sábado, 9 de janeiro de 2016

Opinião do dia: Ana Maria Machado

Pode-se, por exemplo, debater o parlamentarismo, tema levantado logo no início da crise por Eduardo Jorge, do PV, e, em seguida, mantido em foco por políticos de um espectro variado, de José Serra a Roberto Freire, passando por formas híbridas de semipresidencialismo e semiparlamentarismo, lembradas por outros. Não para mudar as regras no meio do jogo e reduzir os poderes de alguém eleito segundo outro modelo. Mas para o futuro, a fim de que o assunto deixe de ser tabu ou remédio mágico, lembrado apenas quando se evidencia que o sistema de pesos e contrapesos não está funcionando a contento e faz falta a garantia constitucional de uma função moderadora.

E no plano pessoal, em vez de hostilidade e ameaça de olho por olho, ainda é bom ouvir Chico: “Olhos nos olhos quero ver o que você diz”.

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Ana Maria Machado é escritora, ‘Olhos nos olhos’, O Globo, 9.1.2016

Cristovam Buarque: Preocupação e esperanças

• Explosão social pode ser percebida na violência urbana

- O Globo

Olhando do início de 2016, a sensação é de caminharmos para uma decadência econômica, uma explosão social, um caos político, uma degradação moral; e duas esperanças.

A decadência econômica se observa na desindustrialização com primarização do PIB; sucessivos anos de recessão; regressão na posição entre os países do mundo; incapacidade de inovação; baixa competitividade; ausência de produtos de alta tecnologia; déficits públicos estruturais crescentes; educação básica deficiente, ensino superior fraco e desvinculado do setor produtivo, sistema nacional de ciência e tecnologia atrasado, empresários com aversão ao risco, sem gosto por inovação, dependente do protecionismo; baixa taxa de poupança, burocratismo, instabilidade jurídica, um sistema previdenciário estruturalmente deficitário e nada incentivador do trabalho; quebra de confiança, leis trabalhistas antiquadas e prejudiciais ao trabalhador contemporâneo. Tudo a indicar muito mais do que uma simples crise que passaria em alguns meses, mas um longo processo de decadência que pode durar muitos anos.

A explosão social pode ser percebida na violência urbana, que já caracteriza uma guerra civil; na desarticulação do sistema de saúde, na insalubridade, da qual o vírus zika é um exemplo dramático, mas não excepcional, na falta de água encanada e esgoto, no descaso com a infância, na baixa escolaridade; na ausência de forças sociais aglutinadoras, na violência contra mulheres e crianças; em uma Constituição com profusão de direitos e ausência de deveres; na generalização do uso de álcool e outras drogas.

O caos político refletido na falta de credibilidade nos poderes Executivo e Legislativo; partidos desmoralizados, sem propostas, sem identidades ideológica e moral entre seus filiados, juventude descrente, sem causa, sem utopias, judicialização e instabilidade legal, falta de espírito público entre os políticos, ausência de patriotismo, corporativização do processo eleitoral e legislativo.

A degradação moral é percebida na generalização da corrupção; nos péssimos exemplos dos líderes; na apologia ao jeitinho; na valorização do individualismo; na legitimação da prática da vantagem a qualquer custo; e no desprezo ao mérito.

A primeira esperança vem da descoberta dos erros cometidos: punição a políticos corruptos; na certeza de que o ilusionismo vinha conduzindo a economia, com jogadas de marketing e contabilidade criativa; na percepção da necessidade do equilíbrio fiscal e de que a dinâmica econômica no século XXI não vem de subsídios fiscais aos setores ineficientes, mas da promoção da eficiência e da inovação. A segunda esperança vem da consciência de que não basta retomar o crescimento, é preciso reorientar o rumo do país para um novo tipo de progresso, baseado, sobretudo, na educação de qualidade para todos.

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Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

Igor Gielow: E o ano mal começou

- Folha de S. Paulo

As hostes governistas passaram 2015 tentando vender a falácia segundo a qual não era o Planalto o responsável pela crise em que o país se encontra. Na política, a culpa era da "oposição golpista", do Cunha, dos jornalistas. Na economia, dos efeitos da Lava Jato e do cenário externo desfavorável.

Ao menos na área econômica, houve uma ligeira inflexão a partir das declarações recentes de Dilma Rousseff e de seu novo e a cada dia mais frágil anteparo, Jaques Wagner. Um inespecífico mea-culpa tomou forma, variante pálida da admissão de dolo representada pela quitação das pedaladas fiscais –onde estarão os porta-vozes do indesculpável que as negavam agora?

É pouco, e tardio. Se o ano acabou com alívio para o Planalto, com a momentânea amarração do impeachment pelo Supremo, a sensação que o começo de 2016 transparece é a de exaustão. E a Lava Jato apenas começou sua nova temporada, esbarrando em Wagner de saída.

Se ainda mantém o discurso de vitimização, Dilma tem dado sinais contraditórios ao defender medidas sensatas na economia, como mexer na Previdência. Ela se posiciona como uma mandatária forte em início de gestão, mas é o oposto.

Nenhuma proposta de reforma estrutural no Brasil pode ser comprada pelo valor de face, claro, mas é curioso ver Dilma apostar numa agenda que afronta o que lhe restou de base de apoio no petismo de resultados.
Não é crível ver nisso tudo um aceno ao empresariado, já que mais impostos também estão no pacote. Já a aposta na injeção de crédito na economia parece só uma reprise de filme ruim. Falta credibilidade hoje.

Como tudo pode piorar, a opacidade da ditadura modernete chinesa pode estar a esconder uma hecatombe econômica externa de verdade, dando ao governo motivos para lembrar amargamente do popular dito derivado da psicanálise: "Cuidado com o que você deseja".

Merval Pereira: Mágica ruim

- O Globo

“Estamos na UTI sangrando. E temos uma poupança, as reservas cambiais, que pode estancar o sangramento. Não vamos utilizar esse remédio?”. Com esse raciocínio, que parece óbvio mas é apenas simplista, o governador petista do Piauí, Wellington Dias, dá um reforço político à ideia defendida por Lula, e encampada pelo PT em documento oficial, de o governo Dilma usar parte das reservas cambiais do país para estimular o crescimento econômico.

Pelos cálculos do partido, se o governo recorresse a US$ 130 bilhões dos US$ 368,7 bilhões que o país tinha em 7 de janeiro deste ano, poderia lançar pacote de infraestrutura e investimentos de grande porte, melhoraria a situação fiscal e ainda continuaria com muitos milhões de dólares em reservas.

Dilma rejeita a ideia, assim como o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, mas a pressão política é forte, e é preciso reafirmar que essa “mágica” simplesmente não existe. Dias tem razão em um ponto, as reservas são como a poupança de uma família. E, como toda família que retira dinheiro da poupança para pagar suas dívidas, também o país aumenta seu risco.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco diz que esse é um “truque antigo do Delfim Netto (ex-ministro da Fazenda), que usava, sobretudo, os bancos federais para receber dinheiro depositado no exterior e internava os recursos aqui”. Mas é um truque ruim, diz Franco, que explica didaticamente:

“O dinheiro que está lá fora não compra coisas em reais, alguém tem que ter os reais, e quem tem os reais é o Tesouro, é o Banco Central. O BC vende títulos públicos, pega os reais e compra os dólares da reserva. Portanto, aumenta a dívida interna. Mas, para fazer isso, você não precisa usar o dinheiro das reservas”, ironiza o ex-presidente do BC.

Outro economista, Armando Castelar, do Ibre/ FGV, diz que a ideia não faz sentido. “É mais um passe de mágica fiscal que tenta fazer de conta que é possível gastar sem ninguém pagar a conta. Conta que, já aprendemos, ou deveríamos ter aprendido, aparece daqui a pouco”.

Desdobrando o raciocínio de Franco, Castelar lembra que, se o governo vai usar as reservas, vai resgatar esse fundo, transformando-o em dinheiro. “Isso significa vender dólares no mercado local em troca de reais. Dados os valores envolvidos, significa que a curto prazo o real tenderia a se apreciar frente ao dólar (pois aumentariam a oferta de dólares e a demanda por reais), prejudicando as exportações das indústrias”.

Ao mesmo tempo, muita gente iria aproveitar a valorização do real para comprar dólares e colocar seu patrimônio fora. “Essa operação teria implicações diretas sobre o mercado financeiro, pois diminuiria a quantidade de dinheiro (reais) na mão do setor privado, na medida em que esse foi passado para comprar os dólares. Para manter a política monetária, o BC teria de comprar títulos públicos do setor privado e emitir reais, para restabelecer a quantidade de reais na economia”.

O setor privado terá ficado com mais dólares, menos títulos públicos e a mesma quantidade de dinheiro. O BC, com mais títulos públicos e uma dívida maior em dinheiro. O Tesouro, com menos reservas (dólares) e mais dinheiro. O resultado final seria uma queda adicional da confiança, gerando mais queda do PIB e possivelmente mais inflação, analisa Castelar.

De outro lado, vem a questão do que o governo faz com os reais que recebeu em troca das reservas. Se ele “tentar aquecer a economia”, significa que vai usar o dinheiro que, no fim das contas, foi emitido pelo BC para aumentar o gasto público. “Significa expansão fiscal e monetária. Vai totalmente na contramão do que o BC está tentando fazer. Para segurar a inflação, o BC vai provavelmente tentar tirar esse dinheiro, ou pelo menos parte, da economia, vendendo dívida pública no seu portfólio, como fez na virada do ano para enxugar o dinheiro do pagamento das pedaladas. A dívida pública vai aumentar”.

