quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O teto e a crise - Míriam Leitão

- O Globo

O presidente Temer concluiu ontem com vitória a primeira batalha do ajuste fiscal, no momento em que o governo está se enfraquecendo. A emenda constitucional que estabelece um limite para os gastos é fundamental diante do colapso das contas públicas, mas sua aprovação no segundo turno no Senado acontece quando até os aliados do presidente falam em antecipação de eleições.

É fácil ser contra a PEC do teto de gastos porque a restrição é sempre antipática. Todas as áreas separadamente têm bons argumentos para ampliar suas despesas, principalmente saúde e educação, o problema é que os gastos cresceram 6,1% em média anual acima da inflação desde 1997, com um pico de alta de 9,8% no primeiro mandato do presidente Lula, segundo o economista Fábio Klein, da Tendências Consultoria. No começo, a despesa crescente ainda foi coberta pela receita em alta, depois, o superávit primário desapareceu, por fim, apareceu o déficit primário e a dívida pública deu um salto no governo Dilma. Nada fazer contra esses desequilíbrios é contratar um desastre que afetaria todos os brasileiros.

É preciso dizer com todas as letras: o risco que se corre é de uma crise de confiança na dívida pública, e isso afetaria todas as aplicações financeiras dos brasileiros. A PEC do teto de gastos não evita o perigo contratado pela irresponsabilidade do governo anterior na economia, mas começa a dar um horizonte para as contas públicas.

A verdade é que não há teto para as despesas de saúde e educação, mas sim o mínimo garantido. Os gastos com saúde eram um percentual do PIB, mas, como a receita subia mais, o Congresso aprovou uma emenda que elevava para 13% das receitas e subia até 15% em 2020. Isso foi aprovado em 2014 e a receita despencou. A PEC antecipou os 15% para 2017 e manteve na educação os 18% da receita de impostos. O teto recai sobre todo o Orçamento. Os governos poderão elevar educação e saúde, mas terão que cortar em outro lugar.

Há outras propostas, tão indigestas quanto necessárias. O problema é que a agenda está sendo tocada por um governo impopular e que agora tem vários dos integrantes do seu núcleo duro sob a concreta ameaça de se tornarem réus em processo contra a corrupção. O próprio presidente foi citado 43 vezes em uma delação.

Enquanto isso, na Procuradoria-Geral da República continuam os depoimentos dos homens que dirigiram a Odebrecht nos últimos anos sobre suas ligações com os políticos que estão no atual governo e estavam no governo Dilma. Em Curitiba, quem depõe é o próprio Marcelo Odebrecht, o mesmo que disse no Congresso que puniria mais duramente a filha que delatou do que a que cometeu um erro. Pois é, neste momento ele está falando. O que o fez mudar tão radicalmente foi a força do processo de combate à corrupção.

A citação do presidente e dos seus homens fortes pelo lobista da Odebrecht Claudio Melo Filho encurtou o horizonte da administração. E é nesse ambiente que a equipe econômica trabalhava ontem na finalização do pacote. Bateram martelo no uso do FGTS para o pagamento das dívidas. O argumento que ouvi foi que o dinheiro é do trabalhador, e ele está pagando 475% de juros no cartão e 328% no cheque especial e é remunerado com apenas TR mais 3% ao ano. Explicam que não haverá descapitalização do Fundo porque ele tem R$ 100 bilhões de patrimônio e dará lucro de R$ 15 bi este ano. Fechavam nas últimas horas as regra do uso do dinheiro. Outra medida será a redução do adicional de 10% cobrado das empresas nas rescisões.

É bom que sejam mesmo medidas voltadas para a economia. O roteiro de lançar um pacote para ter uma agenda positiva nunca funcionou. Já foi tentado por vários governos, inclusive o último que caiu. A área econômica tem que continuar governando independentemente do conturbado quadro político.

Desde ontem, a equipe conta com um instrumento importante para coordenar as expectativas em relação ao futuro do déficit público. Porém, na área política, até Ronaldo Caiado, do Democratas, falou ontem em antecipar eleições. Do ponto de vista constitucional, isso só pode acontecer se houver a vacância do cargo em algum momento dos próximos 17 dias. Desta forma tumultuada o país se aproxima do fim do ano. Ele ainda não terminou.

Nenhum comentário: