quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Opinião do dia – Roberto Freire

É chegado o momento de debater a instituição do sistema parlamentarista. Necessitamos de um regime dinâmico, flexível. O parlamentarismo é a verdadeira reforma política

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Roberto Freire, presidente do PPS e deputado, sobre a crise política, Panorama Político / O Globo, 5.1.2016

Merval Pereira: A face verdadeira

- O Globo

Quando a vitória esmagadora da oposição foi oficializada na Venezuela, e o governo Maduro reagiu surpreendentemente bem, admitindo a derrota, não faltaram bolivarianos de todos os quilates se regozijando nas redes sociais, numa tentativa de obter algum resultado positivo da derrota acachapante que prenuncia o fim do regime chavista.

“Não era uma ditadura?”, perguntavam, triunfantes, a exibir insuspeitadas inclinações democráticas do governo Maduro. A verdadeira face do autoritarismo chavista, no entanto, não demorou a se revelar com as manobras golpistas para tentar neutralizar a maioria qualificada oposicionista (112 dos 167 representantes na Assembleia Nacional).

A tentativa do que está sendo chamado de “golpe de Estado judicial” se revela na ação direta para impugnar a eleição de deputados da oposição, retirando-lhe a maioria qualificada que permite várias alterações constitucionais, e a convocação de um tal de “Congresso da Pátria” para fazer frente à Assembleia Nacional.

Ontem, no primeiro dia de funcionamento do novo Congresso oposicionista, pelo menos quatro deputados não puderam tomar posse por decisão do Tribunal Supremo de Justiça, três eleitos pela Mesa de Unidade Democrática (MUD) e um pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

O Congresso de maioria oposicionista começou também a discutir anistia aos presos políticos, entre eles o líder do partido Voluntad Popular, Leopoldo López, condenado a 14 anos de prisão por incitar protestos contra o governo, que divulgou uma carta pedindo uma mudança rápida e profunda no país. “Se Maduro e os outros membros da elite corrupta e antidemocrática que sequestram o Estado torpedearem a mudança, terão de ser removidos”, disse López.

A situação anômala na Venezuela está tão absurda que organismos internacionais como Mercosul, a OEA e as União Europeia foram acionados para defender a democracia. E o governo brasileiro, que se mantinha silencioso até então, tendo no máximo emitido um comunicado brando pedindo que o respeito às urnas fosse obedecido “antes, durante e depois das eleições”, ontem soltou uma nota oficial com palavras duras de advertência ao aliado:

“O governo brasileiro confia que será plenamente respeitada a vontade soberana do povo venezuelano, expressada de forma livre e democrática nas urnas”, diz a nota, observando que os resultados oficiais “foram divulgados e validados pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela e prontamente reconhecidos, na ocasião, por todas as forças políticas do país”.

A situação da Venezuela no Mercosul, por sinal, ficará bastante afetada, pois o novo governo argentino de Macri está disposto a cobrar que os arroubos antidemocráticos do governo chavista sejam contidos, o que deveria ter sido feito desde o início, barrando a entrada da Venezuela no grupo por afrontas à cláusula democrática.

Ao invés disso, o governo brasileiro trabalhou para incluir a Venezuela e punir o Paraguai, acusado de ter dado um golpe no antigo presidente Lugo, retirado do poder por um processo de impeachment previsto na Constituição.

No entanto, a evidência de que a Venezuela sempre foi qualquer coisa, menos um governo democrático, ficou clara ontem na disposição de afrontar a nova maioria, quando deputados chavistas, liderados pelo ex-presidente da Casa, Diosdado Cabello, abandonaram a sessão inaugural, acusando os oposicionistas majoritários de descumprimento do regimento interno.

Mas um fato simbólico dominou as atenções, apesar do tumulto que milícias chavistas fizeram na entrada da Assembleia: imensos retratos de Hugo Chávez foram retirados do plenário, numa demonstração de que já não há mais espaço para exibicionismos autoritários naquele recinto.

Dora Kramer: Pausa para simulação

- O Estado de S. Paulo

Aproveitando o relativo intervalo na crise geral em decorrência do período de recesso no Legislativo e no Judiciário, o governo e o PT atuam neste início de ano para dar a impressão ao País de que iniciam – cada qual ao seu modo – uma fase nova em folha. Como se pretendessem voltar atrás na marcação do tempo, adaptando o hipotético relógio ao calendário eleitoral.

As eleições municipais vêm aí. O PT entra na disputa em desvantagem. Não tem discurso, carrega um desgaste imenso, está irremediavelmente atrelado a um governo impopular, avalia que poderá ter um desempenho eleitoral desastroso e precisa de alguma maneira tentar reduzir o previsto prejuízo.

A julgar pelas manifestações recentes do partido, seus dirigentes escolheram o caminho da retomada das origens. Daí a defesa, junto ao governo, da chamada “guinada à esquerda”, que incluiria a divulgação de uma Carta aos Brasileiros” numa concepção oposta à que motivou o texto de 2002, no qual o PT reafirmava compromisso com os fundamentos da estabilidade econômica.

A proposta agora rejeita aqueles pilares ao negar medidas de combate duro à inflação, contenção e cortes de gastos, defendendo uma política econômica que dê “resposta rápida” à crise e propicie a retomada do crescimento. Em outras palavras, o PT quer que o governo retome o discurso ilusionista da campanha de 2014.

A presidente Dilma Rousseff está, portanto, diante de um problema. Não atenderá aos apelos do partido, mas também não abrirá mão de amenizar a realidade, conforme teremos oportunidade de observar na linguagem a ser adotada quando do anúncio do novo pacote de medidas econômicas, cujo objetivo será o de incutir na população (leia-se, eleitorado) o espírito da renovação da esperança.

Pura simulação com a finalidade de imprimir melhoria às condições subjetivas do ambiente. Nessa linha, no campo político ministros se valem do período de recesso para ocupar espaços no noticiário com a pregação do otimismo voluntarista.
Nota-se isso quando assentam a convicção de que a hipótese do impeachment está praticamente enterrada, combinada com um ensaio (leve, livre, solto e sem consequência) de crítica em relação aos procedimentos do PT. Na prática significa que o discurso muda, mas tudo permanece como está.

Ora, a crise... Enquanto o Rio de Janeiro mergulha em grave crise econômica com situação de especial descalabro na Saúde, a bancada do Estado na Câmara dedica-se ao exercício do engalfinho por causa da escolha do líder do PMDB na volta do recesso, em fevereiro.

Nessa briga, de importância zero para a população, os deputados contam com a colaboração do governador Luiz Fernando Pezão e do prefeito Eduardo Paes como se ambos não tivessem mais o que fazer. Na mesma toada atua o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também deputado pelo Rio.

Prefeito e governador nomeiam e exoneram secretários estaduais e municipais para atender à conveniência do atual líder e candidato à recondução, Leonardo Picciani, a fim de lhe garantir votos necessários. Cunha, por sua vez, recorre a manobras no intuito de subtrair apoios ao adversário.

Com uma representação dessa qualidade, cariocas e fluminenses podem se considerar cidadãos entregues nas mãos do imponderável.

Validade vencida. O governo brasileiro apontou as agressões da Venezuela à democracia com pelo menos dez anos de atraso. Neste aspecto, perdeu a liderança para o argentino Mauricio Macri.

Renato Andrade: Dias de lentidão

- Folha de S. Paulo

A capital federal vive um período de calmaria neste início lento e chuvoso de ano novo.

Depois de um 2015 acelerado, Brasília e seus moradores ilustres andam, como dizem analistas do mercado financeiro, meio de lado.

A presidente Dilma Rousseff ainda não deu as caras. Segue quieta (tranquila?) no Palácio do Planalto, recebendo vez ou outra um ministro.

Nelson Barbosa está encastelado na Fazenda, elaborando com seus auxiliares um pacote de medidas que possa, ao mesmo tempo, incentivar a retomada dos investimentos e preservar o combalido cofre público.

Até o hiperativo Eduardo Cunha chegou na cidade, mas ainda está recolhido, confabulando com os seus.

A Polícia Federal também não deu início às visitas matinais de 2016.

Nada disso serve, entretanto, de presságio para o que virá nos próximos meses. A lista de temas espinhosos que serão tratados no Planalto, no Congresso e no Judiciário reforçam a sensação de que o tempo vai mudar e ficará bastante conturbado depois desses dias de lentidão.

O andamento do processo de impeachment da presidente é uma incógnita. A barulheira diminuiu, o governo virou o ano mais confiante, mas as chances de uma derrota palaciana dentro da Câmara dos Deputados ainda não atingiram níveis desprezíveis. Todos sabem disso, apesar do clima mais descontraído adotado quando o assunto vem a público.

Do lado econômico, se não bastasse o desafio de convencer empresas e indústrias a fazer a máquina girar em ritmo mais acelerado, segurar o avanço da inflação e manter as contas em equilíbrio, o governo brasileiro ainda pode sofrer com os ventos fortes que sacodem o mundo lá fora.

A desaceleração da economia chinesa é um fato. O que ninguém sabe é se isso vai acontecer de maneira suave ou de forma mais abrupta. O primeiro dia de negócios no mundo financeiro mostrou o que pode acontecer caso vingue a segunda opção.

