segunda-feira, 22 de junho de 2015

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques

O PT, nem é preciso dizer, atua em registro infinitamente mais modesto, o que, aliás, está longe de ser desvantagem. Seu grupo dirigente e os representantes mais expressivos de sua “sociedade civil” talvez ainda não tenham percebido a necessidade de assumir plenamente as responsabilidades decorrentes de viver e atuar em sociedade afortunadamente democrática e pluralista. O partido parece querer operar sob o paradigma da revolução, ainda que esta seja a rota segura para o gueto e a subalternidade. A democracia brasileira nada ganha com isso.

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Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta, um dos organizadores das 'obras' de Gramsci no Brasil. Em artigo ‘O comunismo e o PT’. O Estado de S. Paulo, 21 de junho de 2015.

Lava Jato terá cooperação dos EUA para chegar a operador da Odebrecht

• MPF acionou autoridades norte-americanas para rastrear Bernardo Freiburghaus, que tem cidadania suíça e voltou para seu País, após seu nome surgir no escândalo da Petrobrás como pagador de propina da empreiteira fora do Brasil

Ricardo Brandt, Jamil Chade, Julia Affonso e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

Curitiba, Genebra - A força-tarefa do Ministério Público Federal terá das autoridades dos Estados Unidos – onde está a mais estruturada e eficiente rede de combate à corrupção do mundo – auxílio para tentar desmontar a complexa engrenagem que seria usada pela Construtora Norberto Odebrecht para pagamentos de propinas via empresas offshores em nome de terceiros e contas secretas no exterior.

A empreiteira é um dos alvos da 14ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Erga Omnes, que levou para a cadeia na sexta-feira seu presidente, Marcelo Bahia Odebrecht, e outros 11 executivos do grupo e da construtora Andrade Gutierrez – incluindo também o presidente, Otávio Marques Azevedo.

Órgãos de investigação dos Estados Unidos atuarão, a pedido dos nove procuradores da República da Lava Jato, na triagem dos depósitos de propina feitos em contas que eram do ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa.

Primeiro delator da Lava Jato, Costa devolveu US$ 23 milhões apreendidos na Suíça e que são uma das provas materiais que o MPF acreditar ter do envolvimento da Odebrecht com o esquema de corrupção na estatal.

Acusado de ser o operador de propinas da Construtora Norberto Odebrecht, o doleiro Bernardo Schiller Freiburghaus – que está na Lista Vermelha de procuradores da Interpol – é figura central nessas investigações da Lava Jato no exterior em parceria com os Estados Unidos.

Por meio de um novo pedido de cooperação internacional, a força-tarefa da Lava Jato requisitará a autoridades norte-americanas a ampliação do rastreio de dados bancários, agora envolvendo o suposto operador de propinas da Odebrecht, referentes as transações bancarias que passaram pelos Estados Unidos. Um pedido anterior mirava os depósitos recebidos pelo ex-diretor de Abastecimento.

Freiburghaus é cidadão suíço, com mãe brasileira, e morava no Rio, onde era dono da Diagonal Investimentos. Após se deflagrada em março de 2014 a fase ostensiva da Operação Lava Jato, ele deu baixa em seu passaporte brasileiro e voltou para a Suíça, onde mora.

Para investigadores da Lava Jato, Freiburghaus era quem operava as propinas da Odebrecht. “O modus operandi da Odebrecht foi revelado pelos beneficiários da propina. Paulo Roberto Costa, em sua delação premiada, afirmou que quase todos os valores recebidos nas contas offshores que mantinha na Suíça seriam da Odebrecht.

A propina teria sido paga pelo diretor da Odebrecht Rogério Araújo e intermediada pelo doleiro Bernardo Schiller Freiburghaus, que exercia papel equivalente ao de Alberto Youssef, de operador de propinas e de lavagem de dinheiro para a empreiteira”, escreveu o juiz federal Sérgio Moro - que conduz os processos da Lava Jato – em seu decreto de prisões da Erga Omnes.

Elos. Uma offshore aberta no Panamá em 2006, a Constructora Internacional Del Sur, e contas indicadas pelo ex-diretor de Abastecimento que seriam dele, mas controladas por Freiburghaus, são o ponto de partida para essa apuração em cooperação com as autoridades dos Estados Unidos.

Primeiro delator da Lava Jato, Costa confessou em setembro de 2014 que os US$ 23 milhões que ele tinha em conta secreta na Suíça – e que devolveu após acordo de delação – foram propina da Odebrecht.

Documentos em poder da Lava Jato indicam que a Constructora Del Sur foi a origem de pelo menos cinco depósitos feitos em contas secretas do ex-diretor de Abastecimento. Freiburghaus seria o operador dessas contas. Costa apontou as contas em nome das offshores Sygnus Assets S.A., Quinus Services S.A. e Sagor Holding S.A. como “controladas por Bernando Freiburghaus, mas pertencentes” a ele.

Outro delator, o ex-gerente de Engenharia da Petrobrás Pedro Barusco também apontou a Constructora Del Sur como origem da suposta propina recebida da Odebrecht. Documentos obtidos em outro acordo de cooperação internacional, com as autoridades do Principado de Mônaco, ainda revelaram depósitos provenientes de conta da Constructora Del Sur mantida no Credicorp Bank S.A destinados à uma conta no Banco Julius Baer, que seria do ex-diretor de Serviços Renato Duque – preso em Curitiba, desde março.

“A constatação de que a Constructora Internacional Del Sur efetuou depósitos nas contas off-shore de, pelo menos, três dirigentes da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Renato Duque, permite concluir por sua ligação com o esquema criminoso de cartel e propinas que afetou a Petrobrás”, sustenta o juiz federal Sérgio Moro, em decisão que decretou as prisões dos executivos.

Cerco. Na Suíça, a força-tarefa da Lava Jato já havia pedido cooperação internacional para que os endereços de Freiburghaus naquele país fossem vasculhados e suas contas rastreadas e bloqueadas. O operador foi convocado pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos no dia 5 de fevereiro, mas não foi encontrado no Brasil – onde ele é foragido.

Apesar de o MPF brasileiro ter pedido cooperação da Suíça para investigar o operador das propinas, a opção foi a de não transferir o caso para os suíços. A cooperação entre o Brasil e Suíça foi solicitada há mais de um mês. Mas até agora a Justiça suíça não havia procedido no interrogatório ou no mandado de busca e apreensão, como havia solicitado a força-tarefa.

A decisão foi a de encaminhar um pedido de cooperação com a Justiça americana, alertando que Freiburghaus pode ter operado via bancos americanos. Desta forma, a meta é a de que ele seja investigado e eventualmente indiciado nos EUA.

Na prática, isso significaria um mandado de prisão contra ele sendo emitido pelas autoridades norte-americanas, o que a Suíça dificilmente poderia se recusar a cumprir, mesmo que não seja extraditado.

