sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Opinião do dia – Marina Silva

O Brasil precisa parar de dar cheque em branco a seus governantes e começar a exigir clareza e cumprimento de programas. Não pode mais se deixar levar, como aconteceu nas eleições de 2014, pela ditadura do marketing, pela lei do mais forte, pelos slogans vazios e pela agressividade das mentiras. Continuar a proceder assim é alimentar as ervas daninhas que crescem frondosas no quintal da política tradicional, regadas a acertos espúrios e dando sobrevida contínua a figuras e atitudes que já fizeram muito mal ao país.

Os que estão hoje em posição de poder – especialmente os que têm alguma participação na gestão culposa ou dolosa que resultou na crise atual – devem aceitar a ativa vigilância da sociedade e não tentar desqualificá-la. Não é hora de manobras de bastidores pactuadas por poucos. Não é mais hora da desculpa esfarrapada e inaceitável de "todos fazem isso" ou "sempre foi assim".

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Marina Silva, ex-senadora – “Pelas lições que insiste em não querer aprender, Dilma já foi 'saída' . Uol, 19 de agosto de 2015

Janot denuncia Cunha ao STF e pede devolução de US$ 80 mi

Janot denuncia Eduardo Cunha por corrupção e lavagem de dinheiro

• Além da condenação criminal, o procurador-geral pede a restituição do valor da propina, US$ 40 milhões, e a reparação dos danos causados à Petrobras e à Administração Pública também no valor de US$ 40 milhões; ex-deputada Solange Almeida também foi denunciada

Por Beatriz Bulla, Talita Fernandes, Fausto Macedo, Julia Affonso, Ricardo Brandt e Andreza Matais – O Estado de S. Paulo

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) em que acusa o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de ter recebido propina no valor de ao menos US$ 5 milhões para viabilizar a construção de dois navios-sondas da Petrobras, no período entre junho de 2006 e outubro de 2012. Janot pede a condenação de Cunha pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro e da ex-deputada Federal Solange Almeida (PMDB-RJ) por supostamente ter participado de pressão pelo pagamento de valores retidos, incorrendo em corrupção passiva.

As informações foram divulgadas pela Procuradoria-Geral da República nesta quinta-feira, 20.

Além da condenação criminal, o procurador-geral pede a ‘restituição do produto e proveito dos crimes no valor de US$ 40 milhões e a reparação dos danos causados à Petrobras e à Administração Pública também no valor de US$ 40 milhões’.

Segundo a denúncia, dentro do esquema ilícito investigado na Operação Lava Jato, Eduardo Cunha recebeu vantagens indevidas para facilitar e viabilizar a contratação do estaleiro Samsung Heavy Industries, responsável pela construção dos navios-sondas Petrobras 10000 e Vitoria 10000, sem licitação, por meio de contratos firmados em 2006 e 2007.

A intermediação foi feita pelo lobista Fernando Falcão Soares, o Fernando Baiano, operador ligado à Diretoria Internacional da Petrobrás, de indicação do PMDB. A propina foi oferecida, prometida e paga por Júlio Camargo, segundo a denúncia.

Fernando Baiano foi condenado a 16 anos de prisão na Justiça Federal do Paraná. Como não detém foro privilegiado perante o Supremo Tribunal Federal, ele foi processado na 1ª instância. Na segunda-feira, 17, o juiz Sérgio Moro condenou Baiano por corrupção e lavagem de dinheiro.
O procurador-geral afirma que, para dar aparência lícita à movimentação das propinas acertadas, foram celebrados dois contratos de comissionamento entre a Samsung e a empresa Piemonte, de Júlio Camargo. Dessas comissões saíram as propinas prometidas a Fernando Soares, Eduardo Cunha e ao então diretor da área internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró. O então diretor de Internacional da Petrobrás levou a questão à Diretoria Executiva e obteve a aprovação dos contratos relativos aos navios-sondas, nos termos propostos pela Samsung, de acordo com o Ministério Público Federal.

Por causa dos contratos, a Samsung Heavy Industries transferiu, em cinco parcelas pagas no exterior, a quantia total de US$ 40,355 milhões para Júlio Camargo, que em seguida transferiu, a partir da conta mantida em nome da offshore Piemonte, no Uruguai, parte destes valores para contas bancárias, também no exterior, indicadas por Fernando Soares, aponta a denúncia. Cunha é acusado de lavagem de dinheiro por ocultar e dissimular o recebimento dos valores no exterior em contas de empresas offshore e por meio de empresas de fachada.

Pressão pelo pagamento. Segundo a Procuradoria, as investigações demonstraram que, a partir de determinado momento, após o recebimento das sondas, a Samsung deixou de pagar as comissões para Júlio Camargo, inviabilizando o repasse da propina aos destinatários. Com isso, segundo a denúncia, o presidente da Câmara ‘passou a pressionar o retorno do pagamento das propinas, valendo-se de dois requerimentos perante a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, formulados pela então deputada Solange Almeida, em julho de 2011′.

Os requerimentos solicitavam informações sobre Júlio Camargo, Samsung e o Grupo Mitsui, envolvido nas negociações do primeiro contrato, aponta a Procuradoria. Um deles foi dirigido ao Tribunal de Contas da União (TCU) e outro ao Ministério de Minas e Energia. Segundo Janot, a ex-deputada tinha ciência de que os requerimentos seriam formulados com desvio de finalidade e abuso da prerrogativa de fiscalização inerente ao mandato popular, para obtenção de vantagem indevida. Para ele, não há dúvidas de que ‘o verdadeiro autor dos requerimentos, material e intelectual, foi Eduardo Cunha’.

De acordo com as investigações, o presidente da Câmara elaborou os dois requerimentos, logado no sistema da Câmara como o usuário “Dep. Eduardo Cunha”, utilizando sua senha pessoal e intransferível, e os arquivos receberam os metadados do usuário logado no momento de sua criação. Depois, os requerimentos foram autenticados pelo gabinete da então deputada Solange Almeida, sendo que ela não era integrante ou suplente da Comissão de Fiscalização e não havia apresentado nenhum outro requerimento à comissão naquele ano.

Na denúncia, Janot informa que, em razão da pressão exercida, os pagamentos foram retomados, por volta de setembro de 2011, após reunião pessoal entre Fernando Soares, Júlio Camargo e Eduardo Cunha. O valor restante foi pago por meio de pagamentos no exterior, entregas em dinheiro em espécie, simulação de contratos de consultoria, com emissão de notas frias, e transferências para igreja vinculada a Eduardo Cunha, sob a falsa alegação de que se tratava de doações religiosas.

Com a palavra, a defesa:
Em nota, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que está absolutamente sereno e refutou “as ilações” das denúncias apresentadas nesta tarde pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Denúncia cobra US$ 80 mi de Eduardo Cunha e aliada

• Procuradoria acusa presidente da Câmara de envolvimento com petrolão; ele nega

Denúncia chega ao STF e amplia desgaste de Cunha

• Procuradoria acusa presidente da Câmara de receber US$ 5 milhões em propina

• Peemedebista é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro; deputado ataca governo e diz que é inocente

Aguirre Talento, Débora Álvares, Gabriel Mascarenhas, Márcio Falcão, Ranier Bragon e Rubens Valente – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou nesta quinta (20) ao Supremo Tribunal Federal denúncia contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), complicando sua situação jurídica e dentro do Congresso.

Acusado de participar do esquema de corrupção descoberto na Petrobras pela Operação Lava Jato, Cunha se tornará réu se os ministros do Supremo aceitarem a denúncia, o que deverá alimentar pressões para que se afaste da presidência da Câmara.

Desde que assumiu o cargo, em fevereiro, Cunha impôs sucessivas derrotas à presidente Dilma Rousseff, contribuindo para aumentar a instabilidade política dos últimos meses. Nesta quinta, o deputado atacou o governo, disse que é inocente e reafirmou sua disposição de continuar no comando da Câmara.

Cunha foi acusado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, junto com a ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), sua aliada. A Procuradoria pede que o STF condene os dois a devolver US$ 80 milhões (R$ 277,4 milhões) aos cofres públicos.

Janot também apresentou denúncia contra o senador e ex-presidente da República Fernando Collor (PTB-AL). As ações contra Cunha e Collor são as primeiras propostas contra membros do Congresso desde o início da Operação Lava Jato, no ano passado.

Um grupo liderado pelo PSOL, que diz representar 30 dos 513 deputados federais, pediu nesta quinta o afastamento de Cunha da presidência da Câmara. O PSOL promete apresentar ao Conselho de Ética da Câmara pedido de cassação do seu mandato se o Supremo aceitar a denúncia.

Aliados de Cunha expressaram apoio ao presidente da Câmara. Líderes do PSDB e de outros partidos de oposição adotaram tom cauteloso, defendendo a continuidade das investigações sem se manifestar sobre a questão da permanência de Cunha no cargo.

Janot, que na quarta (19) acusou o deputado de usar a presidência da Câmara como um "escudo" para se proteger contra as investigações, decidiu não pedir o afastamento do peemedebista do cargo, mas cogita tomar essa medida mais tarde se surgirem novas evidências contra Cunha.

O ministro Teori Zavascki, relator dos processos relacionados à Operação Lava Jato no STF, terá que submeter a denúncia contra Cunha ao plenário do tribunal, composto por dez ministros. Não há prazo para a decisão do STF.

Janot incluiu na denúncia uma epígrafe, citando uma frase do líder indiano Mahtma Gandhi (1869-1948), segundo a qual "tiranos e assassinos [...] parecem invencíveis, mas no final sempre caem".

A Procuradoria acusa Cunha de ter recebido US$ 5 milhões em propina para garantir dois contratos assinados pela Petrobras em 2006 e 2007, para fornecimento de navios para exploração de petróleo.