Fernando Exman: Votos de um Ano Novo mais previsível

• País perde se Planalto desistir de medidas estruturais

- Valor Econômico

Preparando terreno para iniciar 2016 com maior capacidade de reação, a presidente Dilma Rousseff encerrou o ano passado mudando a equipe econômica, numa tentativa de estancar as crises que minaram o primeiro ano de seu segundo mandato. Enquanto Congresso e Judiciário permanecem em recesso, deixando a retomada das discussões sobre o processo de impeachment para fevereiro, agentes do mercado e líderes de partidos aliados acompanham com atenção a execução do plano e seus potenciais efeitos de médio e longo prazos.

Dilma acolheu uma das principais demandas do PT e assinou a exoneração do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, na expectativa de obter um maior apoio nas ruas contra o impeachment. A frente popular liderada pelos movimentos que integram a base social petista já vinha protestando contra o afastamento da presidente, mas tinha também como palavras de ordem o "Fora, Levy" e o fim do ajuste fiscal.

A mudança de Nelson Barbosa do Ministério do Planejamento para a Fazenda também deve reaproximar Dilma dos segmentos da iniciativa privada que esperam do Estado incentivos e uma nova onda de políticas anticíclicas, reencontro que terá dia e hora marcados quando o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social for reinstalado no Palácio do Planalto. O evento, previsto para o fim do mês, deve servir de palco para o governo anunciar medidas voltadas à recuperação econômica.

A edição da medida provisória que regulamenta acordos de leniência entre o setor público e empresas que praticam atos de corrupção também atendeu a pedidos das centrais sindicais e empresários. A iniciativa beneficiará as empreiteiras atingidas pela Operação Lava-Jato, cujas investigações, segundo as contas do governo, tiveram impacto negativo relevante sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e o emprego. Em paralelo, o Executivo anunciou o reajuste do salário mínimo, do Bolsa Família e tenta retomar um contato mais estreito com governadores.

A presidente sabe que precisará do apoio dos movimentos sociais, quando o impeachment voltar a ser discutido no Supremo Tribunal Federal (STF) e avançar no Parlamento. O plano inicial dos articuladores do Planalto era "enterrar" o processo o mais rápido possível, com a eleição de uma maioria confortável na comissão que analisará preliminarmente o pedido de afastamento da presidente e rápida mobilização da base aliada para evitar surpresas no plenário da Câmara.

Mas, como sempre, o governo não conseguiu ser ágil o suficiente para evitar o prolongamento de uma crise. Após ser surpreendido na eleição da comissão especial da Câmara, viu-se obrigado a recorrer ao Supremo. Obteve decisões favoráveis no julgamento que definiu o rito do processo, mas a disputa judicial acabou adiando o desfecho do caso.

A oposição, por sua vez, decidiu correr o risco e apostar num recrudescimento da crise enfrentada pelo governo, caso o processo de impeachment chegue a um momento crucial num período do ano em que a economia e o mercado de trabalho apresentem ainda maiores retrações. Espera com isso, numa espécie de reedição da estratégia adotada durante o escândalo do mensalão de "deixar o governo sangrar", uma maior pressão popular em favor do fim do mandato de Dilma.

Na época do mensalão a economia estava num momento muito mais favorável do que o observado hoje, mas vale lembrar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se recuperou, reelegeu-se e emplacou a sucessora. A oposição pode sofrer o mesmo revés agora. No fim do ano, pesquisa Datafolha registrou uma leve recuperação da avaliação do governo. Após atingir 71% em agosto, a reprovação da administração Dilma diminui por duas sondagens seguidas e retornou ao patamar de 65%.

De qualquer forma, a conta já começa a chegar para o Planalto. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) reforçou sua posição contra a redução de benefícios sociais. Os movimentos sociais do campo também criticam a redução da estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na reforma administrativa anunciada pelo governo. A frente promete retomar as manifestações favoráveis a Dilma em março, mesmo mês em que o PMDB realizará o encontro em que discutirá o desembarque da coalizão governista.

Ao mercado, porém, o que o Palácio do Planalto parece disposto a oferecer limita-se a um discurso mais homogêneo na área econômica. Se isso não deixa os investidores plenamente satisfeitos, ponderam autoridades do Executivo, pelo menos a nova formação do governo pode dar maior previsibilidade em relação às políticas a serem adotadas daqui em diante.

Tão logo assumiu o Ministério da Fazenda, Barbosa apressou-se a fazer pronunciamentos buscando reduzir as desconfianças do mercado em relação aos rumos da política econômica. Reafirmou o compromisso com o equilíbrio fiscal e assegurou a disposição do governo de enviar ao Congresso reformas estruturantes, como mudanças na Previdência Social. A ideia foi defendida na sequência pelos ministros do Planejamento, Valdir Simão, da Casa Civil, Jaques Wagner, e do Trabalho e Previdência, Miguel Rossetto. A própria Dilma respaldou em público tal intenção, complementando que a reforma ajudaria o país a garantir a sustentabilidade da economia.

A medida não agrada os movimentos sociais tradicionalmente ligados ao PT, mas seria bem recebida pelos mercados. Os papéis se invertem quando a pauta é a retomada da expansão da oferta do crédito, algo frequentemente defendido pelo ex-presidente Lula. O desafio do governo é demonstrar aos investidores e partidos aliados que de fato busca a retomada do crescimento e a recuperação da economia a longo prazo, e não apenas melhorar a percepção da população em relação à conjuntura a fim de aumentar sua sustentação política no Congresso e criar as condições necessárias à vitória do candidato do PT na eleição presidencial de 2018.

Eliane Cantanhêde: Estocando vento

- O Estado de S. Paulo

O grande risco do tal “novo PAC” é virar mais uma peça de marketing, dessas que fazem muito barulho ao serem lançadas para serem esquecidas logo depois, ao longo do ano e do mandato, como ocorreu com a nova reforma administrativa que não deu em nada. Ou o pacote pode virar um novo vídeo hilário do YouTube, uma farinha de mandioca, um vento não estocado ou, simplesmente, pura espuma para inglês, empresário, trabalhador e Câmara (que vota o impeachment) verem.

Segundo o Estado de ontem, Dilma planeja com o ministro da economia, Nelson Barbosa, e com o ministro da política, Jaques Wagner, um pacote superambicioso para recuperar a economia, mas... sem abandonar o ajuste fiscal. Taí, essa é intrigante. O governo vai investir para tirar a indústria do buraco, mas vai investir o quê? De onde vem o dinheiro? Dos Estados, que estão no osso? Só se for das reservas internacionais, o último reduto a resistir bravamente aos tempos Dilma. Ainda...

A ideia de Barbosa para a economia é aquecer a produção industrial, que esfria mês a mês, dramaticamente, jogando emprego e renda na geladeira e congelando qualquer expectativa de recuperação da economia. E a de Wagner para a política, na mesma linha, é usar o pacote para tentar atrair o apoio de “cima”, dos empresários, e de “baixo”, dos trabalhadores. As duas pontas estão umas onças com Dilma, umas araras com PT, Lula e umas feras com todos eles juntos.

Tudo preparado, Dilma presidirá antes do carnaval uma reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico, que tenta pôr na mesma mesa ministros, empresários, representantes de entidades e da sociedade, mas só quando convém ao governo. Lula e Dilma estão em alta? Esqueça-se o Conselhão. Estão em baixa? Convoque-se o Conselhão. Anunciado o pacote, estaria pronto o discurso da “união nacional”, arma que o governo engatilha contra o processo de impeachment que corre na Câmara.

O script parece caprichado, mas nem os antecedentes nem as condições ajudam a convencer de que dará certo. Dilma se lambuzou de petróleo com Lula ao prometer fazer da Petrobrás um paraíso. 

Virou um inferno. Dilma fez pronunciamento na TV alardeando queda histórica da conta de luz. A conta disparou. Dilma fez outro pronunciamento comemorando a redução dos juros na marra. Eis que os juros estão na estratosfera (e devem subir mais...).

Já no segundo mandato, a presidente anunciou corte de oito ministérios e de 3.000 cargos comissionados. O gato comeu. E lá foi ela comemorando o Pronatec

Aprendiz, mas, escaldada, não se comprometeu: “Não vamos colocar meta. Vamos deixar a meta aberta, mas, quando atingirmos a meta, vamos dobrar a meta”.

Quanto à boa ideia de priorizar a construção civil, setor que é altamente empregador de mão de obra: há condições para isso? Está tudo parado, ninguém quer comprar, ninguém quer construir. Parou por quê? Por que parou? Porque o emprego está em risco, a renda caiu e o setor produtivo só investe se tem motivação, segurança e juros acessíveis. Convenhamos, não é o caso. Não é solenidade no Planalto, um rol de intenções e um discurso politiqueiro que vão reverter isso.

Então, o pacote precisa ser bem pensado, amarrado e confiável, sem dobrar meta que não existe, sem obrigação de “estocar vento” e sem prometer transformar espuma em esperança e reuniões palacianas em garantia de emprego.