Com ele preso, a força-tarefa da Lava Jato espera contar com o operador para que colabore nas investigações e aponte o caminho do dinheiro, principalmente sobre quem teria recebido a propina.

Ao Estado, Freiburghaus insistiu que não é doleiro e que “apenas” atuou como gestor financeiro. “Eu sou apenas gestor. Vim para a Suíça em julho do ano passado. Não existe nada. Não tenho nada a ver com esse caso”, declarou.

“Nunca fui doleiro”, garantiu. “Mas vão tentar me crucificar”, lamentou.

Com a entrada das autoridades dos Estados Unidos no auxílio das apurações da Lava Jato, procuradores brasileiros esperam aprofundar o quadro de provas materiais para imputar não só aos executivos da Odebrecht, como seu presidente, Marcelo Odebrecht, por uma prática sistematizada de corrupção e fraudes em seus contratos com o poder público.

Internamente, os procuradores têm a expectativa de que o caso das apurações de autoridades dos Estados Unidos no escândalo de corrupção na FIFA, em que foi desenvolvido um amplo trabalho de cooperação internacional entre autoridades que combatem a corrupção pelo mundo, possa ser espelhado nas investigações da Lava Jato.

Com a palavra, a defesa da construtora Norberto Odebrecht
A Construtora Norberto Odebrecht S.A. (CNO) não possui, nem nunca possuiu, qualquer relação com Bernardo Freiburghaus. A empresa reforça ainda que não fez nenhum tipo de pagamento ou depósito para qualquer ex-executivo da Petrobras.

A empresa possui atuação em mais de 20 países, entre eles os Estados Unidos, portanto é natural que tenha contas bancárias locais.

A Construtora Norberto Odebrecht esclarece que não possui, nem nunca possuiu, qualquer vínculo com a empresa Construtora Internacional del Sur, a qual não é, nem nunca foi de sua propriedade, ou de qualquer outra empresa controlada ou coligada da Organização.

Esclarece ainda que nunca fez qualquer pagamento à referida empresa. Portanto, não são verdadeiras as notícias que vêm sendo veiculadas que atribuem à empresa a responsabilidade por pagamentos efetuados no exterior aos réus confessos Alberto Youssef e Pedro Barusco.

Preso liga ex-governador a obra suspeita

• Em e-mail, executivo da Odebrecht disse que Sérgio Cabral (PMDB-RJ) precisava 'ratificar' consórcio de empresas

• O grupo, formado ainda por Toyo e UTC, acabou escolhido pela Petrobras para obra de US$ 3,8 bi no Comperj, no Rio

Rubens Valente, Graciliano Rocha - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, SÃO PAULO - E-mail interceptado pela Polícia Federal indica a participação do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) para incluir a Odebrecht em consórcio que levou um contrato bilionário no Comperj (Complexo Petroquímico do Rio).

A citação ao peemedebista foi feita pelo diretor da Odebrecht Rogério Araújo, preso na última sexta (19) no curso da Operação Lava Jato.

Em e-mail de 4 de outubro de 2007, ele informa a outros quatro executivos da companhia a inclusão da Odebrecht junto à Mitsui e à UTC na obra do ciclo de água e utilidades, o maior contrato do Comperj.

"Petrobras/PR vai conversar com o Governador sobre este novo arranjo com a participação da CNO (é importante Sergio Cabral ratificar! e também definir o seu interlocutor neste assunto que atualmente junto a Petrobras e Mitigue é o Eduardo Eugenio", escreveu Araújo aos outros executivos.

CNO é Construtora Norberto Odebrecht. "Petrobras/PR" seria o então diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, preso em 2014 e um dos delatores do esquema de cartel e propina na estatal.

Já Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira é o presidente da Firjan (Federação das Indústrias do Rio), bastante próximo de Sérgio Cabral.

O e-mail de Araújo integra um conjunto de mensagens anexadas à fase Erga Omnes da Lava Jato, que levou à prisão executivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez.

Segundo Araújo, o empresário Júlio Camargo, representante das japonesas Mitsui e Toyo, esteve naquele mesmo dia na Petrobras e foi orientado a aceitar a Odebrecht no consórcio. Ricardo Pessoa, da UTC (à época chamada Ultratec), receberia "a mesma orientação de fazer a parceria com a CNO".

Junto com a Toyo e a UTC, a Odebrecht integrou o consórcio TUC, escolhido pela Petrobras para construção, por US$ 3,8 bilhões (R$ 11,59 bilhões), do ciclo de água e utilidades, o maior contrato do Comperj.

Indícios de propina
Iniciada em 2012, a obra está parcialmente paralisada e há indícios de propina. O custo do Comperj, que após aditivos e novas estimativas chega a US$ 47 bilhões, foi questionado pelo Tribunal de Contas da União.

Dois executivos da Toyo que fazem delação, Júlio Camargo e Augusto Mendonça, dizem que houve pagamento de propina na obra do Comperj para os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Renato Duque e para o ex-gerente Pedro Barusco.

Peritos da PF detectaram pagamentos de R$ 18 milhões do consórcio TUC para a Treviso Empreendimentos, uma das empresas controladas por Júlio Camargo, e que seria usada para pagar propina a dirigentes da Petrobras.

Outro Lado

Gilvan,
Com relação à reportagem “Preso liga ex-governador a obra suspeita”, solicitamos a atualização do texto com a inclusão da nota do presidente do Sistema FIRJAN.

“Sou presidente da Firjan, onde são debatidos os temas de importância estratégica para o Rio de Janeiro. É evidente que mantenho interlocução permanente com as principais lideranças políticas do estado e do país. O governador Cabral sempre foi um desses interlocutores. Uma coisa, porém, é certa: jamais tratei de interesse desta ou daquela empresa no Comperj com o ex-governador. Meu nome foi citado numa troca de e-mails de terceiros e sou agora indagado a respeito. Tenho horror a bandalheira. Estou entre os que apoiam as investigações em curso no país desde a primeira hora. Elas estão em linha com meu desejo de um Brasil ético e transparente. A simples menção a meu nome em meio ao contexto de toda a lama trazida à tona pela Lava Jato é ultrajante.”

Obrigada.

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Sistema Firjan – Assessoria de Imprensa
(21) 2563-4257

Papéis mostram proximidade de Lula com empreiteiros

• Ex-presidente era chamado de 'Brahma' por diretores da OAS em negociação de viagem bancada pela empresa

• Em visita à África, em 2011, Lula pôs em sua delegação executivo da Odebrecht, o que gerou estranheza diplomática

Catia Seabra, Graciliano Rocha – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Documentos obtidos na Operação Lava Jato trouxeram à tona a relação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com executivos das maiores empreiteiras do país. Chamado de "Brahma" pelos diretores da OAS, Lula defendia, em viagens patrocinadas por empresários, seus interesses no exterior.