As acusações contra o deputado são baseadas principalmente em depoimentos do lobista Júlio Camargo, que representava a coreana Samsung Heavy Industries e a japonesa Mitsui nos contratos e decidiu colaborar com as investigações no ano passado.

O delator disse que acertou com o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano e apontado como principal operador do PMDB no esquema de corrupção, uma propina de US$ 40 milhões para obter os contratos.

Segundo Camargo, o dinheiro seria repassado a Cunha e ao ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró. Baiano e Cerveró estão presos em Curitiba.

Em espécie
A Procuradoria obteve provas de vários pagamentos feitos por Camargo a Baiano no exterior, mas não identificou contas controladas diretamente por Cunha que tenham recebido repasses. Segundo a Procuradoria, os pagamentos ao deputado foram feitos em espécie, no Brasil mesmo.

Para Janot, ficou comprovado que Cunha foi o verdadeiro autor de dois requerimentos protocolados na Câmara em 2011 por Solange Almeida, então deputada e hoje prefeita de Rio Bonito (RJ).

Segundo Camargo e o doleiro Alberto Youssef, principal operador do esquema de corrupção, o objetivo dos requerimentos era pressionar Camargo para não interromper o pagamento de propina.

Como a Folha revelou em abril, o nome de Cunha aparece nos registros eletrônicos da Câmara como autor dos arquivos de computador em que foram escritos os requerimentos protocolados por Solange.

Camargo disse que se reuniu com Cunha e Baiano em setembro de 2011 para tratar do assunto. Segundo ele, o deputado cobrou os US$ 5 milhões dizendo o seguinte: "Eu não sei da história e nem quero saber. Eu tenho um valor a receber do Fernando Soares e que ele atrelou a você".

Segundo Camargo, parte da propina foi paga por meio de transferências para as contas da Assembleia de Deus, no valor total de R$ 250 mil, em 2012. Cunha é ligado à igreja evangélica.

Petrolão - Denúncia diz que Cunha usou até igreja para receber propina

• Ministério Público pede que presidente da Câmara devolva US$ 80 milhões por desvios

• A denúncia contra Cunha está baseada principalmente no depoimento de Júlio Camargo, que fez delação premiada na Lava-Jato

• Eduardo Cunha é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, fruto de corrupção na Petrobras; recursos teriam passado por offshores na Suíça e no Uruguai, segundo o operador Júlio Camargo, delator do esquema. A ex-deputada Solange Almeida também foi denunciada

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), segundo o Ministério Público Federal, beneficiou-se de um esquema por onde circularam US$ 40 milhões em propinas. O dinheiro passou por contas na Suíça e no Uruguai. Os procuradores sustentam que até uma igreja da Assembleia de Deus foi usada para repassar o valor do suborno ao deputado, o primeiro presidente da Câmara denunciado no exercício do cargo. As principais provas se baseiam na delação premiada do operador Júlio Camargo, que narra detalhes dos desvios: o pagamento facilitaria a assinatura de contrato de aluguel de navios-sonda pela Petrobras. A denúncia também atesta que Cunha usou dois requerimentos de informação, apresentados pela ex-deputada Solange Almeida, como revelou O GLOBO, para pressionar Camargo a pagar parte da propina. O MP pede que o deputado devolva US$ 80 milhões aos cofres públicos. O presidente da Câmara acusou o governo e o Ministério Público de fazerem um “acordão”.

Propina n exterior e em igreja

Jailton de Carvalho, Vinicius Sassine e Eduardo Bresciani - O Globo

-BRASÍLIA- Acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o deputado Eduardo Cunha (PMDBRJ) tornou-se ontem o primeiro presidente da Câmara no exercício do cargo a ser denunciado pelo Ministério Público Federal. A denúncia enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirma que Cunha recebeu propina de US$ 5 milhões (R$ 17,3 milhões) de um total de US$ 40 milhões (R$ 138,6 milhões) pagos aos integrantes do esquema, que envolve o lobista Fernando Soares, o exdiretor da Petrobras Nestor Cerveró e o empresário Júlio Camargo. Segundo o MPF, o dinheiro saiu de contas na Suíça, passou pelo Uruguai e foi repassado a Cunha e seus aliados. Janot sustenta na denúncia que parte da propina destinada ao presidente da Câmara foi paga em doação para uma igreja Assembleia de Deus ligada a ele. Caso o STF aceite a denúncia, Cunha se tornará réu.

O pagamento teria sido feito para facilitar a assinatura de contratos de aluguel de navios-sonda entre a Samsung Heavy Industries e a Petrobras. Também foi denunciada a ex-deputada Solange Almeida (PMDB), atual prefeita de Rio Bonito, por corrupção passiva. Na denúncia, Janot pede que Cunha e Solange Almeida devolvam US$ 80 milhões (R$ 277,3 milhões) aos cofres públicos. Deste total, R$ 138,6 milhões correspondem aos valores desviados dos contratos da Petrobras com a Samsung. Outros R$ 138,6 milhões são multas para reparação dos danos causados à Petrobras.

Segundo o procurador-geral, a propina a Cunha e a outros supostos envolvidos nas fraudes foi paga no Brasil e no exterior, com contratos de consultoria fajutos, emissão de notas fiscais frias e até transferência para a Igreja Assembleia de Deus. O dinheiro da fraude teria sido repassado à igreja a título de doação de caráter religioso.

A denúncia contra o presidente da Câmara está baseada principalmente no depoimento de Júlio Camargo, que fez delação premiada na Operação Lava-Jato. Não há documentos que comprovem que o dinheiro foi entregue a Cunha. Também são citados depoimentos do doleiro Alberto Youssef, também delator. As acusações têm como suporte ainda extratos de movimentação financeira de Camargo, Youssef, do lobista Fernando Soares, o Baiano, operador do PMDB de Cunha no esquema de corrupção na Petrobras, do ex- diretor da Petrobras Nestor Cerveró, entre outros.

O procurador- geral também destacou na acusação a identificação de dois requerimentos de informação que teriam sido usados por Cunha e Solange para pressionar Camargo a pagar parte da propina. Em março, O GLOBO revelou que a então deputada Solange Almeida, aliada de Cunha, fizera dois requerimentos no dia 7 de julho de 2011 solicitando informações ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério de Minas e Energia sobre todos os contratos, auditorias, aditivos, processos licitatórios do Grupo Mitsui e de Júlio Camargo com a Petrobras.

A denúncia detalha diversas provas de que Cunha foi o real autor dos requerimentos. O episódio é motivo para aumento de pena, como consta na peça de Janot, por ter havido “infringência a dever funcional”. Os dois requerimentos de Solange basearam em justificativas “genéricas e falsas”, segundo Janot. “O teor da justificativa do requerimento já era indicativo de que se buscava não um objetivo republicano, mas sim, especificamente, ‘investigar’ apenas as pessoas e empresas envolvidas no pagamento de propinas, que haviam cessado tais pagamentos, como forma de constrangê-las”, afirma a denúncia.

A conta de Cunha no sistema de informática estava logada no exato momento da elaboração dos documentos. Sua senha pessoal e seu login foram utilizados no trabalho. “Dep. Eduardo Cunha” apareceu como o real autor dos requerimentos no sistema informatizado, como revelou o jornal “Folha de S.Paulo” em abril. E mais: os dois deputados estavam conectados ao computador da Câmara no mesmo momento. Seria impossível Solange ter elaborado o documento sem que sua identificação aparecesse no sistema.

O TCU e o Ministério de Minas e Energia encaminharam as repostas solicitadas supostamente por Solange, mas nenhuma providência foi tomada pela deputada, o que para o MPF é mais um indício de que a iniciativa serviu apenas para chantagear a empresa pagadora de propina, conforme a acusação.
A denúncia lembra que Solange “nunca tratou de fiscalização de verbas públicas”, e afirma que que Cunha “já se valeu dos serviços de Solange” para pressionar outra empresa, a Schain Engenharia, que travava uma disputa com o doleiro Lúcio Funaro, um “antigo contato” de Cunha.

Pressionado pelos requerimentos da Câmara, Camargo se reuniu na base aérea do Santos Dumont com o então ministro de Minas e Energia, o hoje senador Edison Lobão (PMDB-MA), para tratar da suposta pressão. O ministro teria ligado para Cunha: “Eduardo, eu estou com o Júlio Camargo aqui ao meu lado, você enlouqueceu?”, teria dito Lobão, segundo a delação de Camargo. “A pressão não cessou”, registra a denúncia.

Na epígrafe da denúncia contra Cunha, Janot destaca trecho de um texto de Ghandi para lembrar do lugar reservado na História para tiranos e assassinos. “Quando me desespero, eu me lembro de que, durante toda a História, o caminho da verdade e do amor sempre ganharam. Têm existido tiranos e assassinos, e por um tempo eles parecem invencíveis, mas no final sempre caem. Pense nisto: sempre”, diz o texto. Cunha é visto como um dos políticos mais poderosos do país.

Segundo a denúncia, os pagamentos para a Assembleia de Deus de Campinas (SP) no valor de R$ 250 mil, foram feitos em 2012. Teria sido o último pagamento de um “resíduo” de propina de US$ 10 milhões, acertado depois de uma reunião no Rio entre Cunha, Baiano e Camargo. Até o celular de Baiano foi rastreado pelos investigadores. Por orientação de Cunha, Baiano indicou a Camargo a necessidade de repasses à igreja. A primeira transferência, de R$ 125 mil, ocorreu em 31 de agosto de 2012, a partir da empresa Piemonte Investiment Corp, usada por Camargo para pagamento de propina. A segunda, de mesmo valor e no mesmo dia, envolveu outra empresa, a Treviso.