Como a crise é motivada por falta de confiança e credibilidade, o resultado líquido vai ser menor confiança, mais inflação e mais queda do PIB. Afinal de contas, teremos mais dívida pública e mais risco nas contas externas. Armando Castelar ainda ressalta um problema adicional para o Tesouro brasileiro: a exposição cambial, em um momento em que a China desacelera e o Fed (BC dos Estados Unidos) quer subir juros.

Márcia Cavallari Nunes; A caixa de surpresas das eleições municipais

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Em outubro de 2016, os eleitores brasileiros elegerão prefeitos e vereadores dos 5.570 municípios. Mas, neste ano, a eleição será regida sob novas regras, aprovadas na minirreforma política promulgada em setembro de 2015.

As principais mudanças que impactarão diretamente as campanhas e, consequentemente, as pesquisas eleitorais são: os candidatos serão oficializados em 15 de agosto, não mais no início de julho, como ocorria até 2014; as campanhas eleitorais terão a duração de apenas 45 dias, metade do que era antes; o horário eleitoral gratuito no rádio e na TV será transmitido durante 35 dias, 10 a menos do que na eleição anterior; o voto será impresso e o eleitor deverá conferi-lo antes de concluir a votação.

Outra mudança é que, desta vez, haverá mais tempo para inserções comerciais do que para o programa eleitoral gratuito, o que pode encarecer as campanhas, que neste ano não terão financiamento de pessoa jurídica.

Além disso, o eleitor está sob o impacto das operações da Polícia Federal, que a cada semana acrescenta novos nomes à lista de envolvidos. Tudo isso sem contar com a crise financeira pela qual passa o país, com inflação alta, desemprego crescendo e sem perspectiva de melhora no curto prazo, segundo as projeções econômicas.

Com tudo isso, a pergunta que fica é: como será que o brasileiro vai votar na próxima eleição?

As pesquisas eleitorais cumprirão o importante papel de acompanhar a movimentação das opiniões dos eleitores ao longo de todo processo eleitoral. Vale sempre lembrar que o objetivo da pesquisa não é o de acertar o resultado da eleição, e sim retratar o presente, e não o futuro, da decisão do eleitor.

Para complicar mais um pouco esse quadro já bastante complexo, ao longo de diversas eleições percebemos que a decisão de voto do eleitor está cada vez mais tardia e também mais volátil, principalmente em se tratando de eleições municipais. Esse processo se dá não por alienação do eleitor, mas sim porque ele espera até o último momento para decidir o seu voto com convicção. O espaço de tempo para a formação das opiniões será bem mais curto, portanto, poderia se imaginar que os atuais prefeitos que concorrerão à reeleição levariam alguma vantagem, mas, em pesquisa nacional recente, observa-se que as avaliações dos prefeitos brasileiros, em média, não estão nada bem.

O saldo do conjunto dos prefeitos é negativo em 12 pontos percentuais (40% dizem que a administração do prefeito de sua cidade é ruim/péssima, 30% a consideram regular e 28% a avaliam como ótima/boa).

Por outro lado, os candidatos menos conhecidos terão mais dificuldades para se apresentar e conquistar o eleitor, em decorrência da curta campanha. Mas não é possível afirmar que os mais conhecidos sairão vencedores, pois há um grande desejo de mudança na forma de se fazer política do país. Pesquisa de dezembro do Ibope Inteligência mostra que a maioria (54%) afirma que votaria com certeza ou poderia votar em um candidato que não tivesse experiência política. Outro dado importante é que 40% declaram que votariam em um prefeito de oposição ao atual; 30% dizem que votariam no atual prefeito ou alguém indicado por ele e o restante se divide entre não votar (16%) e não saber ainda o que fará (15%).

Esses números mostram que as pesquisas serão fundamentais para acompanhar a evolução das opiniões e a possível transformação do eleitor brasileiro, que agora está empoderado. Ainda mais com a ampliação do acesso à internet!

Com poucos recursos financeiros, as campanhas on-line certamente ganharão mais importância. A internet e as redes sociais ainda não são os principais meios de informação que os eleitores utilizam para a tomada de decisão do voto, mas vêm ganhando força. A televisão continua sendo a principal fonte de informação para 51% dos brasileiros, seguida pelas conversas com amigos, parentes e colegas mencionada por 22%. Em outubro de 2008, eram apenas 3% os eleitores que disseram ter usado a internet como fonte de informação sobre as eleições municipais, enquanto hoje 19% mencionam que usarão a internet e as redes sociais para se informar sobre o próximo pleito.

Diante desse quadro, pode-se afirmar que as eleições de 2016 trarão muitas surpresas e viradas de última hora!
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Márcia Cavallari Nunes, CEO do Ibope Inteligência

Míriam Leitão: Número de um fracasso

- O Globo

Um número resume o fracasso do atual governo: 10,67%. Essa foi a inflação brasileira de 2015. Não é resultado do que se fez no ano passado, mas sim dos erros, vacilações, distorções do pensamento econômico e energético da presidente Dilma. Ela compartilha com o PT convicções que demonstram desprezo pela estabilidade. O Banco Central teve que escrever uma carta se explicando.

Oregime de metas de inflação tem rituais, e um deles é o Banco Central escrever uma carta ao Ministério da Fazenda explicando por que a inflação estourou o teto da meta. No caso atual, foi além até dos 10%. Deveria ser obrigado também que a presidente da República se explicasse. Dilma tomou decisões que levaram a esse resultado. O número pertence principalmente a ela.

Os economistas estão prevendo a queda da inflação ao longo deste ano. Esquadrinham cada número, de cada mês, pensam nas probabilidades de chover ou não, de cair o consumo por causa da recessão, noves fora o impacto de alta do câmbio. A chance maior é de o índice cair um pouco e terminar o ano de novo acima do teto da meta, no patamar de 7%. É alto, mas este é o cenário benigno.

Temores rondam os conhecedores da dinâmica da economia brasileira. O PT aumentou a indexação e elevou o percentual do dinheiro em circulação que está fora do alcance da política monetária, através dos empréstimos subsidiados ao capital. Isso faz com que o remédio amargo dos juros tenha efeito menor. O temor é o de que a inflação suba mais, pelos sinais de hesitação dados pelo governo. No fundo, pode haver até uma torcida por isso.

A inflação reduz a crise fiscal quando ela é grande demais e o governo não sabe como resolver o problema. É a pior forma de ajuste e a mais perigosa. Normalmente, é usada por incompetentes. Funciona assim: todos os custos governamentais não indexados caem pela corrosão inflacionária, e a dívida pré-fixada diminui também. O governo deixa a inflação fazer o trabalho sujo. Esse caminho é a véspera do desastre maior, que é a escalada dos preços.

Quem não entende os erros que cometeu não os corrigirá. Veja-se a patética entrevista da presidente Dilma Roussef. Ela não consegue dizer em que errou. Terceiriza a culpa. Alega que seu erro foi não ter visto que a crise externa era mais grave e não ter notado que a seca era forte demais. Tergiversações.

O que se abateu sobre o país foi o peso dos erros do governo Dilma: pedaladas, nova matriz, gastos excessivos, leniência com inflação, manipulação de preços. O mundo teve pouco a ver com isso. Durante a campanha, todos os bons jornalistas que a entrevistaram falaram sobre a gravidade da crise, que ela fingia não ver. A seca foi forte, sim, mas o que elevou a tarifa da energia foi a administração da política do setor. Ex-ministra da área, suposta especialista, Dilma reduziu os preços em ato de preparação da campanha eleitoral quando a seca já havia começado. Administrou mal os leilões, e as distribuidoras ficaram expostas e tiveram que comprar no mercado livre. O incentivo na hora errada e a barbeiragem nos leilões de oferta alimentaram a bola de neve de prejuízos das empresas. Aí o governo fez outro absurdo: mandou as distribuidoras pegarem empréstimos bancários e cobrarem o custo do crédito e dos juros dos consumidores na conta de 2015. Isso produziu o tarifaço que explica parte do estouro da inflação. Mas Dilma quer fixar a ideia de que foi apenas a seca. Culpa do imponderável, e não dela.

Há erros factuais e ideológicos no número 10,67%. Ele é pior porque castiga o Brasil em plena recessão. Normalmente, a frieza de um ambiente recessivo até impede a alta dos preços, mas o governo Dilma conseguiu servir esses dois purgantes ao país: inflação acima de 10% e PIB caindo quase 4%. Os erros factuais são os dos equívocos das decisões diárias, os ideológicos são mais profundos e nascem do conjunto de crenças do PT.

O partido não participou do esforço do país para estabilizar a economia e tentou sabotá-lo porque jamais entendeu o valor da estabilização. Esse ideário é que produz os monstrengos que foram inflacionando a economia. Esse resultado pertence ao PT e é responsabilidade de Dilma Rousseff. Contudo, é sobre o país como um todo que pesa esse número do fracasso.

Ribamar Oliveira: Há 30 anos, primeiro plano heterodoxo atacava inflação

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Lançado no dia 28 de fevereiro de 1986, o Plano Cruzado foi uma surpresa para a população brasileira. Da noite para o dia, a inflação galopante acabou. Os preços de bens e serviços foram congelados e quem tentasse fazer remarcação dos produtos seria preso. Houve euforia nas ruas e os inesquecíveis "fiscais do Sarney" chegaram a fechar supermercados em nome do então presidente da República. Aquilo parecia um sonho! Como ninguém tinha pensado nisso antes?, perguntavam-se os brasileiros de todas as faixas sociais e, principalmente, os líderes dos partidos de oposição.