Em junho de 2013, num seminário em Lima, Lula dirigiu-se ao presidente do Peru, Ollanta Humala, sugerindo aliança com o empresariado.

À frente de uma delegação de 400 executivos, Lula afirmou que "não se deve ter vergonha" se há interesse financeiro. Porque "todo mundo que é empresário precisa ganhar dinheiro". Do Peru, a delegação --com executivos da OAS, Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez, além de empresas do porte da Embraer e Eletrobras-- viajou à Colômbia e ao Equador.

Cinco meses depois, Lula fez nova viagem sob patrocínio empresarial. Conversas por mensagens de texto capturadas em celulares de executivos da OAS indicam que a empreiteira não só deixou um avião à disposição do ex-presidente para que viajasse ao Chile, em novembro de 2013, como ajudou a definir sua agenda em Santiago.

Numa conversa, o então presidente da OAS, Léo Pinheiro, referia-se a Lula pelo apelido de "Brahma" e discutia o roteiro com o executivo da empreiteira Cesar Uzeda.

"A agenda nem de longe produz os efeitos das anteriores do governo do Brahma, no entanto acho que ajuda a lubrificar as relações. (A senhora [Dilma] não leva jeito, discurso fraco, confuso e desarticulado, falta carisma)", escreveu Uzeda.

Pinheiro responde: "O Brahma quer fazer a palestra dia 24/25 ou 26/11 em Santiago. Seria uma mesa redonda para 20 a 30 pessoas. Quem poderíamos convidar e onde?"

As mensagens indicam que a agenda de Lula no Chile foi fechada com Clara Ant, ex-assessora da Presidência e diretora do Instituto Lula. No dia 25 de novembro, véspera da viagem, Uzeda sugere "checar com Paulo Okamotto se é conveniente irmos no mesmo avião".

Em viagem à Guiné Equatorial em 2011, como representante do governo Dilma, Lula colocou entre os integrantes de sua delegação oficial Alexandrino Alencar, executivo da Odebrecht preso na sexta (19). O caso foi revelado pelaFolha em 2013.

Lula e Alexandrino são conhecidos de longa data: no livro "Mais Louco do Bando", Andrés Sanchez, ex-presidente do Corinthians, relata uma viagem em 2009 que Alexandrino fez a Brasília com Emílio Odebrecht, presidente do conselho de administração da empresa.

Na época, Lula pediu ajuda à Odebrecht para o Corinthians construir seu estádio. A inclusão de Alexandrino no grupo causou estranheza no Itamaraty, que pediu informações à assessoria de Lula.

Colaborou Flávia Foreque, de Brasília

PF indiciará presidentes de empreiteiras presos

• Delegado diz que provas incriminam executivos de Odebrecht e Andrade Gutierrez

‘Todos serão indiciados’

• Delegado da Polícia Federal diz que já existem provas contra executivos de empreiteiras

Germano Oliveira* e André de Souza – O Globo

CURITIBA e BRASÍLIA — Os empreiteiros Marcelo Odebrecht, presidente da Construtora Norberto Odebrecht, e Otávio Marques Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, assim como outros dez executivos de empreiteiras presos na última sexta-feira, serão indiciados pela Polícia Federal ainda esta semana, após serem ouvidos pelos delegados da Operação Lava-Jato. A informação é do delegado Igor Romário de Paula, integrante da força-tarefa da Lava-Jato.

O indiciamento significa que a PF já tem provas contra os acusados. Ainda não há, segundo o delegado, definição dos crimes que serão imputados aos 12 presos na 14ª fase da operação; a maioria deve ser indiciada por corrupção e lavagem.

— Os crimes vão variar para cada um deles, mas todos serão indiciados. Já existe muito material que os incrimina — disse o delegado.

Os primeiros interrogados serão os quatro executivos que tiveram as prisões temporárias de cinco dias decretadas pelo juiz Sérgio Moro: Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, ex-dirigente da Odebrecht, Antônio Pedro Campelo de Souza, Flávio Lúcio Magalhães e Christina Maria da Silva Jorge. Esses quatro deverão ser postos em liberdade amanhã à noite, depois de depor, a não ser que o juiz Moro decida transformar alguma dessas prisões em preventiva.

Os demais executivos ligados à Odebrecht e à Andrade Gutierrez deverão depor durante a semana. O delegado Igor Romário acredita que Otávio Azevedo e Marcelo Odebrecht serão os últimos ouvidos, possivelmente na quinta-feira. Os advogados de Azevedo já entraram com pedido de habeas corpus, para que ele seja solto. Os de Marcelo devem fazer o mesmo nos próximos dias. Delegados e procuradores acham muito difícil que os empreiteiros digam o que sabem nestes primeiros depoimentos.

— A experiência mostra que ninguém fala agora. Mas, depois que avaliam o quanto estão implicados, começam a falar. Alguns vão até optar por colaboração premiada. Existe boa chance de que venham a falar, mas não agora nesta primeira semana — disse o delegado da PF.

Ontem à noite, cerca de 30 pessoas fizeram uma vigília em frente à sede da Odebrecht, em São Paulo. Segundo Carla Zambelli, uma das fundadoras do movimento NasRuas, a intenção do ato foi tentar convencer Marcelo Odebrecht a revelar os nomes dos políticos que se beneficiaram com o esquema de corrupção montado na Petrobras. Com velas acesas no chão, o grupo, do qual faziam parte integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), escreveu a frase “Fala Marcelo”.

Os delegados e procuradores já estão convencidos de que os empreiteiros das duas maiores construtoras do país sabiam e apoiavam o trabalho de seus executivos no “Clube das Empreiteiras”, que superfaturava obras na Petrobras, pagando propinas a políticos e executivos da estatal — entre eles, os ex-diretores de Abastecimento Paulo Roberto Costa, de Serviços Renato Duque, o diretor executivo Pedro Barusco e o ex-diretor da Área Internacional Nestor Cerveró.

Segundo os promotores, as construtoras pagavam propinas que variavam de 1% a 3% do valor de cada obra. Esse dinheiro era repartido entre os próprios diretores da estatal e dirigentes do PT, PP e PMDB. Cada um desses partidos, tinha um operador dentro da Petrobras para arrecadar dinheiro para o partido.

Ontem, nem os advogados puderam visitar os presos na Superintendência da PF em Curitiba.

O procurador Marinus Marsico, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), defendeu mudanças na legislação para tornar mais rápido o processo administrativo que impede empresas investigadas por corrupção de participar de novas licitações. Ele argumenta que, em casos graves, poderia haver a concessão de liminar antes da conclusão do processo, impossibilitando a participação dessas empresas. Até agora, nenhuma empreiteira investigada na Operação Lava-Jato foi declarada inidônea.