Além do risco de ser vento, meta sem meta e pura espuma, há um outro bastante forte: Dilma jogar fora o ajuste de Joaquim Levy, que nunca chegou ao destino, por um desajuste de Nelson Barbosa, que, por enquanto, é só uma ameaça no ar. Como diagnostica o deputado oposicionista José Carlos Aleluia, “estão trocando o ajuste pelo desajuste”. Tomara que não...

Luiz Carlos Azedo: Melado é que é bom

O governo foi reativo em todos os momentos da Operação Lava Jato. Haja vista a forma como atuou durante a CPI da Petrobras

Correio Braziliense

O melado é um subproduto da cana, sem o valor comercial do açúcar refinado, do qual todos os bons nutrientes são retirados ao longo da produção para que fique branco. O açúcar tem calorias vazias, pobre em nutrientes, desequilibra a bioquímica do corpo. Pode causar nervosismo, TPM, problemas de pele, cansaço físico, má digestão e enfraquecimento do sistema imunológico. Seu poder energético é efêmero. Já o melado é terapêutico, harmoniza e fortalece o organismo. É bem absorvido pelas células e tem efeito sinergético. Ajuda no tratamento contra tumores, varizes, artrite, psoríase e na recuperação pós operatórias.

Graças a uma entrevista do ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, à Folha de São Paulo, descobrimos que o PT gosta de melado: “Talvez porque nunca foi treinado para isto, deve ter feito como naquela velha história: “quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza”. Quem é treinado erra menos, talvez, né.” - disse. É um certo mea culpa por parte do ex-governador da Bahia, em relação ao profundo envolvimento do PT com os escândalos de corrupção no governo federal. Entretanto, a reação no PT não foi nada favorável ao ministro.

O ex-governador gaúcho Tarso Genro acusou Wagner de fazer coro com o antipetismo da direita e da extrema direita. No aparelho partidário, o ataque mais duro veio do representante da corrente Articulação de Esquerda, Valter Pomar: “Acho que em 1998, num encontro nacional petista, um determinado senhor disse que o problema do seu partido é que ele tinha que aprender a ser uma grande máquina eleitoral. Muitos anos depois, este mesmo senhor agora critica o seu partido porque se ‘lambuzou’”.

O problema do PT não foi se lambuzar, foi comer o melado. Ou seja, operar de maneira planejada e centralizada um esquema de financiamento eleitoral suspeito de desvio de recursos públicos em larga escala, com base no superfaturamento de obras e serviços do governo e de empresas estatais. E transformá-lo não mais em caixa dois eleitoral, como no caso do mensalão, mas, sim, em doações legais, como revela a Operação Lava-Jato.

É por essa razão que a cúpula petista estrila com a declaração. Adotou como linha de defesa, no caso do “petrolão”, a tese de que todas as doações feitas ao partido pelas empreiteiras e demais empresas investigadas pela Operação Lava-Jato foram legais. Em torno dessa tese, todos os que se beneficiaram eleitoralmente das doações estão unidos, até por uma questão de sobrevivência, o que inclui a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula.

Lambuzados
O ex-tesoureiro João Vaccari Neto, que está preso, é tratado como herói da classe operária pela cúpula da legenda. Ele matou no peito as denúncias e não aceitou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. Segue o mesmo padrão de comportamento de seu antecessor Delúbio Soares, que encarou o processo do mensalão, pelo qual foi condenado, de bico calado.

A presidente Dilma Rousseff tenta salvar as empreiteiras sob investigação da Lava-Jato. Alterou as regras dos acordos de leniência com empresas envolvidas em casos de corrupção por meio da MP 703, de 18 de dezembro de 2015. Mudou, assim, a Lei 12.846, de 2013, que durante a campanha eleitoral era apresentada bandeira contra os malfeitos, a Lei Anticorrupção.

A MP permite que mais de uma empresa assine o acordo de leniência — e não só a primeira a manifestar interesse, como ocorria antes. A empresa que assinar o acordo não sofrerá outro processo na esfera administrativa e poderá ter contratos com o governo, caso de praticamente todas as grandes empreiteiras envolvidas no escândalo da Lava-Jato. Os acordos seriam negociados diretamente pelo governo, sem a participação do Ministério Público, que apreciaria apenas o resultado final.

A MP 703 inviabilizaria a descoberta de corrupção na Petrobras, na escala em que aconteceu, caso estivesse em vigor no início da investigação. Por isso, a medida está gerando uma crise entre a Advocacia-Geral da União e a Controladoria Geral da União e o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União.

O corte de R$ 133 milhões no orçamento de 2016 da Polícia Federal é outro indício de que a Operaçao Lava-Jato incomoda o Palácio do Planalto. A reação dos delegados da Polícia Federal à redução dos recursos para suas operações foi de quase rebelião, o que obrigou o Ministério do Planejamento a anunciar a suplementação de verbas. Os cortes haviam sido negociados pelo governo no âmbito da Comissão Mista do Orçamento.

Trocando em miúdos, o governo foi reativo em todos os momentos da Operação Lava Jato. Haja vista a forma como atuou durante a CPI da Petrobras, quando protegeu o ex-diretor Internacional da estatal Nestor Cerveró, que a presidente Dilma havia acusado de enganá-la na compra da refinaria de Pasadena, no Texas. Na época, o discurso era defender o pré-sal e a engenharia nacional. A propósito, o que estava em jogo não era a produção de petróleo, era o melado.

Míriam Leitão: Um novo tom

- O Globo

Já havia passado muito da hora certa, quando o Itamaraty fez ontem, pela primeira vez, uma crítica ao governo dos chavistas. Pelo menos, fez. É alguma mudança, tardia, mas bem-vinda. O governo de Nicolás Maduro fez ameaças, mudou leis, trocou juízes da corte suprema, inventou um congresso paralelo e tirou poderes da Assembleia Nacional eleita de forma democrática.

Um dia antes da posse dos novos deputados, o governo revogou o poder do legislativo de aprovar os nomes dos dirigentes do Banco Central. Pela nova lei, o chefe do executivo pode nomear e demitir os dirigentes do BC sem passar pelo legislativo. Ontem, no entanto, as coisas começaram a mudar. Na posse dos deputados, o novo presidente do Congresso, Henry Ramos Allup, disse que não haverá mais leis habilitantes, ou seja, a delegação de superpoderes ao presidente que se tornou comum na era chavista.

É uma ponta de esperança. O problema, no entanto, é que a Venezuela poderá viver em 2016 o que os analistas definem como o pior ano da sua história econômica. O ano passado já foi duro: a inflação teria fechado em 270%. Só em dezembro, foi 16%. Isso foi publicado pelo jornal “El Nacional”, depois de ouvir uma fonte não identificada do Banco Central. O BC venezuelano é o responsável por estatísticas econômicas do país. Mas no ano passado não as divulgou por ordens do presidente Maduro. Agora, no novo decreto que muda a forma de indicação para a direção do órgão, fica estabelecido que o BC não pode mais pesquisar esse tipo de informação, sob risco de “ameaçar a soberania” nacional.

Outra mudança na lei: o BC era proibido de emprestar a entes públicos. Agora, ele pode fazer isso, caso o governo considere que há ameaças à segurança pública ou ao interesse público.

Essas e outras aberrações dos últimos dias foram adotadas para minar o resultado eleitoral e para ameaçar os eleitos. Três dos oposicionistas tiveram suas vitórias suspensas por determinação da Justiça, a pedido dos chavistas, num ato totalmente duvidoso.

Na nota divulgada ontem pelo Itamaraty, o governo brasileiro falou em “vontade soberana do povo venezuelano, expressada de forma livre e democrática nas urnas”. Disse que confia que serão preservadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional Venezuelana. Terminou num recado que pode ser entendido tanto como aviso ao governo venezuelano como em defesa própria diante do processo de impeachment:

“Não há lugar na América do Sul para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito”. Esses valores não estão ameaçados aqui. Na Venezuela da era chavista, contudo, sempre estiveram sob risco.

Os analistas e departamentos econômicos dos bancos estão prevendo nova queda de pelo menos 4% no consumo em 2016 e inflação se aproximando novamente de 200%. O desabastecimento, segundo definição da imprensa local, está em níveis de crise humanitária. Esse colapso econômico é parte da tragédia venezuelana, mas não toda ela. O governo chavista há 16 anos no poder desestruturou as instituições e dividiu o país. O trabalho de reconstrução será muito lento, e o passo dado ontem foi tímido. Nicolás Maduro permanece modificando leis e procedimentos para tentar se manter no poder a qualquer custo. A situação tende a se agravar, e o governo brasileiro terá oportunidade de mostrar se a nota de ontem é apenas um enviesado recado para o público interno ou se é uma nova atitude da diplomacia brasileira diante dos flagrantes atentados à democracia que estão sendo praticados pelo governo Maduro.

