo, politicamente, mas sem cargo e sem pasta. Repito: sem cargo e sem pasta — disse.

Alckmin afirmou que o país está passando por gravíssimos problemas em todas as áreas, principalmente na economia, com o agravamento do desemprego, e o PSDB não pode virar as costas para a crise:

— Daremos sim sustentação parlamentar para o governo Michel Temer, votando e apoiando todas as medidas que acharmos necessárias para o país, dentro de um quadro de amplas reformas.

O governador disse que a decisão de não aceitar “nem cargos nem pastas”, inclusive, permitirá a Temer ter mais condições de ampliar o leque de apoio partidário e políticos, oferecendo participação no governo a outras legendas.

Alckmin não está só no PSDB. O senador José Serra (PSDB-SP) vai além. Segundo ele, os tucanos devem apoiar um eventual governo Temer e podem inclusive integrar a administração.

— Seria bizarro o PSDB ajudar a fazer o impeachment de Dilma e depois, por cálculos oportunistas, lavar as mãos e fugir a suas responsabilidades com o país — defendeu Serra ao GLOBO.

O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) diz que, dentro de poucos dias, Michel Temer será presidente, e o PSDB patrocinou politicamente a abertura do processo, deu todos seus votos pelo impeachment na Câmara e fará o mesmo no Senado:

— Isso é, aliás, o que querem nossos eleitores. Poderá agora sabotar o governo cuja existência propiciou, ainda antes mesmo de sua constituição? Não é hora de desperdiçarmos nossa energia política com uma resolução partidária impeditiva de nossa eventual participação no governo Temer. A hora é, sim, de esclarecermos qual a linha de ação que desejamos que esse governo adote para merecer nosso apoio — argumentou Aloysio Nunes.

Nos últimos dias, Temer tem procurado políticos de vários partidos na busca de formar um Ministério para assumir o governo caso Dilma seja afastada pelo Senado. Uma das maiores preocupações do vice-presidente é com a condução econômica. O entorno do peemedebista ficou preocupado quando o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, muito ligado ao presidente do PSDB, senador Aécio Neves ( MG), disse que não aceitaria participar da equipe econômica num eventual governo Temer. Os peemedebistas viram a negativa como uma resistência dos tucanos em se aliar definitivamente a Temer. Esse núcleo mais próximo ao vice acredita que é urgente definir os nomes do time econômico.

Temer se reúne com Henrique Meirelles
Ainda tentando montar seu time econômico e formular uma plataforma que traga novo ânimo à economia, Temer se reuniu ontem por cerca de duas horas com o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Na saída da reunião, ele negou que tenha recebido convite oficial do vice-presidente Michel Temer para assumir o Ministério da Fazenda. Mas, em entrevista coletiva ao final do evento, defendeu fórmulas para a retomada do crescimento em um discurso afinado com o que tem pregado o vice.

Meirelles disse estar sempre disposto a ajudar com aconselhamentos e afirmou que, pelas perguntas que Temer fez a ele durante a conversa, o vice está com o diagnóstico correto sobre a economia.

— O principal é a resolução da questão política e, a partir daí, o direcionamento econômico segue naturalmente. Certamente, como sempre, estou disposto a aconselhar — afirmou Meirelles.

— O mais importante para o Brasil é a questão da alta carga tributária, isso tem que ser endereçado no país de maneira estrutural. Para isso, tem que se endereçar a questão do crescimento das despesas públicas. O Brasil tem tudo para crescer, é uma questão de retomada da confiança e de uma clara trajetória de dívida pública sustentável. O mais importante é tomar medidas para sinalizar que a trajetória da dívida pública vai ser revertida no devido prazo e que, a partir daí, a confiança possa aumentar. (Colaboraram Catarina Alencastro e Júnia Gama)

Entrevista Romero Jucá – Economia muda em 6 meses

Presidente do PMDB, senador diz que a economia será outra em seis meses de um eventual governo Temer.

‘As medidas não serão goela abaixo’
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• Líder dos governos Lula e Dilma no Senado, presidente em exercício do PMDB e investigado na Operação Lava-Jato, o senador Romero Jucá (RR) diz que, se assumir, Michel Temer precisará de seis meses para a economia dar sinais de recuperação

Simone Iglesias e Cristiane Jungblut - O Globo

• O PMDB liderou o desembarque da base aliada em apoio ao impeachment acenando com cargos. Vamos para uma nova etapa de relações fisiológicas?