Em despacho, Moro levantou a hipótese de as empreiteiras repetirem os crimes no plano de concessões lançado pelo governo. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que não há como impedir a participação das empreiteiras antes do fim do processo legal. Marsico disse que o ministro está correto, mas fez ressalvas:

— Deveria haver uma previsão legal para conferir liminares em casos graves. No caso da Lava-Jato, há indícios aparecendo há muito tempo. O processo precisaria ser mais rápido.

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto defendeu a necessidade de um processo administrativo, com a garantia da ampla defesa, antes da declaração de inidoneidade. Sugeriu também que o processo poderia ser segmentado: uma empresa viria a ser declarada inidônea para uma atividade econômica, mas continuaria participando de outras. (*Enviado especial)

Governo e PT vão discutir efeitos da Lava-Jato

Germano Oliveira e Geralda Doca – O Globo

• Página de Lula no Facebook pede para não acreditar em boatos e "espalhar a verdade"

CURITIBA e BRASÍLIA- Dirigentes do PT disseram ontem que as implicações da Lava- Jato para o partido devem ser discutidas na reunião da Executiva Nacional, quinta- feira, em São Paulo. Alguns petistas temem que o depoimento do presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, preso na sextafeira, possa causar problemas ao parido e ao governo. A empreiteira é a mais beneficiada por financiamentos do BNDES em serviços de engenharia no exterior.

— Tem havido muita especulação de que Marcelo Odebrecht, por ser mais próximo do ex- presidente Lula, poderia envolver lideranças do partido em eventuais delações. Mas, até agora, isso tudo é especulação — diz um membro da Executiva.

No governo, a avalanche de notícias ruins deverá azedar o clima da reunião da coordenação política hoje. Segundo um interlocutor da presidente Dilma Rousseff, não há como fugir de temas espinhosos, como o resultado da pesquisa Datafolha ( que apontou 65% de rejeição da presidente), a prisão dos presidentes das principais empreiteiras do país, além das duras críticas de Lula à gestão de Dilma, em encontro com líderes religiosos, reveladas pelo GLOBO. Nos bastidores, as críticas foram considerada por assessores do Planalto como “um desastre” e “inacreditáveis”.

— Não se pode fazer de conta que essas coisas não existem. A gente deve fazer uma análise e decidir que posição vamos tomar — avalia um assessor de Dilma.

Segundo ele, a prisão dos principais executivos de Odebrecht e Andrade Gutierrez prejudica o governo neste momento em que busca uma agenda positiva e gera um clima de apreensão. Essas empresas estão presentes na maioria das obras de vulto no país, empregam muitos trabalhadores e têm empréstimos junto a grandes bancos.

— É muito prejudicial ao governo ( a prisão dos empreiteiros) neste momento. Acaba dando um susto enorme no sistema bancário. Gera clima de grande expectativa sobre os possíveis resultados negativos, decorrentes da prisão dos presidentes dessas empresas — diz a fonte.

A preocupação é que, pressionado pela prisão, Marcelo revele dados que não apareceram nas investigações da Lava- Jato. No inquérito, há referências a obras feitas pela Odebrecht no exterior com recursos subsidiados do BNDES. A empreiteira foi beneficiada por 70% de todo o crédito disponibilizado pelo governo no exterior entre 2007 e 2015, recebendo US$ 8,4 bilhões. Outra preocupação de petistas é a proximidade de Lula com a Odebrecht. 

Ao deixar o governo, entre 2011 e 2014, ele recebeu dinheiro da empresa para dar palestras no exterior. A construtora chegou a pagar US$ 300 mil por evento e forneceu aviões para viagens a Cuba, República Dominicana, Venezuela, Panamá e Angola.

Para se defender dos que dizem que recebeu milhares de reais das construtoras para pagar suas atividades políticas, a página de Lula no Facebook trouxe ontem uma mensagem explicando como o Instituto Lula é financiado. “O Instituto Lula financia suas atividades por meio de doações espontâneas de empresas privadas e pessoas físicas. Como qualquer entidade privada, o Instituto declara suas movimentações à Receita Federal e cumpre todas suas obrigações tributárias. O Instituto Lula não recebe qualquer tipo de verba pública”. E a postagem finaliza: “Não acredite em boatos espalhe a verdade”.

'Pedaladas' com bancos estatais continuam

• Tesouro ampliou em R$ 2 bi dívida com Caixa e BB devido a represamento de repasse para programas sociais

• Tesouro afirma que repasses seguem programação do orçamento, mas não apresenta cronograma

Eduardo Cucolo – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Reprovada pelo Tribunal de Contas da União, a prática da "pedalada fiscal" continua em uso pelo governo Dilma Rousseff em 2015.

Uma das manobras consiste em atrasar o repasse do Tesouro, para os bancos públicos, do dinheiro necessário para pagar benefícios sociais ou financiar investimentos com juros mais baixos.

Para manter os desembolsos, os bancos acabam usando seus próprios recursos. O TCU considera que, dessa forma, eles financiaram seu controlador (o governo), o que é proibido pela lei.

O tribunal condenou essa e outras práticas ao analisar as contas de 2014 do governo, e exigiu explicação por escrito de Dilma em 30 dias.

Se não se der por satisfeito, recomendará ao Congresso que rejeite as contas da presidente, algo inédito e que, se confirmado pelo Legislativo, poderá embasar uma ação de impeachment.

A Folha atualizou os mesmos dados usados pelo TCU para embasar a condenação das "pedaladas" de 2014.

O TCU calculou as dívidas com os três bancos e o FGTS em cerca de R$ 40 bilhões na época da auditoria, com números até junho de 2014.

Essa conta já está próxima de R$ 60 bilhões, mais que os R$ 55 bilhões prometidos pelo ministro Joaquim Levy (Fazenda) para reduzir a dívida pública neste ano.

O aumento das dívidas significa que o dinheiro que o governo reservou para ressarcir os bancos não tem sido suficiente nem sequer para pagar as novas despesas registradas em 2015.

Dívida crescente
Só no primeiro trimestre de 2015, a dívida do governo com a Caixa, pagadora de programas sociais, e o Banco do Brasil, financiador do crédito agrícola, cresceu mais de R$ 2 bilhões e chegou a R$ 19 bilhões no fim de março.

O Tesouro devia ainda, no final de 2014, R$ 26,2 bilhões ao BNDES (banco estatal de fomento) para subsidiar empréstimos. O dado de 2015 ainda não foi divulgado, mas técnicos do governo afirmam que houve alta.

Em 2012, a Fazenda publicou portarias assinadas pelo ex-ministro Guido Mantega e pelo atual ministro do Planejamento, Nelson Barbosa (na época número 2 da Fazenda), permitindo ao governo adiar em ao menos dois anos o pagamento de dívidas com o BNDES.

Durante 24 meses, os valores não seriam contabilizados pelo Tesouro como devidos, embora constem como dívida no balanço do banco, sujeito a normas mais rígidas de contabilidade.