No último encontro de cúpula do Mercosul, a presidente Dilma Rousseff elogiou a democracia da Argentina e da Venezuela, para constrangimento de Maurício Macri, que já havia feito várias críticas ao governo de Caracas. Na Argentina, os peronistas perderam a presidência e se organizam para ser oposição, como é normal. Após a derrota, tudo o que Cristina Kirchner fez foi a pirraça de não participar do ato de entrega dos símbolos do poder. Feio, mas sem maiores efeitos práticos. Em Caracas, Maduro desde a eleição tem tomado decisões discricionárias para tirar o efeito da vitória da oposição. O Brasil era um dos poucos países que aceitavam todos os absurdos de Maduro. A nota de ontem pode mudar isso. Vamos ver.

Cristiano Romero: Uma breve história do desastre brasileiro

• Está cada vez mais claro que Nova Matriz provocou crise atual

- Valor Econômico

A explicação mais plausível para a profunda e longa crise pela qual o Brasil atravessa continua sendo a perda de credibilidade da política econômica. Há uma coincidência perfeita entre as mudanças operadas na condução das políticas fiscal, monetária e cambial e a queda da taxa de investimento e do ritmo de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A ideia de que o ajuste fiscal que o ex-ministro Joaquim Levy tentou implementar foi o responsável por jogar o país na crise é um devaneio sem qualquer correspondência com a realidade.

Antes de Levy assumir o comando do Ministério da Fazenda, em janeiro de 2015, o governo e o PT alegavam que o baixo crescimento se devia à crise internacional. A afirmação também não faz nenhum sentido porque, apesar de turbulências localizadas, não houve crise mundial no primeiro mandato de Dilma - a crise propriamente dita, considerada a mais grave desde 1929, afetou os países ricos de forma severa entre meados de 2007 e 2008 e os emergentes, de setembro de 2008 a 2009.

Entre 2011 e 2015, a economia mundial cresceu a uma média anual de 3,5% (considerando alta de 3,1% estimada pelo Fundo Monetário Internacional para o ano passado). No mesmo período, a média anual de crescimento do Brasil foi de 0,95% (considerando contração de 3,71% em 2015, segundo a mediana das expectativas do mercado apurada pelo último boletim Focus, do Banco Central).

É verdade que o mundo tem crescido num ritmo menor que o verificado na segunda metade da primeira década deste século. Isso, evidentemente, tem alguma influência sobre a taxa de expansão da economia brasileira, mas não explica o desastre a que estamos assistindo. Alguns analistas estão se fiando na forte desaceleração da China e em seus efeitos negativos sobre as exportações brasileiras para aquele país, especialmente sobre os chamados termos de troca (relação entre preços de exportação e de importação), para tentar achar uma razão convincente que justifique o péssimo desempenho do Brasil.

Uma pesquisa com empresários poderia ajudar a entender a ruína. Os indicadores de confiança desses agentes, especialmente os captados nas sondagens feitas junto ao setor industrial, estão nas mínimas históricas, apesar de uma recente mas tímida melhora. Empresários pessimistas não compram máquinas e equipamentos nem contratam trabalhadores. O que explica a perda de confiança não é outra coisa, a não ser a deterioração da qualidade da política econômica, que acabou com a previsibilidade da economia nacional.

A presidente Dilma passou os oito anos dos dois mandatos do presidente Lula disputando as políticas que, em última instância, asseguraram-lhe a vitória na eleição de 2010. Para Dilma, tanto a taxa de juros quanto a taxa de câmbio estavam no lugar errado. Ela nunca aceitou o fato de que ambos são preços, isto é, decorrem de uma série de fatores, sendo a situação das contas públicas o principal deles.

Com essa convicção, a presidente mudou, a partir de agosto de 2011 (após a demissão do então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, cuja função no governo era defender o legado de Lula na economia), as políticas que governaram o país em três mandatos presidenciais (um de FHC e dois de Lula). As mudanças e as decisões tomadas a partir de suas consequências produziram a recessão que, segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, assola o Brasil desde o segundo trimestre de 2014. São elas:

1) Em agosto de 2011, em meio ao aumento da inflação e à piora das expectativas do mercado, o BC baixa a taxa básica de juros (Selic) na marra, levando-a mais adiante para 7,25% ao ano (o juro real caiu para 2%);

2) No fim daquele ano, o Ministério da Fazenda eleva as alíquotas de IOF para forçar uma desvalorização do real;

3) Para assegurar que os preços administrados não pressionassem a inflação, obrigando o BC a interromper a queda dos juros, o governo congela os combustíveis (gasolina e álcool) e adota medidas para forçar a queda das tarifas de energia elétrica;

4) A resposta dos empresários às mudanças é a retração da Formação Bruta de Capital Fixo, que reflete os investimentos em máquinas, equipamentos e construção civil. Nos quatro trimestres de 2012, a FBCF opera em território negativo;

5) Com a queda do investimento, a economia, que já havia desacelerado em 2011, acentua a queda em 2012, avançando apenas 1,8%. À medida que fica claro que o setor empresarial não reage positivamente aos supostos benefícios da Nova Matriz Econômica, o Ministério da Fazenda começa a oferecer estímulos fiscais e creditícios a empresas e consumidores;

6) Em dezembro de 2012, o Tesouro Nacional tem dificuldades para cumprir a meta fiscal fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e, por isso, forja uma série de operações entre entes estatais - a contabilidade criativa - para chegar ao resultado. A medida começa a minar a confiança do mercado na saúde das contas públicas;

7) No primeiro semestre de 2013, o BC constata que a inflação ameaça romper o limite de tolerância do regime de metas e começa aumentar a Selic. Dois anos depois, a taxa já é maior que o patamar anterior ao do início do processo de redução forçada;

8) Em maio de 2013, o Federal Reserve sinaliza o início do fim dos estímulos monetários nos Estados Unidos, provocando desvalorizações de moedas em todo o mundo. Em agosto, o BC brasileiro adota programa de swaps para amortecer esse movimento no Brasil;

9) Dilma, preocupada com sua reeleição, concorda em abrir mão de dois aspectos da Nova Matriz - juros e câmbio -, mas decide aprofundar o uso da política fiscal para tentar reavivar a economia a qualquer custo.

O resultado de tudo isso pode ser resumido em alguns números: em 2014, o PIB brasileiro ficou estagnado (alta de 0,1%) e, em 2015, pode ter encolhido até 4% - para 2016, o boletim Focus projeta outra queda (de 2,95%) -; a inflação foi a 6,41% em 2014 e, no ano passado, chegou a dois dígitos (10,72%, segundo estimativa do Focus); o déficit público, que há três anos estava em torno de 3% do PIB, saltou para 6,2% do PIB em 2014 e 9,3% do PIB nos 12 meses até novembro de 2015; o desemprego pulou de 4,8% em novembro de 2014 para 7,5% em novembro passado.

Celso Ming: Lambuzada

- O Estado de S. Paulo

O ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, está inaugurando novo jeito de lidar com os problemas da política e da economia. Deixou de lado a intransigência e o radicalismo que vêm caracterizando a atuação da direção do partido, grande parte das lideranças sindicais e os dirigentes dos movimentos sociais, para admitir as lambanças e trabalhar para o reparo delas.

No fim de semana, reconheceu ao jornal Folha de S.Paulo que o PT se lambuzou no exercício do poder. E, na última segunda-feira, veiculou pelo Twitter a afirmação de que o governo reconhece os erros que cometeu na economia e está trabalhando para resolvê-los.

O ministro não chegou a mencionar os erros de que falou, mas qualquer um que acompanhe a economia brasileira sabe do que se trata: erros de diagnóstico e outros ainda de execução de política econômica.

O governo Dilma não se deu conta a tempo de que acabou a fase de bonança, que se caracterizou pela alta das commodities. A política adotada, logo denominada de Nova Matriz Macroeconômica, baseou-se em incentivos subsidiados ao consumo, no pressuposto de que a oferta viria atrás. E adotou práticas distributivistas sem prover recursos suficientes para isso.

O grande furo não foram as despesas com o Bolsa Família, mas as benesses dadas aos empresários. As desonerações de contribuições trabalhistas, por exemplo, abriram um rombo anual de mais de R$ 100 bilhões e o BNDES foi encarregado de distribuir créditos de cerca de R$ 500 bilhões graças a injeções diretas do Tesouro.

Ao longo do primeiro mandato, com pedalada e tudo, os rombos das contas públicas se acumularam; os juros foram derrubados na marra; as tarifas de energia elétrica, dos combustíveis e dos transportes urbanos ficaram represadas; a Petrobrás foi dilapidada; todo o setor público ficou descapitalizado.

Aí estão alguns dos principais erros que o governo Dilma vinha negando. Os resultados vieram a cavalo: recessão econômica, inflação a mais de dois dígitos, desemprego que tende a saltar também a dois dígitos e a indústria em desidratação aguda. Tudo isso exige conserto.

No entanto, não há conserto quando se negam as avarias. A presidente Dilma parece hoje convencida de que é preciso dar prioridade ao saneamento das contas públicas, sem o que não haverá recuperação da atividade econômica nem criação de empregos.

É esta, também, a principal mensagem do ministro Jaques Wagner. No entanto, a ala reacionária do PT quer a volta do que deu errado, sob a alegação de que o remédio está matando o doente. Foi essa mesma ala que exigiu a demissão do ministro Joaquim Levy por sua insistência no ajuste e por ter vindo do Bradesco. Conseguiu alçar ao comando da economia seu nome predileto, o ministro Nelson Barbosa.