A votação do impeachment é uma sinalização de que os partidos, mesmo estando na base de Dilma, entenderam que este governo faliu e migraram para um projeto que é de consequência constitucional. Esses mesmos partidos deram, num passado não muito distante, uma base estrondosa ao governo Lula. O governo Dilma dilapidou esse patrimônio. Num governo de reconstrução da base, é natural que partidos ocupem cargos. A motivação é que vai mudar. Não ocorrerá troca de cargos por votos. Será uma ocupação para a construção de um programa, um roteiro de mudanças e votações que vão remodelar a orientação econômica e social do país.

• A presidente Dilma e parte da população tratam o impeachment como um golpe e Temer como um conspirador.

A escolha que existe é entre a Constituição e a presidente Dilma. Se a escolha for a Constituição, a consequência é a posse do vice-presidente. Dizer que o PMDB preparou um golpe, que Temer preparou um golpe, é de um raciocínio simplista e de má-fé muito grande, porque nenhum partido colocaria 1,4 milhão de pessoas na Avenida Paulista para protestar. O PT não tem uma justificativa para os crimes que cometeu e tenta direcionar esse debate para a vertente do golpe que não há, da traição de um vicepresidente, que também não há. Está tentando impingir a outros, como já fez, na campanha de 2014, a Marina e Aécio, questões que o governo depois teve que praticar. Não cola mais.

• O PMDB está aliado à presidente desde 2010. Não se sente nem um pouco responsável pela crise?

A presidente Dilma errou em duas questões básicas, na condução política e na condução econômica. E, me desculpem, nem o PMDB interferiu na condução política, nem o PMDB interferiu na condução econômica, apesar de termos o tempo todo dito que estava errado. Estou muito tranquilo porque minha crítica não é de hoje, e parte do PMDB já tinha esse sentimento. O PMDB não mudou do dia para a noite.

• O PT diz que, se Temer assumir, transformará a vida do governo num inferno. Como trabalhar esse clima social que se colocará?

Havendo o afastamento, não há político em melhores condições de construir essa base parlamentar, pela condição de jurista, por ter presidido a Câmara três vezes, por ser um conciliador, por ser alguém que é bastante discreto e comedido. O presidente Temer tem o figurino necessário para construir uma base fundamental para a reconstrução do Brasil. Do outro lado, o PT tenta uma jogada de marketing, que é manipular e fazer manifestações que trazem de volta seu âmago. Essas ameaças do PT acontecem ao longo da sua história.

• Uma das críticas contra Temer assumir é o fato de Eduardo Cunha se tornar vice-presidente.

Quando o vice-presidente assumir, o cargo de vice se extingue. O mandato de Cunha se encerrará em dezembro, quando será eleito o novo presidente da Câmara. Não adianta personificar qualquer questão. Ele (Cunha) conduziu o processo na Câmara porque é o presidente.

• A Lava-Jato atinge o PMDB e líderes do partido. Como um governo Temer lidará com as investigações?

A Operação Lava-Jato mudou o paradigma da política. O PMDB apoia a Lava- Jato. Eu a apoio. Ela será fortalecida se houver um governo Temer. A questão individual de cada parlamentar será discutida no Supremo, e não podemos atrelá-la à política de governo. Quero desmentir boatos de que haveria uma mudança na linha da operação. Quem cobra a paralisia da LavaJato é o PT. Temer já disse reiteradas vezes que apoiará da forma que puder.

• O governo Dilma acredita em uma derrota na comissão do impeachment no Senado, mas espera reverter o quadro no processo de defesa de sua cassação. O senhor acha viável?

A capacidade de luta é inerente ao ser humano. Na democracia, todos têm direito à defesa. É natural que o governo queira se defender. Sobre o governo ter esperança, há um ditado que diz: a esperança é a última que morre. Ela vai morrer no dia da votação do impeachment no plenário do Senado.

• Como reverter a imagem negativa que Temer tem?

