sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Pinguela sobre o abismo - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

• Bem ou mal, o que mantém a estabilidade política do país é o apoio do Congresso ao governo Temer, que é amplamente majoritário

Com fina ironia, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comparou o governo Temer a uma pinguela para se chegar às eleições de 2018, numa alusão ao documento do PMDB intitulado “Uma ponte para o futuro”. Não se trata da travessia de um riacho daqueles no qual a água bate nas canelas, ou mesmo no queixo. Mas de um abismo que dá até vertigens. Por isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) sacrificou a própria imagem para evitar um confronto com o Senado. Uma crise institucional agora, em meio à recessão e à crise ética, seria despencar num precipício.

Bem ou mal, o que mantém a estabilidade política do país é o apoio do Congresso ao governo Temer, que é amplamente majoritário, mas não é inabalável. Foi construído durante as votações do impeachment na Câmara e no Senado e cristalizado na montagem do governo. Tropa de assalto, porém, não é adequada para a ocupação de terreno: a equipe de governo deixa muito a desejar e já deu sinais de que não resiste a fricções. Seis ministros já foram trocados. A tensão entre o governo e a sua base começa a aumentar.

O governo é impopular desde o nascedouro, pois surgiu das entranhas do governo Dilma Rousseff. O PSDB, o principal aliado de Temer, queixava-se de não ter influência no estado-maior do Planalto, formado por um grupo de amigos do presidente da República. Muito menos na equipe econômica. Temer agora deve ceder a coordenação política do governo aos tucanos, ao nomear o deputado Antônio Imbassahy (PSDB-BA) para a secretaria de governo, no lugar do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), mas mantém o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, no comando de toda a equipe econômica. Os tucanos querem meter a colher na política econômica e estão de olho no Ministério do Planejamento. No fundo, gostariam de ver Armínio Fraga na Fazenda.

Na próxima terça-feira, 13 de dezembro (aniversário do Ato Institucional nº 5, de 1968), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), promete votar a PEC do teto dos gastos públicos, o que será um alívio para o governo. A proposta estabelece que, nas próximas duas décadas, as despesas da União (Executivo, Legislativo e Judiciário e seus órgãos) só poderão crescer conforme a inflação do ano anterior. Já para o ano de 2017, o texto institui que o teto de gastos corresponderá à despesa primária — que não leva em consideração os juros da dívida pública —, corrigida em 7,2%. Nos demais anos de vigência da medida, o teto corresponderá ao limite do ano anterior corrigido pela inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

A votação esteve ameaçada por causa da liminar do ministro Marco Aurélio que o afastava Renan do cargo, razão pela qual houve uma grande articulação política para que o Supremo Tribunal Federal sustasse a liminar. Renan permaneceu no cargo, embora esteja proibido de substituir o presidente da República. Verdadeira jabuticaba jurídica, como aquela do impeachment que manteve os direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff, embora seu mandato fosse cassado, a decisão do Supremo evitou uma crise institucional e a desarticulação da base do governo no Senado. Mas isso não significa que o assunto esteja encerrado. Renan ainda será julgado.

Batalha
Para sinalizar ao mercado que fará o ajuste fiscal, o governo enviou ao Congresso sua proposta de reforma da Previdência, que abriu uma nova frente de batalha com as centrais sindicais. A proposta foi feita sob medida para agradar ao mercado financeiro, mas desagrada servidores públicos e assalariados. Como não mexe com os privilégios dos militares – a verdadeira casa de marimbondos da reforma —, o discurso da igualdade foi desconstruído pelas corporações do setor público. O lançamento da proposta foi um show de incompetência. O governo conversou muito com as entidades patronais, bancos e seguradoras, mas a negociação com as centrais sindicais foi um desastre. Vem aí uma guerra infernal, cuja primeira batalha campal já estamos assistindo nas ruas do Rio de Janeiro.

Resta a Operação Lava-Jato, que segue seu curso irreversível. Com a delação premiada de Emílio e Marcelo Odebrecht, além dos 78 executivos que também falarão o que sabem, toda a elite política do país estará na berlinda. O uso de caixa dois pela empresa para financiar campanhas eleitorais não fazia distinção ideológica. Tudo seria mais tranquilo se o Supremo estivesse em condições de julgar os envolvidos na Lava-Jato rapidamente, mas não é o que acontece. O estoque de políticos enrolados só aumenta, o que agrava a tensão e desestabiliza as relações entre os poderes. Houve apenas um arrefecimento da tentativa de acabar com a Lava-Jato; os interessados continuam existindo e são poderosos.

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