O prazo pode ser prorrogado de acordo com as disponibilidades orçamentárias e financeiras do Tesouro: na prática, permite ao governo pagar a dívida quando quiser.

Para o TCU, a portaria deixara clara que houve uma operação de empréstimos entre BNDES e Tesouro.

No caso do FGTS, o Tesouro reteve cerca de R$ 10 bilhões referente à multa adicional de 10%.

No final de 2014, a Fazenda prometeu fazer uma proposta de pagamento. Outra dívida com o Minha Casa, Minha Vida, à época de cerca de R$ 7 bilhões, não foi negociada na ocasião.

Planalto prega ‘humildade’ após pesquisa

• Datafolha mostrou que rejeição da administração Dilma Rousseff é só comparável à de Collor dias antes de ser alvo de impeachment

Alberto Bombig, Anne Warth, Caio Junqueira, Célia Froufe, Ricardo Chapola e Valmar Hupsel Filho – O Estado de S. Paulo

A nova alta na rejeição do governo Dilma Rousseff, apontada por pesquisa Datafolha divulgada no fim de semana, fez o Palácio do Planalto adotar a receita da “humildade” e da “paciência”. O levantamento mostra que 65% dos brasileiros rejeitam a administração da petista, índice comparável só ao obtido por Fernando Collor dias antes de ser alvo de impeachment, em setembro de 1992, quando registrou 68%. Apenas 1 em 10 eleitores consideram a gestão “ótima ou boa”.

“O governo tem de ter humildade para reconhecer que a pesquisa reflete um momento de dificuldade política e econômica”, afirmou ontem ao Estado o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Edinho Silva. “Estamos vivendo uma situação de dificuldade econômica, o governo tem consciência das dificuldades e está fazendo ajuste para que sejam superadas. Estamos virando a página do ajuste e entrando na agenda de retomada da economia.”

O Planalto aposta em medidas como os recentes lançamentos do Plano Safra e do Plano de Infraestrutura e também futuros, como na área energética e de banda larga, além do Minha Casa, Minha Vida 3, para ver os índices de popularidade de Dilma melhorarem. Em avaliação recente da conjuntura política, feita em reunião fechada com religiosos no Instituto Lula, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que ele e a sucessora estão “no volume morto” e o PT, “abaixo do volume morto”.

O otimismo do Planalto, no entanto, não é compartilhado entre os aliados do PT no Congresso. Para um importante líder da base, a situação “vai piorar ainda mais um pouco antes de começar a melhorar”, por que são “muitas frentes, e todas difíceis e mal articuladas”. Diante das dificuldades econômicas, do impacto da Operação Lava Jato e do risco de reprovação das contas do governo no Tribunal de Contas da União (TCU), havia quem esperasse resultado pior nos dados do Datafolha, como aprovação de apenas um dígito.

Para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a queda da popularidade da presidente é a continuidade de um processo de desgaste que chegou ao “fundo do poço”. Essa deterioração, em sua avaliação, foi provocada pela conjunção de fatores negativos, como a piora da economia e o escândalo de corrupção na Petrobrás. “E, principalmente, pelo fato de estar fazendo um ajuste que não foi falado na campanha”, afirmou. “Claro que há (chance de recuperação), mas, para isso, é preciso ter três coisas: estabilidade política, recuperação da economia e ações positivas de governo.”

Para o vice-líder do PMDB na Câmara, Danilo Forte (CE), a deterioração de Dilma na pesquisa apenas revela a insatisfação da sociedade com o governo. Segundo ele, o governo não fez o dever de casa e, por isso, tem causado frustração na população. “O governo conseguiu surfar um pouco na sua credibilidade, e no próximo semestre as manifestações vão recomeçar”, considera.

O líder do PT Câmara, Sibá Machado (AC), enfatizou que nos primeiros seis meses de governo a agenda foi focada no ajuste fiscal e em cortes no Orçamento. “Toda vez que a economia tem maus indicadores, há uma perda de popularidade”, disse. “Antes de uma crise política, há uma crise econômica e um massacre na mídia de modo geral.”

Presidente do PSDB e candidato derrotado por Dilma no segundo turno, o senador Aécio Neves (MG) agradeceu nas redes sociais “o apoio de tantos brasileiros”. Na pesquisa Datafolha, o tucano apareceu 10 pontos à frente de Lula em uma eventual disputa pelo Planalto - 35% a 25%.

Para Aécio, o recorde de rejeição da presidente “mostra a consciência crescente dos brasileiros em relação às mentiras de que foram vítimas durante a campanha eleitoral do ano passado e em relação à traição do atual governo, que descumpriu promessas feitas ao País”.

Para o senador Agripino Maia (RN), presidente do DEM, “o governo está sem ação, sem suporte político e sem comando”. “Não há perspectiva de melhora.”

Para governo, momento é ruim e exige humildade

• Datafolha mostrou que 65% reprovam Dilma

Valdo Cruz e Gabriela Guerreiro – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O momento é muito ruim, não deve melhorar no curto prazo, mas o governo precisa ter humildade para entender as dificuldades e trabalhar para reverter a situação.

Esta é avaliação de assessores do governo sobre a reprovação recorde de Dilma Rousseff revelado pelo Datafolha e das críticas feitas pelo ex-presidente Lula.

Publicada neste domingo (21), a pesquisa mostra que 65% do eleitorado avalia a presidente como ruim ou péssima. Número que só não é pior do que os 68% alcançados por Fernando Collor antes de seu impeachment.

O receio do Palácio do Planalto é que a aprovação da presidente caia abaixo dos 10% atingidos agora. O fato de que para 63% dos entrevistados o ajuste fiscal afeta mais os pobres é visto por assessores como preocupante.

Eles dizem que mesmo que o governo busque adotar uma agenda positiva na economia, como reivindica Lula, a população está sentindo "na pele" os efeitos do ajuste fiscal.

Dilma, segundo assessores, ficou contrariada com as críticas do ex-presidente, mas a ordem é não rebater sua fala para não alimentar uma crise entre os dois. Em conversa com religiosos na semana passada, Lula disse que Dilma e ele estão no "volume morto" e o PT, "abaixo dele".

Oficialmente, a avaliação do governo é que estão sendo tomadas as medidas para reverter o quadro econômico.

"Toda pesquisa tem de ser analisada e ser objeto de reflexão sobre seus significados, mas acreditamos que ela reflete um momento específico que será revertido", afirmou o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça).

Ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva disse que a pesquisa mostra que estamos "enfrentando uma situação política e econômica complexas" e que o governo "tem de ter humildade para entender as dificuldades do momento".

Afirmou, porém, confiar que, "em breve", as medidas que já estão sendo tomadas, como os planos de concessões e de safra, "vão gerar os efeitos desejados".

