quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Opinião do dia: Cármen Lúcia

Na história recente de nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou mo mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com  a ação penal 470 (mensalão), e descobrimos que o cinismo tinha vencido a esperança. Agora, parece se  constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes destas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão.  A decepção não pode vencer a vontade de acertar no espaço público. Não se confunde imunidade com impunidade. A Constituição não permite a impunidade a quem quer que seja.
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Cármen Lúcia, ministra do STF, em discurso sobre a prisão do líder do governo comparou a Lava-Jato com o mensalão.

‘O crime não vencerá a Justiça’

• Pela primeira vez na História, senador e líder do governo é preso no cargo por ordem do STF

*Supremo reage com veemência, PT lava as mãos e Senado mantém prisão *Delcídio e banqueiro são acusados de oferecer mesada a delator da Lava-Jato

Numa decisão inédita, um senador foi preso no exercício do mandato. O líder do governo Dilma, Delcídio Amaral (PTMS), e o presidente do banco BTG Pactual, André Esteves, foram presos por ordem do ministro do STF Teori Zavascki sob a acusação de obstruir as investigações da Lava-Jato ao tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que fez acordo de delação. Delcídio foi gravado por Bernardo Cerveró, filho do delator, planejando a fuga dele para a Espanha. Segundo Bernardo, Delcídio e Esteves também ofereceram pagar R$ 4 milhões a Cerveró para que ambos fossem poupados. Os cinco ministros do STF da turma responsável pela Lava-Jato referendaram a prisão por unanimidade. “O crime não vencerá a Justiça”, declarou a ministra Cármen Lúcia. A decisão foi confirmada pelo Senado por 59 votos a 13. A liderança do PT recomendou voto contra a prisão, enquanto o presidente do partido declarou que “não se julga obrigado a gesto de solidariedade”.

Nunca antes na história

• Em decisão inédita,STF manda orender senador Delcídio Amaral, além do banqueiro André Esteves

- O Globo

-BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal (STF) mandou prender ontem o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), e o banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, acusados de obstruir as investigações da Operação Lava-Jato ao tentar comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da área Internacional da Petrobras e novo delator do caso. A prisão de Delcídio, que caiu como uma bomba no mundo político, é a primeira de um senador no exercício do cargo. Ele foi flagrado em um grampo planejando a fuga de Cerveró e, junto com Esteves, segundo o Ministério Público, propôs o pagamento de mesada de R$ 50 mil à família de Cerveró para que ambos fossem poupados.

A prisão histórica levou o Senado a convocar sessão extra em que, pelo voto aberto, manteve a prisão de Delcídio, por 59 a 13, sendo nove votos do PT. A Constituição dá aos parlamentares o direito de não serem presos antes de sentença condenatória definitiva — ou seja, depois de encerradas todas as possibilidades de recurso. A exceção é para o flagrante de crime inafiançável, como interpretou ontem o STF e referendou o Senado.

Delcídio participou de reunião, gravada pelo filho de Cerveró, Bernardo Cerveró, em que foi planejada a fuga do ex-diretor para a Espanha, país onde tem cidadania. O senador chegou a sugerir uma rota pelo Paraguai. E alertou que pela Venezuela seria arriscado. Na mesma reunião, os participantes teriam falado, inclusive, sobre meios de violar a tornozeleira eletrônica, caso o STF determinasse o uso do mecanismo.

Outro motivo que levou o ministro Teori Zavascki a mandar prender o senador foi o fato de que, em reunião com o advogado de Cerveró, Delcídio teria prometido que o STF libertaria o réu. No áudio, o senador disse que já havia conversado com os ministros Teori e Dias Toffoli sobre a concessão de habeas corpus, o que ambos negam. Ele também prometeu pedir ao vice-presidente Michel Temer e ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que falassem com o ministro Gilmar Mendes sobre o tema. Ao julgar recurso à prisão, a Segunda Turma do Supremo confirmou a decisão de Teori por unanimidade e reagiu indignada às afirmações do senador na gravação.

No pedido de prisão de Delcídio, o procuradorgeral, Rodrigo Janot, escreveu: “Há, aí, o componente diabólico de embaraço à investigação: ultimado o acordo financeiro, Nestor Cerveró passaria a enfrentar dificuldades praticamente intransponíveis para conciliar-se com a verdade. Seu silêncio compraria o sustento de sua família, em evocação eloquente de práticas tipicamente mafiosas”.

O advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, também teve a prisão decretada, mas está fora do país. Ele acertou com Delcídio e Esteves o recebimento de R$ 4 milhões, segundo o Ministério Público. Em troca, convenceria seu cliente a não mencionar Delcídio e Esteves nos depoimentos. O chefe de gabinete do senador, Diogo Ferreira, participou das reuniões para acertar o pagamento das propinas e também foi preso.

— Essas pessoas não estão medindo esforços para interferir nas investigações da Lava-Jato — declarou o ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no STF.

Na delação premiada, Cerveró denunciou que Delcídio teria obtido vantagem nas operações da Petrobras para a contratação de sondas e na compra da refinaria de Pasadena. Esteves foi mencionado quando Cerveró afirmou que o BTG Pactual teria dado dinheiro ao senador Fernando Collor (PTB-AL), em operação para transformar as bandeiras de 120 postos de combustíveis de propriedade do banqueiro em São Paulo.

O PT, em nota, lavou as mãos sobre o aliado: afirmou que não tinha obrigação de ter solidariedade com o senador. No Senado, porém, votou em peso para que Delcídio deixasse a prisão. E, apesar de a presidente Dilma Rousseff ter se aproximado de Delcídio recentemente, o governo avalia que a situação dele é “insustentável”. Preocupa-se ainda com o impacto financeiro da prisão de Esteves.

‘Criminosos não passarão’, afirma ministra do STF ao ratificar prisão

• Por unanimidade, Segunda Turma considerou que provas são ‘gravíssimas’

Carolina Brígido e André de Souza - O Globo

-BRASÍLIA- Por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), composta de cinco ministros, confirmou em sessão extraordinária, ontem de manhã, a decisão tomada na noite anterior pelo ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato, de mandar prender o senador Delcídio Amaral (PT-MS). O colegiado considerou gravíssima a acusação do Ministério Público Federal de que Delcídio tentava obstruir as investigações sobre o esquema na Petrobras. Também foram mantidas as prisões do banqueiro André Esteves, do advogado Edson Ribeiro e do chefe de gabinete de Delcídio, Diogo Ferreira.

— A intervenção de Delcídio Amaral perante o STF, ainda que não tenha persuadido ministros, revela conduta de altíssima gravidade — disse Teori Zavascki.

Segundo as investigações, Delcídio e Esteves ofereceram dinheiro a Edson Ribeiro, contratado pelo ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, em troca do silêncio de seu cliente em delação premiada. O senador também promete ao advogado a libertação de seu cliente, alegando ter acesso a ministros do STF. Por fim, o senador se oferece para ajudar na fuga de Cerveró caso ele obtivesse o habeas corpus. As gravações nas quais Delcídio “vende” o habeas corpus deixaram os ministros do STF revoltados.

A ministra Cármen Lúcia ressaltou a ousadia dos investigados e fez uma comparação com o caso do mensalão.

— Na História recente de nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós, brasileiros, acreditou no mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 (mensalão) e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora, parece-se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes destas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão.

Para Cármen, imunidade parlamentar não pode ser confundida com impunidade.

Indignado, o ministro Celso de Mello considerou “gravíssimas” as acusações contra o senador. Ele lembrou que, antes de tudo, um agente político deve dar o exemplo:

— A delinquência institucional cometida na intimidade do poder por marginais que se apossaram do aparelho de Estado se tornou realidade perigosa, que vilipendia, que profana e que desonra o exercício das instituições e deforma e ultraja os padrões éticos. É preciso esmagar e destruir com todo o peso da lei esses agentes criminosos que atentaram contra as leis penais da República e contra os sentimentos de moralidade e de decência do povo brasileiro.

Dias Toffoli, presidente da Segunda Turma, concordou com os colegas:

— Infelizmente estamos sujeitos a esse tipo de situação, pessoas que vendem ilusões. (...) O que importa é o seguinte: o Supremo Tribunal Federal não vai aceitar nenhum tipo de intrusão nas investigações que estão em curso, e foi isso que ficou bem claro na tomada dessa decisão unânime e colegiada — afirmou.

Ao advogado de Cerveró, Delcídio disse que já tinha conversado com Zavascki e Toffoli sobre a concessão de habeas corpus. E prometeu que pediria ao vice-presidente Michel Temer e ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que falassem com o ministro Gilmar Mendes sobre o assunto. Delcídio também teria prometido ao advogado conversar com o ministro Edson Fachin sobre a concessão de um habeas corpus ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.

Teori Zavascki disse que é impressionante “a desfaçatez com que se discute a intercessão política na mais alta Corte brasileira”. Para o ministro, é importante manter o senador preso, para que as investigações não sejam prejudicadas.

Após a sessão, questionados se foram procurados para tratar de habeas corpus, Gilmar Mendes, Toffoli e Fachin negaram. Teori não quis comentar.

— Nunca conversei com ele (Delcídio) sobre esse assunto — disse Toffoli.

Com voto aberto, senadores mantêm Delcídio na prisão

• Por 59 a 13, plenário ratifica decisão do STF; nove petistas são contra

Maria Lima, Chico de Gois Cristiane Jungblut – O Globo

-BRASÍLIA- Embora constrangidos por julgar um colega, os senadores decidiram em plenário, por 59 votos a 13 e uma abstenção, ratificar a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) e manter a prisão de Delcídio Amaral (PT-MS). Não houve comemoração com o resultado, anunciado a um plenário abalado e silencioso.

Foi um dia de muita tensão e de muitas reuniões. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), começou logo cedo a articular para que a votação fosse secreta. Líderes da oposição se rebelaram e impetraram no Supremo Tribunal Federal (STF) um mandado de segurança preventivo para garantir o voto aberto.