O ex-presidente José Sarney, que enfrentava greves e séria crise política, com os partidos de sua base de sustentação ameaçando abandoná-lo, tornou-se, com o Plano Cruzado, um líder popular a quem todos queriam apoiar. Sua popularidade alcançou 90% de aprovação, de acordo com pesquisas divulgadas à época. Com o Cruzado, as pessoas não precisavam mais correr aos supermercados assim que recebiam os seus salários para comprar mercadorias antes que subissem de preço. Havia funcionários que atuavam initerruptamente com as máquinas de remarcar preços. Na espiral inflacionária, se o consumidor demorasse um dia a mais para fazer suas compras, o seu salário real seria menor e ele compraria menos.

É uma realidade difícil de ser entendida pelas novas gerações. Em novembro de 1985, a inflação tinha sido de 15%, em janeiro de 1986, de 17,8% e, no mês em que foi lançado o Plano Cruzado, bateu em 22,4%. Note o leitor: essas taxas de inflação eram ao mês! O país estava caminhando a passos largos, portanto, para a hiperinflação. Com a ajuda de jovens economistas, entre eles João Sayad, Edmar Bacha, André Lara Resende e Pérsio Arida, o então ministro da Fazenda Dilson Funaro colocou em marcha um tipo novo de plano de estabilização.

Até então, o receituário para combater a inflação alta era um rígido controle monetário e fiscal, que resultava em recessão econômica e desemprego. O Cruzado foi o primeiro choque econômico heterodoxo no Brasil - ou seja, não seguia o roteiro ortodoxo. A população ficou encantada: por um passe de mágica, a inflação estava eliminada! O pressuposto do programa era que o Brasil tinha cultura inflacionária, que foi alimentada durante décadas por mecanismos de indexação. Todos queriam proteger suas rendas. Para isso, os salários e os preços de bens e serviços eram corrigidos periodicamente com base em índices de inflação. Assim, a indexação terminava perpetuando a inflação.

Era necessário desmontar os mecanismos de indexação para derrotar a inflação, argumentaram os jovens economistas que auxiliaram Funaro. Para isso, uma das medidas do programa foi o congelamento dos preços de bens e serviços pelo prazo de um ano. Os salários foram congelados pela média de seu valor dos últimos seis meses. O congelamento atingiu também a taxa de câmbio. Para simbolizar o fim da indexação, o governo acabou com a Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN), que deu lugar à OTN, sem correção monetária. No início, o governo concedeu abono ao salário mínimo, que significou aumento real de 16%, e abono aos servidores, que assim tiveram reajuste real de 8%. Essas medidas aumentaram o consumo, que já estava pressionado pelo ganho real dos trabalhadores provocado pelo fim da inflação.

O congelamento provocou desequilíbrio dos preços relativos da economia, pois muitos produtos foram pegos no momento em que acabavam de ter seus preços reajustados e outros ainda não tinham sofrido aumento. Além disso, o governo esqueceu de trazer a valor presente os preços de produtos vendidos a prazo. Por isso, alguns deles tiveram aumentos reais muito elevados. O desequilíbrio de preços paralisou a produção. Com o câmbio congelado, as reservas internacionais do país começaram a sumir. O governo Sarney também não conseguiu controlar os gastos públicos.

A forte elevação do consumo e a incapacidade dos empresários de aumentar a produção no curto prazo para atender à demanda levaram ao ágio, ao desabastecimento e a atitudes bizarras do governo, como a decisão de colocar a Polícia Federal para pegar bois no pasto e, desta forma, garantir carne para a população. Por razões eleitorais, os ajustes no Cruzado foram sendo adiados para depois da eleição daquele ano, em que o PMDB elegeu 22 governadores. Passado o pleito, os preços foram descongelados, as tarifas públicas reajustadas e alguns impostos elevados. Revoltada, a população partiu para o quebra-quebra. Após os ajustes no plano, a inflação voltou de forma ainda mais agressiva. Mas o conhecimento adquirido com o Cruzado e os demais planos heterodoxos permitiu a edição do Plano Real, que acabou com a hiperinflação.

Muitos anos depois, o país voltou a registrar, em 2015, inflação anual de dois dígitos. Uma situação que foi, em boa parte, provocada por mazelas, ainda que em menor grau, que levaram à hiperinflação do passado. Como o represamento de preços públicos, políticas fiscal e creditícia expansionistas e política monetária leniente. O desafio é impedir que a cultura inflacionária volte a fazer parte da vida do brasileiro.

Demétrio Magnoli: Prova de fogo

- Folha de S. Paulo

"O governo brasileiro confia que serão preservadas e respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional venezuelana e de seus membros." A nota do Itamaraty, precisa na linguagem e no tom, indica uma radical mudança de rumo do Brasil diante do regime chavista. É discutível se ela contribuirá para cercear a escalada autoritária de Caracas mas, certamente, oferece uma oportunidade histórica à esquerda brasileira. No passado, a esquerda europeia definiu sua natureza diante dos testes da URSS, da Hungria e da Tchecoslováquia. É esse o lugar que hoje ocupa a Venezuela, na América Latina.

"O Podemos tem que esclarecer de uma vez se defende a democracia na Venezuela", desafiou o jornal "El País" no 5 de janeiro. Há menos de três anos, Pablo Iglesias, que se tornaria o líder do novo partido de esquerda espanhol, celebrou o chavismo num ato convocado pela embaixada venezuelana em Madri. "Hugo Chávez era a democracia dos de baixo!", exclamou Iglesias um mês após a morte do caudilho. Mais tarde, confrontado com as urnas, ele trocou de registro, substituindo as referências à "revolução bolivariana" pelo elogio do modelo social-democrata dos países nórdicos, mas seu partido votou contra a resolução do Parlamento Europeu que pede a libertação dos presos políticos venezuelanos.

O Podemos não tem o direito de fingir que a história começa após a queda do Muro de Berlim –eis o sentido do repto do "El País". Na Europa, os partidos social-democratas completaram seu aprendizado democrático no entre-guerras, como fruto da experiência do stalinismo soviético. Depois, as invasões da Hungria (1956) e da Tchecoslováquia (1968) cindiram o movimento comunista, originando o eurocomunismo dos partidos italiano e espanhol, que declararam adesão ao princípio da democracia.

Na América Latina, por outro lado, a esquerda encontrou na Revolução Cubana um abrigo conveniente, isolando-se do debate de princípios que varria a Europa. Sob o teto de palha do castrismo, enfrentando regimes ditatoriais de direita, a esquerda latino-americana utilizou o antiamericanismo como um talismã capaz de silenciar os estrondos provenientes do Velho Mundo. Por aqui, magicamente, os intelectuais de esquerda conciliam a denúncia da ditadura de Pinochet com a apologia da ditadura de Castro. Mas a degradação autoritária da "revolução bolivariana" rompe o antigo encanto. Na hora do choque entre o regime chavista e a democracia representativa, as ruínas do século 20 amontoam-se diante de uma esquerda que teme olhar seu reflexo no espelho.

O presidente da Assembleia Nacional (AN) ordenou a remoção das imagens de Chávez que adornavam o plenário. A Venezuela testa o princípio da pluralidade: o conceito de que a nação não pertence a um movimento político. A maioria da AN empossou os três deputados ilegalmente impugnados por um tribunal servil à vontade do regime. A Venezuela testa o princípio da independência dos poderes: o conceito de que as prerrogativas do Executivo devem ser limitadas pelas instituições democráticas. A AN prepara-se para votar uma lei de anistia, libertando os oposicionistas encarcerados pelo regime. A Venezuela testa o princípio da liberdade política: o conceito de que a divergência de opinião é um direito sagrado dos cidadãos.

A prova de fogo ajudará a definir a natureza da esquerda brasileira. O PT nasceu da democracia, mas exibe uma alma dilacerada. De um lado, governou respeitando a Constituição e resistiu à tentação de buscar um terceiro mandato para Lula. De outro, acusa os críticos de representarem interesses estrangeiros, flerta com a censura e subordina as estatais aos interesses partidários. A nota do Itamaraty oferece ao partido a oportunidade de unificar intenção e gesto, jogando ao mar o lastro autoritário que o prende ao passado.

Ana Maria Machado: Olhos nos olhos

• Precisamos interromper o abandono da velha e boa conversa, substituída por agressões e ameaças. Não querer impor nossa visão

- O Globo

A “Pátria Educadora” apregoada nos slogans continua nos dando lições. E não apenas com oportunos lembretes sobre a herança greco-romana, neste momento em que historiadores protestam contra a alarmante notícia de que a nova Base Nacional Comum Curricular pretende abolir de vez o estudo da antiguidade ocidental, da Idade Média, do Renascimento e do Iluminismo, além de promover uma degola geral em outros temas. Para salvar um pouco da influência clássica, o Ministério Público e a Polícia Federal vão batizando suas ações de modo a nos lembrar alguns pontos dessa rica contribuição cultural.

A Operação Erga Omnes sublinhava que a lei se aplica a todos e ninguém a ela está imune, nem mesmo poderosos empreiteiros. A Operação Catilinárias trouxe à memória os discursos de Cícero contra o corrupto conspirador Catilina no Senado romano. Também em dezembro, com seu nome a se referir aos bem situados e bem postos em cargos estratégicos, a Operação Positus foi deflagrada para apurar fraudes e desvios de milhões do fundo de pensão dos Correios, o Postalis.

Mas nem só de latim vive a educação.