“Fernando Soares, por orientação do deputado federal Eduardo Cunha, indicou a Júlio Camargo que deveria realizar o pagamento desses valores à Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Segundo Fernando Soares, pessoas dessa igreja iriam entrar em contato com o declarante, o que realmente ocorreu”, diz trecho da denúncia. Janot lembra “a notória” vinculação de Cunha com a igreja.
Segundo a denúncia, pelo aluguel de dois navios, o Sonda Petrobras 10000 e o Vitoria 10000, a Petrobras teria desembolsado US$ 1,2 bilhão. Solange Almeida e os representantes da Assembleia de Deus não foram encontrados.

Janot pede 184 anos de prisão para Eduardo Cunha

Por Maíra Magro e Juliano Basile – Valor Econômico

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi denunciado ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, acusado de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras. Na denúncia de 85 páginas o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, diz que Cunha recebeu pelo menos US$ 5 milhões em propina, de 2006 a 2012, para facilitar a contratação de navios-sonda da Petrobras. O pagamento era camuflado por meio de contas offshore, empresas de fachada, simulação de contratos de serviço e até doações falsas a uma igreja.

O procurador também apresentou, ontem, denúncia contra o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), o ex-ministro Pedro Paulo Leoni Ramos e outros três acusados, mas a petição está sob sigilo por conter trechos de delações premiadas em segredo de Justiça. A ex-deputada Solange Almeida foi denunciada junto com Cunha, acusada de corrupção passiva. Essa foi a primeira vez que políticos com foro privilegiado no STF foram denunciados dentro da Operação Lava-Jato.

Na denúncia contra Cunha e Solange, Janot pede a devolução de US$ 80 milhões aos cofres públicos - metade como restituição da propina e o restante como reparação à Petrobras. O procurador também pede uma pena que poderia chegar a 184 anos de prisão a Cunha. Segundo Janot, o presidente da Câmara teria praticado corrupção em dois episódios distintos, além de lavar dinheiro 60 vezes, o que totalizaria 184 anos, levando em conta a soma da penalidade mínima para cada um dos crimes separadamente. O máximo que a legislação brasileira permite é 30 anos de prisão em regime fechado. Mas o STF tende a contar cada crime uma única vez e depois aumentar a pena, o que resultaria em um tempo de prisão menor.

A denúncia detalha que Cunha solicitou US$ 40 milhões em propina para viabilizar a contratação dos navios-sonda Petrobras 10000 e Vitoria 10000 com o estaleiro Samsung Heavy Industries, para perfuração em águas profundas na África e no Golfo do México. Segundo Janot, Cunha foi "sócio oculto" de Fernando Soares, o "Baiano", apontado como operador do PMDB na Diretoria Internacional da Petrobras - que agia como intermediário em nome do deputado. "Nos dois navios-sonda, Cunha era o 'sócio oculto' de Fernando Soares e também foi o destinatário final da propina paga, tendo efetivamente recebido ao menos US$ 5 milhões - o equivalente atualmente a R$ 17,3 milhões."

A propina teria sido cobrada do lobista Júlio Camargo, que atuava para a Samsung Heavy Industries e a Mitsui. Camargo narrou o esquema em delação premiada com o Ministério Público. O responsável pela negociação dos contratos na Petrobras seria Nestor Cerveró, à época diretor da área internacional. Ele teria levado o assunto à Diretoria Executiva e conseguido fechar contratos totalizando US$ 1,2 bilhão para os dois navios. "Tais vantagens indevidas foram oferecidas, prometidas e pagas por Júlio Camargo a Fernando Soares, Nestor Cerveró e ao denunciado Eduardo Cunha", diz a denúncia.

Para dar aparência de legalidade ao pagamento de propina, explica a procuradoria, foram feitos dois contratos de comissionamento entre a Samsung e a empresa Piemonte Empreendimentos, de Camargo, que mantinha contas no Uruguai. Depois, parte dos valores teria sido transferida para contas bancárias indicadas por Fernando Baiano, também no exterior.

De acordo com a PGR, Cunha pediu propina, em um primeiro momento, "para garantir a manutenção do esquema ilícito implantado no âmbito da Petrobras, omitindo-se em interferir ou impedir a contratação do estaleiro Samsung, assim como para manter os indicados políticos em seus cargos."

Mas, em 2010, após o recebimento das sondas, a Samsung teria deixado de pagar as comissões para Camargo, inviabilizando o repasse para os outros beneficiários. A partir daí, Cunha teria feito pressões para que o pagamento de propina fosse retomado.

Segundo a PGR, as pressões foram feitas por meio de dois requerimentos na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, formulados em 2011 pela então deputada Solange, aliada de Cunha. Os requerimentos solicitavam informações sobre Camargo, a Samsung e o Grupo Mitsui, envolvido nas negociações do primeiro contrato. Segundo Janot, a ex-deputada estava ciente de que os requerimentos seriam formulados com desvio de finalidade, e o autor intelectual dos pedidos seria Cunha.

De acordo com as investigações, foi Cunha quem elaborou os dois requerimentos, usando sua senha pessoal nos computadores da Câmara. Depois, eles foram autenticados pelo gabinete de Solange. Depois da pressão, os pagamentos foram retomados.

Cunha ainda não é réu. O STF terá que decidir se aceita ou não a denúncia para abrir ação penal contra ele. Por ser presidente da Câmara, Cunha terá que ser julgado no plenário do STF.

‘Fui escolhido para ser denunciado’, afirma Cunha

• Presidente da Câmara insiste na defesa de que é vítima de complô da Procuradoria e do Palácio do Planalto e nega as acusações de Janot

Erich Decat - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) recebeu no fim da tarde de ontem as 85 páginas da denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Após uma reunião com integrantes do seu grupo político no gabinete da presidência da Casa, o deputado divulgou uma nota na qual afirmou que é inocente e voltou a acusar o governo federal de estar por trás das investigações e da acusação formal apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

“Como eu já disse anteriormente, fui escolhido para ser investigado e, agora, ao que parece, estou também sendo escolhido para ser denunciado, e ainda, figurando como o primeiro da lista”, disse Cunha, alegando que recebeu a denúncia com serenidade e alívio porque “agora o assunto passa para o Poder Judiciário”.

“Não participei e não participo de qualquer acordão e certamente, com o desenrolar, assistiremos a comprovação da atuação do governo, que já propôs a recondução do procurador, na tentativa de calar e retaliar a minha atuação política.”

O peemedebista afirmou também que considera “muito estranho não ter ainda nenhuma denúncia contra membro do PT ou do governo, detentor de foro privilegiado”.

“À evidência de que essa série de escândalos foi patrocinada pelo PT e seu governo, não seria possível retirar do colo deles e tampouco colocar no colo de quem sempre contestou o PT, os inúmeros ilícitos praticados na Petrobrás”. O peemedebista também disse “achar estranho” o fato de a denúncia ter sido publicada no mesmo dia em que foram realizadas manifestações contra ele nas ruas.

‘Solidariedade’. Antes de divulgar a nota, Cunha se reuniu em seu gabinete – com janelas voltadas para o Supremo Tribunal Federal (STF) – com líderes partidários e deputados que foram prestar “solidariedade”. O deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) leu trechos do resumo da acusação de Janot, postado no site oficial do Ministério Público Federal.

Segundo relatos, Cunha rebateu “ponto a ponto”, considerou a peça acusatória como “ridícula” e disse que “a montanha tinha parido um rato”.

Nas conversas com o grupo de aliados, o peemedebista, segundo relatos, afirmou em várias ocasiões que era alvo de um “complô” arquitetado por Janot, pelo Palácio do Planalto e pelo PT, em razão de ele ter rompido como o governo em julho.

Força. Cunha reiterou que não vai se afastar do cargo. Ele vai participar nesta sexta de um ato da Força Sindical, em São Paulo, organizado pelo presidente do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, um dos seus principais aliados. “Ele votou com os trabalhadores. Terá o apoio da entidade”, disse Paulinho.

Segundo ele, a reunião foi marcada há duas semanas para tratar dos vetos da presidente Dilma Rousseff, entre eles o referente à flexibilização do fator previdenciário. Também está na pauta o veto à extensão da regra de correção do salário mínimo para todos os aposentados. Paulinho disse que, “com certeza” haverá manifestação de apoio a Cunha por parte de dirigentes e da militância.

Além do ato em São Paulo, integrantes do grupo de Cunha vão insistir nos próximos dias o argumento de que é necessário que haja o amplo direito de defesa e presunção de inocência. “O PGR tem a prerrogativa de fazer a denúncia, foi feita, e agora é o momento da defesa. Esse episódio não atrapalha a condução dos trabalhos. Esse é um processo que diz respeito apenas à pessoa do Eduardo Cunha”, afirmou o deputado Sérgio Souza (PMDB-PR), logo após deixar o gabinete da presidência da Câmara. “É importante que ele consiga provar a inocência até para o bem da instituição”, ressaltou Avelino.

O líder do PSD, Rogério Rosso (DF), disse que a reação de Cunha passa também por colocar em pauta para votação projetos que dialoguem com a “vida real” da população. / Colaborou Daiene Cardoso

Veja a íntegra da nota:
"Estou absolutamente sereno e refuto com veemência todas as ilações constantes da peça do Procurador Geral da República.

Sou inocente e com essa denúncia me sinto aliviado, já que agora o assunto passa para o poder judiciário.

Como eu já disse anteriormente, fui escolhido para ser investigado e, agora, ao que parece, estou também sendo escolhido para ser denunciado, e ainda, figurando como o primeiro da lista. Não participei e não participo de qualquer acordão e certamente, com o desenrolar, assistiremos à comprovação da atuação do governo, que já propôs a recondução do Procurador, na tentativa de calar e retaliar a minha atuação política.

Respeito o Ministério Público Federal, como a todas as instituições, mas não se pode confundir trabalho sério com trabalho de exceção, no meu caso, feito pelo Procurador Geral. E, ainda, soa muito estranho uma denúncia divulgada às vésperas de manifestações vinculadas ao Partido dos Trabalhadores, que tem, dentre seus objetivos, o de me atacar.