Não há uma leitura isenta, e sim uma leitura contaminada sobre ele. Qualquer um que estivesse como vice da Dilma estaria nessa situação. Poderia ser a Madre Teresa de Calcutá, o Dalai Lama ou o Papa Francisco. Qualquer avaliação de Temer só deverá ser algo consistente se ele assumir o governo e for feita seis meses após o seu início de governo. Antes, é um sentimento que mistura a decepção com o atual governo, a revolta e a falta de representatividade sobre a classe política.

• Há margem no Congresso para aprovar um ajuste fiscal ainda mais duro do que o proposto por Dilma?

Para tirar o PIB do chão, tem que ter credibilidade, segurança jurídica, previsibilidade da economia, responsabilidade fiscal, responsabilidade de gastos do governo. Temer sabe que dois anos é um tempo muito curto e vai ter que acelerar e tomar medidas discutidas com a sociedade. As medidas não serão goela abaixo, até pela formação política que ele tem. Haverá recriação da CPMF? Não. Antes de discutir qualquer aumento de impostos, o governo tem que dar o exemplo de corte de gastos e ter responsabilidade fiscal.

• Até que ponto é fundamental a participação do PSDB no governo?

O PSDB poderia indicar nomes que seriam muito importantes na formação do governo. Se houver uma decisão de não participar, deve ser respeitada. Agora, o fundamental do PSDB é a formatação de uma pauta. Não podemos abrir mão do PSDB na formulação de saídas.

• Quando será possível sair minimamente da crise econômica?

A mudança não será em dois ou três meses. Se você falar em reversão do quadro de expectativas, na situação do dólar, do mercado de capitais, entendo que em até seis meses haverá uma outra leitura do país.

• Fala-se em um grupo de notáveis para assumir os ministérios. Como serão definidos os integrantes do governo Temer?

A discussão não é de notabilidade, é de preparo, de bagagem, de peso político, de credibilidade. O presidente Michel Temer saberá formar uma equipe com condições de tocar o projeto que tem para o país.

• Há um compromisso de Temer não concorrer em 2018 para garantir apoio a seu governo do maior número de partidos e políticos?

Ele tem dito que sua missão é enfrentar esse governo de coalizão e ajudar a transformar o Brasil. Não fala em candidatura em 2018. Se conseguir em dois anos fazer o que precisa fazer, já terá o seu lugar na história.

• Nas últimas décadas, o PMDB não elegeu nenhum presidente pelo voto direto, mas emplacou três indiretamente.

O PMDB acabou se acomodando em ser o partido da governabilidade. Realmente, governabilidade não é programa de partido. Tem que ir para a linha de frente, e um eventual governo Temer é ponto de inflexão para colocar isso em prática.

Lula: O mito estraçalhado - Francisco Weffort*

• A trajetória de Lula o levou da posição de “sindicalista combativo”, por meio da qual se projetou no país, a lobista das grandes empreiteiras. Um fim melancólico para quem, no passado, representou uma esperança de grande parte do povo brasileiro

Revista Veja

Luiz Inácio Lula da Silva vai chegando ao fim do caminho. Mesmo ele é capaz de perceber que está acabando o terreno à sua frente. Antes do petista, tivemos casos semelhantes desses meteoros da política que vêm não se sabe de onde, passam por grandes êxitos, alcançam rapidamente o topo e depois caem miseravelmente. Já nos esquecemos de Jânio Quadros? Lula é diferente de Jânio em um ponto: veio de mais baixo na escala social e conseguiu uma influência mais organizada e duradoura na política do país. Dilma Rousseff, embora pareça um meteoro, não é propriamente um caso político. O fato de ela ter chegado à Presidência da República foi apenas um enorme erro de Lula cometido em um dos seus acessos de personalismo. Erro, aliás, que o empurra com mais rapidez para o fim. "O cara", de que falou Barack Obama quando Lula tinha 85% de aprovação, não é mais aquele...

Há algum tempo, muitos gostavam de ver em Lula um "filho do Brasil". Era o seu primeiro mandato, quando se pensava que surgia no país uma "nova classe média". Com a crise dos dias atuais, essa "nova classe" provavelmente desapareceu. Outra das veleidades grandiosas do petista, já no fim do seu governo, foi um suposto plano para terminar com a fome no mundo. Também naqueles tempos, alguns imaginavam que o Brasil avançava para uma posição internacional de grande prestígio.