Para o presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), o resultado mostra que Dilma "colhe o que plantou" ao ter "mentido e enganado" a população ao longo da campanha eleitoral. Entre os oposicionistas, o clima é de comemoração. O fato de Aécio aparecer dez pontos percentuais à frente de Lula numa eventual disputa à Presidência animou o PSDB.

Crise em Brasília frustra vitrine do PSB

Raymundo Costa - Valor Econômico

BRASÍLIA - Com um déficit herdado de R$ 3,1 bilhões e um déficit orçamentário de cerca R$ 3 bilhões previstos para este ano, o governo do Distrito Federal deve chegar ao fim de 2015 sem dinheiro para pagar a folha de pessoal. "Se não aumentar muito a receita nos próximos três meses, o governo pode deixar de pagar salários no final do ano", reconheceu o governador Rodrigo Rollemberg (PSB), ao ser questionado peloValor. "Realmente a situação é muito difícil".

Na fila de pagamentos estão, por exemplo, os R$ 1,4 bilhão devidos aos fornecedores do governo, referentes ao exercício de 2014. Rollemberg estima também que precisará de R$ 2,2 bilhões suplementares para honrar os salários dos servidores. Mas falta o apoio da Câmara Distrital, misto de assembleia legislativa com câmara de vereadores, para as iniciativas mais ousadas para aumentar a arrecadação. Apoio, por enquanto, só para medidas mais conservadoras, como o aumento do IPVA e do ITBI.

O PSB pretendia fazer do governo de Brasília uma vitrine nacional para projetar o partido como uma real alternativa política à esquerda ao PT. Talvez só em Pernambuco os conceitos da "nova política" foram tão vitoriosos quanto em Brasília. De uma só tacada, Rodrigo derrotou o PT, os ex-governadores Joaquim Roriz, José Roberto Arruda e Paulo Octávio, além do primeiro senador cassado da República, Luiz Estêvão - quase todos habitués das prisões da cidade.

Eleito no 'blackout' da política tradicional do DF, com a primeira prisão de um governador no exercício do mandato (Arruda), o ex-governador Agnelo Queiroz nem sequer foi para o segundo turno, tornando-se o segundo caso de governador no cargo a cair fora da disputa logo na primeira rodada (o outro foi Germano Rigotto, do PMDB do Rio Grande do Sul). Mas no momento é a "velha política" que parece se impor. Hoje é uma ameaça real à "nova política" de Eduardo Campos e Marina Silva.

Para sair do caos financeiro deixado pelo antecessor e cumprir suas promessas de campanha, Rollemberg recorreu a uma receita clássica mas ousada por ferir muitos interesses: a venda de ativos a fim de recuperar a capacidade de investir e manter a máquina em funcionamento.

No pacote, incluiu a venda de ações das mais vistosas estatais do DF, como o Banco Regional de Brasília (BRB) e as companhias de saneamento (Caesb) e de energia elétrica (CEB). Mas também o zoológico, o Parque da Cidade e a Torre de TV, um dos símbolos da cidade como as curvas arquitetura de Oscar Niemeyer. O pacote prevê ainda a formação de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para a construção de estradas e do VLT, venda de terras, um dos principais patrimônios do GDF, e a tomada de empréstimos externos, o que somente será possível se as contas estiverem nos parâmetros estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) - e elas estão no limite do limite.

O governo tem o Estádio Nacional, um monumento ao desperdício construído para alguns jogos da Copa do Mundo a um custo estimado em R$ 1,8 bilhão. O problema todo é que não há interessados em explorar o elefante branco.

Por mais lógicas que pareçam as medidas propostas, no entanto, os projetos empacaram na câmara, território da "velha política", e sofrem feroz oposição dos sindicatos de servidores, especialmente aqueles do BRB e das companhias de saneamento e de energia elétrica, três dos mais poderosos. Rollemberg se queixa de que os sindicatos não veem "o todo, mas apenas a defesa dos interesses da categoria", ou seja, aumento de salários e benefícios trabalhistas.

"Ou não entenderam a situação ou querem que realmente vire o caos", diz o jornalista Hélio Doyle, que há duas semanas deixou os dois cargos que ocupava no governo, a Casa Civil e a Secretaria de Comunicação, numa tentativa de Rollemberg para distensionar e compor as relações com a câmara, o que por muitos foi visto como uma rendição da "nova política" à "velha política".

Rollemberg insiste que seu governo está acabando com as velhas práticas políticas de Brasília, projetada para ser moderna mas que convive com todos os antigos vícios da política nacional, apesar de jovem, aos 55 anos. Segundo Rollemberg, quando assumiu o governo, há seis meses, havia deputado com 300 apadrinhados em cargos do governo. Isso, segundo ele, acabou. "É uma relação nova com a câmara e dá mais trabalho justamente porque é nova". Segundo o governador, já estava acertada a mudança na Casa Civil, que passaria a ter um perfil mais de gestão. "O Hélio decidiu sair por entender que ajudará mais estando fora".

O próprio Doyle, jornalista, ex-sindicalista e ex-petista, no entanto, se vê justamente como vítima do impasse entre o velho e o novo no GDF: "Você não bota o novo e mata o velho. Os dois convivem. Então é uma batalha", diz. Doyle se enfraqueceu também no PSB, que o acusava de centralismo excessivo e de manter no governo boa parte do PT de Agnelo Queiroz, especialmente na Saúde, área mais sucateada na gestão passada.

Esse é o paradoxo eleitoral de Brasília. Rollemberg derrotou o PT, Roriz, Arruda e Estevão. A eleição do jovem Reguffe (PDT) para o Senado também pode ser considerada uma façanha, porque ele derrotou o candidato de Roriz e Arruda, que era o então senador Gim Argelo, disputando a reeleição, e o candidato do PT, Geraldo Magela, que já levava no currículo um segundo lugar na disputa para o governo do DF. O resultado da eleição para a Câmara Distrital, no entanto, foi bem diferente. A coligação de Rollemberg elegeu quatro dos 24 deputados distritais, sendo três do PDT e um do Solidariedade, nenhum de seu próprio partido, o PSB. Na oposição o PT elegeu quatro, o PMDB três e o partido de Luiz Estêvão (PRTB) dois - o resto da Câmara é constituída por um representante de cada partido. Estava dada a receita para o desastre. A base política de Rollemberg é gasosa, flutuante.

Para se ter uma ideia do enrosco em que se encontra o governo, na sexta-feira passada a secretária do Planejamento, Leamir Lemos, discutia com um colega sobre como convencer os deputados distritais de que a intenção do governo era vender ações do Banco de Brasília sem perda do controle acionário. "Talvez a gente possa fazer uma reunião com a base aliada", sugeriu, à certa altura, para em seguida completar, com desalento: "Mas nós não sabemos nem quem é a base do governo!" O que a secretária quer explicar aos distritais é que o governo pretende vender no máximo 49% das ações das estatais, talvez nem todas de uma vez, e manter em suas mãos o controle acionário (51%) do BRB, Caesb e CEB, as joias do pacote.