Forma de votação em debate
No início da sessão que definiria o futuro de Delcídio, Renan disse que sua interpretação era de que o voto deveria ser secreto, mas que deixaria a decisão para o plenário. Depois de um longo debate, em que apenas o PT encaminhou pelo voto secreto, Renan sofreu um revés e foi derrotado por 52 votos pela votação aberta e apenas 20 pela votação secreta.

Derrotado no plenário, Renan não deixou de expressar também sua contrariedade com a decisão do Supremo, que chegou ao Senado determinando a votação aberta.

— Eu me curvo à decisão do Senado, mas enquanto estiver aqui vou defender as prerrogativas do Legislativo. A polícia vir aqui cumprir mandado é democrático. O que não é democrático é prender um congressista no exercício do mandato. Não posso concordar com isso. O equilíbrio dos Poderes não permite a invasão permanente (das prerrogativas), porque causará no futuro danos à democracia — disse Renan.

Os senadores, apesar de referendarem a prisão do senador Delcídio Amaral, fizeram um desabafo sobre o constrangimento de votarem contra um colega, que era considerado dos mais bem relacionados na Casa, tanto na bancada governista quanto na oposição.

— Estou vivendo o constrangimento da minha vida parlamentar. De estar votando contra o coração, mas a favor da razão. Custei a acreditar que o meu amigo Delcídio Amaral estava preso — disse o presidente do DEM, José Agripino (RN).

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), defendeu posição a favor de Delcídio:

— A posição da nossa bancada é de votar contra (a decisão do STF). O que está em discussão é se um Poder pode mandar prender um parlamentar no exercício do seu mandato. É isso que está em discussão. Posso até estar dando adeus à minha vida pública, espero que não. Mas jamais poderia dar adeus à democracia e à Constituição.

Aloysio Nunes Ferreira (PSDBSP) expressou o sentimento dos senadores da oposição:

— É com profundo sofrimento que tenho que encaminhar essa questão. O Delcídio é uma pessoa valorosa. Não fosse sua atuação como líder, seguramente o governo teria sofrido muito mais derrotas aqui. Ele merece a consideração da nossa bancada pela função que cumpre e cumpriu aqui.

— Estou com o coração partido. O sofrimento é muito grande, mas hoje temos que defender as instituições e o fortalecimento do Senado — emendou o senador Garibaldi Alves (PMDB-RN).

PT pela liberação do senador
Do PT, apenas os senadores Paulo Paim (PT-RS) e Walter Pinheiro (PT-BA) não votaram pelo relaxamento da prisão de Delcídio. O presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), assim como Renan, não votou, e o senador Edison Lobão (PMDBMA) , investigado na Operação Lava-Jato, absteve-se.

Logo após o fim da sessão que deliberou pela manutenção da prisão de Delcídio Amaral, Renan destacou que o Senado cumpriu a Constituição, embora de uma forma dolorosa. Renan também disse que a decisão da maioria pelo voto aberto em casos de prisão de senadores passará a ser uma norma para assuntos desse tipo.

— Este talvez tenha sido o dia mais doloroso do Senado. Mas fizemos nossa parte e cumprimos a Constituição — afirmou o presidente do Senado.

Os 13 que votaram pela liberação
Ângela Portela (PT-RR) Donizetti Nogueira (PT-TO) Fernando Collor (PTB-AL) Gleisi Hoffman (PT-PR) Humberto Costa (PT-PE) João Alberto Souza (PMDB-MA) Jorge Viana (PT-AC) José Pimentel (PT-CE) Lindbergh Farias (PT-RJ) Paulo Rocha (PT-PA) Regina Souza (PT-PI) Roberto Rocha (PSB-MA) Telmário Mota (PDT-RR)

Em gravação, senador diz que Cerveró acusa presidente

• Dilma saberia ‘de tudo’ sobre refinaria de Pasadena, segundo áudio

Eduardo Bresciani, Jailton de Carvalho - O Globo

-BRASÍLIA- O áudio que embasou a prisão do líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), sugere que o exdiretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró acusou a presidente Dilma Rousseff em sua delação premiada, ao afirmar que ela sabia do que se passava em relação à refinaria de Pasadena (EUA). A compra da refinaria gerou prejuízo bilionário para a estatal.

Cerveró firmou acordo com o Ministério Público semana passada, ainda não homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu Dilma.

Na reunião gravada por Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor, Delcídio afirma ter visto uma versão da proposta de acordo de delação de Cerveró em uma conversa que teve com o dono do BTG Pactual, André Esteves. O banqueiro tinha em mãos uma minuta diferente da que o senador havia recebido na qual, em anotações manuscritas, haviam acusações à presidente.

— No tópico da Dilma, ele (Cerveró) complementa, então ele bota assim: “a Dilma sabia de todos os movimentos de Pasadena” — diz o senador.

Delcídio diz a Bernardo e ao advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, crer que a letra era do ex-diretor. Ele repete em outras duas ocasiões o que constaria nessas anotações em relação a Dilma.

— No caso da Dilma, ele (Cerveró) diz: “a Dilma sabia de tudo de Pasadena, ela me cobrava diretamente, fiz várias reuniões” — afirma Delcídio.

— Ele (Cerveró) fala da Dilma dizendo que a Dilma acompanhou tudo de perto — reitera o senador.

Cerveró foi diretor da área Internacional da Petrobras até 2008. Depois, foi para a diretoria financeira da BR Distribuidora. Seu nome ganhou destaque quando, em março de 2014, Dilma o acusou de ter feito parecer “técnico e juridicamente falho” para embasar a compra da refinaria. Assim, ela justificou seu voto a favor da compra.

As menções a Dilma no áudio são feitas enquanto o senador e as demais pessoas reunidas especulam de quem seriam as anotações no rascunho da delação que Esteves possuía. Eles concluíram que a letra seria de Cerveró e que o papel poderia ter sido “roubado” na carceragem da Polícia Federal, onde o ex-diretor estava preso.

Cardozo diz que Dilma não sabia
O governo não comentou os trechos da gravação sobre Dilma, mas o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reagiu às acusações. Segundo ele, todos os elementos disponíveis confirmam a omissão de informações em documentos que levaram os conselheiros da Petrobras, entre eles Dilma, a aprovar a compra de Pasadena. O ministro disse desconhecer o conteúdo da delação do ex-diretor e não sabe se as declarações atribuídas a ele são verdadeiras:

— Se alguém disse isso (que Dilma sabia que a compra de Pasadena seria prejudicial), disse com má intenção e responderá na forma da lei — afirmou.

No áudio, o senador também menciona Cardozo. Delcídio afirma que já tinha conversado com o ministro da Justiça sobre o habeas corpus em tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que poderia beneficiar Cerveró. O senador afirma que conversou com Cardozo e que o ministro Marcelo Ribeiro Dantas levaria a decisão para uma das turmas daquela Corte. Delcídio diz que “na turma vai sair”.

Cardozo disse ontem não se lembrar se conversou com Delcídio sobre decisões da Justiça relativas à Lava-Jato:

— Converso diariamente sobre questões jurídicas com parlamentares, respondo a várias questões. Mas não me lembro de ter nenhuma conversa com o senador Delcídio sobre esse assunto. (Colaborou Simone Iglesias)

Senado tem decisão histórica ao manter sentença do STF de prender Delcídio Amaral

João Valadares / , Eduardo Militão , Naira Trindade /Correio Braziliense / Estado de Minas

BRASÍLIA - Líder do governo no Senado e com livre trânsito no gabinete da presidente Dilma Rousseff (PT), Delcídio do Amaral (PT-MS), responsável pelas negociações políticas mais importantes nas votações de interesse do governo, tornou-se nessa quarta-feira (25) o primeiro senador preso da história brasileira no exercício do mandato. Ele é acusado de tentar obstruir as investigações da Lava-Jato. A prisão preventiva, que abalou o Palácio do Planalto e deixou em alerta máximo senadores e deputados investigados na Lava-Jato, foi determinada pelo ministro Teori Zavascki,referendada por todos os outros quatro integrantes da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) e mantida por 59 senadores em votação aberta no Senado, contra 13 e uma abstenção. 

Ao iniciar a sessão, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), descreveu ser um dia “triste” para o Congresso. “É um dia muito triste. Ao revogar ou fazer com que a prisão aconteça estaremos fazendo a história e abrindo mão de uma prerrogativa do Legislativo.” Na sessão, nessa quarta-feira, Renan ainda classificou a nota do PT como “oportunista e covarde” por ter abandonado o senador preso. Mas defendeu o voto fechado. Os senadores Reguffe (PDT-DF), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), entretanto, apresentaram requerimento reivindicando o voto aberto. Renan deixou com o plenário a decisão, que optou pelo fim do segredo, mantendo assim a prisão de Delcídio decidida pelo Supremo.

Nessa quarta-feira (25) pela manhã, logo depois da prisão, o clima entre os senadores petistas era de velório. Uma reunião de emergência foi marcada. Na saída, os correligionários de Delcídio estavam constrangidos. Ninguém o defendeu e, de maneira implícita, ficou claro que a ordem do Planalto era abandoná-lo. O petista foi preso por agentes da PF nessa quarta-feira pela manhã no hotel Royal Tulip — coincidentemente onde fora preso no dia anterior o pecuarista José Carlos Bumlai, apresentado pelo próprio senador ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.

Mais um
Outro senador que teve um dia de revés foi Romário (PSB-RJ). Ele afirmou, em nota, que não tem conta em banco suíço nem firmou acordo para apoiar o pré-candidato do PMDB à Prefeitura do Rio, Pedro Paulo Teixeira. As acusações foram feitas pelo advogado Edson Ribeiro, que defende o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Em conversa com Delcídio Amaral, o advogado afirmou que Romário mantinha uma conta na Suíça. Na sequência, Delcídio afirmou que Paes e Romário firmaram acordo para que o senador apoie Pedro Paulo à sucessão municipal no Rio. Romário é cotado para disputar o cargo no ano que vem.