Também é muito estranho não ter ainda nenhuma denúncia contra membro do PT ou do governo, detentor de foro privilegiado.

A evidência de que essa série de escândalos foi patrocinada pelo PT e seu governo, não seria possível retirar do colo deles e tampouco colocar no colo de quem sempre contestou o PT, os inúmeros ilícitos praticados na Petrobrás.

Estou com a consciência tranquila e continuarei realizando o meu trabalho como Presidente da Câmara dos Deputados com a mesma lisura e independência que sempre nortearam os meus atos, dentro do meu compromisso de campanha de ter uma Câmara independente. Esclareço ainda, que meu advogado responderá sobre os fatos específicos referidos na denúncia.

Em 2013, por outro motivo, fui denunciado pelo Ministério Público Federal. A denúncia foi aceita pelo pleno do Supremo Tribunal Federal por maioria e, posteriormente, em 2014 fui absolvido por unanimidade. Isso corrobora o previsto na Constituição Federal, da necessidade do Princípio da Presunção da Inocência.

Por fim, registro ainda que confio plenamente na isenção e imparcialidade do Supremo Tribunal Federal para conter essa tentativa de injustiça."

Cunha fala em ‘acordão’ entre governo e Janot para acusá-lo

• Presidente da Câmara afirma que MPF fez ‘ilações’ em denúncia

Isabel Braga e Júnia Gama - O Globo

-BRASÍLIA- Depois de ler as 85 páginas da denúncia do Ministério Público, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), reagiu divulgando uma nota que estava sendo elaborada desde anteontem e que só ganhou os retoques finais. Na nota, além de reafirmar que continuará presidindo a Casa, Cunha acusa o governo e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de atuarem juntos para que ele fosse o primeiro da lista de políticos a ser denunciado na Operação Lava-Jato. Cunha lembra que Janot acaba de ser indicado pela presidente Dilma Rousseff para ser reconduzido ao cargo, e será sabatinado na próxima semana no Senado.

“Não participei e não participo de qualquer acordão e certamente, com o desenrolar, assistiremos à comprovação da atuação do governo, que já propôs a recondução do procurador, na tentativa de calar e retaliar minha atuação”, acusou Cunha. “Respeito o Ministério Público Federal, como a todas as instituições, mas não se pode confundir trabalho sério com trabalho de exceção, no meu caso, feito pelo procurador-geral”.

Cunha afirmou estar absolutamente sereno e refutar, com veemência, as “ilações” da denúncia. Disse estar com a consciência tranquila e garantiu que continuará presidindo a Câmara “com a mesma lisura e independência que sempre nortearam” seus atos. Lembrou que, em 2013, foi denunciado pelo MP por outro motivo; a denúncia foi aceita e, em 2014, ele foi absolvido por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal. Cunha encerra a nota dizendo confiar “plenamente na isenção e imparcialidade” do Supremo para “conter essa tentativa de injustiça.”

Na nota, Cunha disse “estranhar” a divulgação da denúncia no dia das manifestações de rua ligadas ao PT, e o fato de ainda não haver denúncia contra petistas e membros do governo com foro privilegiado. “O PT tem dentre seus objetivos o de me atacar”, escreveu.

Tensão amainou após leitura
Durante todo o dia, deputados estiveram no gabinete do presidente da Câmara para prestar solidariedade e aconselhá- lo sobre a reação. Alguns deputados recomendaram que ele reagisse em tom sereno. Outros pediram que não abandonasse seu estilo, para não dar a impressão de estar acuado.

Segundo deputados, o clima de tensão que predominou nos momentos que precederam a apresentação da denúncia foi amenizado depois da leitura da acusação do MPF. Aos colegas, Cunha comentou que a denúncia lhe pareceu vazia, porque não traz provas concretas.

— Ele achou a denúncia ridícula, inconsistente. Não viu nenhuma situação para ser denunciado — disse o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM).

— Ele ficou tranquilo depois de ler a denúncia. Disse que ela não traz elementos probatórios, mas só fatos colhidos nas delações. Não tem um recibo, uma cópia de cheque, nada — acrescentou um parlamentar.

Aos deputados que estavam com ele, Cunha reafirmou que permanecerá na presidência da Câmara diante de denúncias “tão vazias”. Foi apoiado. O peemedebista, segundo um dos parlamentares que foram ao gabinete, disse que, se o Supremo decidir aceitar a denúncia, terá que adotar o mesmo procedimento para os demais parlamentares que estão sob investigação na Lava-Jato.

Planalto vê impeachment enfraquecido

• Para governo, acusação torna tese de impedimento de Dilma mais frágil, mas Cunha agora deve aceitar tramitar qualquer pedido

O governo avalia que a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), enfraquecerá a tese do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mesmo assim, a percepção do Palácio do Planalto é a de que o peemedebista já se movimenta para dar o troco e deve aceitar a tramitação de qualquer pedido para abreviar o mandato da petista.

Vera rosa, Rafael Moraes Moura e Juliana dal Piva - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Ministros preveem uma "guerra política" nos próximos dias e, em conversas reservadas, dizem que não será fácil tirar Cunha do comando da Câmara. A cúpula do PT está dividida sobre a conveniência de engrossar agora o pedido de afastamento do peemedebista, para não atiçá-lo ainda mais neste momento.

Embora o governo enxergue o calvário de Cunha com alívio, por jogar o principal adversário na berlinda, o comentário de petistas, nos bastidores, é que será preciso "sangue frio e nervos de aço", daqui para a frente.

Dilma seguiu ontem o roteiro de deixar o escândalo de corrupção envolvendo Cunha e o senador Fernando Collor (PTB-AL) - também denunciado na investigação da Operação Lava Jato - bem longe do Planalto. "A Presidência da República e o Executivo não fazem análise a respeito de investigações, de maneira alguma, nem a respeito de outros poderes", afirmou Dilma, após almoço com a chanceler alemã Angela Merkel, no Itamaraty.

No Rio, o ministro da Defesa, Jaques Wagner, disse que a Câmara viverá dias difíceis e admitiu problemas para unir a base, mas evitou comentar o impacto da denúncia contra Cunha sobre o Planalto. "Esse é um problema que complica para a Câmara. O fato de estar denunciado não implica uma obrigação de afastamento. Mas, seguramente, vai ter uma guerra política", comentou.

Recado. Cunha avisou a ministros, ao vice-presidente Michel Temer e a líderes do governo nesta semana que não cairá sozinho. O recado foi entendido como uma ameaça de retaliação de quem vê o Planalto por trás da delação premiada de Júlio Camargo. O lobista acusou Cunha de cobrar propina de US$ 5 milhões num contrato da Petrobrás, mas a Polícia Federal também investiga a participação de petistas no propinoduto da estatal.

Após ser denunciado, Cunha disse em nota que a série de escândalos na Petrobrás foi patrocinada pelo PT e pelo governo. Afirmou que não seria possível "retirar do colo deles e tampouco colocar no colo de quem sempre contestou o PT" as denúncias de corrupção. "O governo da presidenta Dilma acredita na isenção das instituições que apuram as denúncias", disse o ministro Edinho Silva (Comunicação Social), em nota de três linhas.

A ordem no Planalto é não comprar mais briga com Cunha. Apesar do perigo à vista, auxiliares de Dilma afirmam que ele não pode mais emparedar o governo. Recentemente, no entanto, Cunha acelerou a análise de quatro contas de governos anteriores, na tentativa de abrir caminho para a possível votação de um processo de impeachment contra Dilma no caso das pedaladas fiscais, sob exame no Tribunal de Contas da União (TCU), ou de pedidos feitos por deputados da oposição.

Para um ministro próximo de Dilma, a denúncia da Procuradoria-Geral da República, que atribui a Cunha os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, "tira a legitimidade" do peemedebista para levar adiante um pedido de impeachment da presidente da República.

No Senado, o governo conta com o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), para barrar qualquer tentativa de aprovar o afastamento de Dilma. Nos últimos dias, o presidente do Senado ganhou protagonismo no Congresso com a divulgação da "Agenda Brasil", que prega uma série de reformas para retomar o crescimento econômico.

PMDB prepara-se para sair do governo

Por Raymundo Costa e Claudia Safatle - Valor Econômico

BRASÍLIA - A saída do PMDB da coordenação política do governo é o primeiro passo para o fim de uma aliança com o PT que elegeu e reelegeu a presidente Dilma Rousseff nas duas últimas disputas presidenciais. O afastamento do vice-presidente da República, Michel Temer, da articulação política já era esperada, após a votação do ajuste fiscal, mas foi precipitada devido a uma série de intrigas palacianas e acordos acertados e não cumpridos.

O desligamento formal deve ser sacramentado no congresso do PMDB no dia 15 de novembro, não por acaso a data comemorativa da Proclamação da República. Na ocasião, o partido vai anunciar que terá candidato próprio a presidente, o que não ocorre desde 1994. Deve ser apresentado também um programa partidário para "recuperar a confiabilidade, dar previsibilidade e segurança jurídica aos negócios", garantias perdidas no atual governo. O documento está sendo redigido pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR).

O PMDB julga que o afastamento gradativo permitirá que o partido já se apresente nas eleições municipais de 2016 independente do PT, muito embora os dois partidos mantenham entendimentos para as eleições de cidades importantes como São Paulo. Os dirigentes pemedebistas preferem não relacionar a saída de Temer a um eventual "impeachment" da presidente Dilma Rousseff, mas os dois assuntos estão interligados.

A presidente Dilma sustenta-se sobre dois pilares: Joaquim Levy, ministro da Fazenda, na economia, e Michel Temer, vice-presidente que assumiu a coordenação política quando a desagregação da base aliada não dava ao governo segurança para aprovar o ajuste fiscal.