Entre as lições que recebemos nesta Pátria Educadora, uma das mais recentes e necessárias nos foi dada em dezembro pelos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, no STF, por ocasião do julgamento do rito do impeachment: pessoas consideradas de campos totalmente opostos podem estar de acordo, em assuntos fundamentais e da maior importância, com argumentos poderosos. Foi o que se viu nos votos dos dois na ocasião. Por mais surpreendente que pudesse parecer. Quem não concordava com a opinião deles nesse momento, como a maioria dos juízes que seguiu o voto do ministro Barroso, podia se basear também em um raciocínio igualmente lógico, convincente, bem fundamentado e respeitável.

Ou seja, ninguém é dono da verdade. Conversar com amigos (ou mesmo desconhecidos) pode nos mostrar outro ângulo da questão. Não precisamos de um Fla-Flu simplório e redutor, repetindo posições previsíveis, frases feitas e xingamentos, como o que nos últimos tempos parece dominar qualquer possibilidade de troca de ideias e entendimento de outros pontos de vista, diferentes dos nossos.

Esse fenômeno não é novo. O “nós contra eles” se acentua a cada campanha eleitoral, insuflado pela estratégia marqueteira de transformar adversário em inimigo. Piora muito com o uso de redes sociais em reações exacerbadas e imediatas, muitas vezes manipuladas. Piora mais ainda quando políticos se esquecem de que poderiam, ao menos, pensar no país em primeiro lugar e ter como meta alguma imagem de estadista — mesmo como simples modelo remoto.

Precisamos interromper esse abandono da velha e boa conversa, agora substituída por agressões e ameaças. Não querer impor nossa visão. Ouvir os argumentos alheios. E, se não nos convencem, argumentar de volta, em vez de desqualificar o outro. Mais razão e menos paixão.

Sabemos que, ao se eleger por pequena diferença, a presidente não fez o gesto de estender a mão aos adversários. Mas também o adversário, que elegantemente soube reconhecer a derrota e cumprimentar a vencedora, em pouco tempo estava mudando, em busca de atalhos fáceis (como sugestões de recontagem de votos e alianças diabólicas em busca de impeachment). Foi uma pena não ter se mantido fiel a sua promessa inicial após a eleição — a ideia de que a oposição iria constituir um shadow cabinet e que esses especialistas, ministros na sombra, produziriam um projeto alternativo para o país, enquanto não chegasse sua hora de ocupar o poder. Teria sido útil.

Quem acabou propondo possíveis saídas, com “Uma ponte para o futuro”, foi o PMDB, da base aliada. Sua Excelência, o Fato, traz a lógica ao debate. E algumas reformas estruturais inevitáveis, como idade mínima para a aposentadoria, o fim de privilégios inaceitáveis na área de pensões e flexibilização de regras trabalhistas vão aos poucos sendo ventiladas pelo próprio governo — que chega a admitir erros, pela boca do ministro da Casa Civil. Agora até mesmo a presidente reconheceu que não soube avaliar as consequências de sua política econômica. Antes tarde do que nunca.

Pode-se, por exemplo, debater o parlamentarismo, tema levantado logo no início da crise por Eduardo Jorge, do PV, e, em seguida, mantido em foco por políticos de um espectro variado, de José Serra a Roberto Freire, passando por formas híbridas de semipresidencialismo e semiparlamentarismo, lembradas por outros. Não para mudar as regras no meio do jogo e reduzir os poderes de alguém eleito segundo outro modelo. Mas para o futuro, a fim de que o assunto deixe de ser tabu ou remédio mágico, lembrado apenas quando se evidencia que o sistema de pesos e contrapesos não está funcionando a contento e faz falta a garantia constitucional de uma função moderadora.

E no plano pessoal, em vez de hostilidade e ameaça de olho por olho, ainda é bom ouvir Chico: “Olhos nos olhos quero ver o que você diz”.
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Ana Maria Machado é escritora

Inflação de erros e desmandos – Editorial / O Estado de S. Paulo

A inflação de 10,67% foi uma das grandes marcas da presidente Dilma Rousseff no primeiro ano de seu segundo mandato, continuação perfeita dos muitos erros e desmandos cometidos entre 2011 e 2014. O primeiro a pagar o vexame, oficialmente, será o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini. Ele terá de explicar ao ministro da Fazenda, em carta aberta, por que o aumento de preços ficou acima do limite de tolerância, de 6,5%. Essa carta é parte do ritual criado com o regime de metas, inaugurado no Brasil em 1999. Se estiver disposto a carregar a culpa, Tombini poderá cobrir a cabeça com cinzas, bater no peito e ajoelhar no milho, mas terá alguma dificuldade para explicar a falha. A taxa básica de juros, a Selic, subiu de 11,25% no começo do ano para 14,25% em setembro e aí continua. O Comitê de Política Monetária (Copom) deveria ter apertado mais o crédito, elevando os juros mais rapidamente e para níveis mais altos e, talvez, impondo aos bancos maiores depósitos compulsórios?

Se a carta for tão franca, no entanto, quanto têm sido as últimas atas de reuniões do Copom, as explicações assinadas pelo presidente do BC apontarão a presidente Dilma Rousseff e seus assessores, pelo menos os mais influentes, como os principais culpados pelo desastre da inflação. Esse desastre começou na primeira metade do mandato anterior, manifestou-se plenamente em 2015 e ainda afetará a vida dos brasileiros, talvez de modo menos espetacular, neste ano.

A inflação de 10,67%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi a maior em 13 anos, desde a turbulenta campanha eleitoral de 2002, quando a taxa oficial atingiu 12,53%. Além disso, pela primeira vez depois de 2004, o resultado final, no ano gregoriano, ficou acima do limite de tolerância. Mas desde 2010 a taxa anual tem sido bem superior à meta de 4,5%, já muito alta pelos padrões internacionais. A própria meta, somada à margem de dois pontos, já denota uma perigosa tolerância à inflação. Tudo se passou, desde 2010 e mais claramente a partir de 2011, início do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, como se a meta oficial de 4,5% nunca fosse o alvo real da política econômica.

O primeiro grande erro desse mandato, cometido em 2011, foi a redução voluntarista da taxa básica. O Copom seguiu a preferência da presidente Dilma Rousseff, manteve essa política durante quase dois anos e só mudou de rumo quando a política monetária já estava desmoralizada e ninguém levava a sério os diretores do BC. Nesse ano a inflação bateu em 5,91% e no ano seguinte chegaria a 6,41%.

A irresponsável contenção dos juros, encerrada em 2013, foi apenas um dos episódios de voluntarismo – e desse os dirigentes do BC participaram. Outros episódios, como os de contenção política de preços e tarifas, criaram pressões acumuladas durante anos.

Em 2015, os preços administrados subiram 18,06%, puxados principalmente pelas tarifas de eletricidade, com alta de 51%. O intervencionismo irresponsável produziu mais que bombas inflacionárias de efeito retardado. Esse tipo de política impôs perdas enormes à Petrobrás, com o controle de preços dos combustíveis, custou bilhões ao Tesouro, em socorro às empresas de eletricidade, e desarranjou a economia do setor elétrico. Em 2016, os administrados ainda subirão pelo menos 7,5%, segundo projeção do mercado, por efeito da indexação e por necessidade de ajuste das empresas.

Mas o grande espetáculo da irresponsabilidade foi a devastação das contas públicas. O desarranjo fiscal continua sendo o principal combustível da inflação, como têm apontado os dirigentes do BC. Os desmandos na área fiscal impulsionaram a inflação diretamente, pelo excesso de demanda, e indiretamente, gerando insegurança e tornando o País vulnerável a pressões cambiais. A alta do dólar em 2015, de cerca de 50%, foi um importante fator de alta de preços. Tudo isso é conhecido. Mas quem deve explicações, pela lei, é o presidente do BC. Que juros teriam sido suficientes para compensar os erros e abusos do governo?

Colapso industrial – Editorial / Folha de S. Paulo

Após anos de retração, acentuada no ano passado, a produção manufatureira no Brasil caiu aos níveis de 2004. Um colapso que, de forma dramática para o país, evidencia o fracasso da política industrial dos governos petistas, nos últimos tempos fundada sobretudo no intervencionismo aventureiro e na ausência de estratégia coerente.

Como se o desastre geral já não bastasse para atestar a falência do modelo defendido pelo PT, a deterioração foi particularmente acentuada entre alguns dos setores mais protegidos e incentivados pelo governo, como o de máquinas e equipamentos e o automotivo.

De bilionários subsídios a financiamentos de bancos públicos, de políticas de conteúdo nacional a barreiras para importação, de aumento de tarifas a controle de preços de insumos, tentou-se de tudo.

Tudo de uma cartilha anacrônica, talvez conveniente para empresários ávidos por benesses e um mercado cativo, mas alheia aos grandes vetores de dinamismo no mundo moderno: a economia do conhecimento e da integração produtiva em bases globais.

Nada funcionou, naturalmente, em uma dinâmica bem exemplificada pelo setor automobilístico.

Em 2009, como resposta à crise financeira global, o governo Lula (PT) cortou impostos a fim de impulsionar a demanda. Os incentivos se prolongaram até 2014, embora com efeitos cada vez menores.

A produção respondeu e atingiu o pico de 3,7 milhões de unidades em 2013. Projetando vendas de 5 milhões adiante, as montadoras expandiram sua capacidade.

O mercado interno, todavia, já dava sinais de exaustão, e as fábricas perdiam competitividade. Em 2012, procurando contornar esse cenário, o governo aumentou as exigências de conteúdo nacional, na prática restringindo ainda mais o espaço para veículos importados.