Em trecho da conversa, em 4 de novembro e gravada de forma oculta por um terceiro participante, Delcídio afirma ter recebido o prefeito Eduardo Paes, Pedro Paulo (atual secretário municipal de Governo do Rio), Romário e o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Então o advogado Ribeiro comenta: “Fizeram acordo, né?” Delcídio responde: “Diz o Eduardo que fez”. “Foi Suíça”, afirma o advogado. “Tinha a conta realmente do Romário. Tinha dinheiro no banco que foi encontrado. ‘Tira, senão você vai preso”, continua Ribeiro. Romário dá sua versão: “Encontrei o senador Delcídio no dia 4 de novembro, quarta-feira, para tratar da votação de um Projeto de Resolução do Senado (PRS 50/2015), do senador José Serra, do qual fui coautor. No áudio, meu nome é citado. E uma história diferente (...) é contada. O advogado levanta suspeita sobre um assunto que já foi esclarecido por mim e pelas autoridades brasileiras e suíças. Aqueles que novamente fazem acusações inverídicas claro que responderão à Justiça. Qual a credibilidade do advogado de um bandido, corrupto e responsável por roubar uma das principais empresas do país?”, questiona. (Colaboraram Denise Rothenburg e Paulo de Tarso Lyra

‘Dilma sabia de tudo’, diz Cerveró em anotação

• No documento de sua delação premiada, ex-diretor da Petrobrás fez anotação à mão na qual cita a presidente sobre compra de Pasadena

Mateus Coutinho, Valmar Hupsel Filho e Andreza Matais – O Estado de S. Paulo

Na minuta da delação premiada do ex-diretor internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró, há anotações do executivo à mão dizendo que a presidente Dilma Rousseff “sabia de tudo de Pasadena” e até mesmo estaria cobrando o então diretor pelo negócio, tendo feito várias reuniões com ele. O acordo de Cerveró foi firmado com a Procuradoria-Geral da República e submetido ao ministro do Supremo Teori Zavascki, que ainda não decidiu sobre sua homologação.

O fato veio à tona nas conversas gravadas entre o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral, o advogado Edson Ribeiro, que defendia Cerveró, e o filho do ex-diretor, Bernardo Cerveró. No diálogo, o senador revela que teve acesso ao documento sigiloso da dela- ção do executivo por meio do banqueiro André Esteves, CEO do banco BTG Pactual, e questiona as citações à presidente manuscritas na minuta do acordo de delação.

Na gravação, o filho de Cerveró confirma que as anotações são mesmo de seu pai. Os áudios dos encontros do político com o advogado, gravados por Bernardo Cerveró, foram utilizados pela Procuradoria-Geral da República para pedir a prisão de Delcídio, André Esteves, Edson Ribeiro e o chefe de gabinete do senador.

No documento, conforme menciona Delcídio na gravação, há referências de que Dilma “sabia de tudo” e ela “estava acompanhando tudo de perto”, tendo até mesmo cobrado Cerveró sobre o negócio.

A aquisição da refinaria de Pasadena é investigada por Polícia Federal, Tribunal de Contas da União e Ministério Público por suspeita de superfaturamento e evasão de divisas. O conselho da Petrobrás autorizou em 2006, quando Dilma era ministra da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da estatal,a compra de 50% da refinaria por US$ 360 milhões.

Posteriormente, por causa de cláusulas do contrato, a estatal foi obrigada a ficar com 100% da unidade, antes compartilhada com uma empresa belga. Acabou desembolsando US$ 1,18 bilhão – cerca R$ 2,76 bilhões. Segundo apurou o TCU, essas operações causaram um prejuízo de US$792milhões para a Petrobrás.

Em carta encaminhada ao Estado no ano passado, a presidente afirmou que a decisão foi tomada com base em um parecer “técnica e juridicamente falho”.

Busca e apreensão. A investigação sobre o caso foi encaminhada ao juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, e, por meio de delações, lobistas e ex-executivos da estatal confirmaram que houve o acerto de propinas no negócio para atender “compromissos políticos”. Diante disso, foi deflagrada a 20.ª etapa da Lava Jato que determinou buscas e apreensões nos endereços de ex-funcionários da estatal envolvidos no negócio.

Não é a primeira vez que o ex-diretor tenta envolver a presidente no escândalo da Petrobrás. Em janeiro, o executivo chegou a citar Dilma como sua testemunha de defesa em um dos processos que ele respondia na Justiça Federal no Paraná. Na ocasião, após o fato ser revelado, a defesa do executivo recuou e, em menos de uma hora, substituiu a testemunha.

O Palácio do Planalto informou que não vai se manifestar sobre o caso.

PT e governo 'lavam as mãos' sobre destino de Delcídio

• Com o argumento de que senador agiu em 'caráter pessoal', petistas rifam senador para que crise causada por sua prisão não respingue na presidente

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto e a cúpula do PT decidiram lavar as mãos sobre o destino do senador Delcídio Amaral (MS) e abandoná-lo à própria sorte para que a nova crise não prejudique ainda mais a presidente Dilma Rousseff. Até ser preso pela Polícia Federal, na manhã desta quarta-feira, Delcídio era líder do governo no Senado. O escândalo deixou o núcleo político do Planalto em estado de alerta.

Logo que soube da prisão de Delcídio, Dilma convocou uma reunião com ministros. A avaliação ali foi a de que o episódio envolvendo o líder do governo agravou a situação política, tendo potencial para fragilizar ainda mais a presidente. Para que a crise não colasse em Dilma, porém, o Planalto resolveu rifar Delcídio.

Ao longo do dia, ministros disseram que as ações do senador foram feitas em “caráter pessoal”, não tendo qualquer vinculação com o Executivo.

“O governo foi surpreendido pelos fatos ensejados pela ação do Supremo Tribunal Federal”, afirmou ao Estado o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “Nossa posição é muito clara, na linha de que a Justiça deve seguir o seu curso normal e que as investigações devem ser feitas, em profundidade, sobre todos os aspectos envolvidos na questão”.

Cardozo disse ter sido informado sobre a operação que a Polícia Federal realizaria somente por volta das 6h30 desta segunda-feira. “Fui avisado pelo diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, logo de manhã e comuniquei a presidenta Dilma”, contou o ministro. Questionado sobre as consequências da prisão de Delcídio para o governo, Cardozo procurou desvincular os fatos.

“Não vejo impacto maior sobre o governo, uma vez que os fatos relatados não derivam de ação do governo ou por ele solicitado”, disse Cardozo. Em conversas reservadas, porém, auxiliares de Dilma ponderaram que a estratégia foi adotada para blindar a presidente. Não sem motivo: além de ver a investigação da Operação Lava Jato avançando sobre o Planalto, a prisão de Delcídio ressuscitou o escândalo da compra da refinaria de Pasadena, em 2006, quando Dilma era ministra-chefe da Casa Civil.

A refinaria foi comprada por preço superfaturado e Dilma depois afirmou que autorizou o negócio com base em um relatório produzido por Nestor Cerveró, então diretor da área internacional da Petrobrás. De acordo com a presidente, ela constatou depois que o relatório tinha falhas.

O presidente do PT, Rui Falcão, disse estar “perplexo” com os fatos que ensejaram a decisão do Supremo Tribunal Federal de ordenar a prisão de Delcídio. “Nenhuma das tratativas atribuídas ao senador tem qualquer relação com sua atividade partidária, seja como parlamentar ou como simples filiado”, escreveu Falcão em nota. “Por isso mesmo, o PT não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade.”

Prisão de Delcídio e Esteves pode agravar crise política e econômica

Por Raymundo Costa e Leandra Peres - Valor Econômico

BRASÍLIA e SÃO PAULO - No momento em que a presidente Dilma Rousseff tentava reagrupar as forças aliadas, as prisões do líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), e do banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, aumentam o risco de um agravamento da crise política e econômica.

A prisão de Delcídio é inédita na história da República. Além de líder de Dilma no Senado, Delcídio era amigo e um dos interlocutores da presidente para assuntos relativos à Petrobras. A crise foi um pouco atenuada à noite, quando o Senado, por 59 votos a 13, decidiu manter a prisão do senador, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da Operação Lava-Jato. A gravidade das acusações deixou o Senado acuado e sem muitas alternativas. Ou entregava Delcídio ou corria o risco de ser acusado de conivência com a obstrução das investigações sobre a corrupção na Petrobras.

Delcídio e Esteves foram presos sob a acusação de tentar obstruir as investigações da Lava-Jato. Em ato classificado pela Procuradoria-Geral da República como "diabólico" e "digno de máfia", Delcídio atuou para evitar o acordo de delação premiada de Nestor Cerveró, ex-diretor da área internacional da Petrobras. Até um plano de fuga para a Espanha foi discutido em conversa entre o senador, seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, e o advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, com o filho de Nestor, Bernardo Cerveró.

Delcídio se tornou a 37ª pessoa com foro privilegiado investigada na Lava-Jato pelo STF. O mandado de prisão contra Ribeiro, responsável pela defesa de Cerveró, não pôde ser cumprido porque ele está fora do Brasil. Segundo o Ministério Público, o advogado foi "cooptado" por Delcídio para impedir a deleção premiada de Cerveró.

O acordo de delação foi fechado, mas ainda não homologado pelo STF. Nele, Cerveró afirma que Delcídio recebeu suborno em duas operações da Petrobras. O ex-diretor afirma ainda que Esteves pagou propina ao senador Fernando Collor (PTB-AL), no âmbito de contrato de embandeiramento de 120 postos de combustíveis, em São Paulo, que pertenciam conjuntamente ao BTG Pactual e ao grupo empresarial Santiago.

Prisão de Delcídio amplia risco de agravamento da crise
No momento em que a presidente Dilma Rousseff tentava reagrupar as forças aliadas, a prisão do líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), e do banqueiro Andre Esteves, dono do BTG, amplia o risco de um agravamento da crise política e econômica.

A prisão de Delcídio é inédita na história da República e levou a crise para dentro do gabinete da presidente da República. Além de líder de Dilma no Senado, Delcídio era amigo e um dos interlocutores da presidente para assuntos relativos à Petrobras. A crise ameaçou jogar o Senado contra o Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou as prisões, efetuadas no âmbito da Operação Lava-Jato. Os senadores decidiram manter a decisão do Supremo. A gravidade das acusações deixou o Senado acuado e sem muitas alternativas. Ou entrega a cabeça de Delcídio ou corre o risco de ser acusado de cumplicidade com obstrução das investigações.

Delcídio, além das reuniões com os demais líderes para traçar as estratégias de votação do governo no Congresso, inclusive aquelas relacionadas à Operação Lava-Jato, tinha também encontros políticos reservados com a presidente da República. O senador teve papel destacado inclusive na elaboração da nova lei do petróleo. Para quem não se lembra, Delcídio Amaral foi o presidente da CPI dos Correios, que investigou o mensalão, esquema de compra de votos em troca de apoio descoberto no governo do ex-presidente Lula. É um interlocutor privilegiado também do ex-presidente Lula, com quem mantinha reuniões frequentes.

A proximidade do ex-líder com a presidente da República acaba de vez com o argumento de que a Operação Lava-Jato era coisa que diz respeito só ao PT e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - argumento muito difundido no Palácio do Planalto e no Ministério da Justiça e que explicava o constante mau humor de Lula com Dilma.

O esforço das lideranças do governo, ontem, era caracterizar a atitude de Delcídio como "pessoal". O PT imediatamente tentou se desvincular das ações do associado, por meio de nota divulgada pelo presidente do partido, Rui Falcão, em que o partido se desobriga de "qualquer solidariedade" ao senador.

A paralisia do Congresso, que ontem cancelou todas as votações importantes, e os sombrios prognósticos da economia para 2016 apontam para uma conjuntura que requer um governo com forte apoio político, o que não é o caso da presidente.

Até ontem, Dilma não era personagem ativa nas delações da Lava-Jato. Isso mudou. Ao descrever o que seria a delação premiada do ex-diretor da Área Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, o senador Delcídio diz que ele afirma que a presidente acompanhou de perto a compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras. O negócio envolveu propinas e prejuízo à estatal.

A oposição preferiu a cautela: "O PSDB deve acompanhar a decisão do Supremo", afirmou o presidente do partido, senador Aécio Neves. Ele não deixou de criticar o Planalto, apontado como responsável pela corrupção e principal beneficiário dos desvios de verbas.

O vice Michel Temer (PMDB-SP) também é alvo na gravação da conversa do senador Delcídio. Segundo o ex-líder do governo, Temer poderia usar seu prestígio com o ministro do Supremo, Gilmar Mendes, para facilitar a concessão de habeas-corpus para Cerveró e estaria muito preocupado com a delação de Zelada, em referência ao ex-diretor da Área Internacional da Petrobras, Jorge Zelada. "Delcídio jamais falou com o vice-presidente sobre as investigações da Lava-Jato no Supremo", informou a assessoria de Temer. "Michel nunca mencionou o assunto com o ministro Gilmar Mendes e não tem nenhuma preocupação com a eventual delação premiada de Jorge Zelada".

O adiamento da sessão do Congresso, que votaria temas importantes da pauta econômica, foi o primeiro sintoma do que pode vir a ser uma paralisia nos projetos com os quais o governo contava para fechar as contas desse ano e de 2016.

O assunto mais importante para o governo é a alteração da meta de superávit primário de 2015 de 1,2% do PIB para um déficit de 0,85% do PIB. Sem a aprovação dos parlamentares, a presidente Dilma Rousseff pode cometer crime de responsabilidade. É pouco provável que o Congresso não trate do assunto até o fim do ano.

O Senado também tratava da revisão do projeto de repatriação de recursos do exterior, que saiu da Câmara com alíquotas reduzidas e um potencial de arrecadação muito abaixo do que esperava o governo. O senador Delcídio do Amaral é o autor de um dos projetos sobre o assunto e capitaneava as discussões. O governo também contava com a aprovação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) ainda este ano.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, esteve ontem com a presidente Dilma Rousseff para tratar do Orçamento de 2016. Crescentemente irritado e desgastado pelo tiroteio do próprio PT, Levy reclama do que considera falta de apoio no governo à meta de superávit primário de 0,7% do PIB. O ministro considera que a proposta de superávit zero, que será apresentada pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), é feita em articulação com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Levy quer apoio inequívoco da presidente para manter o resultado de 2016.

As prisões também mudaram as expectativas do Congresso sobre alguns desdobramentos da Operação Lava-Jato: até ontem, apostava-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) deveria restringir o raio de ação do juiz Sergio Moro, que comanda a investigação daquele que talvez seja o maior escândalo de corrupção do mundo; agora, ganha contornos no horizonte a possibilidade de o Supremo se aliar ao juiz Moro na empreitada de passar em revista os governos Lula e Dilma.

Temendo 'até mentiras', governo não vai atacar nem isolar Delcídio

Marina Dias – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Aconselhada por seu núcleo político mais próximo, a presidente Dilma Rousseff decidiu que o governo não deve atacar nem isolar completamente o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), preso nesta quarta-feira (25) na Operação Lava Jato por tentar obstruir as investigações.

Segundo a Folha apurou, o governo teme que Delcídio use, nas palavras de um ministro, "até mesmo de mentiras" para atacar diretamente o Palácio do Planalto e, por isso, a ordem é ter cautela.

Auxiliares de Dilma foram avisados na noite de terça-feira (24) sobre a prisão do senador. Ao tomar conhecimento dos fatos, a presidente demonstrou preocupação com o efeito que isso teria sobre votações importantes no Congresso e sobre sua imagem e a de seu governo.

Delcídio era um dos principais articuladores do governo no Legislativo, com trânsito entre parlamentares da base aliada e da oposição, e participava da maior parte das reuniões de coordenação política do Planalto, realizadas às segundas-feiras e comandadas pela presidente.

Horas após a prisão do senador, Dilma reuniu em seu gabinete no Palácio do Planalto os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Jaques Wagner (Casa Civil), Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Edinho Silva (Comunicação Social) para fazer uma avaliação do cenário.

Após examinar o conteúdo das falas de Delcídio, gravadas em um áudio entregue à Procuradoria-Geral da República, Dilma ordenou que, oficialmente, o governo dissesse que foi "surpreendido" pelos fatos e defendesse "a autonomia das investigações".

Conta própria
Auxiliares da presidente ressaltaram que o conteúdo das falas do senador deixava claro que o senador "agia por conta própria" e não "a mando do governo federal".

As conversas de Delcídio foram gravadas e entregues à PGR por Bernardo Cerveró, filho de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, também preso na Operação Lava Jato.

Segundo interpretação dos investigadores, Delcídio queria impedir a delação premiada de Cerveró, fechada pelo ex-executivo da estatal em troca de redução de pena.

Nas conversas, o senador cita, entre outros nomes, Dilma e o ministro da Justiça, em contextos diferentes que, segundo Cardozo, não condizem com a verdade.

Substituto
Preocupada com o andamento de votações no Congresso, como a que estava marcada para esta quarta sobre a alteração da meta fiscal, Dilma escalou Berzoini para iniciar as negociações que resultariam na substituição de Delcídio na liderança do governo no Senado.

No fim da tarde, porém, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência divulgou nota para informar que o novo líder do governo na Casa será escolhido somente na próxima semana.

Até lá, respondem interinamente pelo cargo os vice-líderes Telmário Mota (PDT-RR), Wellington Fagundes (PR-MT), Paulo Rocha (PT-PA) e Hélio José (PSD-DF).

Ministros ficaram desconcertados com acesso de Esteves a delação sigilosa

Mônica Bergamo – Folha de S. Paulo

Uma das informações que mais desconcertaram ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e também do governo Dilma Rousseff nesta quarta (25) foi a de que o banqueiro André Esteves teve acesso a documentos sigilosos da delação premiada de Nestor Cerveró que estava sendo negociada com a Justiça. Ele foi preso nesta quarta (25) sob acusação de tentar obstruir as investigações.

Caneta
O documento de delação tinha inclusive anotações manuscritas de Cerveró. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anotou que o fato "revela a existência de perigoso canal de vazamento, cuja amplitude não se conhece". Ele define como "genuíno mistério" o fato de que documento "guardado em ambiente prisional, com incidência de sigilo, tenha chegado às mãos de um banqueiro privado em São Paulo".

O inimigo...
Há tempos que, por trás da aparência algo heroica da Operação Lava Jato, crescem desconfianças de que autoridades com acesso privilegiado à investigação revelem ilegalmente dados sigilosos a investigados e outros interessados.

...Mora ao lado
Elas se somam às acusações de que policiais instalaram grampos ilegais em departamentos da própria Polícia Federal para investigarem uns aos outros.

Em todas
O banqueiro André Esteves era tão próximo de Lula que, quando visitava o ex-presidente no Hospital Sírio-Libanês quando ele se tratava de um câncer na laringe, subia ao quarto do petista por um elevador privativo.

Dilma, não
Amigo também do senador Aécio Neves (PSDB-MG), Esteves não escondia de ninguém que tinha votado nele para presidente em 2014. Ele foi inclusive a jantares de apoio ao tucano. O banqueiro gostava de Lula -mas não do governo de Dilma Rousseff.

'PT cedeu à corrupção'

• Corrupção do PT se alastrou da gestão Celso Daniel à esfera federal, diz juíza

• Para juíza, quadros importantes do PT cederam à corrupção

- Diário do Poder

Em sentença de 117 páginas, na qual condenou a 15 anos e seis meses de prisão o empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, a juíza Maria Lucinda da Costa, da 1ª Vara Criminal de Santo André, assinalou que ‘o esquema de corrupção era tão estruturado que se ramificou’ e atingiu a administração federal. “Encontrou no pensamento coletivo corrompido terreno fértil e se alastrou inclusive para a esfera federal”, escreveu a juíza.

Sombra é um emblemático personagem do caso Santo André. Ele era muito próximo de Celso Daniel, ex-prefeito do PT executado a tiros em janeiro de 2002. Para o Ministério Público Estadual, o esquema de propinas abastecia caixa 2 do partido. Os promotores afirmam que Celso Daniel foi eliminado porque resolveu dar um fim na arrecadação ilícita em sua gestão ao descobrir que o dinheiro estaria sendo canalizado para o enriquecimento pessoal de Sombra e de outros personagens do caso.

A condenação de Sombra é a primeira imposta pela Justiça no episódio que se transformou em um pesadelo para o PT. Além de Sombra, a juíza condenou o empresário do setor de transportes e de comunicação em Santo André Ronan Maria Pinto (10 anos e 4 meses de pena) e o ex-secretário municipal Klinger Luiz de Oliveira Souza (15 anos e seis meses). Todos poderão recorrer em liberdade.

A Promotoria atribuiu a Sombra, Ronan e Klinger a liderança de um esquema de arrecadação de propinas no setor de transporte público da cidade do Grande ABC.

A suspeita sobre o suposto caixa 2 do PT surgiu com o depoimento do médico oftalmologista João Francisco Daniel, irmão mais velho de Celso Daniel. Ele revelou que a propina ia para o partido, na ocasião presidido por José Dirceu, mais tarde ministro-chefe da Casa Civil no primeiro governo Lula.

“Os réus, especialmente Klinger e Sérgio (Sombra), ligados que são ao Partido dos Trabalhadores, ocuparam posição de destaque no partido, em uma cidade que congregava a liderança partidária”, assinalou a juíza Maria Lucinda da Costa. “Da administração de Celso Daniel saíram pessoas que ocuparam cargos no primeiro escalão do governo federal petista, como Miriam Belchior e Gilberto Carvalho. Portanto, tinham eles condições de, em fazendo uma administração limpa, fazer frutificar frutos bons. Mas, não, optaram por ceder à corrupção, o que possibilitou a proliferação do esquema maléfico, como depois se tornou público e notório.”

A juíza cita na sentença uma ‘testemunha sigilosa’. “Ouvida no procedimento preparatório, (a testemunha) relatou que soube pela ex-mulher de Celso Daniel que as empresas contratadas pela Municipalidade desviavam recursos dos cofres públicos para o Partido dos Trabalhadores, para utilização em campanhas eleitorais e que os valores eram entregues em mãos do presidente do Partido, José Dirceu.”

A juíza destaca que ‘no caso específico dos autos, não se pode ignorar, ainda, que a estrutura criminosa se instalou em torno de serviço público essencial, utilizado pela camada mais sofrida da população que, não obstante seja a menos favorecida economicamente, foi a que mais sofreu com o aumento dos custos dos serviços impostos para suportar o pagamento da verba ilícita’.

“Como se não bastasse, são atos da espécie que prejudicam a evolução social, o crescimento da economia, a estruturação do Estado Democrático de Direito e, na medida em que causam o descrédito do administrador público, comprometem a imagem de todas as autoridades públicas e toda a estruturação dos entes federativos”, alerta a magistrada.

A juíza cita João Francisco Daniel, irmão de Celso Daniel. “Relatou que após o falecimento do prefeito Celso Daniel, soube por Miram Belchior, ex-esposa do alcaide, que havia um ‘caixa 2′, cuja receita era destinada ao Partido dos Trabalhadores. Ocorre que pouco antes do falecimento de Celso, cogitou-se que parte deste dinheiro estava sendo desviada em proveito próprio de Klinger, Ronan e Sérgio, tanto que Celso confidenciou ao irmão que estava fazendo um dossiê contra os réus. 

Posteriormente, Miriam teria relatado à testemunha que “…Klinger direcionava as licitações, o denunciado Ronan seria o beneficiário dessas licitações….e por fim o denunciado Sérgio era o responsável para manter o contato com os empresários de Santo André….Sérgio era um homem violento e responsável pela arrecadação junto aos empresários…”, inclusive, exibindo-lhes arma de fogo durante as reuniões. Finalmente, o dinheiro seria encaminhado ao PT, na pessoa de José Dirceu, por Gilberto Carvalho.”

Perante a CPI que se instalou na Câmara municipal de Santo André, João Francisco disse que ‘o esquema lhe teria sido relatado também por Gilberto Carvalho’.

Tais informações foram desmentidas por Miriam Belchior e por Gilberto Carvalho, segundo a própria sentença da juíza de Santo André. “Também não se ignora que, ouvida pela CPI, Miriam desmentiu o ex-cunhado, assim como Gilberto Carvalho o fez. Entretanto, ainda que não se tenha provado o conhecimento de Miriam e de Gilberto acerca do esquema criminoso, certo é que os depósitos, documentalmente comprovados, são mais que suficientes para provar a existência do grupo criminoso. As demais testemunhas, embora não contribuam para confirmar a acusação, também não bastam para afastar as robustas provas produzidas.”

A juíza cita, ainda, Ivone de Santanta, viúva de Celso Daniel. “Descreveu que no primeiro mandato de Celso, Sérgio trabalhou no gabinete do Prefeito e Klinger era funcionário da Prefeitura. No segundo e terceiro mandatos, Sérgio, por não residir em São Paulo, não ocupou cargo na Prefeitura Municipal e Klinger passou a Secretário. Asseverou que o relacionamento do falecido Prefeito com o irmão João Francisco não era próximo, porque Celso não gostava de ser procurado para atender interesses pessoais do irmão, cujo filho era patrocinado no basquete pela família Gabrilli (proprietária de uma empresa de transportes). Enfatizou que João Francisco pressionava o prefeito para interceder na Administração em favor de Gabrilli. Por outro lado, Ivone negou que Celso estivesse fazendo um dossiê contra Klinger, Ronan e Sérgio. Ao contrário, sustentou que a relação de amizade entre Celso e Klinger nunca foi abalada.”

Em rascunho de delação, Cerveró diz que Dilma 'sabia de tudo' de Pasadena

Aguirre Talento, Márcio Falcão, Bela Megale e Mario Cesar Carvalho - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, CURITIBA, SÃO PAULO - Na minuta preliminar da sua delação premiada, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró afirmou que a presidente Dilma Rousseff "sabia de tudo de Pasadena" e que ela "me cobrava diretamente".

A refinaria, comprada nos Estados Unidos, teve superfaturamento de US$ 792 milhões, na avaliação do TCU (Tribunal de Contas da União), e foi adquirida após encaminhamento favorável de Dilma, que na época era presidente do Conselho de Administração da Petrobras.

O acordo de delação foi assinado na última quarta-feira depois que a defesa de Cerveró entregou à PGR (Procuradoria Geral da República) evidências de que o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), tentou, em conluio com o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, fazer com que ele não firmasse colaboração com a Justiça.

Delcídio e Esteves foram presos pela Polícia Federal na manhã desta quarta.

As informações sobre a minuta da delação foram repassadas pelo senador Delcídio do Amaral (PT-MS) em reunião com o advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, e com o filho do ex-diretor, Bernardo durante a discussão de um acordo em que Cerveró livraria Delcídio e o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual.

Delcídio leu para os participantes a minuta da delação de Cerveró à qual ele teve acesso —documento que era sigiloso.

Segundo o senador, Cerveró relatou que Dilma "acompanhava tudo de perto" da refinaria de Pasadena e que fez várias reuniões com ela para tratar do assunto.

A delação de Cerveró ainda não foi homologada pela Justiça. Nos seus depoimentos, ele também teria falado que a operação de Pasadena rendeu dinheiro para Delcídio.
Veja a cronologia do inferno astral da Petrobras

Cardozo
O senador petista afirmou ainda, na conversa, que conversou com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, sobre um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que havia sido indicado em agosto e empossado no fim de setembro.

Eles conversavam sobre um habeas corpus para Cerveró e o ex-diretor Renato Duque, também preso, dando a entender que ele daria uma decisão favorável à liberdade deles.

"Sobre o STJ, ontem eu conversei com o Zé Eduardo, muito possivelmente o Marcelo na turma vai sair", disse Delcídio.

Vitória 10.000
Entre os cerca de 28 anexos que integram a negociação feita entre o ex-diretor da estatal e os procuradores está um sobre o navio-sonda Vitória 10.000. Nele, o executivo diz que parte dos contratos da sua operação teve direcionamento para políticos do PT e do PMDB, entre eles o próprio Delcídio do Amaral e os senadores Jader Barbalho (PMDB - PA) e Renan Calheiros (PMDB - AL).

Ele também diz que negócio da sonda foi feito com o grupo Schahin para quitar uma dívida com o PT, versão revelada outros três delatores.

Até o momento, Cerveró não entrou em detalhes sobre os anexos de sua delação. Ele prestou apenas um depoimento na semana passada, poucos dias depois de ser transferido para o Complexo Médico Penal, em, Pinhais, na quinta (12). Seu acordo foi assinado menos de uma semana depois.

Comunicado
Segundo pessoas próximas a Cerveró, ele tem se mostrado aliviado desde que fechou o acordo, pois passou a ter data definida para sair da prisão. Segundo a Folha apurou ele dele ir para casa no meio de 2016.

No entanto, Cerveró não escondeu dos companheiros de prisão o receio do que pode acontecer com familiares, principalmente com o filho Bernardo, que fez gravações de Delcidio do Amaral que culminaram na prisão do senador petista. Ele falou a outros presos que tem receio de retaliações.

Também comentou que estava decepcionado com o comportamento do seu advogado, Edson Ribeiro, que participou das negociações.

O estado de saúde mental de Cerveró era uma das principais preocupações da família. Diante de duas tentativas frustradas de negociação com a PGR, o ex-diretor se mostrava deprimido e com oscilações de humor. Ele também emagreceu cerca de dez quilos.