Tanto Levy quanto Temer sofrem bombardeio da equipe palaciana e do PT. Por isso ontem Temer mandou dizer que o cristal se quebrou (na semana anterior, ministros palacianos disseram que o cristal trincou quando Temer fez um apelo pela unificação do país).

Desde que assumiu a coordenação política, o PMDB reclama que não consegue dar sequência aos acordos feitos com os partidos aliados devido ao boicote dos ministros do PT. Os acordos não andam por questões de mérito ou administrativas.

O maior problema de todos, no entanto, é a falta de dinheiro, pois o governo está literalmente raspando o tacho para pagar suas contas este ano. Dos R$ 4,6 bilhões de emendas do orçamento impositivo previstas para o exercício, somente R$ 300 milhões foram liberados aos parlamentares. A falta de dinheiro transforma Levy num alvo fixo não só do PT, que nunca lhe estendeu o tapete vermelho, mas de todos os outros partidos da base aliada.

O ministro Eliseu Padilha, que na prática toca a coordenação política do governo, deve voltar a despachar na Secretaria de Aviação Civil, da qual é o titular, em setembro. Algo que já era previsto desde o semestre passado, mas que os pemedebistas fazem questão de frisar para não passar a ideia de que já romperam com o governo Dilma. Na prática, o afastamento do PMDB torna ainda mais difícil a relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso.

A denúncia do procurador-gera, ontem, do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tornou o ambiente político ainda mais complicado. "A Câmara é um território conflagrado", diz um cacique pemedebista. No momento, segundo a avaliação de líderes do PMDB no Congresso, Dilma ainda não está no ponto para cair, mas dificilmente vira o ano como presidente. "Você não tira um governo. O governo apodrece e cai", diz um desses pemedebistas. "Isso ainda não está pronto". Falta inclusive a adesão de outros partidos, como o PSDB, sem a qual não é possível um entendimento para o "impeachment".

"Está na hora de assumirmos o desafio de construir uma Nova República e de nos dedicarmos a gerar esperança nos que querem mudar", disse o ex-ministro Moreira Franco, presidente da Fundação Ulysses Guimarães, encarregada de coordenar a elaboração do programa e dos preparativos para a comemoração dos 50 anos do PMDB, no próximo ano. Segundo Moreira, a Nova República idealizada por Tancredo Neves nunca foi efetivamente implementada. O PMDB também quer se descolar do desgaste eleitoral e moral do PT.

'Dilma ganhou tempo, mas situação piorou', diz procurador

Por Cristian Klein – Valor Econômico

RIO - Procurador junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) e responsável pelo pedido de investigação sobre as chamadas "pedaladas fiscais", Júlio Marcelo de Oliveira afirma que se as contas da presidente Dilma Rousseff não forem rejeitadas pela Corte, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) "perde completamente a sua razão de ser". "Fica um sinal hipernegativo para todos os governadores e prefeitos do Brasil, e futuros presidentes da República, quanto à seriedade da LRF", disse ao Valor o procurador, que participa hoje do 2º Seminário Nacional sobre Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, no Rio.

Para Oliveira, a tese pela rejeição das contas de Dilma ficou fortalecida, apesar de o TCU ter concedido mais 15 dias para o governo explicar dois novos itens na lista que agora chega a 15 irregularidades atribuídas à administração federal.

O governo, reconhece o procurador, ganhou mais tempo para tentar convencer os ministros do tribunal. A própria concessão do novo prazo, na semana passada, foi interpretada por analistas como uma guinada no TCU, depois que Dilma e o presidente do Senado, Renan Calheiros, se aproximaram. Influente, o pemedebista poderia mudar o voto de ministros.

No entanto, realça Oliveira, o adiamento foi necessário para que o Ministério Público incluísse as duas irregularidades mais contundentes para a rejeição das contas e para a responsabilização da presidente. "Ela terá que explicar agora as coisas mais difíceis. Se, por um lado, o governo ganhou tempo e foi uma vitória, por outro lado a situação ficou mais difícil", diz.

Oliveira refere-se à assinatura de decretos, por Dilma, que teriam feito parte de uma grande operação de manobras fiscais - as pedaladas - a partir do segundo semestre de 2013. No jargão bancário, pedalada é a prática de empurrar para frente compromissos, fazendo uma dívida para pagar outra, com a expectativa de que, no final, consiga se resolver tudo - numa "ideia de que se você não pedalar, você cai", explica o procurador.

Quem pode cair e sair do poder, no entanto, é Dilma, por ter recorrido ao artifício. A manobra - quando caracterizada como operação de crédito utilizando-se de bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal (CEF) - é proibida pela LRF e é um dos trunfos da oposição para sustentar um pedido de impeachment no Congresso.

O governo, porém, rebate, ao afirmar que a prática vem sendo utilizada por todos os presidentes. Oliveira discorda: "Dizer que as pedaladas sempre aconteceram é um erro, uma mentira". O procurador argumenta que, no caso dos antecessores, o Tesouro Nacional deixava de pagar repasses da Caixa para o seguro-desemprego ou para o Bolsa Família, por exemplo, de modo casual. Se ficava em dívida, o Tesouro logo cobria, afirma. "O que aconteceu depois do segundo semestre de 2013 é deliberado, há uma nítida intenção de se financiar. Isso é inédito", diz, ressaltando que a operação envolveu R$ 40 bilhões para mascarar o resultado fiscal e abrir espaço para gastos em ano eleitoral.

Oliveira afirma que a outra tese do governo, a de que a responsabilidade por eventual erro é da equipe econômica, não se sustentaria mais, com a inclusão dos decretos de programação financeira e de contingenciamento, que estariam em desacordo com a LRF. "O fato de se ter a assinatura da presidente nos decretos é como se colocasse uma pá de cal nessa linha de argumentação", diz.

Ato em defesa do governo divide grupos e reúne 73 mil pessoas

• Defesa de Dilma ficou em segundo plano diante das críticas ao governo, sobretudo em relação à política econômica

Por Cristiane Agostine e Fernando Taquari - Valor Econômico

SÃO PAULO: - As manifestações programadas para ontem em defesa do mandato da presidente Dilma Rousseff reuniram em torno de 73 mil pessoas em ao menos 25 Estados e no Distrito Federal. Os números levam em conta as projeções feitas pela Polícia Militar de cada Estado. Algumas cidades, no entanto, não divulgaram informações, como o Rio de Janeiro. Na soma das estimativas dos organizadores, 175 mil pessoas foram às ruas para criticar a tentativa da oposição de viabilizar o impeachment da petista.

Além da defesa de Dilma, os atos de ontem pelo país se concentraram nas críticas ao ajuste fiscal, conduzido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e à "Agenda Brasil", articulada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também esteve na mira dos manifestantes, no mesmo dia em que foi denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, investigados no âmbito da Operação Lava-Jato.

A capital paulista foi o epicentro das manifestações ao reunir aproximadamente 40 mil pessoas, segundo a PM. Trata-se do mesmo montante verificado no ato de março, quando o Datafolha registrou 41 mil participantes. Os organizadores falam em 100 mil. A defesa de Dilma, contudo, ficou em segundo plano em São Paulo diante das críticas ao governo federal, sobretudo em relação à política econômica. Os manifestantes também demonstraram desconforto com a presença de petistas. A legenda usou a inserção partidária, veiculada na terça-feira, para chamar os militantes para o ato.

O líder do MTST, Guilherme Boulos, reclamou da tentativa do partido de transformar o protesto em uma manifestação pró-governo. "Não é e nem será um ato a favor do governo. Nosso posicionamento é contra o ajuste fiscal, a Agenda Brasil. Não será a defesa do governo, mas sim a agenda dos trabalhadores", disse o líder dos sem-teto. No carro de som, Boulos ainda fez um dos discursos mais duros contra o governo e chamou Levy de "banqueiro prepotente". Além disso, ameaçou a presidente ao afirmar que se houver atraso no lançamento do Minha Casa, Minha Vida 3, o "país vai parar". "Não viemos defender governo, viemos defender a agenda dos trabalhadores". Boulos ironizou o ato que aconteceu na avenida Paulista no domingo, com a defesa do impeachment da presidente Dilma. "Aqui tem povo, pobre, nordestino. Não tem a turma dos Jardins."

Integrante do coletivo Juventude Anticapitalista, Gabriela Freller, de 20 anos, classificou como contraditória a participação do PT no protesto. "É um ato contra o ajuste fiscal e contra o avanço conservador", afirmou a estudante de ciências sociais da USP. O presidente da CUT-SP, Adi dos Santos, minimizou as divergências. "Queremos chamar a atenção daqueles que querem o impeachment. Não aceitamos. Não tem fundamento legal nem jurídico", disse o sindicalista.

Presente ao ato, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, desconversou sobre as divisões entre os grupos sociais e evitou comparações com a manifestação de domingo, quando cerca de 800 mil pessoas foram às ruas do país protestar contra o governo Dilma. "Não tem racha. Não estamos fazendo comparação. Estamos defendendo a democracia".

Na capital paulista, os manifestantes levaram bonecos de Renan, Cunha e dos senadores tucanos Aécio Neves (MG) e José Serra (SP) vestidos com roupa de presidiário e a inscrição "171" no peito, numa referência ao artigo do código penal que trata do crime de estelionato. Alguns carregavam faixas em que pediam "liberdade para o Vaccari já", referência ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, preso na Lava-Jato.

No Rio, os manifestantes se concentraram no centro da cidade e entoaram o coro de "não vai ter golpe". O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também foi homenageado quando alguns grupos começaram a cantar "o Lula é meu amigo! Mexeu com ele, mexeu comigo". "Esse é só o início da nossa resposta àqueles que, em nome de uma disputa política já vencida, aceitaram reduzir a maioridade penal e entregar o Brasil ao caos econômico", discursou a ex-prefeita carioca, deputado Benedita da Silva (PT).