Disso resultou uma indústria pouco inovadora, com produtos de qualidade inferior direcionados para um mercado protegido. Dito de outra forma, o setor se manteve dependente de uma demanda interna que, ainda pior, vinha se sustentando artificialmente.

Não espanta, portanto, o tamanho do ajuste forçado pela crise. As vendas caíram 26,6% em 2015, recuando para 2,6 milhões de unidades, pior nível desde 2008; cortaram-se 14,7 mil empregos, cerca de 10% do total.

Sem alternativa, as empresas são levadas a buscar novos caminhos, e o mercado externo se oferece como opção óbvia –especialmente diante da desvalorização do real.

A reorientação não deixa de ser um sinal auspicioso; o Brasil terá a ganhar se o governo começar a abrir progressivamente o mercado e celebrar acordos de comércio com mais países. Somente uma indústria competitiva e integrada ao restante do mundo pode sobreviver com as próprias pernas.

Dilma entre o PT e a realidade do país e do governo – Editorial / O Globo

• Enquanto a crise política espera o fim do recesso do Judiciário, governo parece se render à necessidade de um efetivo ajuste fiscal. A ver

Devido ao recesso do Judiciário, a crise política deu uma trégua, porque a evolução em duas de suas frentes — o pedido de impeachment da presidente da República e o futuro do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) — depende de decisões do Supremo. No primeiro caso, esclarecimentos precisarão ser dados pela Corte, com a impetração de embargos de declaração pela Câmara, sobre o rito do impedimento definido na última sessão plenária de 2015; no segundo, está à espera do ministro Teori Zavascki, na sua volta do recesso, pedido da Procuradoria-Geral da República para o afastamento de Cunha da Mesa da Câmara, usada por ele para se defender de investigações. O assunto irá ao plenário do STF.

Fatos se sucedem é no campo da economia, depois da troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa, na Fazenda, com reflexos no relacionamento, nunca tranquilo nos últimos tempos, entre a presidente, de um lado, e, de outro, PT e Lula.

Feita a troca, o PT, em nota, propôs a tal “virada à esquerda”. Dobrar a aposta na mesma política do “novo marco”, a causa da crise — portanto, um suicídio. Barbosa, ao ser ungido ministro da Fazenda, defendeu a reforma da Previdência e atraiu críticas petistas. Dilma referendou o auxiliar, ao reafirmar a decisão sensata de propor a reforma, em café da manhã, quinta-feira, com jornalistas.

Mesmo que seja uma conversão tardia à racionalidade, ela tem importância. Espera-se que a presidente haja compreendido que o PT procura manter a militância mobilizada devido às eleições deste ano. É consenso no partido, ou em seus segmentos mais realistas, que as eleições municipais devem expressar em votos a rejeição à legenda. E o mesmo deve acontecer em 2018.

A alternativa que a cúpula do partido encontra é a radicalização, uma espécie de toque de reunir a tropa. Mas não se governa um país desta forma. Ao contrário, se Dilma seguir o receituário lulopetista, pode até avivar a campanha do impeachment, pelo agravamento da crise econômica que provocará.

Ainda terá de ser contada a história desse reconhecimento da presidente de que precisa enfrentar os desequilíbrios fiscais. Reformar a Previdência pela fixação de uma idade mínima para a concessão da aposentadoria ataca um dos mais importantes focos estruturais desses desequilíbrios. Há meses, seria impensável ouvir da presidente o reconhecimento de que o brasileiro se aposenta muito cedo (55 anos, em média).

Dilma continua dissimulada sobre o que aconteceu em 2014. Já era previsível, durante a campanha, que, ganhasse ela ou não, 2015 seria um período de grave crise. Nem se pode responsabilizar problemas internacionais e, de forma risível, a seca pela quebra do Tesouro.

Porém, afastar o suicídio da “virada à esquerda” e defender a melhor das reformas da Previdência são importantes mudanças, capazes de gerar reverberações políticas e partidárias. Se são para valer, veremos.

Governo vê fim de 'calmaria' com menções de investigados a Wagner

Marina Dias, Daniela Lima, Gustavo Uribe e Catia Seabra – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Planalto e oposição avaliam que a série de citações ao ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, colocou o coração do governo mais uma vez como protagonista do escândalo de corrupção na Petrobras.

Os dois polos também concordam que as notícias envolvendo o petista interrompem um período de "calmaria" no Executivo e contaminam a tentativa da presidente Dilma Rousseff de engatar uma agenda positiva antes da retomada do debate sobre o impeachment.

Outro temor é que o partido perca uma alternativa para a disputa presidencial de 2018. Wagner é apontado como plano B se o ex-presidente Lula não concorrer.

Dilma está preocupada com o que tem chamado de "tiroteio seletivo" contra o ministro, mas tem dito que as notícias não abalam a relação entre os dois nem criam risco à sua permanência no cargo. Segundo aliados, Dilma ressalta que, até agora, não há indício de que Wagner tenha obtido vantagem pessoal.

Delator da Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró disse que o ministro recebeu recursos desviados da Petrobras para sua campanha ao governo da Bahia, em 2006. A informação foi revelada pelo jornal "Valor Econômico".

Cerveró disse que o aporte a Wagner foi dirigido pelo então presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, que havia decidido transferir para a Bahia o setor financeiro da estatal. Para isso, OAS e Odebrecht foram contratadas para construir um prédio em Salvador.

Wagner apareceu ainda em em diálogos com o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, um dos alvos da investigação.

Conversas obtidas no telefone do empreiteiro mostram que, às vésperas da eleição de 2014, Wagner prometeu interceder pela liberação de recursos federais para a empresa. Ele também é citado por executivos da OAS como interlocutor com o governo.

Blindagem
Nesta sexta-feira (8), dirigentes do PT e integrantes do governo se dedicaram à blindagem do ministro.

Secretário de Organização do PT, Florisvaldo Souza disse estar "vendo novos vazamentos seletivos e novos espetáculos", mencionando políticos de oposição. Também da Executiva petista, o deputado Paulo Teixeira (SP) disse que as acusações são "infundadas" e "fofocas de ouvir falar".

Líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE) afirmou que o caso exige que o Congresso "acompanhe com lupa as investigações e se pronuncie sobre o assunto tão logo retome suas atividades".

Nos bastidores, a oposição avaliou ainda que a menção a Wagner joga novamente os holofotes sobre a Casa Civil, pasta que já foi "palco de muitas crises" nos governos do PT –referência a personagens como José Dirceu, Erenice Guerra e Antonio Palocci, todos afastados do ministério em meio à acusações.

A ala do PMDB mais próxima ao vice-presidente, Michel Temer, reagiu com cautela às menções ao ministro. Pessoas ligadas ao peemedebista dizem que o caso só explicita "o grau de imprevisibilidade" no ambiente político.

Outro lado
O ministro Casa Civil, Jaques Wagner (Casa Civil), reagiu nesta sexta (8) ao trecho trazido a público da delação premiada de Nestor Cerveró que menciona seu nome.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o petista chamou de "ilação" a acusação do ex-diretor da Petrobras.

O ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli se disse despreocupado. "Estou no Pelourinho, vivendo as energias dos orixás baianos".

Para TCU, obra da OAS com Wagner foi superfaturada

• Tribunal de Contas da União aponta irregularidades no contrato citado em mensagem do empreiteiro Léo Pinheiro e o então governador da Bahia e atual ministro da Casa Civil; segundo auditores, o preço final foi inflado em pelo menos R$ 9 milhões

André Borges - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou uma série de irregularidades, em especial superfaturamento, no contrato de obras que levou o empreiteiro da OAS Léo Pinheiro a pedir que o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, atuasse no Ministério dos Transportes para liberar um valor adicional de R$ 41,76 milhões para uma obra em Salvador quando ele governava o Estado.

O projeto, que envolveu a construção de 14 viadutos e de uma via expressa de 4 km de extensão até o porto de Salvador, passou pelo pente-fino de diversas auditorias e monitoramentos realizados pela corte de contas desde a sua licitação, em 2008, quando Jaques Wagner ainda era governador da Bahia.

O pedido de ajuda de Pinheiro foi revelado anteontem, pelo Estado. Nele, Léo Pinheiro solicita a Wagner que procure o então ministro dos Transportes, Paulo Passos, para liberar um valor de R$ 41,760 milhões ligado a esse contrato.

Ao se debruçar sobre o contrato de R$ 399,705 milhões firmado entre a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a OAS, o tribunal identificou um volume de pedidos materiais muito acima daqueles previstos no projeto básico do empreendimento. Apenas com a inclusão de novos serviços no contrato, segundo os auditores, o preço da obra foi inflado em pelo menos R$ 9,368 milhões.

As alterações no escopo original do projeto também foram acompanhadas pelo aumento de preços. Foi o que os auditores encontraram, por exemplo, ao analisar a compra de vigas metálicas usadas na obra. O preço cobrado pela empreiteira para este item foi de R$ 7,13 por quilo, quando o orçamento original feito pela Conder com a Gerdau Aço Minas indicava valor de R$ 3,62 o quilo. "A comparação do valor considerado pela OAS no termo aditivo com o preço informado pela Gerdau indica uma significativa diferença de 96,96% para elementos na mesma data base", aponta o TCU, que estimou uma diferença de R$ 3,926 milhões somente em relação ao serviço de fabricação desse material.

Depois de realizar uma série de reuniões com representantes da Conder, da OAS e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que era o principal agente financeiro do projeto, o TCU concluiu que diversas irregularidades não foram explicadas.