Convite: Diálogo com os autores

• Convite - 2ª. feira, 30/nov. , a partir das 18:30 h

• Livraria Blooks - Praia de Botafogo, 316


Venha conhecer o que pensam e porque escreveram estes livros:

• Luta e memória – A preservação da memória histórica do Brasil e o resgate de pessoas e documentos das garras da ditadura (Ed. Revan)
Dora Henrique da Costa, Marly Vianna, Zuleide Faria de Melo e Maria Ciavatta (org.)

• O trabalho docente e os caminhos do conhecimento (Ed. Lamparina)
Maria Ciavatta

• Trabalho e educação- Análises críticas sobre a escola básica (Ed. Mercado das Letras)
Jaqueline Ventura e Sonia Maria Rummert (orgs.), Cláudio Fernandes da Costa, Dora Henrique da Costa, Eunice Trein, José Luiz Antunes, Laura Souza Fonseca, Lia Tiriba, Luciana Requião, Maria Ciavatta, Maria Inês Bonfim, Ronaldo Rosas Reis, Rosilda Benácchio, Sandra Maria Nascimento de Moraes, Thaís Rabelo de Souza, Zuleide Silveira.

O livro LUTA E MEMÓRIA conta como foi organizado e realizado nos anos 1970, auge da ditadura militar, o trabalho de retirar de esconderijos no Brasil e levar para lugar seguro na Itália, a biblioteca e os documentos históricos que constituíam os arquivos de Astrojildo Pereira, intelectual dedicado ao movimento operário e socialista, fundador do PCB. Três mulheres corajosas e incansáveis participaram da proeza: Marly Vianna, Zuleide Faria de Melo e Dora Henrique da Costa. No livro, elas dão depoimento para relatar os mil incidentes daquela empresa que possibilitou resgatar e preservar um patrimônio histórico do país.

O livro O TRABALHO DOCENTE E OS CAMINHOS DO CONHECIMENTO desenvolve-se em duas vertentes de análise: a questão teórico-metodológica da pesquisa em ciências humanas e sociais aplicadas à educação, e a sua historicidade no tempo-espaço da sociedade capitalista onde os professores vivem e exercem o trabalho docente. A Educação Básica é subsumida à Educação Profissional, para a preparação de mão de obra dócil à disciplina da produção. Neste contexto, tornam-se fundamentais os conhecimentos humanísticos e científico-tecnológicos, adequados à leitura crítica do mundo atual e à sua integração com os saberes profissionais específicos

O livro O TRABALHO E A EDUCAÇÃO. Análises críticas da escola básica apresenta uma reflexão diversificada sobre a categoria trabalho em sua dimensão histórica central para a compreensão do fenômeno educativo, bem como em sua dimensão de atividade de produção da existência, visando ampliar o debate sobre a formação humana. E objetivo do conjunto dos autores contribuir para a reflexão dos profissionais da educação, fortalecendo a articulação e o diálogo com a escola básica, e concorrer para a luta contra as forças que mercantilizam a vida em sociedade, os trabalhadores e a educação.

Paulo Fabio Dantas Neto*: A política dos partidos e as crises**

Começo reiterando análise feita num artigo publicado, em março último, sobre o que se espera de partidos e lideranças políticas quando, num quadro de mal-estar social e dificuldades econômicas, o jogo democrático entre elites abrigadas nos partidos e líderes que os chefiam é truncado por táticas do varejo político. Aquele contexto já requeria que partidos atuassem como instituições e líderes como estrategistas do atacado para reabilitarem a fluência do jogo político, através de um pacto pela governação.

Será sensato reiterar essa expectativa quando, tantos meses depois, a crise política prossegue grave, com as dores agudas da novidade dando lugar a sintomas de problema crônico? Creio que a ideia de um pacto político tende a se tornar cada mais persuasiva à medida em que se generalize a percepção do pântano em que estamos navegando. O pacto pela governação pode não ser o desfecho mais provável da crise política, mas penso que seja a opção mais realista, dentre as que não flertam com o fantasma do caos.

Sem esse pacto político destinado a produzir entendimento e governo não iremos a lugar melhor do que o presente. Refiro-me a uma solução provisória do contencioso político, reunindo um arco de partidos para permitir o controle da economia e a pavimentação de um caminho institucional até as eleições de 2018.

Essa perspectiva joga o nosso olhar para um centro político esvaziado no qual, objetivamente e solitariamente está, desde o início do ano, o PMDB. Esse centro não é ideológico, mas “posicional” e relacional, tendo em vista a configuração dos scripts e atores reais. Penso que erra sobre o PMDB quem lhe atribui lugar e papéis fixos na política brasileira. Continuamos sem saber quem (se governo ou oposição) entenderá antes que uma saída realista e democrática para a crise política passa necessariamente pelo reforço institucional e político daquele partido. Aqui não expresso uma preferência política, mas uma convicção analítica.

O Governo teve, em abril, a chance de fazer de Michel Temer mais do que um canal de atendimento de demandas por cargos públicos, sediadas no Congresso. Poderia também ter "terceirizado", através dele, um diálogo com a oposição. Ambos os passos ajudariam à aprovação do ajuste fiscal, solução que não se pôde fazer avançar na velocidade requerida pela crise econômica. Com esse diálogo o Governo teria a ganhar, no mínimo, uma chance de recomeço e, a depender dos resultados econômicos de médio prazo, de recuperação da credibilidade e consequente adoção de um discurso político novo para 2018, já que aquele inaugurado em 2002 chegou à exaustão. Seria um modo de seguir o jogo político com maiores chances para o Governo e maiores riscos para a oposição.

Já o PSDB, no vácuo da inação que então marcava o núcleo petista do governo, poderia ter buscado em Temer um canal negociador para criar condições de aprovação de medidas de ajuste na economia, ademais desdobramento lógico do próprio discurso eleitoral tucano de 2014; e também para fazer surgir, no Congresso, uma proposta alternativa de ajuste viabilizada por essas forças oposicionistas, no caso de fracasso de um entendimento bancado pelo Governo, ou da recusa deste em promovê-lo. 

Enfim, ter protagonismo numa solução para a crise teria sido um modo de a oposição fazer mais do que somente replicar, na arena política, a agenda do Ministério Público, do Judiciário e da Polícia Federal. Construiria uma agenda política com P maiúsculo, resgatando o discurso da campanha de Aécio Neves, então assumido candidato não só do PSDB, mas de um conjunto de forças que quer mudar o governo do País. O jogo político também seguiria, mas, nesse caso, com mais chances à oposição e mais riscos ao Governo.

Prevaleceram, porém, desde março até aqui, em ambos os lados do espectro político, scripts de quem aposta no truncamento do jogo. Além de Eduardo Cunha e, até certo momento, Renan Calheiros, várias lideranças do PSDB, Aécio Neves incluso, faziam, até ontem, discursos monotemáticos contra a corrupção no Governo e no PT. Apelo eleitoral sem dúvida, mas sem eleições no horizonte imediato. Por outro lado, no PT, pregações críticas ao ajuste fiscal e por “refundação” da democracia encenaram saída retórica “pela esquerda”, combinada a operações desastradas para manter postos governamentais no varejo político, ao custo da inviabilização do governo no atacado.

Por que as coisas se deram assim? Essa é uma pergunta que não encontra respostas convincentes no campo da crítica moral às estratégias dos atores políticos, embora ela possa ser feita também. Penso que é mais sensato admitir que, num ambiente político marcado por alto grau de incerteza, os atores tiveram dificuldade para ir além do plano tático. Como nenhum deles governa os movimentos de todos os outros, prevaleceram as táticas defensivas, inclusive aquela que estipula o ataque como a melhor ação de defesa.

Parece claro que sem pacto - sequer entendimento - e com esvaziamento do centro político a instabilidade aumenta. Após a queda prevista de Eduardo Cunha poderá se acentuar o protagonismo do Congresso em convívio com um Executivo fraco. Até quando essa relação assimétrica se sustentará não se pode prever. A volatilidade das relações entre os poderes alterna períodos de sangramento com outros de estancamento provisório. Hoje o impeachment estará fora do script, mas nunca fora de cogitação.

Entre os sucessivos cenários mantém-se como o pior a ausência de pacto amplo no interior da elite política e sua consequente inação, à espera da conclusão do Lava Jato, sob efeito da recessão, da inflação e do desemprego. Se a um cenário desses sobreviver alguma voz ativa no mundo da política institucional, o que ela verbalizar como solução certamente será uma alternativa preferível à inação. 

Mas nada garante que essa voz se imporá como movimento interno à elite política, mesmo que por instinto de sobrevivência corporativa. Daí, é preciso ir além da reiteração das análises sobre os atores políticos. Também nas pautas dos atores sociais precisa se destacar a preocupação com a urgência de um pacto pela governação do País. Nessa linha argumentarei a seguir, perante esse auditório majoritariamente empresarial.

Certas afirmações podem ser incômodas. A primeira é a de que pactos não são grátis. E se um pacto político tem, como é o caso, motivações ligadas ao rumo da economia, seus custos não podem deixar de afetar os agentes econômicos. Para definir como esses custos serão partilhados não cabe perguntar de quem foi a culpa pela crise, se do governo, da oposição, do setor privado, ou do mordomo. Isso pode ser assunto para as urnas. Colocá-lo na mesa agora, como premissa, é diletantismo. Levará a manter o País no pântano, atolando, juntos, governo, políticos e a própria economia. A pergunta a ser feita mira o presente e o futuro imediato. Diz respeito a que políticas e reformas de curto e médio prazo são economicamente racionais e pragmáticas (no sentido de se aproximarem do consenso, mais o que do dissenso, entre analistas e atores da economia) e politicamente viáveis, no sentido de que possam ser assumidas publicamente por líderes e partidos políticos sem que com isso eles estejam cometendo suicídio eleitoral.

As respostas, portanto, não podem ser encontradas no retrovisor ou em bolas de cristal e sim nos limites da crise e da democracia. A crise é momentânea e a democracia parece felizmente consolidada entre nós, embora possa, como em qualquer lugar, ter avanços incrementais e/ou retrocessos parciais. Nessas condições, tanto a competição como os direitos têm lugar e valor de coisas práticas, isto é, valor econômico, social e político.

A segunda ideia decorre da primeira. Empresas de diversos portes e empreendedores de variada força econômica são protagonistas da economia de mercado, mas os trabalhadores, de modo geral, também cumprem papel de agentes econômicos, além de serem atores sociais politicamente válidos, isto é, titulares de direitos e não só usuários ou clientes de políticas públicas e beneficiários de empregos da iniciativa privada. A política do pacto ultrapassa, portanto, a parceria ou a queda de braço entre setor privado e governo. As duas partes - aliadas aqui, litigantes ali - não encerram o problema. Por isso não o resolverão sozinhas. E não basta incluir na mesa o vago e não devidamente entendido (muito menos, bem representado) “terceiro setor”. Há que se levar em conta o mundo do trabalho propriamente dito, sua representação sindical e também sua cidadania eleitoral, pela qual os atores desse mundo do trabalho integram-se subjetivamente ao povo. Esse é um modo politicamente eficaz de atrair as elites políticas a um pacto público. E por que as atrair e convencê-las do pacto? Não para revogar o conflito político, cancelar a disputa eleitoral entre partidos e grupos, mas para fixar regras informais, de modo que a disputa regrada resolva e não agrave as crises.

Até bem pouco tempo (creio que até antes da última campanha eleitoral) essa extensa e intensa malha de agentes e interesses alimentava, em diferentes graus, uma presunção de prescindir da “política dos políticos”, isto é, dos partidos, do Congresso, do Estado. Vigoravam com força, também no Brasil, ideias que, segundo uma vertente da literatura internacional sobre partidos políticos (Peter Mair é dela um exemplo), contribuem para reforçar o indiferentismo político nas democracias do mundo atual.

A primeira dessas ideias é a de contrapor, quase platonicamente, a política real (rotineira, instrumental e impura) à política das virtudes cívicas, às quais se associam ideias sobre o que deveria ser a “boa”, ou a “verdadeira” democracia. A segunda idéia-força, ruidosamente presente nas ruas brasileiras, em 2013 e em 2015, é a crença na eficácia da subpolítica, isto é, a política da sociedade privada, que faz de um ativismo “cidadão” um substitutivo do seu envolvimento com a política convencional.

Cotidianamente, à subpolítica ativista dos cidadãos privados soma-se à dos grupos de pressão, dentre eles os empresariais. Muitas pessoas que vão à rua, como cidadãos individuais, pedir qualidade dos serviços públicos e ética na política participam, também, de pressões sobre governantes e burocratas do Estado, aí na condição de representantes de segmentos empresariais e mesmo de suas empresas. Esse conjunto de modos de ação não partidários e não assumidamente políticos faz parte de uma política “da sociedade” e consagra, na prática, uma terceira percepção alimentadora do indiferentismo político contemporâneo. Refiro-me, acompanhando a mesma literatura, à ideia da democracia como governo “para o povo”, julgado mais pela eficácia de políticas públicas no atendimento a demandas dos grupos de pressão do que pela qualidade da representação política. A essa última, âncora da ideia (antiga?) de governo “do povo” ou, em versão realista, de governo de partidos, resta a imagem de uma Geni.

Guiados por essas percepções desqualificadoras da política convencional, atores sociais consideram partidos políticos como intermediários inconvenientes e, até certo ponto, dispensáveis na representação de seus interesses, já que estado e políticas públicas mostram-se cada vez mais permeáveis à influência desses grupos. Analogamente, um eleitorado cada vez mais pragmático usa o mesmo metro (o do governo “para o povo”) para avaliar governos e eleger governantes. Assim, no caso brasileiro, eleitorado e grupos de pressão (inclusive empresariais) tornaram-se canais de legitimação do governo “para o povo” e assim legitimaram a estatolatria que, pela percepção de Werneck Vianna, anima a parte da esquerda brasileira que governa há mais de década.

Ocorre que a estatolatria governante, combinada a esquemas de corrupção, foi uma das variáveis que contribuiram para quebrar o próprio Estado. Assim ela perdeu a chave do seu argumento público. Resultam altíssimos índices de reprovação do governo e dos atores políticos mais identificados com ele. Estão situados, em sua maioria, no campo da esquerda política liderada pelo PT, embora disso não saiam ilesas as áreas do sistema político que validaram o processo, bem como os segmentos empresariais específicos que adubaram interessadamente o terreno para a produção de malfeitos em larga escala.

Se o Estado quebrou nas mãos de estatólatras é da lógica democrática que a busca de saídas para a crise seja guiada pelo oposto, isto é, pela valorização liberal do mercado. A política do pacto, porém, requer que essa lógica seja moderada por partilha social de danos. Trocando em miúdos: o discurso que vai vencendo à medida em que a crise avança e as forças que o proferem podem até ser implacáveis com os atores do campo político que vai sendo derrotado pelos fatos, mas terão que contemplar, numa nova política, os interesses dos beneficiários sociais da antiga. Mais uma vez é bom lembrar que numa democracia direitos são moderadores da lógica da competição. Ao liberalismo em ascensão não será dado condenar ao puro relento do mercado os pobres beneficiários sazonais da política superada, sob pena de torná-los força arredia à democracia. No mínimo, poderão ser órfãos eleitoralmente ativos de Lula e do PT e, no limite, massas sem rumo e impermeáveis a influências políticas. Justamente essas possibilidades fazem com que se esteja hoje falando em pacto, não só pura e simplesmente em impeachment.

Chego ao último ponto dessa reflexão, que se liga ao seu ponto inicial. A quebra fiscal do Estado, a usina do governo “para o povo”, deixa a ver navios não apenas o eleitorado do lulopetismo mas também a estratégia subpolítica dos grupos de pressão. Por outro lado, percebe-se os limites políticos do ativismo de cidadãos privados. Manifestações de rua contra o governo e o PT podem voltar a ser massivas e mais frequentes. Podem até mesmo agregar pautas e interesses, melhor do que os partidos e a política convencional. Mas não produzem governação. E sem ela a sociedade vai a pique, economia incluída.

A governação eleva-se à condição de exigência de primeira ordem, ou mesmo assume o grau zero de prioridade. E para ela partidos políticos são imprescindíveis, ainda mais quando há amplo consenso quanto à ausência de fortes lideranças políticas pessoais. Dizendo melhor, além de partidos é imprescindível um sistema partidário, isto é, não basta haver um conjunto aleatório de partidos, mas interação sistemática de partidos e desse sistema com Governo e Congresso. A boa notícia é que, bem ou mal, temos isso, após trinta anos de democracia. A má notícia é que a eficácia desse sistema está em suspenso há meses, pela situação de desgoverno e pela relativa paralisia decisória da Câmara, às vezes convertida em arena plebiscitária. Ambas as notícias devem moderar a afoiteza dos apetites por reforma política, cujos efeitos, sempre duvidosos, virão, se vierem, a longo prazo. Precisamos agora do edifício institucional existente, mesmo com rachaduras, pois suas dependências são as mais adequadas para sediar um pacto que envolva toda a sociedade e não só os que se acomodam no seu andar de cima.

O caminho que aposta nas regras e na estrutura do atual sistema partidário traz ônus e bônus: é mais complexo, mas em compensação dificulta o perigoso atalho de soluções salvacionistas. O pacto urge, inclusive para que o ambiente político não se torne propício a elas. E como urge, não pode esperar por partidos de amanhã e por um novo sistema partidário. Terá que ser obra dos partidos e do sistema partidário atual. Fique claro que não menciono nada semelhante a uma conciliação personalista entre líderes.

No início dos anos 90, após a renúncia de Collor, um pacto de sucesso foi feito a partir da constituição do governo interpartidário de Itamar Franco. Seu programa foi o Plano Real. Só agora se esgotou o impulso positivo daquele mergulho, inclusive do ponto de vista das instituições políticas. A partir dali a dinâmica do sistema partidário brasileiro passou a ser, para surpresa de muitos, próxima ao que a literatura clássica sobre o assunto (Sartori) chama de sistema de pluralismo moderado. 

Apesar do grande número de partidos com representação congressual (que dava ao sistema feição de pluralismo atomizado) a interação entre os partidos relevantes estabilizou só duas opções de coalizão viáveis para disputa do poder. O PMDB posicionava-se no centro político, entre o PSDB e o PT, mas o poder revezava-se à volta dos partidos líderes das coalizões alternativas. O PMDB foi se tornando imã a atrair a política dos polos ao centro, fomentando moderação. A fórmula funcionou até o primeiro governo Lula, embora já então o mensalão - dando espaço no centro a partidos menores, concorrentes entre si, alguns sem tradição e vocação para o centro - sinalizasse subestimação do papel estabilizador do PMDB. A sociedade e talvez o próprio PT não viram isso, distraídos pela popularidade de Lula, que chefiava um governo polar e era também o moderador.

O sistema começou a trincar quando, na sucessão de 2010, o PT, não podendo contar com nova reeleição de Lula e já na ausência também de um centro político e partidário consistente a mediar as duas coalizões possíveis, adotou uma candidatura filha da liderança pessoal do Presidente. O advento da chamada nova matriz econômica foi a tradução, na política econômica, da veleidade petista de governar para si e a partir de si, esvaziando o centro político de outros atores relevantes, para tentar ocupá-lo sozinho. Como o PT não era centro e sim expressão nítida de um dos dois polos, o sistema partidário transitou aos poucos para o que Sartori chamou de pluralismo polarizado, com esse agravante de ser postiço o centro a partir do qual o PT queria governar. Como não havia partido antissistema relevante à esquerda do PT, o rei polar logo ficaria nu. Um arranjo como esse só costuma durar em democracias infantis.

Mesmo assim, mais uma vez, o grande número de partidos aparentava um pluralismo atomizado mas não impedia que a interação entre os mais relevantes conseguisse evitar a dinâmica da atomização. Só que, nessa nova fase, a interação, com o arredamento prático do PMDB, induzia não à moderação, mas à polarização crescente, da qual a campanha de 2014 foi o clímax. Nessas condições, com o polo governante subsumindo o centro e improvisando outro, a emersão da dinâmica de um pluralismo polarizado torto foi efeito colateral da estratégia de um ator. O PT queria evitar o risco de alternância de poder em favor da coalizão alternativa, liderada pelo PSDB, para a qual a balança eleitoral parecia pender, se a competição não se radicalizasse. Para evitar o desfecho provável foi quebrada uma regra básica do pluralismo moderado. Deu errado. O PT venceu as eleições, mas durante 2015 até a polarização desvaneceu e o sistema partidário brasileiro apresenta, pela primeira vez em duas décadas, dinâmica atomizada. A quebra fiscal do Estado brasileiro é o capítulo mais dramático desse processo político.

O sentido mais geral do pacto político cuja urgência aqui se discute é o da retomada, pelo sistema partidário, de uma dinâmica mais próxima de um pluralismo moderado. Para isso um pacto político pode ser mais veloz e eficaz do que uma reforma política que tente reduzir riscos de atomização sem sacrificar o pluralismo. As eleições de 2018 são um horizonte temporal possível, mas não obrigatório, para que a viabilidade desse objetivo seja testada. A retomada de um pluralismo moderado pode demorar mais.

De todo modo trata-se de recompor um centro político real do sistema, que modere e facilite a governação, cuja chave está guardada pelo PMDB. No curtíssimo prazo tratase de revogar a atomização atual. Para tanto, parece inevitável um estágio de retorno ao pluralismo polarizado, pelo qual o centro governa, privilegiando aliança com um dos polos e correndo o risco do outro assumir (ou reassumir, no caso do PT) traços de partido antissistema. Essa travessia pode ser feita com o PMDB na presidência ou com a (improvável) “despetização” da presidência atual. Mas as duas alternativas – especialmente a primeira – podem, ou não, implicar em que essa transição vá além de 2018, caso ali a polarização antiga possa ser retomada pelo PT, via candidatura Lula.

Durante o ano de 2015 o PT teve algumas chances de aceitar esse script, entregando gradualmente poderes no curto prazo para preservar-se como um ator capaz de recuar para dar uma volta por cima e disputar de novo o protagonismo político em prazo médio ou longo. Mera cogitação, sem base na realidade, pois tal estratégia colidiria com a tradição autárquica do PT, com limites de formulação política da atual liderança lulopetista e com motivações contrárias, oriundas do envolvimento do partido no Lava Jato, envolvimento que o faz cativo de táticas defensivas, restritas ao curto prazo.

Pode-se entender esses limites objetivos, evitando juízos morais. Mas isso não cancela a urgência de reconstruir-se o centro político, mesmo que isso tenha que se fazer, como em 1992, sem o auxílio do PT. O programa econômico do PMDB, que a princípio adere (aliás, contra a tradição do partido) a uma pura lógica liberal, não é por isso um programa de governo. Independentemente de supostas intenções de sinalização ao empresariado, ele pode e deve ser usado para dar partida à discussão dos termos de um pacto pela governação que vá além de uma conversa entre elites econômicas e políticas.

Reconhecer, com objetividade, o papel da política real (convencional, partidária) na solução das crises pode ser difícil e parecer perigoso para quem se acostumou a ver essa política como menor, supérflua, ou malévola. Mas ao menos enquanto um Zepelin econômico nos sobrevoa e já nos atira petardos, convém parar de jogar pedra na Geni.

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*Cientista político. Professor e pesquisador da UFBA

**Palestra proferida no XI EAU (Encontro Anual de Usuários) da USUPORT – Auditório Fieba. 23.11.15

José Serra*: E la nave và... alla deriva

- O Estado de S. Paulo

“Não há necessidade maior para as pessoas que vivem em comunidade que a de serem governadas, autogovernadas se possível, bem governadas se tiverem sorte, mas, em qualquer caso, governadas
Walter Lippman

A economia brasileira passará o réveillon na UTI e nela permanecerá por bom tempo. Sabemos hoje que os vaticínios pessimistas sobre 2015 foram demasiado amenos. A realidade, como se vê neste final de ano, acabou sendo bem mais adversa. O principal indicador do nível da atividade econômica, o PIB, teve contração em torno de 3%. De ponta a ponta, ou seja, comparando este último trimestre com o mesmo período de 2014, a queda estimada é mais forte: 4,5%.

Como o setor agropecuário, ao longo do ano, teve desempenho razoável – cresceu em torno de 2% – e a área de serviços sempre varia em torno da média, os dados ruins do PIB escondem algo pior: a evolução catastrófica da indústria manufatureira, cujo produto caiu em torno de 11%. A marcha para a ruína do setor, iniciada pela política econômica do segundo governo Lula, prossegue implacável. Basta mencionar que o produto industrial nunca mais superou o nível de 2008. Eis a grande marca econômica da era petista: a desindustrialização do Brasil.

A pesquisa mensal do comércio aponta declínio superior a 11% nas vendas no varejo, batendo com o declínio da massa salarial, da ordem de 10,5% de outubro a outubro. Já os investimentos do conjunto da economia têm caído aproximadamente 12% – causa e efeito da queda da indústria. A contração dos investimentos governamentais atinge espantosos 40%!

Do lado do emprego, os números absolutos são impressionantes: no acumulado de 12 meses houve destruição líquida de 1,4 milhão de vagas (carteira assinada) – 557 mil na indústria de transformação e 442 mil na construção civil –, acertando em cheio setores de menores rendimentos. Igual pode ter ocorrido com a remuneração dos trabalhadores no setor informal. Em outubro os rendimentos reais dos brasileiros foram 7% inferiores aos de outubro de 2014.

Pelo menos 1 milhão de assalariados formais perderam seu plano de saúde juntamente com o emprego. Os gastos reais do SUS, incluindo Estados e municípios, caíram em torno de 5% nos dez primeiros meses de 2015 em comparação com 2014. O colapso das finanças municipais e estaduais é assombroso e compromete diretamente o atendimento nas áreas sociais. No caso dos Estados, entre janeiro e agosto, em relação ao mesmo período de 2014, as receitas reais caíram em média 5,4%.
E o futuro próximo? As previsões sobre o PIB apontam para a persistência da retração em 2016, cerca de 2%, que será mais intensa no primeiro semestre.

Do ponto de vista social, ou seja, da oferta de serviços básicos, dos rendimentos e do emprego, o quadro adverso de 2015 vai se acirrar nos próximos meses. Em parte isso se deve ao fato de que as consequências do desemprego sobre a renda e a demanda das famílias são proteladas no Brasil por causa dos benefícios recebidos por quem é demitido. Assim, o trabalhador com carteira assinada que perde o emprego recebe pelo menos o saldo do FGTS recolhido, mais multa de 40% sobre esse saldo, seguro-desemprego, aviso prévio de um mês, férias proporcionais (incluindo o abono de férias) e fração de 13.° salário. Somados, esses benefícios dão alívio temporário aos recém-desempregados. Por isso os efeitos da onda recente de desemprego tenderão a se manifestar com intensidade crescente nos primeiros meses de 2016.

Além dos naturais efeitos da contração industrial que se espraiam por toda a economia, tudo indica que o País se confrontará com a retração da oferta de crédito das instituições financeiras públicas e privadas, cada vez mais temerosas com a insolvência das empresas e alarmadas com o naufrágio de projetos que envolvem a Petrobrás, como é o caso da Sete Brasil.

Um indicador já “antigo” mostra o início desse processo: no terceiro trimestre de 2015, em relação ao mesmo período do ano passado, as despesas com provisões para devedores duvidosos dos quatro maiores bancos cresceram acentuadamente: Bradesco, 15%; Itaú, 29%; Banco do Brasil, 88%; e Caixa Econômica Federal, 87%. Aliás, o balanço do terceiro trimestre do BB revela forte prejuízo operacional: o lucro líquido apurado só foi possível pela incorporação aos resultados de ativos fiscais diferidos.

Mais ainda, a piora das expectativas dos agentes econômicos funciona como profecia que se autorrealiza. Ou seja, a ideia de que a economia irá mal provoca queda adicional do produto e do emprego. Um vetor nesse sentido vem das agências de rating, cujos veredictos negativos funcionam de forma pró-cíclica, reduzindo investimentos, dificultando e encarecendo a rolagem de financiamentos e redundando em rodadas adicionais de contração da economia.

Convenhamos, de todo modo, que há bons pretextos para essa atitude das agências. De um lado, uma empresa do tamanho da Petrobrás perde capacidade de rolar suas dívidas. Do outro, o déficit público agregado e acumulado aumenta 115% em 12 meses, passando de R$ 250 bilhões em setembro de 2014 para R$ 536 bilhões um ano depois! Só de juros os gastos chegaram a R$ 510 bilhões no período – cerca de cinco vezes o Orçamento federal da educação e 18 vezes o Bolsa Família.

De fato, minha sensação, ou conclusão, é de que dias melhores não virão. A menos que...
A menos que haja uma mudança política de grande profundidade. Ou seja, a economia dependerá mais do que nunca da política. O atual governo, inepto, inseguro, sem rumo nem sustentação congressual, é um elo decisivo do círculo vicioso que empurra o Brasil para trás e para baixo.

Lembro, a esse respeito, a opinião externada em discurso na semana passada por um senador do PSB, Fernando Coelho. Ele propôs que a presidente Dilma Rousseff incite a Câmara de Deputados a apreciar ao menos um dos pedidos de impeachment que se acumulam na Casa. Se vencesse, retomaria alguma condição de governar. Se perdesse, abriria a chance de o Brasil se voltar para o futuro. Do jeito que vai, só lhe restará contemplar o barco que não dirige continuar à deriva no mar bravio.

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*José Serra é senador (PSDB-SP)