Assim como ocorreu no domingo, a PM não divulgou o número de participantes. Segundo os organizadores, entre 20 e 25 mil pessoas marcaram presença no ato realizado na capital fluminense. Os manifestantes também alternaram palavras de ordem contra Cunha e a favor de Dilma. O presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) Leonardo Guimarães, aproveitou o ato para defender a taxação das grandes fortunas.

Em Belo Horizonte, o protesto reuniu 6 mil pessoas e concentrou-se na praça Afonso Arinos, onde manifestantes vestidos de vermelho defenderam o governo federal, mas reivindicaram a saída de Levy da Fazenda e de Cunha da presidência da Câmara. De cima de um carro de som, a presidente da CUT-MG, Beatriz Cerqueira, rechaçou a hipótese de afastamento da presidente Dilma.

Com apenas 500 pessoas, a marcha em Brasília começou no Conic, um centro comercial popular. Rodrigo Rodrigues, secretário-geral da CUT no Distrito Federal, criticou o ajuste fiscal e reclamou dos pedidos de impeachment. "Não é um ato pró-Dilma, temos críticas a algumas medidas do governo, principalmente na política econômica. Mas isso não abre espaço para a tentativa de golpe que estão discutindo", disse Rodrigues.

No Recife, a manifestação teve como mote a defesa do governo Dilma, contra o impeachment e a favor dos direitos trabalhistas. Em Salvador, Cunha foi o principal alvo ao ser declarado como inimigo número um dos brasileiros. O ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli (PT) questionou as investigações da Lava-Jato. "A Constituição não está sendo obedecida. A prisão não pode ser para conseguir confissão. Execração pública não é pena tipificada no Código Penal".

Desemprego continua subindo e chega a 7,5%

• Taxa salta para 7,5% em julho, o sétimo mês seguido de alta. E mercado ainda pode piorar

O número de trabalhadores desempregados nas seis maiores regiões metropolitanas do país subiu 56% nos últimos 12 meses, com mais gente buscando vagas diante da queda na renda das famílias. Com isso, a taxa de desemprego, que costuma cair no segundo semestre, voltou a subir em julho, para 7,5%, bem acima dos 4,9% de igual período do ano passado. Analistas se surpreenderam com essa rápida deterioração e não veem trégua no horizonte. A taxa, preveem, poderá chegar no fim do ano em 8,5%. Entre os jovens, o desemprego alcançou 18,5%. A indústria eliminou 4% de suas vagas. Na construção civil, o corte foi de 5,2%.

Desemprego maior e duradouro

Marcello Corrêa, Lucas Moretzsohn e Douglas - O Globo

-RIO E BRASÍLIA- O momento ruim do mercado de trabalho brasileiro já se prolonga por mais tempo do que em outras crises. Em julho, o desemprego medido pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, que acompanha as seis maiores regiões metropolitanas do país, superou as projeções e subiu para 7,5%, após ficar em 6,9% em junho. Foi o sétimo mês seguido de alta, a mais longa sequência de aumentos da taxa de toda a série histórica da pesquisa, iniciada em 2002. Com isso, o total de desempregados cresceu 56% em relação a julho do ano passado, somando 1,8 milhão de pessoas, só nas seis regiões. É o maior aumento em 13 anos.

A piora do mercado de trabalho é também a mais intensa: o desemprego deu um salto de 2,6 pontos percentuais frente à taxa de 4,9% de julho do ano passado. Só entre janeiro e julho deste ano, a taxa avançou 3,2 pontos percentuais.

Tradicionalmente, o início do segundo semestre é o momento de recuo dos índices de desemprego, mesmo em anos difíceis. Em 2009, quando a economia sentia os efeitos da crise financeira global, a taxa chegou a 8,9% em abril, mas começou a cair em maio e encerrou o ano em 6,8%. Em 2003, o indicador subiu por seis meses seguidos, atingiu 13% em junho, para recuar levemente em julho e fechar o mês de dezembro em 10,9%.

Dilma: eu me preocupo todo santo dia
Agora, contudo, o país vive um momento sem precedentes, dizem economistas. E, ao invés de cair, neste semestre o desemprego pode continuar subindo.

— A curva (do gráfico) está completamente fora do padrão. O comportamento neste ano já está diferente dos outros e, provavelmente, vai continuar diferente. Pelo que a gente está olhando, é possível que ainda tenha crescimento do desemprego nos próximos meses — afirma João Saboia, professor do Instituto de Economia da UFRJ e especialista em mercado de trabalho.

José Márcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos e professor de Economia da PUC-Rio, acredita que, mesmo no período de preparação para o Natal — em que o desemprego é reduzido por causa das vagas temporárias —, a taxa deve aumentar e encerrar 2015 entre 8% e 8,5%. No fim de 2016, o especialista estima que a desocupação afete 12% da força de trabalho:

— Nós não vamos ter mais taxa de desemprego em torno de 4% no futuro próximo se quisermos manter a taxa de inflação baixa e equilíbrio externo, que é o que faz a economia crescer próximo de 3%, 4%. Caso contrário, a economia vai desequilibrar. Estamos pagando pelo desequilíbrio do governo.

O cenário pessimista também é traçado pelo economista Rodrigo Miyamoto, do Itaú Unibanco. Ele prevê que o desemprego suba a 8% no fim deste ano e atinja, em 2016, a marca de 9,3%. E destaca o efeito da sequência de taxas negativas sobre a confiança na economia.

— De uma forma geral, essas altas consecutivas têm um impacto na confiança. Ainda mais partindo de uma tendência de queda que vinha se mantendo nos últimos anos. Isso deve preocupar os brasileiros — prevê.

Após a divulgação da pesquisa, a presidente Dilma Rousseff disse que se preocupa “todo santo dia” com o aumento do desemprego e da inflação.

— Tem duas coisas que me preocupam todo santo dia: uma, é a elevação do desemprego, porque sei que isso provoca sofrimento nas famílias neste país. Tudo o que eu faço é para impedir que isso ocorra, que isso aumente, que nós tenhamos nesse momento essas dificuldades, essa consequência — afirmou.

Gabriel Ulyssea, pesquisador do Ipea e professor da PUC-Rio, discorda das previsões. Ele destaca que a taxa sempre aumenta no primeiro trimestre, mas este ano subiu também no segundo em ritmo maior que o normal. Mas esse movimento, acredita, não se repetirá no segundo semestre “pelos fatores sazonais”:

— Acho que não vai subir nesse ritmo galopante. Cair é difícil, é um exercício de chute, mas será bom se ela estabilizar e parar de crescer.

O desemprego em julho foi influenciado não só pelo aumento das demissões, mas também pela maior procura por emprego. A queda da renda, de 2,4% ante julho do ano passado, para R$ 2.170,70, colocou mais gente na briga por uma vaga. A população economicamente ativa — que engloba os empregados e os que estão em busca de vagas — cresceu 1,9% frente a 2014, somando 24,6 milhões de pessoas. Já aqueles que não estão trabalhando, nem à procura de trabalho são 19,3 milhões, um patamar quase estável frente a 2014. Significa que os que antes preferiam ficar em casa decidiram buscar emprego, sem sucesso.

— As pessoas estão buscando repor o orçamento familiar. Cada vez mais gente procurando, a concorrência está aumentando, e, na contramão, as vagas disponíveis estão diminuindo — explica o pesquisador Rodrigo Leandro de Moura, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

‘Tem que ter experiência’
Entre os que encontram as portas do mercado de trabalho fechadas está Carla Moreira, de 26 anos. Após oito anos procurando emprego com carteira assinada, a jovem conseguiu uma vaga de operadora de caixa num hipermercado. A experiência durou só dois meses, até ela ser demitida.

Carla passou os últimos dois anos parada, investindo em cursos gratuitos e cuidando dos três filhos. Sua qualificação inclui um curso de formação de professores e um diploma técnico em contabilidade. Ela chegou a ouvir numa agência de empregos que “não adianta ter curso, tem que ter experiência”.

— Hoje não dá para escolher. Vou para o primeiro que tiver uma vaga — disse ela ontem, enquanto engordava a fila para o atendimento em uma agência do Sistema Nacional de Empregos (Sine), no Rio.

Para o azar de Carla, a expectativa é que o país encerre o ano com 1 milhão de vagas formais a menos do que começou. Saboia, da UFRJ, detalha que as demissões estão mais fortes na indústria e na construção civil, nos quais a ocupação caiu 4% e 5,2%, respectivamente, frente a julho de 2014. Mas, na média, o total de pessoas empregadas caiu 0,9%.

Jovens voltam ao mercado e são mais afetados pelo desemprego

• Taxa de desocupação no grupo de 18 a 24 anos foi a mais alta: 18,5%

Marcello Corrêa, Lucas Moretzsohn e Douglas Mota - O Globo

Após adiarem o início da vida profissional no ano passado, ajudando a manter a taxa de desemprego no país baixa, os jovens voltaram a pressionar o mercado de trabalho. Segundo o IBGE, o número de pessoas entre 18 e 24 anos fora da força de trabalho (que não estão empregados, nem procuram vagas) recuou 4,4% em julho, na comparação com o mesmo mês do ano passado. É a maior queda entre todas as faixas etárias. Ou seja, o grupo puxou a busca por emprego observado desde o início do ano. Em 2014, o movimento era inverso: a quantidade de jovens que optava por não trabalhar cresceu 10,8% em julho do ano passado, na comparação com igual mês do ano anterior.