Em 2010, o diretor de operações da Conder, Armindo Gonzales Miranda, reconheceu que houve irregularidades na quantidade de itens incluídos na obra, mas culpou o "curto espaço de tempo" que o órgão baiano teve para informar o Dnit sobre as necessidades do projeto. A pressa, justificou Miranda, teria ocasionado os erros. O TCU verificou, no entanto, que a Conder teve quatro meses para apresentar seus estudos em 2007, prazo que depois foi estendido em mais seis meses. Armindo Gonzales Miranda teve seus argumentos rejeitados e foi multado em R$ 3 mil.
Ligado ao Ministério dos Transportes, o Dnit era o principal financiador do projeto, responsável pelo aporte de R$ 339,3 milhões, entre contratações de obras civis, despesas com desapropriações e construção de passarelas.

Defesa. O Ministério dos Transportes, a Conder e o Dnit não se manifestaram sobre o assunto, nem confirmam se os valores devidos do projeto foram efetivamente pagos à empreiteira. A OAS também não havia se pronunciou até a noite de ontem. Também procurado pelo Estado, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, não havia respondido à reportagem até a conclusão desta edição. Em nota emitida anteontem, ele negou irregularidades.

Cerveró revela propina para eleição de Jaques Wagner em 2006

• Ex-diretor da Petrobrás revelou à Procuradoria-Geral da República repasse de 'um grande aporte de recursos' para a campanha do petista - atual ministro-chefe da Casa Civil - ao governo da Bahia; documento com declarações do delator foi apreendido no gabinete do senador Delcídio Amaral

Por Ricardo Brandt, Fausto Macedo e Julia Affonso – O Estado de S. Paulo

Documento apreendido no gabinete do senador Delcídio Amaral (PT/MS), ex-líder do governo no Senado, atribui ao ex-diretor da área Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró a revelação de que o ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma, Jaques Wagner (PT), recebeu ‘um grande aporte de recursos’ para sua campanha ao governo da Bahia em 2006. Segundo Cerveró, o dinheiro teria sido desviado da Petrobrás e ‘dirigido’ pelo então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli.

Jaques Wagner foi eleito governador baiano naquele ano e reeleito em 2010. Em outubro de 2015, ele assumiu a chefia da Casa Civil de Dilma, deixando o Ministério da Defesa.

O documento é um resumo das informações que Cerveró prestou à Procuradoria-Geral da República antes de fechar seu acordo de delação premiada. Segundo o jornal Valor Econômico, os papeis foram apreendidos no dia 25 de novembro, quando Delcídio foi preso sob acusação de tramar contra a Operação Lava Jato. O senador, que continua detido em Brasília, temia a delação de Cerveró.

Os investigadores querem saber como o petista teve acesso ao conteúdo da colaboração do ex-diretor da Petrobrás. Em sua delação, Cerveró falou de Delcídio e também do ministro da Casa Civil.

“Na campanha para o governo do Estado da Bahia, em 2006, houve um grande aporte de recursos para o candidato do PT, Jaques Wagner, dirigida por Gabrielli. Nessa época, o presidente Gabrielli decidiu realocar a parte operacional da parte financeira para Salvador, sem haver nenhuma justificativa, pois havia espaço para referida área no Rio de Janeiro”, informou o ex-diretor. “Para tanto, foi construído um grande prédio em Salvador, onde atualmente é o setor financeiro da Petrobrás.”

Ouvido pela reportagem do Estadão, o ex-presidente da Petrobrás afirmou categoricamente. “Nunca soube de utilização de recursos ilegais dos fornecedores da Petrobrás para a campanha do governador Jaques Wagner em 2006 ou em 2010.”

Cerveró relatou como teve ‘conhecimento do fato’. Segundo ele, ‘tal fato era de conhecimento notório de todos os diretores da Petrobrás. O ex-diretor disse que não sabe qual foi a empreiteira que construiu o prédio da estatal, ‘sendo que muito provavelmente foi essa construtora que fez a doação para a campanha de Jaques Wagner’.

“As informações sobre o dinheiro enviado para a campanha de Jaques Wagner em 2006 foram da Ouvidoria Geral Maria Augusta (falecida) e de Armando Tripodi (Bacalhau – Sindicato dos Petroleiros da Bahia) que foi chefe de gabinete de Gabrielli e do qual me tornei amigo. Durante 6 anos”.

Maria Augusta Carneiro Ribeiro morreu em 2009 após um acidente de carro no Rio.
O ex-diretor citou ainda outros nomes em sua delação. “Inclusive a mulher dele Gilze foi nomeada e ficou 3 anos como ouvidora da BR Distribuidora. Grande quantidade de recursos veio das operações de trading que Gabrielli e Dutra controlavam juntos com Manso. Além disso, foi construído o prédio para a área financeira da Petrobrás onde também houve propina para eleição.”

As assessorias de Jaques Wagner e da Petrobrás ainda não retornaram ao contato da reportagem.

Com a palavra, José Sérgio Gabrielli
“Repudio, mais uma vez, o método utilizado para obtenção e o conteúdo das acusações levantadas através de vazamentos seletivos de delações premiadas.

Em primeiro lugar, o trecho citado no vazamento da delação, de posse do jornal e sem que eu tenha tido acesso a ela, fala de pessoas já falecidas, como a ex- Ouvidora Geral da Petrobrás e do meu ex- Chefe de Gabinete, que nega a informação veiculada. É o disse que me disse de alguém, que ouviu falar, que outrem teria feito tal coisa. Nada indica um conhecimento direto sobre a falsa denúncia, seja por parte do delator, seja por parte do jornalista. Nem há uma acusação explícita, até pelo próprio delator, segundo a parte do material a que o jornal se refere, sobre minha participação direta nos pretensos fatos delatados.

Nunca soube de utilização de recursos ilegais dos fornecedores da Petrobrás para a campanha do governador Jaques Wagner em 2006 ou em 2010.

Não vejo nenhuma consistência na informação de que “operações de trading” seriam de competência da Presidência da Petrobrás. Nunca foram e não são. Desta forma, a pretensa origem dos recursos é absolutamente falsa.

Mais ainda incoerente é seu parágrafo seguinte, sobre a realocação de parte das atividades financeiras e de tributos da Petrobrás para Salvador. Além de ter sido uma operação que reduziu custos da empresa, consolidando suas atividades de pagamentos e de acompanhamento tributário, o Cofip (Centro de Operações da Área Financeira), órgão responsável por estas atividades, inicia suas operações em julho de 2008, portanto dois anos depois das eleições de 2006.
Segundo informativos da imprensa da época:

“A escolha da capital baiana como sede do Cofip também foi resultante de um grande processo de avaliação qualitativa e quantitativa, que começou em 2007, envolvendo diversas pesquisas. Foram analisados os grandes centros brasileiros onde a Companhia tem escritórios da Área Financeira, sendo examinados itens como custo e qualidade de vida, oferta de serviços de educação e saúde e até a disponibilidade de imóveis. A escolha do local buscou, simultaneamente à otimização de custo da empresa, reduzir também o custo de vida dos empregados, mantendo ou melhorando sua qualidade de vida”. (http://www.dci.com.br/financas/petrobras-cria-cofip-para-gerenciar-atividades-financeiras-da-empresa-id163895.html)

Completando a informação solicitada:
As reformas do prédio do Cofip foram realizadas pela empresa Civil, que era a proprietária do mesmo, sem que tenha havido qualquer irregularidade do meu conhecimento.
Há uma grande confusão com outro prédio, relacionada à construção da sede da Petrobrás em Salvador, em outro local e em datas completamente diferentes e que deve ter sido inaugurada em 2014 ou 2015. Estou fora da empresa deste fevereiro de 2012.”

Com  a palavra, o ministro Jaques Wagner
“Ministro Jaques Wagner está à disposição do Ministério Público e das autoridades competentes. Ele confia no resultado das investigações. Acredita que o Brasil será um outro país após a apuração das denúncias. Ele não vai comentar o depoimento pois não conhece seus termos na íntegra e dentro do seu real contexto.”

Planalto vê vazamento seletivo em citações

Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

Assessores com acesso direto à presidente Dilma Rousseff asseguram que as citações ao ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, não abalaram sua credibilidade no governo. A própria presidente, que está no Rio Grande do Sul com a família por causa do nascimento do segundo neto, não teria se abalado com o noticiário envolvendo Wagner, conforme auxiliares. A avaliação é de que é normal que governadores procurem "quem for preciso" para garantir o pagamento e a continuidade de obras. "Não vejo irregularidade", disse um interlocutor de Dilma. "Isso não significa que houve obtenção de qualquer tipo de vantagem pessoal."

Em mensagens obtidas pela Operação Lava Jato com a apreensão do celular do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, Wagner fala sobre a liberação de recursos do governo federal. Os diálogos, segundo as investigações, também indicam que o atual ministro intermediou negociações para o financiamento de campanhas eleitorais em Salvador, em 2012, no período em que estava à frente do governo da Bahia (2007-2014). O diálogo foi considerado "grave" por investigadores.

Mas nem a presidente nem assessores palacianos mostraram preocupação com as suspeitas e insistiram com a tese de que há um vazamento intencional e seletivo.

O Planalto também procura transmitir serenidade em relação ao presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine, suspeito de envolvimento em esquema ilícito de compra de debêntures (títulos da dívida) da OAS quando comandava o Banco do Brasil. No governo a avaliação é de que não há indícios de que Bendine tenha cometido qualquer irregularidade. Assessores palacianos lembraram que o presidente do BB não toma decisões monocráticas e que elas passam colegiado; além disso, dizem, a emissão das debêntures não ocorreu.