Mas as viúvas da Nova Matriz Macroeconômica continuam clamando por mágicas que trouxessem de volta a fartura de crédito subsidiado, dinheiro fácil e pacotes de bondades fiscais destinados a salvar seus empregos. É a estratégia de quem pretende aumentar o tamanho do buraco.

Vinicius Torres Freire: Comércio de pobre

- Folha de S. Paulo

Houve um zum-zum de ligeira animação com o resultado do comércio exterior no final do ano. De interessante, parece que as exportações vão parando de cair, o que pode atenuar a recessão. De fundamental, ainda é preciso ressaltar que em 2015 houve um colapso raro, enorme e histórico das compras do Brasil no exterior.

Gastamos muito menos lá fora porque o real perdeu poder de compra: houve uma brutal desvalorização da moeda. Ficamos mais pobres e, grosso modo, perdemos crédito, nos vários sentidos da palavra.

As importações caíram 25% em relação a 2014. Coisa assim fora vista apenas em 2009, quando o mundo parou e nós por um instante congelamos de medo diante da Grande Recessão. Como se lembra, saímos rápido dessa. Não é o caso agora.

Antes da Grande Recessão, houvera os colapsos até um pouco menores provocados por desvalorizações da moeda em 2002 (eleição de Lula), 1999 (crise do real de FHC) e 1984 (megadesvalorização da crise do fim da ditadura). Além disso, baque tão ruim fora visto apenas em 1965, crise do golpe militar.

Em tempos de crise bruta, importar menos, comprar mais produto nacional e vender mais no exterior é um ajuste forçado, o qual, no entanto, pode ajudar a tirar o país do buraco ou atenuar recessões. Substituem-se importações (por produto nacional), como se diz. Nesta temporada no inferno, porém, ainda mal dá para notar a substituição.

Em relação ao tamanho da economia (como proporção do PIB em dólares) o valor das importações está quase na mesma de 2014. Caíram as importações, mas também caiu o PIB em dólar, de US$ 2,42 trilhões em novembro de 2014 para US$ 1,84 trilhão em novembro passado, estimativa mais recente do Banco Central.

As importações, como se disse acima, caíram 25%, US$ 57,7 bilhões. Quase um terço da queda veio do valor menor das importações de combustíveis, baixa quase toda devida ao colapso dos preços internacionais de petróleo e derivados.

O valor da importação de bens duráveis (eletrônicos, carros, por exemplo) está caindo, mas, como fatia do PIB, ainda está acima do nível de 2007, último período de crescimento melhor e regular da indústria. Atenção: isso não quer dizer que deveríamos importar menos desses bens. Melhor seria importar mais (e também exportar mais, para pagar a conta: aumentar o comércio em geral). No caso, 2007 serve apenas de ponto de referência, um modo de medir se estamos ou não substituindo importações de modo relevante para sair um pouco do atoleiro.

No mais, a importação de bens de capital (máquinas, equipamentos) continua a diminuir, baixa de 21% em um ano, mau sinal para o investimento. A importação de bens de capital anda quase sempre de mãos dadas com o investimento na expansão dos negócios.

A exportação parou de cair. Costuma acontecer que, mesmo com o barateamento do produto nacional (com a desvalorização do real), as exportações a princípio caiam. Parece que a maré baixa passou, embora a situação precária do comércio mundial não permita animações maiores, por ora.

Enfim, ainda é dúvida como vai reagir uma indústria desatualizada, em parte mal-acostumada por proteções indevidas, desconectada do mundo e prejudicada por regras e infraestrutura indecentes.

Elio Gaspari: Uma aula da fantasia oligárquica

• O teleférico do Alemão seria um retrato do futuro, mas tornou-se uma amostra das conexões do andar de cima

- O Globo

Num ridículo episódio de caipirice cosmopolita, ao passear no teleférico do Complexo do Alemão, Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional, disse que estava se sentido “numa estação de esqui” dos Alpes. A doutora achou que viajara ao futuro, mas estivera a bordo das maquinações do passado e das empulhações do presente. Em breve, o teleférico será operado pela empresa de Tiago Cedraz, filho do presidente do Tribunal de Contas da União, o veterinário e ex-deputado Arnaldo Cedraz.

A obra custou R$ 253 milhões e foi inaugurada duas vezes (em 2010 e 2011) sem que o serviço estivesse em plena operação. Funcionando, ele reduz para 19 minutos uma caminhada que pode durar até duas horas. Quando madame Lagarde esteve nos Alpes cariocas, o governo do Rio já começara a atrasar os repasses para a manutenção do serviço, e a concessionária se desinteressara pela renovação do contrato, dispensando alguns funcionários. O colapso financeiro do Rio já havia começado.

No mundo da fantasia, dera tudo certo no andar de cima. As empreiteiras Odebrecht, OAS e Delta orgulhavam-se da obra. A Delta foi apanhada nas traficâncias do bicheiro Carlinhos Cachoeira e foi declarada inidônea pela Controladoria-Geral da União. A OAS, apanhada na Lava-Jato, está em recuperação judicial. A empresa Supervia, filhote da Odebrecht, ficou com a exploração do serviço.

À época, Lula, Dilma, Sérgio Cabral e Pezão saciaram-se na publicidade. Sobrou um teléferico para ser operado. Essa, a parte que exige trabalho e não rende propaganda, tomou outro curso, o dos serviços públicos para o andar de baixo. Às vezes o teleférico funcionava num horário proibitivo para quem precisava pegar no batente de manhã cedo.

A SuperVia desistiu da operação e devolveu a maravilha à Viúva. O repórter Ítalo Nogueira revelou que o governo do Rio concluiu a licitação para escolher a nova operadora do teleférico do Alemão. Venceu-a uma empresa do advogado Tiago Cedraz, criada em abril passado. Sem licitação, a prefeitura do Rio já entregara a Cedraz a operação de outro teleférico, menor, no Morro da Providência.

Ricardo Pessoa, um dos empreiteiros presos pela Lava-Jato, contou ao Ministério Público que deu R$ 1 milhão a Tiago para ajudar na liberação de um contrato de R$ 2 bilhões para obras da usina nuclear de Angra 3. Pessoa pagava também R$ 50 mil mensais ao escritório do advogado para cuidar de seus pleitos. Ele confirma ter trabalhado para a UTC, mas nega ter tocado em propinas.

Tiago Cedraz tem 33 anos e diplomou-se em 2006. Entre 2009 e 2013, formou um patrimônio imobiliário avaliado em R$ 13 milhões, mais um jatinho Cessna de dez lugares. Teve um conversível vermelho, mas seu pai fez com que o devolvesse. Vive em Brasília, e seu escritório acompanha 35 mil processos. Em 182 atuou no Tribunal de Contas. Em julho, a Polícia Federal visitou-o, cumprindo um mandado de busca e apreensão. Cedraz informa que criou a empresa Providência Teleféricos “quando surgiu a oportunidade de participar das concorrências”.

Quando madame Lagarde for esquiar nos Alpes, poderá perguntar se há por lá algum teleférico que tenha passado por tantas peripécias, com personagens tão pitorescos.

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Elio Gaspari é jornalista

Jogo de cena – Editorial / O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff e o PT precisam urgentemente decidir se querem resolver os problemas do País ou cuidar de suas próprias imagens. São fartas as informações sobre intenções e planos que o governo espalha, como se constituíssem uma consistente política para superar a crise. Mas não passam de medidas isoladas, quase sempre demagógicas ou de escassa eficácia diante da gravidade da crise.

Vejamos quais foram elas nos últimos dias: 1) o Planalto decidiu apostar na construção civil, que julga capaz de reagir mais prontamente a “estímulos” oficiais, como símbolo de um “novo PAC”; 2) Dilma está disposta a ressuscitar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, para obter o aval das “forças vivas” do País à luta contra a crise econômica; 3) a direção do PT – Lula, portanto – vai exigir da chefe do governo uma Carta ao Povo Brasileiro às avessas, agora destacando o compromisso do lulopetismo com “o povo”, o que significa, entre outras coisas, acabar com essa história de priorizar ajuste fiscal; e 4) líderes destacados do petismo estão enfurecidos com o aparente sincericídio cometido dias atrás pelo ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, ao admitir que o PT “se lambuzou” no poder.

Enfim, os petistas – o atual governo ainda é petista – aparentemente só se entendem quanto à necessidade urgentíssima de remendar a imagem pública de um governo cujo prestígio está ao rés do chão. E, como são visceralmente incompetentes no trato da coisa pública, não produzem senão casuísmos de pífio valor prático.

O desespero dos frustrados salvadores da Pátria com o destino que os eleitores brasileiros parecem lhes reservar já nas eleições municipais deste ano revela que não se poderá contar com o governo que aí está para enfrentar a crise econômica, política e moral que assola o País. E a situação se complica porque o PT não se decide se continua a arcar com o ônus de ser um governo fracassado ou se opta por virar partido de oposição.