É improvável que algum deles não entenda o que o governo diz. Os deputados criam dificuldades para negociar facilidades. Além dos cargos, o Valor apurou com integrantes das articulações que há demandas de todos os tipos por trás da pressão sobre o governo. Uma das mais óbvias, para quem deve R$ 1,4 bilhão de contas de 2014, é furar a fila de pagamentos. Demanda típica de Brasília, onde ainda há grande quantidade de áreas públicas, o governo tenta arrecadar mais regularizando a situação fundiária, mas há um boicote às tentativas de legalização que é alimentado na Câmara Distrital.

De acordo com dados oficiais, há 20 status de ocupação ilegal de terras em Brasília, e entre 800 mil e um milhão de pessoas morando em 300 áreas passíveis de regularização.

Há um pedaço de terra em cada um dos principais personagens da política de Brasília. Nesses 30 anos pós ditadura militar, Desde a posse de José Sarney, em 1985, Joaquim Roriz, um fazendeiro rústico de Goiás, governou durante 13 anos, período em que construiu um curral eleitoral estimulando a invasão de terras públicas. Samambaia é apenas o bairro mais famoso a ser criado, da noite para o dia, graças à política de Roriz.

O empresário Luiz Estêvão, o primeiro senador cassado da história do país, é um dos maiores incorporadores da cidade e o dono do PRTB - e ajudou na eleição da atual presidente da Câmara, Celina Leão (PDT), a quem se atribui a queda de Hélio Doyle. O ex-governador Paulo Otávio também é empreiteiro e incorporador tão grande quanto ou talvez maior que Estêvão. São quatro as empreiteiras que hoje dão as cartas em Brasília, cujos braços - direta ou indiretamente -se estendem até a Câmara.

Há uma tensão permanente entre as autoridades e as grandes incorporadoras sobre os limites do que pode ou não ser construído no Distrito Federal. Brasília salvou-se pelo tombamento do Plano Piloto, mas ao redor as empresas vez por outra ampliam esses limites. No Lago Sul foi construída uma quadra zero (subsequente ao Pontão do Lago) que não era prevista; a maior desfiguração ao projeto original da capital é o bairro de Àguas Claras, um maciço de espigões de até 30 andares, onde não se deveria ultrapassar os oito andares. O Setor Sudoeste não teria as quadras 300; atualmente as empresas tentam aprovar a construção das quadras 500, que podem invadir parte do Plano. O que deveria ser o Lago de São Bartolomeu, importante numa região com clima de baixa umidade, foi tomada por condomínios.

A rigor, não há uma discussão séria sobre se vai ou não faltar dinheiro para a Previdência, por exemplo. O governo do DF vai propor - e deve enfrentar a mesma resistência - algo que o governo federal já acabou há mais de 20 anos, que é a Previdência Complementar. O servidor do GDF hoje ganha a aposentadoria integral. E os salários são altos. Em Brasília o governo ainda paga a licença prêmio para os servidores que fazem a opção para receber em espécie. Outro dia desabou sobre a mesa de um secretário o caso de um servidor que tinha direito ao pagamento de 18 licenças-prêmio não gozadas - cerca de R$ 400 mil. Não há caixa que resista.

Jairo Nicolau - A reforma política "foi uma série de votações desconexas"

Alessandra Duarte - O Globo

Um "equívoco" se juntou a um "tema banal", que se uniu a "uma piada" — e fez- se a reforma política aprovada pela Câmara, avalia Jairo Nicolau, professor de Ciência Política da UFRJ. Nessa colagem de mudanças — que ainda serão votadas em segundo turno e depois vão ao Senado —, Nicolau diz que uma delas, a doação a partidos, não mais a candidatos, deve alterar as relações políticas no país.

Qual a impressão deixada por esta reforma aprovada em 1 º turno na Câmara?

Quando os trabalhos começaram na comissão da reforma, seguiam o rito, com reuniões, audiências, e com um relatório para ser a peçabase das votações. Com o não reconhecimento desse relatório, foram semanas de temas que não tinham nada a ver um com o outro. Desde a redemocratização, não tinha havido um esforço concentrado para tratar de reforma política, foi um momento inédito. Não digo que ele foi desperdiçado, mas foi atabalhoado. Os dirigentes dos partidos estavam confusos, despreparados para encaminhar as votações. Havia temas pouco relevantes, como mudança de idade mínima para parlamentares, que apareciam próximos de questões fundamentais, como o fim do voto obrigatório, que apareceu de forma surpreendente e que, se tivesse sido aprovado, teria sido mais impactante que o fim da reeleição.

Foi uma reforma política Frankenstein?

Os temas iam aparecendo e iam caindo, né? Os assuntos entravam um depois do outro sem uma hierarquia de prioridades, sem parâmetro. É o que acontece quando você deixa uma votação ao sabor de um plenário. Fica ao sabor dos humores. O que vimos foi uma série de votações desconexas. Faltava unidade naquilo. “Agora, idade mínima.” Por que votar idade mínima? O que isso tem a ver? “Agora, fim do voto obrigatório.” Depois vinham uns deputados e rezavam um Pai- Nosso. Pronto, acaba o voto obrigatório, agora reza um Pai- Nosso.

Houve quem dissesse que, se não tivesse sido assim, a reforma, mais uma vez, não teria saído.

Não concordo. Não conheço reforma de sistema político- eleitoral que não tenha sido feita com base num relatório. A do Japão, nos anos 1990, teve uma comissão; a da Itália e a da Nova Zelândia, no mesmo período, teve consultas. Não sei se o que tivemos foi uma jabuticaba. O encaminhamento foi incomum. E não se quer uma reforma pela reforma. Qualquer um que faz uma reforma em casa tem algum objetivo. Que reforma foi feita? No final das contas, foi acabar com reeleição e mudar calendário. Isso melhora a qualidade da representação no país? Acho que tem impacto pequeno.

Por que a reforma ocorreu desse modo?

O motivo para ter sido assim foi circunstancial. Absolutamente. Tem a ver com o estilo decisório do atual presidente da Câmara. Poderíamos ter tido um relatório como guia. Mas o deputado Eduardo Cunha deve ter desejado colocar no seu legado que ele fez a reforma política. Talvez por conta disso, levou a plenário temas ainda não maduros nem entre os parlamentares, nem entre especialistas. O menos amadurecido, a grande surpresa, foi a análise do voto facultativo. Já o prazo para desfiliação ( sem perda de mandato) foi uma decisão casuística.

A mudança sobre os projetos de iniciativa popular pode estimular a vinda de um maior número de projetos do tipo?