O governo classifica o atual momento como de "troca de tiros" e dá como exemplo as informações do ministro Edinho Silva, da Comunicação Social, em busca de recursos para campanha. "Ora, ele era tesoureiro de campanha. Onde ele iria buscar recursos se não com empresários?", questionou um interlocutor de Dilma.

Acusações a Wagner preocupam o Planalto

• Cerveró delatou desvio de recursos para campanha ao governo da Bahia

Júnia Gama, Renato Onofre - O Globo

Causaram constrangimento no Palácio do Planalto os vazamentos, no âmbito da Operação Lava-Jato, que atingiram o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner. Há uma avaliação no governo que, do ponto de vista investigativo, o que foi divulgado até o momento é insuficiente para sustentar a abertura de um inquérito contra o ministro. No entanto, há preocupação com a repercussão política dos vazamentos no momento em que o Planalto acredita estar retomando o protagonismo e saindo de um estado de crise permanente.

Para interlocutores do governo, os vazamentos contra Wagner têm maior potencial de dano que os contra o ministro da Comunicação, Edinho Silva. Isso porque Wagner, junto à presidente Dilma Rousseff, capitaneia o novo momento do governo, com o esfriamento do processo de impeachment e da temperatura política, graças, em parte, ao recesso do Legislativo.

Na quinta-feira, foram divulgadas mensagens de texto mostrando que Wagner prometeu, em 2014, ao empreiteiro Léo Pinheiro, ligar para o então ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, para ajudar na liberação de recursos de um convênio. Em outras mensagens, Pinheiro trata com executivos da OAS sobre pedidos de doações de Wagner para a campanha eleitoral à prefeitura de Salvador.

Já o ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró afirmou em delação que recursos desviados da Petrobras podem ter abastecido o caixa da campanha de Wagner ao governo da Bahia, em 2006. As doações teriam saído de contratos da construção de um prédio da estatal em Salvador.

Cerveró disse aos investigadores que os pagamentos eram “de conhecimento notório de todos os diretores da Petrobras”, e que o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, teria direcionado as doações à campanha. Após sair da estatal, em 2012, Gabrielli assumiu uma secretaria no governo de Wagner.

“Na campanha para o governo do estado da Bahia, em 2006, houve um grande aporte de recursos para o candidato do PT, Jaques Wagner, dirigida por Gabrielli. Nessa época, o presidente Gabrielli decidiu realocar a parte operacional da parte financeira em Salvador, sem nenhuma justificativa, pois havia espaço para referida área no Rio de Janeiro”, disse o ex-diretor.

Os documentos com o depoimento de Cerveró foram publicados ontem no jornal “Valor Econômico” e obtidos pelo GLOBO. A informação sobre o suposto pagamento de propina para a campanha de Wagner não virou um dos 28 anexos da delação porque Cerveró disse à Procuradoria-Geral da República que não tinha como provar, já que ouviu a história de duas pessoas ligadas a Gabrielli: a ouvidora geral da Petrobras, Maria Augusta, falecida em 2006, e Armando Tripodi, dirigente do Sindicato dos Petroleiros da Bahia.

Em nota, Gabrielli repudiou o “vazamento seletivo de delações premiadas” e afirmou que o testemunho de Cerveró está baseado em coisas que ele “ouviu falar”. De acordo com ele, “não há uma acusação explícita, até pelo próprio delator” sobre sua participação direta “nos pretensos fatos delatados”. O ex-presidente da Petrobras disse ainda que nunca soube de uso de recursos ilegais para a campanha petista na Bahia. Wagner não comentou as declarações de Cerveró por não conhecê-las na íntegra.

Mensagens indicam ajuda do petista a aliado político

• Diálogo interceptado entre suposto número do fundador da OAS e outro desconhecido sugere negociação de doações

Daniel Carvalho, Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Uma troca de mensagem telefônica entre um número supostamente pertencente ao fundador da OAS, César Mata Pires Filho, e um outro número desconhecido cita, um mês antes das eleições de 2014, o então governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), e sugere que o hoje ministro da Casa Civil negociou doações para Marcelo Nilo (PDT), presidente da Assembleia Legislativa da Bahia.

Nas mensagens são utilizadas siglas. Segundo os investigadores da Operação Lava Jato, "JW" é Jaques Wagner e "MN" é Marcelo Nilo. "Como é oficial. Estive com Ele (JW) agora me disse q poderia tirar 200 e passar pra mim. Pode confirmar com se for necessário abs MN12333 (Marcelo Nilo). Check com Kaka se é isso mesmo?", diz a mensagem encaminhada pelo número atribuído ao fundador da empreiteira na noite de 8 de setembro de 2014.

MN são as iniciais de Marcelo Nilo e 1233 é o número do então candidato na urna. "Destaque para a mensagem em que o solicitante lembra que no caso 'é oficial'", salienta a Polícia Federal no documento encaminhado à Procuradoria-Geral.

Na prestação de contas de Nilo há várias doações indiretas da OAS. A empreiteira doou R$ 100 mil via "Comitê Financeiro Único" e R$ 5.254,94 em outras 15 doações via Rui Costa (PT), aliado de Wagner e eleito governador da Bahia naquele ano.

Em 7 de agosto de 2014, do telefone atribuído pela investigação a Marcelo Nilo segue a seguinte mensagem para o empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, condenado a 16 anos de prisão por envolvimento no esquema de corrupção na Petrobrás: "O Varjao ta muito tímido Veja o q pode fazer MN 1233 (Meu número da eleicao)".

Varjão é Elmar Varjão, executivo que assumiu a presidência da OAS após a prisão de Pinheiro. Varjão ficou preso por três dias em dezembro passado por causa da Operação Vidas Secas, que investiga a suspeita de superfaturamento e desvio de R$ 200 milhões em dois lotes das obras da Transposição do Rio São Francisco, entre Pernambuco e Alagoas.

Treze dias depois, um número não identificado pelos investigadores envia uma mensagem assinada pelas iniciais e pelo número da urna de Marcelo Nilo a outro número não identificado: "Eu sei amigo. Vc sempre foi muito legal e correto. So estou pedindo pela amizade q fizemos. Campanha perdeu o controle e o gosto pois ficou muito cara Te agradeço MN1233".

Após inflação de 2 dígitos, economistas preveem novo estouro do teto em 2016

Bruno Villas Bôas, Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

RIO, BRASÍLIA - Sob pressão de preços administrados pelo governo (como energia elétrica e gasolina) e dos alimentos, ainflação foi de 10,67% em 2015, bem acima do teto da meta do governo, de 6,5% no ano.

Foi a maior escalada do IPCA, índice oficial do país, desde 2002 (12,53%), ano em que o PT venceu sua primeira eleição presidencial, gerando incertezas no mercado e alta do câmbio.

Com o IPCA acima do teto da meta, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, teve que publicar uma carta aberta ao ministro Nelson Barbosa (Fazenda) explicando por que falhou.

No texto, O BC voltou a sinalizar que pode voltar a subir a taxa de juros caso o IPCA apresente risco de estourar o teto da meta em 2016, como já é previsto por analistas.

Segundo a Folha apurou, o Banco Central buscou mostrar que, diante de pressões de dentro e de fora do governo, o momento não é de queda dos juros e pode, inclusive, exigir uma retomada da alta da taxa Selic, hoje de 14,25% ao ano.

A carta não deixa claro, porém, se um aumento dos juros pode ocorrer na próxima reunião do Copom, nos dias 19 e 20 de janeiro.

No mercado, a expectativa criada pelo próprio BC era que a instituição poderia elevar os juros em 0,50 ponto.

Causa do estouro
O documentos responsabiliza o "realinhamento dos preços administrados" e "dos preços domésticos em relação aos internacionais", por causa da desvalorização do real, pelo estouro da meta.

O texto também responsabiliza a política fiscal do governo, que prometeu, no início do ano, fazer um superavit primário de 1,1% do PIB e deve ter encerrado 2015 com um deficit de quase 2%.

Os preços estabelecidos pelo governo subiram 18,08% e responderam por 4,2 pontos percentuais do IPCA. São itens como energia (51%), gasolina (20,1%) e ônibus (15,09%), represados no ano eleitoral de 2014.

Como estão na base de custos da economia, geraram uma espiral inflacionária que afetou preços de serviços desde cabeleireiros (9,20%) a creches (15,77), por exemplo.

Os alimentos e bebidas também tiveram forte alta (12,03%). O câmbio também pesou, ao encarecer produtos cotados em dólar, como o trigo.

Futuro
Segundo economistas, a inflação deve superar também neste ano o teto da meta. É o que prevê LCA (7,1%), banco Fator (7,32%) e as consultorias Rosenberg (8%) e Tendências (7,05%). O Bradesco projeta 6,5%.

Entre os motivos apontados estão um possível aumento da Cide (tributo que incide sobre os combustíveis) de R$ 0,10 para R$ 0,25 por litro.

Em nota divulgada logo após a publicação da carta do BC, o ministro da Fazenda afirmou que o BC está empenhado em adotar as medidas necessárias para alcançar o centro da meta de 4,5% até o final de 2017. "A Fazenda contribuirá mediante a adoção de ações para o reequilíbrio fiscal e para o aumento da produtividade da economia."

BC diz que alta de preços administrados e dólar explicam estouro da meta da inflação

• Pela primeira vez, autoridade presta esclarecimento ao ministro da Fazenda no mesmo dia em que o IPCA é divulgado

Victor Martins, Célia Froufe e Hugo Passarelli - O Estado de S. Paulo

O estouro do teto da meta de inflação em 2015 está relacionado com o reajuste dos preços administrados, como a energia elétrica, e a valorização do dólar em relação ao real. A justificativa está em carta aberta divulgada pelo Banco Central nesta sexta-feira, 8, ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. A meta de inflação é de 4,5%, com tolerância de dois pontos porcentuais para cima ou para baixo. Pela primeira vez, a carta é divulgada no mesmo dia em que os números da inflação são conhecidos - o IPCA de 2015 ficou em 10,67%, bem acima do limite máximo estabelecido.