Enquanto perdurar a ambiguidade, o País não terá saída para a crise econômica e por uma simples razão: crises graves exigem remédios amargos e, portanto, inevitavelmente impopulares. E o lulopetismo jamais terá a coragem de contrariar os interesses imediatos de suas “bases populares” – na verdade, entidades e organizações sociais em sua maior parte controladas pelo próprio partido. Prefere proclamar que não é justo que as “classes populares” arquem com o ônus do combate à crise econômica.

E assim, por omissão e por falta de coragem para fazer o que as circunstâncias exigem, os petistas deixam que a crise deite raízes e se perenize. Falta-lhes uma noção social básica: numa sociedade democrática as crises precisam ser enfrentadas solidariamente pelo conjunto do corpo social, na medida justa da possibilidade de cada um. Isso deve ser feito com a urgência possível, pois são os mais pobres que sofrem mais pesadamente os efeitos perversos da inflação e do desemprego. É para o bem-estar das camadas menos favorecidas, portanto, que se impõem remédios eficientes, embora amargos, para sair da crise.

Dilma Rousseff, se ainda tiver resquícios de espírito público, precisa decidir de uma vez por todas se vai efetivamente enfrentar a crise com as medidas pontuais e as reformas que sabe que são indispensáveis ou dar ouvidos a Lula e a seus sequazes, para os quais a prioridade absoluta são as “boas notícias”, ou seja, aquelas que os desavisados gostam de ouvir.

Pois é exatamente sob a orientação de Lula que sua versão envernizada, o ministro-chefe da Casa Civil, não para de tagarelar, dando a impressão de que faz a autocrítica do lulopetismo, enquanto atribui a terceiros e a fatores externos uma crise que foi engendrada pelo PT para ganhar eleições. A falação de Jaques Wagner parece ser diferente dos habituais faniquitos da ala “ideológica” do partido. Mas não é. São vertentes da mesma estratégia marqueteira com que o Planalto tenta convencer chefes de família e jovens – que veem se aproximar o desemprego e a perda de renda e se afastar as perspectivas de um futuro melhor – de que o PT, no governo há mais de 13 anos, nada tem a ver com esse desastre.

Do doce para o azedo – Editorial / Folha de S. Paulo

Não fosse o recurso a um verbo nada eufemístico –"lambuzar-se"–, a entrevista de Jaques Wagner, ministro da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, talvez tivesse tido impacto relativamente pequeno na cúpula do PT.

As declarações do responsável pela coordenação política do Planalto, publicadas na Folha de domingo (3), caracterizaram-se antes de tudo pela habilidade que, para os otimistas, confere a Wagner mais condições de gerir a crise do que possuíam seus antecessores.

O ministro admitiu, o que é positivo após tantas manifestações de arrogância por parte do Executivo, os erros cometidos até aqui. O tom adotado não foi, entretanto, o de um penitente arrependido.

O PT falhou em não promover uma reforma política no primeiro ano do governo Lula, disse Wagner, sendo levado assim a reproduzir metodologias antigas na composição de sua base parlamentar e, pode-se presumir, na arrecadação de recursos de campanha.

Nada, nessa interpretação, constitui novidade perante as habituais explicações lulistas para o descalabro ético que veio à luz desde o mensalão. O PT e seus governos surgem quase como vítimas das circunstâncias; admitem-se com palavras suaves a fraude e o assalto ao dinheiro público como se tudo tivesse sido feito a contragosto.

Foram igualmente matizadas as considerações de Jaques Wagner sobre os exageros que o PT vê no ajuste econômico intentado pelo ex-ministro Joaquim Levy. Em suma, o petista disse o que é possível dizer, dentro da posição que ocupa no governo, sem parecer prepotente nem fora da realidade.

Acrescentou, porém, uma frase especialmente vívida em sua entrevista. Compactuando com velhos esquemas de clientelismo e uso de recursos públicos, o PT faz evocar, disse Wagner, o ditado segundo o qual "se lambuza" quem nunca antes provou melado.

A frase bastou para que algumas figuras do partido reprovassem a atitude do ministro, como sintoma de inaceitável subserviência ao vocabulário oposicionista.

Tais reações seriam simplesmente ridículas, em seu artificial azedume, se não refletissem a tentativa de preservar algo da identidade do partido em meio a uma situação que, como bem sabe o governo, exige esforços para ampliar o diálogo com a sociedade e, ao mesmo tempo, atacar com mais intensidade o problema do defícit público.

Parte do PT não parece ter outra atitude a seguir exceto o da belicosidade de superfície, da birra infantil, do desmesurado jogo de cena. Do outro lado, é preciso esperar para ver o quanto, na moderação de Jaques Wagner, haverá de jogo de cena também.

Endividar-se não resolve crise de estados e municípios – Editorial / O Globo

• Governadores e prefeitos se animam com a possibilidade de contrair mais empréstimos, mas, se não fizerem reformas, cedo ou tarde estarão na mesma situação

O grupo de dez governantes estaduais que bateram à porta do governo atrás de socorro deixou Brasília animado com a entrada em vigor da troca do indexador de suas dívidas, e de prefeituras de grande porte, como São Paulo e Rio. Conforme lei aprovada no Congresso, a mudança de indexador — sai o IGP-DI mais juros de 6%a 9%, e entram 4% de juros e IPCA ou Selic, o que estiver mais baixo — começa a valer em 31 de janeiro e retroage a antes de 1º de janeiro de 2013. Um baita subsídio e enorme transferência de renda dos contribuintes a estados e alguns municípios.

A mudança de indexadores e juros mais altos por outros mais baixos fazia sentido, porque a grande renegociação de dívidas da Federação foi patrocinada em 1998/99, na era FH, como etapa essencial da estabilização da economia, numa outra conjuntura.
À época, as dívidas foram federalizadas, e governadores e prefeitos negociaram as condições do ressarcimento ao Tesouro — quem oferecesse ativos à privatização pagaria taxas mais baixas —, e se comprometeram a não mais se endividar. Uma regra de ouro quebrada agora.

Na prática, a retroatividade representou nova renegociação de dívida, contra o espírito da própria Lei de Responsabilidade Fiscal — de que o PT nunca gostou mesmo. E por isso Dilma está às voltas com um pedido de impeachment.

O total das dívidas é de R$ 766,6 bilhões. Com a aplicação retroativa de índices mais baixos, abrese espaço para estados e municípios contraírem mais dívidas. Sepulta-se agora a ideia que se tinha em 1998/99 — ingênua, se vê — de que aquela deveria ser a última renegociação de dívidas públicas, porque a economia entraria num ciclo duradouro de estabilidade, e a responsabilidade fiscal se enraizaria na gestão pública.

Isso não aconteceu. A própria aplicação de uma correção mais baixa antes de janeiro de 2013 — “no Brasil, até o passado é incerto...” — já é uma renegociação. E, a depender da sucessão de Dilma, pode-se apostar, com alguma margem de certeza, que, no futuro, estados e municípios pedirão novamente socorro. É preciso apenas persistir o descaso com a responsabilidade fiscal.

As autoridades regionais só aguardam autorização do Executivo para procurar os bancos. Esperam, assim, não ter de fazer muitos cortes. Mas é preciso saber a que taxas os banqueiros emprestarão a estados de um país cuja nota de risco de crédito foi rebaixada.

Outra questão é que, a julgar pelas expectativas, a recessão entrará por 2017. Vale dizer, a receita tributária tão cedo não será copiosa como no passado, e isso aconselha cuidado com o caixa de estados e municípios.

As autoridades regionais deveriam se dedicar a fazer fundas reformas administrativas, cujos benefícios podem ser estruturais, duradouros. O Rio de Janeiro, por exemplo, anuncia algo nesta direção. Mas elevará impostos e levantará dinheiro em banco. Recomeça tudo de novo.

Chavismo obstrui 1ª sessão da Assembléia e oposição promete pôr fim ao governo de Maduro

• Deputados chavistas conseguem suspender a posse de quatro parlamentares eleitos em dezembro e impedem a aprovação de lei destinada a anistiar políticos presos; presidente da Assembleia diz que não concederá leis habilitantes ‘inúteis’

- O Estado de S. Paulo

CARACAS - Terminou em confusão a primeira sessão da legislatura da Assembleia Nacional da Venezuela, agora controlada pela oposição pela primeira vez desde a chegada do chavismo ao poder, em 1999. Em meio à votação da mesa diretora, deputados chavistas, liderados pelo ex-presidente da Casa, Diosdado Cabello, abandonaram a sessão por entenderem que o novo chefe do Legislativo, Henry Ramos Allup, descumpriu o regimento.

O novo presidente da Assembleia declarou que a oposição buscará este ano adiantar o fim do governo do presidente Nicolás Maduro. “Em seis meses, se decidirá a saída constitucional, democrática, pacífica e eleitoral para o fim deste governo”, disse Ramos Allup, referindo-se à possibilidade de convocar um referendo revogatório do mandato de Maduro.

Ele também declarou que o Parlamento não concederá mais leis habilitantes usadas por Hugo Chávez e Maduro para governar por decreto. “Não vamos mais conceder leis habilitantes inúteis. Não acreditem que por essa via vamos resolver os problemas do país. Não vamos ser um contrapoder, mas tampouco um poder subordinado como foi a Assembleia Nacional até o dia de ontem (segunda-feira).”