Ao voltarem a bater na porta das empresas, os jovens também engrossam o contingente de desempregados, no momento em que o mercado de trabalho vive umas das piores crises dos últimos anos: são sete meses seguidos de alta na taxa e uma variação (para mais ) de 3,2 pontos percentuais entre janeiro e julho. Na crise de 2009, por exemplo, essa diferença foi de apenas 1,2 ponto percentual.

Em julho, o desemprego no grupo entre 18 a 24 anos foi o maior entre as faixas etárias pesquisadas pelo IBGE, chegando a 18,5% — um salto de 5,6 pontos percentuais, na comparação com o mesmo mês do ano passado, quando era de 12,9%.

João Saboia, professor do Instituto de Economia da UFRJ, vê clara relação entre a queda da inatividade e o desemprego.

— Tem uma relação direta. Se os jovens estão menos inativos, quer dizer que ele foi pra PEA (população economicamente ativa). Obviamente, boa parte ficou desempregada.

A mesma tendência de retorno à busca de um emprego também é observada entre trabalhadores de 25 a 49 anos — mas em menor intensidade. Em julho de 2014, o número de inativos nessa faixa etária havia crescido 3,3%, sobre julho de 2013. Já no mês passado, o grupo caiu 1,3%.

Também há desaceleração dos idosos fora do mercado. No grupo de 50 anos ou mais — onde inatividade já tende a crescer por causa da aposentadoria — a alta foi de 5,7% em julho deste ano, contra 9,2% em 2014.

— Muitos alegavam que a população não economicamente ativa estava crescendo, porque as pessoas estavam se retirando para estudar. Isso mudou — explica Adriana Beringuy, do IBGE .

Total de desempregados cresce 56% em um ano

Por Camilla Veras Mota e Robson Sales - Valor Econômico

SÃO PAULO e RIO - A taxa de desemprego continuou em julho a abrir distância dos níveis registrados em 2014 e chegou a 7,5%, 2,6 pontos percentuais acima do apurado em julho do ano passado. Com 662 mil demissões líquidas sobre igual período do ano anterior, o total de desempregados aumentou 56%, a maior elevação da série histórica.

Essa deterioração se manifesta em todas as seis regiões metropolitanas cobertas pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), grupos de idade, níveis de instrução e setores, inclusive os serviços, que aprofundam a perda de dinâmica observada desde o fim do ano passado.

A renda média real caiu pelo sexto mês consecutivo, 2,4% sobre o mesmo intervalo do ano passado - para R$ 2.170,70 -, e, junto da queda de 0,9% na população ocupada, na mesma comparação, levou a massa salarial a recuar 3,5%. Entre janeiro e julho, o rendimento médio real tem perda de 2,1%.

O cenário de julho, para o economista-chefe da Opus Gestão de Recursos, José Márcio Camargo, ainda não é o fundo do poço. Em sua avaliação, o movimento observado desde o início do ano deve atravessar os próximos meses e levar a taxa de desemprego a 8% em dezembro - 3,7 pontos acima do percentual do mesmo mês de 2014. "Todos os indicadores estão acelerando as perdas [nos últimos meses], inclusive a taxa de desemprego", diz ele, ressaltando o impacto do "processo recessivo muito forte" que a economia brasileira enfrenta neste ano.

Para ele, apesar do crescimento de 1,9% da população economicamente ativa (PEA) em julho, no confronto com mesmo intervalo de 2014, a queda reiterada da ocupação é a principal razão para o aumento do desemprego neste ano. A geração fraca de vagas levou a população ocupada a encolher 0,1% em 2014. De janeiro a julho, ela já acumula perda de 0,8%.

O aumento significativo da PEA foi a principal surpresa para a projeção do Santander, de desemprego de 7%. Para Rodolfo Margato, economista da instituição, o nível de aumento de julho não deve se repetir nos próximos meses. Depois de encolher 0,7% em 2014, a força de trabalho avançará neste ano, mas mais em linha com crescimento demográfico, em torno de 1% em relação ao ano anterior, afirma.

A ocupação deve encolher em ritmo parecido, 1%, conduzindo a taxa de desemprego de dezembro a 8,1%. Margato destaca a queda da renda real, projetada em 3% neste ano - o último resultado negativo, de 2004, foi de 1,2% -, e da massa salarial, estimada em 4%. "A queda da renda vai provocar forte recuo no varejo. Na PMC [Pesquisa Mensal do Comércio], a queda nas vendas já aparece disseminada entre os setores."

O aumento do desemprego foi espraiado no levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ele avançou em todas as seis regiões metropolitanas, com altas acima da média do país em Salvador e em São Paulo, onde o indicador cresceu 3,4 e 3 pontos percentuais, para 12,3% e 7,9%. O indicador subiu 2,6 pontos no Recife, para 9,2%, 2,1 pontos no Rio de Janeiro, para 5,7%, 1,9 ponto em Belo Horizonte, para 6% e 1,6 ponto em Porto Alegre, para 5,9%.

A alta se repete entre os todos os grupos de idade e níveis de instrução. No conjunto daqueles com 11 anos de estudo ou mais, o desemprego aumentou 55,5%, de 4,5% em julho de 2014 para 7%. Para aqueles que estudaram entre 8 e 10 anos, passou de 7,6% para 10,6%, e, entre aqueles com menos de oito anos de estudo, de 3,8% para 6,4%.

O economista Fabio Romão, da LCA Consultores, destaca o comportamento do setor de serviços, cuja perda de fôlego, ao lado do comércio, tem sido um dos principais responsáveis pelo aumento do desemprego, já que absorveu grandes contingentes de mão de obra em anos anteriores. No agregado entre comércio, serviços a empresas, serviço doméstico e outros serviços feito pela consultoria, a média móvel em 12 meses da população ocupada cai 0,9% em julho, "fazendo companhia" à construção e à indústria, que estão em terreno negativo nessa comparação desde o fim de 2013.

O enfraquecimento desses setores é ainda mais evidente no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que acompanha apenas o mercado formal. Os serviços apontaram saldos negativos em abril, maio e junho - algo inédito desde o início da série, em 1992. Para o resultado de julho, que será divulgado hoje, a LCA estima mais uma contração, de 28,9 mil vagas com carteira.

A técnica da coordenação de emprego do IBGE Adriana Beringuy ressalta que a sequência de aumento da taxa neste ano já é maior do que a registrada em 2009. Entre dezembro de 2008 e março de 2009, ela subiu de 6,8% para 9%, mas começou a cair a partir de abril. "O que chama a atenção é essa aceleração não se interromper no segundo trimestre e ser tão mais elevada que em 2014."

Alguns indicadores sinalizam que esse desgaste ainda teria espaço para se aprofundar. Em julho de 2009, diz Adriana, a proporção de empregados com carteira entre o total de ocupados era maior do que neste ano - 45,1%, contra 49,7%. "Os avanços dos últimos anos garantiram um colchão que está sendo absorvido até o momento. Se ele vai permanecer nos próximos meses, a gente não sabe", diz.

Governo não tem tropa e precisa provar sua existência

Por Rosângela Bittar e Raymundo Costa – Valor Econômico

BRASÍLIA - No Brasil, nunca foi tão sentida, como agora, a falta de um líder político, de um tribuno, de um articulador respeitado, de um alguém, para usar o sujeito da oração a quem recorreu o vice-presidente Michel Temer, que tenha luz própria e não seja um mero liderado, para tomar as providências cabíveis. Disso deriva a extrema dificuldade que se faz notada em todos os ambientes do governo de prever, planejar e executar as ações capazes de reverter a crise política, econômica e moral que está causando tanta ansiedade.

A presidente Dilma Rousseff não tem tropa, como definiu um de seus colaboradores ao justificar a falta de iniciativas políticas e administrativas do governo. Ontem, um dia em que apareceu governando, a presidente estava escudada por dois ministros que, não é acaso, são considerados os que atuam bem na sua área, Armando Monteiro Neto (Desenvolvimento), na mobilização e reunião da presidente com empresários, e Mauro Vieira (Relações Exteriores), no comando da visita de Estado da presidente Angela Merkel, da Alemanha. Os encontros e acordos com a Alemanha, como já se havia notado nos desdobramentos da visita da presidente brasileira aos Estados Unidos, permitiram que sobressaísse o trabalho de dois ministros com atuação política mas estão no comando de assuntos prioritários de governo, o da Defesa, Jaques Wagner, e o da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo.

O resto do governo ainda precisa provar sua existência, e nas áreas onde não há impasse político, há impasse administrativo de grande monta. No primeiro caso está, por exemplo, a prioridade das prioridades de Dilma, o Ministério da Educação. O ministro Renato Janine, um nome respeitado no meio em que atua, está vivendo uma vida de refém. O ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil, ex-MEC) mantem a intervenção direta no ministério através do secretário geral, homem de sua confiança e não dos ministros que o sucederam, Luis Claudio Costa, que entrega ao ministro a gestão mastigada. Fora dali, o ministro Mangabeira Unger, no cargo de secretário de Assuntos Estratégicos, tem a missão de formular o plano Pátria Educadora. Ao especialista sobrou o prato feito. Na saúde é o inverso, o ministro Artur Chioro tudo sabe, tudo pode, mas nada faz.

A Presidência da República está ocupada por escalão avançado do PT, seus melhores do momento, que entretanto não têm liderança política nem no próprio partido.

Para sair do impasse, principalmente na relação com o Congresso, onde precisava e ainda precisa, se continuar firme no cargo, aprovar seu programa econômico, a presidente Dilma concordou nomear para a tarefa o político mais experiente do governo, o vice-presidente Michel Temer, ex-presidente da Câmara e do PMDB. No momento, porém, Temer é visto como um político em processo gradativo de desânimo e poderá desistir de sua missão a qualquer momento. Já estava agastado com a presidente e agora também com seu partido, que exige dele uma reação mais efetiva.