Na carta, o BC afirma que o movimento de realinhamento de preços foi “mais prolongado e mais intenso que o inicialmente previsto” e admite que a sua projeção e a do mercado no fim de 2014 para a inflação ficou distante do ocorrido.

O BC diz ainda que cabe à política monetária manter-se vigilante, "para conter eventuais efeitos adicionais resultantes dos dois importantes processos de ajustes de preços relativos (preços administrados e câmbio) que dominaram a economia em 2015". Ressalta, também, que tomará as medidas necessárias para fazer o IPCA ficar dentro do limite da meta de inflação em 2016 e convergir para 4,5% em 2017. O texto destaca que, desde o segundo trimestre de 2013, a taxa básica de juros da economia, a Selic, já subiu 7 pontos e está agora em 14,25% ao ano.

Por lei, toda vez que o IPCA rompe a banda de tolerância da meta de inflação, o presidente da autoridade monetária é obrigado a prestar explicações.

Fatores de peso. De acordo com o BC, os administrados responderam por 4,91 pontos porcentuais do IPCA e os preços livres, por 2,97 pontos. No documento, o BC ainda cita que o último semestre do ano também foi impactado por novos reajustes dos preços administrados.

Já o câmbio representou 1,57 pontos porcentuais da inflação do ano passado e, de acordo com o BC, aumentou seu peso na inflação significativamente no último trimestre de 2015, diante das incertezas com a economia.

A autoridade também pondera que a mudança da trajetória fiscal afetou as projeções para o IPCA. Segundo o BC, elas contribuíram “para a deterioração das avaliações sobre o ambiente macroeconômico no médio e no longo prazo e da confiança dos agentes econômicos”. A instituição pondera que as expectativas, no final de 2014, apontavam para um cenário positivo, com queda nas expectativas para a inflação suavizada doze meses a frente. Esse movimento durou até o fim de agosto, “coincidindo com eventos negativos, do ponto de vista das expectativas de inflação, relacionados à definição da política fiscal”.

O documento diz ainda que a piora das expectativas a partir da segunda metade do ano passado é consistente com o segundo movimento de desvalorização cambial observado em agosto e setembro, seguido de outro episódio de volatilidade ao final do ano.

Em entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, Tombini afirmou que a instituição tem “a taxa básica de juros” (a Selic) e que este é o instrumento que utilizará para conduzir a inflação à meta de 4,5% ao ano.

Inflação à moda antiga

• IPCA fecha 2015 em 10,67%, maior taxa em 13 anos. BC sinaliza novo ciclo de alta de juros

Pressionada pelo aumento da conta de luz, dos combustíveis e dos alimentos, a inflação medida pelo IPCA teve alta de 10,67% em 2015, o maior patamar em 13 anos, segundo o IBGE. Para os mais pobres, o custo de vida subiu ainda mais: 11,28% pelo INPC. Foi o sexto ano seguido de descumprimento da meta de inflação. Para evitar nova escalada dos preços em 2016, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, sinalizou que a instituição voltará a subir os juros. Analistas acreditam que, ainda assim, a taxa deverá superar o teto fixado, ficando acima de 7%. Em carta à Fazenda para explicar o estouro da meta, Tombini culpou a condução da política fiscal.

Daiane Costa, Gabriela Valente - O Globo

Os aumentos nos preços de alimentos, energia elétrica e combustíveis fizeram a inflação oficial do país fechar 2015 em 10,67%, a maior taxa dos últimos 13 anos. Esse resultado fez o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE estourar o teto da meta fixada pelo governo — que é de 4,5%, com margem para chegar até 6,5% — e deve forçar o Banco Central (BC) a voltar a subir juros para conter os preços, conforme sinalizou ontem à noite, o próprio presidente do BC, Alexandre Tombini:

— O Banco Central tem a taxa de juros básica da economia e este é um instrumento que vem utilizando e utilizará, quando necessário, para trazer a inflação para meta em 2017 e para fazêla passar por debaixo de 6,5% neste ano — disse Tombini em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo.

A presidente Dilma Rousseff não conseguiu cumprir a meta em nenhum ano de seu governo e pode estar indo para o segundo seguido em que a inflação vai estourar o teto. A maioria dos analistas prevê inflação na casa dos 7% este ano. Desde que o regime de metas de inflação foi adotado, em 1999, o teto da meta foi ultrapassado outras três vezes: em 2001, 2002 e 2003.

Tombini culpa desequilíbrio fiscal
Tombini também divulgou a carta que enviou ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, para justificar o descumprimento da meta de inflação. Em 13 páginas, ele fala abertamente, pela primeira vez, como decisões da equipe econômica provocaram alta de preços. Ele ataca, principalmente, o fato de o governo ter enviado ao Congresso Nacional um Orçamento prevendo déficit para este ano e admite que isso fez o dólar (um dos principais vilões da inflação do ano passado) subir rapidamente.

“Em julho, o anúncio de alterações nas trajetórias para as variáveis fiscais afetou as expectativas de inflação e os preços de ativos e contribuiu para criar uma percepção menos positiva sobre o ambiente macroeconômico no médio e no longo prazo. No final de agosto, a perspectiva de nova mudança de trajetória para as variáveis fiscais, implícita na proposta orçamentária para 2016, novamente afetou as expectativas e, de forma significativa, os preços de ativos”, frisou Tombini, que disse que o processo foi agravado pelo rebaixamento da nota de crédito soberano por duas das mais importantes agências de classificação de risco.

O presidente do Banco Central ainda culpa o aumento de tarifas públicas pelo descumprimento da meta. Diz que os sucessivos aumentos que elevaram a taxa básica de juros para 14,25% seriam suficientes para a convergência da inflação para a meta, mas que esse plano foi frustrado pelo impacto das incertezas fiscais e uma alta ainda maior das tarifas. E indica que os juros devem voltar a subir.

“Nesse contexto, é importante ressaltar que, independentemente do contorno das demais políticas, o Banco Central adotará as medidas necessárias de forma a assegurar o cumprimento dos objetivos do regime de metas, ou seja, circunscrever a inflação aos limites estabelecidos pelo CMN, em 2016, e fazer convergir a inflação para a meta de 4,5%, em 2017”.

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, divulgou nota para reafirmar o compromisso do governo com a estabilidade dos preços. “O controle da inflação é uma prioridade do governo, e o Banco Central do Brasil está empenhado em adotar as medidas necessárias para alcançar o centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional até o final de 2017. Nesse processo, o Ministério da Fazenda contribuirá no combate à inflação mediante a adoção de ações para o reequilíbrio fiscal e para o aumento da produtividade da economia”, escreveu.

No mês de dezembro, a inflação ficou em 0,96%, a maior para o mês também desde 2002. Segundo Eulina Nunes dos Santos, coordenadora de Índices de Preços do IBGE, os aumentos de energia elétrica, que subiu 51% no ano passado, gás de cozinha (22,5%), gasolina (20%) e demais combustíveis foram contaminando os custos dos outros produtos e elevando os preços no geral.

Altas de mais de 10% se espalham
Dos 373 itens pesquisados pelo IBGE para compor o IPCA, em dezembro, 160 subiram mais de 10% no ano passado. Esse número foi crescendo gradualmente ao longo do ano. Em janeiro, apenas 91 tinham alta de mais de 10% em 12 meses.

— Os três grupos de maior peso no IPCA (alimentação, transportes e habitação, nessa ordem) foram os que tiveram maior inflação em 2015, por isso a inflação média geral chegou a dois dígitos em 2015 — explicou Eulina.

Para o analista de inflação da Tendências Consultoria Integrada, Marcio Milan, estes três grupos continuarão pressionando o IPCA neste ano, mas em patamares menos elevados:

— Os movimentos serão parecidos em 2016, mas menos elevados, fazendo menos pressão. A energia, por exemplo, deve ter a variação em torno de 12%, quase um quinto do registrado em 2015.

A gasolina também deve continuar pressionando a inflação este ano. Para Adriano Pires Rodrigues, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), nem a forte queda dos preços internacionais do petróleo pode levar a Petrobras a reduzir os preços do combustível no mercado doméstico, porque a empresa precisa reforçar seu caixa:

— A gasolina vai continuar pressionando a inflação em igual patamar ou até mais do que em 2015.

Octavio de Barros, diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, explica os fatores que afetaram o preço dos alimentos:

— No começo do ano, foram as pressões por conta da crise hídrica e da depreciação cambial, enquanto no segundo semestre, os efeitos do El Niño, da nova rodada de depreciação cambial e das safras menores de alguns produtos voltaram a elevar os preços de alimentação.

O economista também acredita que o realinhamento dos preços das tarifas já aconteceu ano passado, quando os administrados como um todo ficaram 18,08% mais caros, e não espera uma alta do dólar na mesma magnitude da observada em 2015. Mas diz que riscos ainda existem, sobretudo de aumentos de preços baseados na inflação passada:

— Alguns riscos estão presentes, como o de alimentação mais elevada por conta de eventos climáticos adversos, elevação de tarifas e contribuições regionais, e, mais importante, o risco do elevado nível de inflação registrado em 2015 afetar de maneira mais importante do que a desaceleração da economia as decisões dos formadores de preços.