A sessão não contou com os quatro representantes do Estado de Amazonas, cuja posse foi impugnada pelo Tribunal Supremo de Justiça após denúncia de fraude eleitoral apresentada pelo chavismo. Três deles foram eleitos pela Mesa de Unidade Democrática (MUD) e um pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Os ânimos se exaltaram quando o líder do Primero Justicia, Julio Borges, tomou a palavra e tentou colocar na agenda a votação de uma Lei de Anistia para os presos políticos, uma das bandeiras da MUD, que tem alguns líderes presos desde 2014.

“Em primeiro lugar, precisamos de uma Lei de Anistia e Reconciliação para que não haja exilados, processados nem presos políticos”, disse Borges.

O discurso provocou a irritação do bloco chavista – segundo o qual, o regimento da Casa impede o debate de projetos no primeiro dia de sessão. “Vocês estão violando o regimento”, advertiu Cabello. Houve discussão e o bloco chavista de 54 deputados abandonou a sessão.

Minutos antes, durante a formação da mesa diretora, o deputado chavista Héctor Rodríguez tinha pedido a palavra para criticar a nova direção da Assembleia. “O senhor representa a mentira e a traição”, disse o parlamentar a Ramos Allup. “Tenha a certeza de que estaremos aqui para defender a revolução e o povo da Venezuela. Nas redes sociais, contas ligadas ao chavismo divulgaram mensagens críticas a Allup e outros líderes opositores.

Mais cedo, o líder do partido Voluntad Popular, Leopoldo López, condenado a quase 14 anos de prisão por alegadamente incitar a violência durante protestos contra o governo, divulgou uma carta pedindo uma mudança rápida e profunda na Venezuela. “Se Maduro e os outros membros da elite corrupta e antidemocrática que sequestram o Estado torpedearem a mudança, terão de ser removidos”, disse López.

Nesta quarta-feira, devem ser formadas as comissões da Assembleia. A MUD evitou confrontar a decisão do TSJ que impugnou a posse dos deputados de Amazonas – o que lhe tirou a maioria qualificada de dois terços do Parlamento. Cabello alertou que, se a mesa diretora tentar alterar a decisão do TSJ, haverá “consequências”.

Em Brasília, o Itamaraty emitiu nota com raro tom crítico em relação à Venezuela e ressaltou a confiança de que será “plenamente respeitada a vontade soberana do povo venezuelano”. / EFE e AFP

Brasil cobra 'pleno respeito' ao resultado da eleição venezuelana

• Pedido foi feito após recurso chavista para impugnar posse de alguns deputados eleitos pela oposição à Justiça do país

Tânia Monteiro – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em clara demonstração de mudança de tom em relação à Venezuela e da pouca disposição em concordar com determinadas atitudes do presidente Nicolás Maduro, o Brasil divulgou nota cobrando do governo de Caracas respeito ao resultado das eleições parlamentares de dezembro.

“Não há lugar, na América do Sul do século 21, para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito”, avisou o Brasil, em nota distribuída pelo Ministério das Relações Exteriores, aprovada pelo Palácio do Planalto, em resposta à tentativa chavista de tentar impugnar a posse de três deputados eleitos pela oposição no Tribunal Supremo de Justiça, no qual a maioria dos juízes, nomeada pelo governo venezuelano, dificilmente toma decisões contrárias aos interesses de Maduro.

“Como afirmou em outras ocasiões, o governo brasileiro confia que será plenamente respeitada a vontade soberana do povo venezuelano, expressada de forma livre e democrática nas urnas”, disse o Itamaraty. “Confia, igualmente, que serão preservadas e respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional venezuelana e de seus membros, eleitos naquele pleito”, emendou o governo brasileiro, em sinal da insatisfação com as manobras chavistas.

O governo brasileiro tinha comemorado o fato de Maduro, num primeiro momento, ter aceitado e respeitado o resultado das eleições de dezembro, que deu vantagem à oposição venezuelana no Parlamento. Mas ficou perplexo e muito preocupado com os últimos atos ocorridos, que culminaram com as ações dos chavistas comandadas por Maduro. O Brasil, então, decidiu se posicionar de forma dura, de imediato, para repudiar as tentativas de manobras jurídicas.

O assessor internacional do Palácio do Planalto, Marco Aurélio Garcia, conhecido pela simpatia aos bolivarianos, também defendeu o duro tom da nota do governo da presidente Dilma Rousseff.

Apesar de Maduro inicialmente ter reagido como se tivesse acatado o resultado das eleições e ter mandado sinais ao Brasil de que entendera o recado do vizinho em relação a práticas democráticas e respeito às urnas, ainda em dezembro, começou a adotar atitudes que acenderam a luz amarela em Brasília.

Foi num recado de repúdio a essas manobras que a nota do Itamaraty diz que “o governo brasileiro confia, igualmente, que serão preservadas e respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional venezuelana e de seus membros, eleitos naquele pleito”.

Ainda por meio da nota, o governo brasileiro “insta todos os atores políticos venezuelanos a manter e aprimorar o diálogo e a boa convivência, que devem ser a marca por excelência das sociedades democráticas”. O Itamaraty lembrou ainda que “a lisura da votação do dia 6 de dezembro”, na qual a oposição obteve a maioria qualificada da Assembleia Nacional, com expressiva participação dos eleitores, foi atestada pela Missão Eleitoral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

Segundo embate. O documento de ontem foi a segunda nota que o Brasil divulgou atacando as ações do governo Maduro, em pouco mais de um mês. A primeira foi em 27 de novembro, quando, em texto cuidadosamente escrito e aprovado pessoalmente pela presidente, o governo brasileiro condenou, com veemência, a morte do político oposicionista venezuelano Luís Díaz, secretário-geral do partido Ação Democrática (AD), assassinado durante um comício, e cobrou das autoridades da Venezuela a necessidade de “investigar os fatos e punir os responsáveis”.

Quando o novo presidente da Argentina, Maurício Macri, foi eleito e anunciou que questionaria a presença da Venezuela no Mercosul, por estar violando cláusulas de democracia que regem o bloco, o Brasil foi contrário à iniciativa.

Na reunião do Mercosul, no dia 21, no Paraguai, a presidente Dilma fez um discurso entendido como conciliador, já que se congratulou com Macri e elogiou o processo democrático venezuelano. Um interlocutor da presidente ressalvou, no entanto, que talvez os venezuelanos tivessem entendido, erroneamente, que a fala de Dilma foi de apoio a Maduro, o que não era verdade.

Maduro ignora Brasil e tira poderes da oposição

Por Fabio Murakawa e Daniel Rittner – Valor Econômico

SÃO PAULO e BRASÍLIA - Uma nova Assembleia Nacional (AN) tomou posse ontem na Venezuela, com uma inédita maioria opositora em 17 anos de chavismo. Mas, apesar dos apelos internacionais, inclusive de aliados como o Brasil, o presidente Nicolás Maduro segue agindo para minar o poder dos parlamentares, que conquistaram nas urnas dois terços das cadeiras no parlamento.

Conforme o previsto, três dos 112 deputados eleitos pela coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) não puderam tomar posse. Eleitos pelo Estado de Amazonas, eles tiveram a eleição "suspensa" pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a mais alta corte do país, por supostas irregularidades. Caso a decisão judicial seja confirmada, a oposição não terá a maioria qualificada de dois terços na AN - mas sim de três quintos, com menos poderes. Também ontem, o governo divulgou um decreto presidencial da semana passada limitando os controles da AN sobre o Banco Central.

A oposição, representada pelo novo presidente da AN, Henri Ramos Allup, reagiu dizendo que tentará abreviar "constitucionalmente" o mandato de Maduro "nos próximos seis meses". Isso significa a convocação de um referendo revogatório ou até mesmo a convocação de uma Constituinte. Para tanto, porém, será preciso recuperar a maioria de dois terços.

Antes da posse, o Itamaraty soltou uma nota em tom inusualmente duro instando Caracas a respeitar "a vontade soberana do povo venezuelano, expressada de forma livre e democrática nas urnas". E dizendo confiar "que serão respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova AN e de seus membros". "Não há lugar, na América do Sul do Século XXI, para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito", disse o Itamaraty.

A nota do governo brasileiro marca um distanciamento do governo Dilma Rousseff em relação ao presidente Nicolás Maduro. E também sinaliza o isolamento cada vez maior a que o governo venezuelano está submetido na região.

Desde os protestos antichavistas de 2014, quando foram presos alguns líderes políticos, Brasília vem paulatinamente endurecendo o tom contra Caracas.

Um observador das relações entre os dois países nota que desde meados do ano passado o Itamaraty vem soltando "notas preventivas" como a de ontem, em vez de esperar os fatos ocorrerem para condenar ou elogiar a atuação do governo venezuelano. "Isso sinaliza, entre outras coisas, que há menos interlocução, menos diálogo direto entre os dois governos", diz.

A nota, apurou o Valor, passou pelo crivo do assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, um dos principais defensores da Venezuela dentro do Palácio do Planalto. Seu tom crítico dá ideia do tamanho do descontentamento do Brasil com o governo Maduro.