Muitos desses sonhos deram em nada, mas, para o bem e para o mal, Lula foi um filho do Brasil. Aliás, também o foram os milhares, milhões de jovens fruto do "milagre econômico" dos anos Médici, assim como, antes deles, os filhos da democracia e do crescimento dos anos JK, ou, se quiserem, algumas décadas mais atrás, da expansão aluvional das cidades que assinala o nosso desenvolvimento social desde os anos 1930. No Brasil, temos a obsessão permanente do progresso, assim como uma certa vacilação, também permanente em nosso imaginário, entre a ditadura e a democracia. Lula foi uma variante desse estilo brasileiro de vida. Queria resolver as coisas, sempre que possível, com "jeitinho", ao mesmo tempo que sonhava com as benesses do "Primeiro Mundo" e da modernidade.

Na política brasileira, porque vinha de baixo, o petista tinha traços peculiares que se revelam em sua busca de reconhecimento como indivíduo. Nesse aspecto está o seu compromisso com a democracia, aliás muito aplaudido no início de sua vida como político. O sindicato foi seu primeiro degrau e, mais adiante, uma das raízes de seus problemas. É que, a partir desse ponto, Lula passou a buscar seu lugar como cidadão numa instituição aninhada nos amplos regaços do Estado. Ele começou em uma estrutura às vezes repressiva e muitas vezes permissiva, que dependia, sobretudo, como continua dependendo, dos recursos criados pelo Estado por meio do "imposto sindical". A permissividade maior vinha do fato de que tais recursos não passavam, e ainda não passam, pelo controle dos tribunais de contas.

O maior talento pessoal de Lula foi sair do anonimato, diferenciando-se dos parceiros de sua geração. No sindicalismo, falou sempre contra o "imposto". E talvez por isso mesmo tenha logrado tanto prestígio como sindicalista combativo e independente que não precisou fazer nada de concreto a respeito. Na época das lutas pelas eleições diretas e pelo fim do autoritarismo reinante sob o Ato Institucional nº 5, dizia que "o AI-5 dos trabalhadores é a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT". Mas em seu governo não só manteve o imposto e as leis sindicais corporativistas como foi além, generalizando para a CUT e demais centrais sindicais os benefícios do imposto.

O que tem sido chamado, em certos meios, de "carisma" de Lula foi sua habilidade de sentir o seu público. Chamar essa "empatia", uma qualidade que qualquer político tem, em grau maior ou menor - e que, aliás, sempre faltou a Dilma -, de "carisma" é uma impropriedade terminológica. Em sociologia, o fenômeno do "carisma" pertence ao universo das grandes religiões, raríssimo no mundo político, e, quando ocorre, é sempre muito desastroso. Os fascistas de Mussolini diziam que "il Duce non può errare" ("o Duce não pode errar"), para exaltar uma suposta sabedoria intrínseca ao ditador. Não era muito diferente das fórmulas típicas do "culto da personalidade" de raiz stalinista.

Embora tais fórmulas estejam superadas na esquerda há tempos, os mais ingênuos entre os militantes do PT ainda se deixam levar por coisas parecidas. Consta que, no mundo de desilusões e confusões do "mensalão", um intelectual petista teria dito: "Quando Lula fala, tudo se esclarece". Não ajudou muito...

Luiz Inácio Lula da Silva foi uma das expressões da complexa integração das massas populares à democracia moderna no Brasil. É da natureza da democracia moderna que incorpore, integre a classe trabalhadora. No Brasil, como em muitos países, isso sempre se fez por meio de caminhos acidentados, entre os quais o corporativismo criado em 1943, no fim da ditadura getuliana, e mantido pela democracia de 1946, como por todos os interregnos democráticos que tivemos desde então. O corporativismo se estende também às camadas empresariais, assim como a diversos órgãos de atividade administrativa do Estado brasileiro. Favoreceu a promiscuidade entre interesses privados e interesses públicos e certa medida de corrupção que, de origem muito antiga, mudou de escala nos tempos mais recentes com o crescimento industrial e a internacionalização da economia brasileira. 

Nessa mudança dos tempos, Lula passou de "sindicalista combativo" a lobista das grandes empreiteiras. Um fim melancólico para quem foi no passado uma esperança de grande parte do povo brasileiro.