As lacunas do Congresso são abissais. Circulou nos últimos dias nas redes de internet entrevista de Ulysses Guimarães a Jô Soares, inspiradora do apelo do ex-presidente Fernando Henrique à renúncia de Dilma, em que o político demonstrava a falta de condições de Fernando Collor continuar no cargo de presidente, deslegitimado que fora pelas ruas, o que considerava uma voz contrária mais eloquente do que a das urnas. Um Ulysses, um Mário Covas, um Paulo Brossard, um Jarbas Passarinho que, em formulação respeitável embora derrotada, defendia a possibilidade da renúncia fora de hora do então presidente para não sofrer o impeachment, e até um Antonio Carlos Magalhães, com seu ímpeto avassalador, ao lado até o fim do político com quem a nação se incompatibilizara de maneira irreversível.

No Parlamento de hoje quem pode tomar a dianteira intelectual da defesa da presidente? Paulo Rocha? Humberto Costa, se Rocha não conseguir arrastar liderados? Gleisi Hoffmann, ex-ministra da Casa Civil que, apesar de citada em delação da Lava-Jato, não teve até hoje sua presença confirmada nas fornadas de denúncias? Ou Renan Calheiros, a quem o governo recorreu para um acordo tardio de votação de medidas que já foram urgentes? Os oradores inexistem, as trapalhadas se sucedem.

A viagem do ministro da Justiça ao Porto para testemunhar um encontro da presidente Dilma Rousseff com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que era para ser secreto, está no rol dos absurdos.

A presidente não pode sair às ruas e não há quem a ajude a resolver isso. Há duas coisas que a tiram do sério completamente, alterando seu humor: panelaços e a manifestação de pessoas, que vê de cima, quando passa de helicóptero no trajeto entre a Base Aérea e o Alvorada. Insultam-na, dão banana, sem respeito ou tolerância. Quem pode resolver?

Se recorrer aos governadores, e não tem se sensibilizado com essa saída, são poucos os que, com luz própria, poderiam ajudá-la, se quisessem. Quem tem essa condição está, em maioria, na oposição, como Geraldo Alckmin, de São Paulo, e Marconi Perillo, de Goiás. O grande grupo é formado por postes, seja liderados de Lula, seja de Eduardo Campos, morto há um ano, seja de um empresário ou de um político antigo fora da linha de frente. Os governadores estão cuidando de seus quintais, articulando-se com os deputados estaduais para não sofrerem impeachment.

Se tivesse a presidente pelo menos um Palácio do Planalto capaz de comandar a reação, liderar qualquer processo, articular-se com os demais poderes, apontar rumos, haveria uma nesga de claridade. Dilma não tem programa de governo e não tem tropa.

Roberto Freire - O recado das ruas e o papel das oposições

Ao contrário do que tenta fazer crer o lulopetismo, as manifestações contra o governo de Dilma Rousseff realizadas em todo o país no dia 16 de agosto foram expressivas e agravaram ainda mais uma situação já delicada vivida pela presidente da República. Quase 900 mil pessoas foram às ruas em mais de 200 cidades de todas as regiões do país e engrossaram o coro que, pela primeira vez desde que eclodiram os protestos deste ano, teve uma pauta central e muito bem definida: o impeachment de Dilma, além de duros ataques contra o PT e o ex-presidente Lula.

A clara mensagem transmitida pela cidadania nas ruas de todo o Brasil evidencia aquilo que o instituto Datafolha já havia constatado em seu último levantamento. De acordo com a pesquisa, 71% dos brasileiros reprovam o atual governo, enquanto 66% defendem a intervenção constitucional do impeachment. Tudo leva a crer que se trata da crônica de uma morte anunciada, pois a presidente já não governa efetivamente e perdeu a legitimidade junto à população. A sociedade deseja que o país supere a atual ingovernabilidade, o que só será possível com um novo comando e um verdadeiro projeto nacional de desenvolvimento.

As oposições, por sua vez, devem compreender o recado das ruas e se conectar aos anseios da parcela majoritária da população brasileira, que clama pelo fim do governo Dilma. As forças políticas que se opõem democraticamente ao PT têm de estar preparadas para o impeachment da presidente da República, um processo inexorável em função de reiteradas ilegalidades cometidas, entre as quais as “pedaladas fiscais” que configuram um escandaloso crime de responsabilidade. Além disso, há uma série de irregularidades verificadas nas contas da campanha da então candidata Dilma Rousseff em 2014, o que pode levar à sua cassação por crime eleitoral. A situação é tão grave que até alguns petistas já veem o fim antecipado do atual governo como algo positivo para o próprio PT, que poderia se reconstruir.

Não suportamos mais o desmantelo da corrupção, que corrói as instituições e o patrimônio nacional. Precisamos dar um basta no desemprego crescente e na inflação galopante, que são as consequências mais nefastas da irresponsabilidade na condução da política econômica nos últimos 13 anos. Exigimos a punição de todos os criminosos que formaram uma quadrilha e assaltaram a Petrobras, ferindo nosso orgulho, nossa honra, nossa dignidade. Infelizmente, sob o comando de Dilma e do PT, o atoleiro econômico, político e moral no qual o Brasil se meteu só se aprofundará.

Não podemos tolerar uma República de “pixulecos” simbolizada pela imagem mais emblemática das manifestações do último domingo – o boneco inflável de Lula trajando um uniforme de presidiário, que rapidamente ganhou as redes sociais e o mundo. Trata-se de uma crítica ácida e bem-humorada, sem dúvida, mas que resume à perfeição o fim melancólico de uma era e a decadência moral do mais importante líder petista.

Chegou o momento de construirmos um governo mais ético, transparente e comprometido com o interesse nacional. Um governo que aponte novos rumos, resgate a confiança dos brasileiros em seu próprio futuro e recupere a credibilidade perdida pelo país. As ruas falaram novamente, em alto e bom som, e o seu recado não deixa margem para dúvidas. Pacífica e democraticamente, seguindo a Constituição e respeitando as instituições republicanas, o Brasil vai se encontrar com o seu destino e trilhar um novo caminho.

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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Merval Pereira - Na linha de tiro

O Globo

Ao denunciar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na primeira leva de acusações, sem que nenhum petista tenha entrado na lista por enquanto, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deu margem a que Cunha desse curso à sua teoria conspiratória de que o Planalto estaria agindo em conluio com o Ministério Público para enfraquecê-lo.

Éuma retórica previsível, de fato, e não deve dar-lhe muita sustentação nem provocar comoção entre os deputados, mas é um fôlego desnecessário para quem busca apenas um pretexto para prosseguir no seu projeto de se fazer de vítima de um governo corrupto.

Na sua nota, Cunha cerra fileiras contra o PT e o governo Dilma, contra quem já se anunciara na oposição, e a previsão de que a partir de agora dará vazão à sua vingança atemoriza o Planalto e anima a oposição, que erroneamente insiste em preservar Cunha, na esperança de que detone processo de impeachment.

Não parece uma possibilidade real que isso aconteça, mesmo porque ainda não estão concluídos os processos no Tribunal de Contas da União (TCU) e tampouco no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A partir daí é que se poderá ter elementos concretos para tal manobra política, agora enfraquecida pela situação de denunciado do presidente da Câmara.

Como seu caso será analisado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo que o ministro Teori Zavascki prometa ser rápido no encaminhamento do caso, ainda teremos muito tempo para especulações e jogadas políticas. Até mesmo a possibilidade de o procurador-geral da República vir a pedir a saída de Cunha da presidência da Câmara, alegando que ele usa o cargo para prejudicar as investigações, está entre as consequências da denúncia.

A denúncia não é apropriada para o pedido do afastamento, e, sim, a inicial de um processo cautelar, pleiteando-se uma liminar. Provavelmente, o procurador-geral da República aguardará o recebimento da acusação pelo Supremo para dar esse segundo passo, se é que dará.

O embasamento legal do pedido seria o artigo 312, caput, combinado com o artigo 319, inciso VI, ambos do Código de Processo Penal. O artigo 312 permite a prisão preventiva em várias hipóteses, entre elas a “conveniência da instrução criminal”.

Não pode ser imposta prisão cautelar (preventiva e temporária) ao parlamentar, que só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável ou por decisão criminal transitada em julgado, por força no disposto no artigo 53, § 2 º , da Constituição.

Entretanto, o capítulo V do citado diploma legal, intitulado “Das outras medidas cautelares”, prevê sucedâneos da prisão preventiva, entre eles a “suspensão do exercício de função pública”, nos termos do artigo 319, inciso VI, inserido naquele capítulo “quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”.

Presente o risco, próximo da certeza, de Eduardo Cunha vir a cometer — e já cometeu — o crime de coação no curso do processo, previsto no artigo 344, do Código Penal, especialmente ameaçar testemunhas, o seu afastamento da presidência se impõe, sob o fundamento da “conveniência da instrução criminal”.

Nesses casos, temos dois fatos que podem influir na decisão, um especulativo, que não deve ser usado pelo procurador-geral, a denúncia da advogada Catta Preta de que teria sido ameaçada depois que o empreiteiro Júlio Camargo denunciou Cunha, base para a acusação do Ministério Público.

Embora não tenha acusado diretamente Cunha, ele era o envolvido no caso. O outro motivo, este concreto, é a acusação do procurador-geral de que Eduardo Cunha já usou as prerrogativas do cargo para se proteger, tanto quando acionou a Advocacia-Geral da União, quanto ao se utilizar de uma deputada sua aliada, também denunciada, para fazer pressão sobre empresas como a Mitsui e a Samsung para pagarem propina.

O afastamento de Cunha, no entanto, é uma medida amarga demais, e provavelmente o STF entenderia se tratar de uma questão interna da Câmara, resguardando a independência do Poder Legislativo. Mas esse debate pode levar a que a própria Câmara assuma o ônus de tirar Eduardo Cunha da presidência, como aconteceu em diversos outros casos.