"A presidente Dilma está muito incomodada com a maneira como Maduro está conduzindo as coisas. E o Brasil elevará ainda mais o tom, caso o recado não tenha sido devidamente entendido", diz uma fonte do governo brasileiro.

No âmbito regional, aliados como a Bolívia de Evo Morales e o Equador de Rafael Correa já vêm pedindo moderação a Maduro, em fóruns como a Unasul (União de Nações Sul-Americanas).

Uma segunda fonte nota que no Mercosul o isolamento de Caracas é quase completo. Nesse front, a principal derrota de Maduro foi a vitória do opositor Maurício Macri, eleito presidente da Argentina em novembro passado. O chavista não somente ganhou um inimigo, como perdeu sua principal aliada na região, a ex-presidente Cristina Kirchner - que era amiga pessoal do ex-presidente Hugo Chávez.

Macri já chegou a pedir o uso da cláusula democrática do Mercosul contra a Venezuela. Ideia que o presidente paraguaio, Horacio Cartes, não hesitaria em defender. A Venezuela foi admitida no bloco à revelia do Paraguai, que estava suspenso do bloco após o impeachment do ex-presidente Fernando Lugo. "Dependendo de como Maduro se comportar, pode-se criar um clima desfavorável para a atuação da Venezuela no Mercosul", diz essa fonte de Brasília.

Hora de reforma trabalhista

Sem folga de caixa para dar incentivos ao setor produtivo, o governo estuda reforma trabalhista para ampliar negociações entre patrões e empregados, reduzir custos e estimular a retomada de investimentos, informa

Reforma trabalhista a caminho

• Sem caixa para incentivos, governo quer liberar negociações entre patrões e empregados

Martha Beck, Geralda Doca e Gabriela Valente - O Globo

-BRASÍLIA- Sem margem de manobra para conceder incentivos ao crescimento por meio de subsídios e desonerações generalizadas, a nova equipe econômica decidiu cortar a palavra pacote de seu vocabulário. Integrantes do governo afirmaram ao GLOBO que a ideia não é mais anunciar grandes planos de resgate da economia, mas trabalhar em ações estruturais para resgatar a confiança do mercado, dos empresários e dos consumidores. Depois da reforma da Previdência, a nova aposta do Palácio do Planalto é a reforma da legislação trabalhista, que tem potencial para reduzir custos e estimular a retomada dos investimentos.

Isso não quer dizer que ações setoriais foram esquecidas. Para ajudar a construção civil, que tem forte potencial para gerar empregos e recuperar o Produto Interno Bruto (PIB), técnicos trabalham para quitar as dívidas do programa Minha Casa Minha Vida com as construtoras. Além disso, o reforço no caixa do FGTS pelo pagamento das “pedaladas fiscais” (atrasos nos repasses de recursos do Tesouro) vai turbinar a terceira fase do programa.

— Não vai haver um grande pacote. Não tem uma bala de prata. As medidas, combinadas com o ajuste fiscal, vão aos poucos criar um ambiente mais seguro para empresas e consumidores —afirmou um técnico da área econômica.

Sem estímulo ao crédito
Ele explicou que o Brasil sofre uma crise de retração da demanda que não pode ser resolvida com estímulo ao crédito.

— Tem que ter tranquilidade conquistada pela melhoria do ambiente de negócios e resgate de credibilidade das contas públicas. Quando as pessoas se sentirem mais seguras em relação ao emprego, elas voltarão a consumir.

A reforma trabalhista, mencionada pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, em suas primeiras conversas com investidores no fim de dezembro, será debatida no Fórum Nacional de Previdência e Trabalho. A ideia é fortalecer o processo de negociação entre sindicatos de patrões e empregados para que o acordado possa prevalecer sobre a legislação trabalhista, considerada antiga e engessada.

O governo já deu um passo tímido nessa direção em 2015 por meio da criação do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), pelo qual empresas e trabalhadores podem negociar redução de jornada e de salário. Mas os técnicos admitem que o processo de ingresso no PPE ainda é lento, burocrático e cheio de amarras.

Setorialmente, a construção civil é protagonista nos planos da nova equipe. Sem recursos em caixa, no fim de 2015, o governo pediu aos empresários que reduzissem o ritmo das obras e negociou que faria os desembolsos de acordo com o faturamento das construtoras: de até R$ 48 milhões, em 15 dias; entre R$ 48 milhões e R$ 90 milhões, em 45 dias e acima de R$ 90 milhões, em 60 dias. A dívida acumulada, segundo cálculos da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), está entre R$ 800 milhões e R$ 900 milhões.

Embora tenha pago as pedaladas, o governo deixará de repassar cerca de R$ 600 milhões ao FGTS este ano para continuar executando o programa Minha Casa Minha Vida nas faixas de renda mais baixa (1 e2). O valor será bancado exclusivamente pelo Fundo, para cobrir a alta nas taxas de juros para famílias beneficiárias de obras que já estão em andamento na fase transição entre as etapas 2 e 3 do programa. Neste caso, as condições para os mutuários ficaram piores, com redução do valor do imóvel em alguns municípios, fim do seguro habitacional gratuito (custeado pela União), além do aumento nos juros.

Segundo o Ministério do Trabalho, a decisão de usar recursos do FGTS para as faixas 1 e 2 é “de caráter excepcional face à queda de receitas tributárias do governo” e permitirá a finalização de até 80 mil casas para trabalhadores de baixa renda.

Empreiteiras da Lava-Jato
Outra aposta para aquecer a construção civil é acelerar os acordos de leniência com as empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato, que viram o crédito secar por conta das denúncias de corrupção. Os acordos dão mais segurança jurídica e permitem que as empresas voltem a conseguir empréstimos para investir.

Amplas desonerações de impostos estão fora do cardápio, mas pode haver ajustes pontuais. O governo vai retomar ainda as reuniões do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), para ouvir as demandas do setor produtivo e buscar aceitação de todos os envolvidos para as medidas adotadas pelo governo.

7,5%
Desemprego médio no país em novembro de 2015, taxa que o governo planeja baixar via reforma nas leis

125
Bilhões de reais é o rombo estimado para este ano nas contas da Previdência, se as regras não mudarem

8,4%
Queda na atividade da construção civil nos primeiros nove meses de 2015, segundo o IBGE

2,3%
ZoomMarcarPartilharImprimirTraduzir
Projeção do mercado para encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país neste ano

CUT aprova Barbosa na Fazenda, mas rejeita novas regras para a Previdência

Por Camilla Veras Mota – Valor Econômico

SÃO PAULO - A Central Única dos Trabalhadores (CUT) viu como positiva a substituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no comando do Ministério da Fazenda, mas rechaça qualquer tentativa de mudança nas regras da Previdência Social.

Em entrevista publicada ontem no portal da entidade, o presidente da central, Vagner Freitas, reiterou que a agenda do movimento trabalhista neste ano deve seguir contrária a qualquer mudança que represente "retirada de direitos" e ressaltou que o novo ministro tem "a faca e o queijo na mão" para voltar a aquecer a economia, com redução de juros e estímulo ao crédito. O compromisso de reformar o sistema de aposentadoria foi citado por Barbosa no dia de sua nomeação como uma das prioridades de sua gestão.

Freitas disse se opor aos modelos de previdência vigentes no México e no Chile, onde o governo "vendeu" o sistema de proteção para as empresas privadas, e afirmou que o governo "precisa se posicionar" sobre esse assunto.

Para ele, o sistema público e universal de previdência é "tranquilamente sustentável", desde que os sonegadores sejam cobrados, que o orçamento da seguridade social seja usado apenas para seu financiamento e que a contribuição das empresas passe a ser calculada sobre o faturamento.

Qualquer discussão que venha a ocorrer, diz, deve ser feita no âmbito do Fórum de Debates sobre Políticas de Trabalho, Renda, Emprego e Previdência, criado pelo governo no ano passado para debater questões como essa com o movimento trabalhista, que reclamava da falta de diálogo com a presidente.

"O Nelson Barbosa tem a faca e o queijo na mão para vir agora com notícias boas para o Brasil. Se ele continuar com o discurso de ajuste fiscal e segurar a economia, vai perder a chance de aproveitar o clima do fim do ano, em que conseguimos equilibrar o jogo com os direitistas", afirmou. Freitas destacou o barateamento do crédito e a redução da taxa de juros como mecanismos que deveriam ser usados pelo novo ministro para "reaquecer o mercado interno". Ele disse ainda considerar Levy um representante da "política de benção ao mercado financeiro".

A inauguração do calendário do Legislativo deste ano, em março, dará início também à agenda de manifestações da CUT. Para Freitas, as ações "em defesa de direitos e da democracia" conduzidas pela central no ano passado foram cruciais para que movimentos não diretamente alinhados ao governo de Dilma Rousseff, mas contrários "ao retrocesso e ao golpe", se juntassem às demonstrações contra o impeachment. Assim, na esteira dos esforços dentro da "disputa de opinião" que tem caracterizado as discussões na sociedade brasileira, essas ações devem se estender também ao longo deste ano.