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* Professor emérito do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e ex-ministro da Cultura (de 1995 a 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso). Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT)

Feio, mas necessário - Fernando Gabeira

- O Globo

Se fosse catapultado a essa longa sessão da Câmara, sem saber o que estava sendo votado, eu diria com tristeza: eles estão vencendo, os velhos adversários. E se o cansaço da longa sessão me valesse um cochilo, acordar com o voto de Jair Bolsonaro me faria sentir num templo satânico. Sabia muito bem onde estava. Quatro mandatos e 16 anos naquele mundo subterrâneo me fizeram prever na semana anterior, no programa da CBN, a enxurrada de votos pela família, por filhos, netos, a avó que está doente.

Não era o primeiro impeachment que via. Foi assim na queda de Collor. Na verdade, o nível naquela época era um pouco mais alto. Enrolados em bandeiras, detonando bombas de papel picado, os deputados de hoje estão mais inseridos no espetáculo. Falam com imagens. É como se colocassem uma letra retrógrada na canção do impeachment, vitória da sociedade, de algumas instituições e da própria transparência.

A cabeça dos deputados passou por um raio X diante de 100 milhões de espectadores. Cerca de 90 deles são investigados no Supremo. Agora que todos sabem o que temos, certamente vão compreender a urgência de mudanças.

Com tanta coisa acontecendo, naquelas longas horas, procurei não me esquecer das tarefas principais: a reconstrução econômica e ampla transparência sobre o gigantesco processo de corrupção que devastou nosso país.

Os generais da esquerda levaram suas tropas para um combate que sabiam perdido. Refugiaram-se na tese do golpe, para mascarar as graves acusações que pesam contra eles. O que para os líderes era apenas uma boia no oceano, para muitos foi uma ilusão de que havia um golpe em marcha, e ele seria detido.

A insensatez se prolonga com a viagem de Dilma Rousseff ao exterior onde foi se dizer, para a mídia, vítima de um golpe aplicado pelo Congresso e pelo Supremo. Minha senhora, no seu país não há Constituição? Quem dá a palavra final quando ela não está sendo cumprida?

Os jornalistas internacionais não são tão ingênuos. Sabem que, quando se apela para eles, é porque já se perdeu a batalha no seu próprio território. Só uma presidente enlouquecida poderia sonhar em transferir a guarda da Constituição brasileira do Supremo Federal para a ONU. Ainda bem que não o fez.

Esse espetáculo decadente me entristece, apenas isso. Um jovem senador do PT disse que não dará sossego ao novo governo. O país terá de trabalhar muito para sair da crise e deve se concentrar nisso. Mesmo porque a própria Lava-Jato vai se encarregar de não dar sossego aos petistas, inclusive ao jovem senador.

Dilma foi cassada por crime de responsabilidade fiscal, decretos secretos para financiar um rombo de milhões, criar uma ilusão de prosperidade e vencer as eleições. Repetiu o erro em 2015. Se não fosse cassada por isso, seria pelos fatos de Curitiba: campanha com dinheiro do Petrolão, tentativa de obstruir a Justiça. O que vem de Curitiba não resulta apenas em impeachment, mas possivelmente em anos de cadeia. E cadeia, jovem senador, é um lugar que sintetizo numa frase que vi em várias celas onde estive preso e dezenas que visitei: “aqui, o filho chora, e mãe não ouve”.

Se olhamos para o futuro, pela ótica da transparência, a derrota de domingo será difícil de explicar para milhares de pessoas que acreditaram mesmo que havia um golpe em curso. Elas vão perceber que foram usadas como um álibi porque seus líderes tratavam mesmo de escapar da polícia, como aliás já ficou provado no áudio Lula-Dilma.

Essa tática do PT serve apenas para deixar mais arrasado o lado esquerdo do espectro político. As forças conservadoras que já eram fortes tornaramse mais articuladas, milhares de jovens foram confrontados com a ideia de uma esquerda cínica, corrupta, autoritária.

De uma certa maneira, os discursos contra o PT foram um bálsamo para o partido. Olhem quem está nos derrubando. Mas todos sabemos que não foram derrubados pela Câmara, e sim pela sociedade. Nas ruas, era o discurso de Brasil moderno, contra a corrupção, pela transparência, por serviços públicos decentes, a rejeição do populismo bolivariano. Na rua, havia famílias sonhando com um projeto mais amplo; na Câmara, os deputados reduziram os destinos do país às suas próprias famílias. Isso marca uma distância, mas no essencial cumpriu-se o desejo da maioria.

Era o instrumento legal que a sociedade tinha para se defender, por mais repugnantes que sejam algumas ideias que circulam ali. Tenho repetido isso, como um privilégio da idade. Os impeachments ocorrem num período de cerca de 20 anos. Se a frequência for mantida, este foi o último a que assisti na Câmara. Reste o do Senado, onde se toma muito chá, e espero uma elevação do nível. Se vierem com essa história de Deus, família, filhos e netos, saco da arma que uso sempre que me entediam: um bom livro.

Com a palavra o Senado – Ferreira Gullar

- Folha de S. Paulo

Como a maioria dos brasileiros, assisti, domingo passado, pela televisão, à votação, na Câmara dos Deputados, do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Ao contrário do que, desonestamente, procurara afirmar José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, não se tratava de julgar a presidente e, sim, de admitir ou não o cabimento legal do processo de impeachment contra ela, o que finalmente foi aceito após uma discurseira que começou às 14h daquele dia e terminou depois da meia-noite. O processo agora se encontra no Senado, onde, só então, o impedimento da presidente será aceito ou não. Mas, naquela mesma madrugada, mal terminara a votação, já estava na televisão o advogado Cardozo "demonstrando" que o pedido de impeachment não tem cabimento.

Confesso que há muitos anos não assistia a um espetáculo tão constrangedor quanto foi o daquela noite, quando os deputados petistas e seus aliados procuravam demonstrar, sem qualquer argumento plausível, que se tratava de um golpe contra a democracia brasileira. Referiam-se a Dilma e a si mesmos como exemplos de defensores da democracia burguesa contra a qual, pelo menos da boca para fora, sempre batalharam. Não me consta que esse seja o regime social com que sonham o PCdoB, o PSOL e o PT. Mas na hora de livrar o próprio pescoço, vale tudo.

Na verdade, a presidente Dilma incorreu na prática de crime de responsabilidade ao usar o dinheiro de instituições sob controle do Tesouro Nacional para financiar projetos sociais que garantiriam sua reeleição em 2014.

Isso ficou provado mediante investigação feita pelos auditores técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU), entre outubro e dezembro de 2014. Foi baseado nela que Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal deram início ao processo de impeachment contra Dilma, aprovado no último domingo pela Câmara Federal e agora entregue ao julgamento do Senado Federal. Não se trata, portanto, de nenhum golpe, de nenhum procedimento antidemocrático e, sim, pelo contrário, de uma ação que visa defender os princípios constitucionais do Estado brasileiro.

E daí a discurseira demagógica daquele domingo na Câmara Federal. Sem qualquer argumento de fato pertinente, os petistas (e os aliados que lhes sobraram) insistiam na tese falaciosa de que a presidente Dilma Rousseff estava sendo vítima de um golpe. Nenhum deles se atrevia de fato a expor suas razões, uma vez que aquelas afirmações eram destituídas de fundamento. Já no dia anterior, o advogado-geral da União tentara, no Supremo Tribunal Federal, anular o relatório do deputado Jovair Arantes e, consequentemente, o processo do impeachment, mas foi fragorosamente derrotado por oito votos a dois.

Assim, no mato sem cachorro, vendo os membros de sua base aliada passarem para o lado dos defensores do impeachment, o que lhes restava mesmo era o argumento do golpe. Enquanto isso, os opositores do governo Dilma -mesmo aqueles que foram seus aliados até a véspera- alegavam que, não apenas ela cometera crime de responsabilidade como, ao mesmo tempo, conduzira o país a uma crise econômica e política jamais vista.

A verdade é que, se por outra razão não fosse, Dilma Rousseff não tem condições de se manter presidente da República, uma vez que há tempos já não governa. De fato, ela e o PT encontram-se num beco sem saída, conforme se tem visto, desde que ela assumiu seu novo mandato presidencial.

Depois de mentir durante a campanha, teve que, ao tomar posse, admitir que deveria fazer, no plano da economia, o contrário do que prometera. Por isso chamou, para o ministério da Fazenda, Joaquim Levy, economista que pensa exatamente o contrário do que o PT e ela própria sempre defenderam. Resultado: diante da pressão dos petistas, teve o ministro que deixar o governo, agravando ainda mais a situação. Com isso, a inflação cresceu, o desemprego triplicou e o país parou de vez.

Resta a pergunta: independente de impeachment, convém ao país manter no governo uma presidente que já não governa? Com a palavra o Senado Federal.

O Globo A síndrome dos tucanos - Merval Pereira

- O Globo

O PSDB parece que sofre de Síndrome de Estocolmo, definido por alguns como “estado psicológico em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia por seu agressor”. Só isso explica que os tucanos volta e meia tenham uma recaída, como agora, e busquem imitar as atitudes do PT quando na oposição.

Essa decisão que está prestes a ser tomada de não participar de um eventual governo presidido por Michel Temer em tudo se parece com a atitude criticável do PT, que comandou o processo de impeachment contra Collor em 1992 e depois se recusou a participar do novo governo.

Tudo porque Lula considerava que o governo de Itamar Franco fracassaria, e a eleição presidencial de 1994 cairia em seu colo. Há no PSDB quem pense até mesmo em propor a expulsão do tucano que aceitar, mesmo em nível pessoal, participar do governo Temer, a mesma coisa que fez o PT, que expulsou Luiza Erundina por ter aceitado o convite de Itamar para ser sua ministra.

É claro que a situação do PSDB tem circunstâncias especiais, como o fato de que o partido entrou com uma ação no Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) pedindo a anulação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder econômico na eleição de 2014. Como apoiar um governo chefiado por um político que o próprio partido está questionando na Justiça?

Nesse ponto, a ex-senadora Marina Silva mostrase mais coerente, pois desde o início pede novas eleições com base na anulação da campanha de 2014. Não quer nem Dilma nem Temer, e seu partido, a Rede Sustentabilidade, teve posições variadas com relação ao impeachment, embora no final a própria Marina o tenha apoiado sem, no entanto, orientar o partido formalmente, deixando seus representantes no Congresso votarem de acordo com suas consciências.

O PSDB, ao contrário, embora tenha começado o movimento político a favor da anulação da eleição de 2014, acabou sendo levado pelos movimentos sociais a adotar uma posição unânime a favor do impeachment. O melhor caminho que poderia ter no momento é dar uma declaração a favor da separação das contas, solução que parece será a escolhida pelo TSE, e apoiar o governo Temer sem receios do que acontecerá mais adiante.

Mesmo que os tucanos receiem que a cúpula do PMDB possa vir a ser atingida por denúncias da Lava-Jato, não se justifica uma atitude de afastamento antecipado. Como diz o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a cada dia sua agonia. A obrigação do PSDB é colaborar para que o governo de transição tenha êxito, sem ficar com uma atitude arrogante de quem se considera superior e não quer se macular com a proximidade de um partido fisiológico.

Caberia ao PSDB elaborar um programa de intenções a ser apresentado a Michel Temer como condição para um apoio formal. Aceitas essas condicionantes, não há razão para evitar o contágio, pois ao menor sinal de que o PMDB não está se comportando como deveria seria motivo suficiente para um rompimento justificado.

Romper antes, mesmo que baseado no histórico nada confiável do partido, é antecipar-se aos fatos, o que o momento político não recomenda. É preciso que as forças políticas que se uniram para tirar o PT do governo como meta prioritária se unam novamente para ajudar o país a sair da enrascada em que se meteu.

Pior ainda é a ideia de obrigar quem aceitar ir para um futuro governo Temer a assinar um compromisso de não se candidatar às eleições presidenciais de 2018. A proposta ridícula, atribuída ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é a prova de que os tucanos só pensam na sucessão presidencial e não se importam com a situação do país.

Como o PT em 1994, poderão ser punidos pelo surgimento de novas alternativas políticas. E, do jeito que se comportam nesse episódio, de maneira errática e indecisa, não será preciso nem mesmo um Plano Real para derrotá-los. Basta que continuem a erodir o capital político que acumularam com atitudes desconexas com os objetivos que marcaram o partido, como já fizeram ao votar contra o fator previdenciário.