Pode ser um estímulo, mas não creio que faça tanto efeito. Não é difícil uma associação procurar um deputado e lhe pedir um projeto de lei. O mecanismo da iniciativa popular é pouco usado no país, e a ideia ali é mais para passar imagem de mobilização sobre um tema do que para produção legislativa. Essa foi uma mudança neutra. Num modelo representativo, a mobilização tem de ser mais para acompanhar o que faz seu representante do que para a própria sociedade legislar. Outra mudança neutra: a questão dos policiais e bombeiros ( voltarem à ativa após o mandato). Mais um particularismo na Constituição. Outro totalmente particularista: a mudança da idade mínima. Um tema banal que parou na Constituição, assim como a mudança da data da posse. Já o acesso ao Fundo Partidário, do jeito que ficou ( pouco rigoroso), é uma piada.

E a emissão de recibo em papel nas urnas eletrônicas?

Acho um equívoco. Tolice, desconhecimento. A urna eletrônica é um sucesso do ponto de vista da segurança. Quem teve a oportunidade de conferir o sistema viu sua confiabilidade. Essa mudança ( o registro em papel) vai trazer mais confusão do que vantagem. Todo mundo que tem impressora sabe que às vezes ela dá problema. E não vai ser só problema mecânico, não. As pessoas votam errado, se atrapalham, votam na legenda quando queriam votar em um candidato. Quando forem conferir no papel, vão se dar conta ( de que se atrapalharam), vai ter confusão. Além disso, pode levar a novo tipo de controle do voto, novo cabresto, porque o eleitor pode tirar foto do recibo pelo celular. Uma coisa é foto da tela da urna, o eleitor pode alterar o voto depois de tirar a foto; foto do recibo em papel é uma prova maior.

O que achou do fim da reeleição?

Gosto da ideia da reeleição. Já houve estudos mostrando que a continuidade administrativa auxiliou a implementação de políticas. Temos casos em que o segundo mandato foi melhor que o primeiro. Claro que também houve muito abuso ( do candidato à reeleição, que tinha a máquina administrativa a favor), mas acho que isso poderia ser corrigido, por exemplo, com a licença do cargo durante toda a campanha. Se a presidente Dilma tivesse se licenciado de julho até o 2 º turno, todos os deslocamentos dela pelo país teriam de ter sido bancados pelo partido. Além disso, candidatar- se à reeleição não significa que você vai ganhar. Muitos perdem: a taxa de reeleição dos Executivos no Brasil é de cerca de 60%. O que motivou o fim da reeleição não me parece ter sido a vontade de aperfeiçoar, mas, sim, aumentar as chances de se entrar no jogo. O rodízio interessa. Quantos políticos do Rio não viram a carreira suspensa pelo fato de o Eduardo Paes ficar 8 anos ( como prefeito)? E aí, quando acabaram com a reeleição, tiveram que aumentar o mandato para 5 anos. Podiam ter mexido com o mandato só dos Executivos; mas a não coincidência das eleições é ruim para os políticos. Se o governante está mal no primeiro ano, o desgaste dele afeta a eleição dos parlamentares do seu partido. Imagina neste primeiro ano do segundo governo Dilma, como se sairiam os deputados petistas se houvesse eleição para a Câmara? E, em campanhas coincidentes, uma campanha ajuda a outra. Agora, quando chegar ao Senado, se derrubarem os 5 anos, voltaremos ao pré- 88: quatro anos, o que é pouco para o Executivo.

Qual a mudança mais importante?

A mais importante para a democracia brasileira, por incrível que pareça, foi a permissão de doações de empresas a partidos. Inicialmente, teve gente que ficou pessimista, eu mesmo. Parecia um contrassenso em relação ao movimento atual contra a corrupção entre empresas e campanhas. Mas, depois, me dei conta de que isso pode mudar a relação entre empresas e políticos. Porque as empresas terão de passar pelo filtro do partido. Hoje, a empresa doa na mão do cara. Ela tem certeza de que o dinheiro vai para quem ela quer, e isso não tem a ver com o partido, tanto que a mesma empresa doa a candidatos de diferentes correntes. Se tiver que doar ao partido, e não ao candidato, vai ter que negociar, isso vai dar mais peso aos dirigentes partidários. Comparando com o que temos hoje, vai ser melhor. Mas o mais importante mesmo, de tudo que votaram na Câmara, foi o que não aprovaram: o distritão e o fim do voto obrigatório. A melhor reforma foi aquela que não houve.

Mercado vê juro e inflação maiores e queda mais forte do PIB em 2015

Ana Conceição – Valor Econômico

SÃO PAULO - Pioraram as expectativas dos analistas do mercado financeiro para a economia neste ano, de acordo com o boletim Focus, do Banco Central (BC). A projeção para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) caiu ainda mais, mas sem sinais de alívio na inflação, agora estimada perto dos 9%. A previsão para o juro básico supera 14%.

De acordo com o Focus, a mediana das estimativas para o aumento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) saiu de 8,79% para 8,97% neste ano. Foi a 10ª revisão consecutiva para cima. Na previsão de 12 meses, a projeção subiu de 6,10% para 6,13% de inflação. Os analistas também elevaram a estimativa para o resultado do IPCA de junho, de 0,55% para 0,68% de alta. Para 2016, a aposta segue em 5,50% de elevação.

Essas revisões ocorrem após a divulgação da prévia do IPCA de junho, na sexta-feira passada pelo IBGE. O IPCA-15 deste mês subiu 0,99%, bem acima do 0,82% esperado, e acumulou 8,80% em 12 meses. O resultado provocou uma onda de revisões para a inflação do mês e do ano.

A expectativa de inflação mais salgada trazida pelo Focus se junta a uma projeção mais alta para os juros. Agora, o mercado vê a taxa Selic fechando 2015 em 14,25%, em vez de 14% contemplados antes. A taxa básica está atualmente em 13,75% ao ano. Para o fim de 2016, a aposta segue em 12%.

Atividade
Quanto à atividade, a estimativa para o desempenho do PIB foi revisada de queda de 1,35% para recuo de 1,45% em 2015 e de crescimento de 0,90% para expansão de 0,70% em 2016.

Na sexta-feira passada, o BC divulgou seu Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), que veio pior que o esperado, com queda de 0,84%, mais do dobro do recuo de 0,4% previsto.

Para analistas, o dado reforçou os sinais de um início muito ruim da atividade no segundo trimestre do ano.

A estimativa da produção industrial contida no Focus saiu de recuo de 3,20% para decréscimo de 3,65% neste ano e de alta de 1,60% para crescimento de 1,50% no próximo calendário.

Top 5
Na contramão da mediana do mercado, os analistas Top 5 - que mais acertam as projeções - reduziram a estimativa para a inflação neste ano

A mediana de médio prazo desse grupo para a alta do IPCA saiu de 8,90% para 8,83%. Para 2016, esses analistas mantiveram a expectativa de aumento de 5,21%.

O grupo elevou a aposta para a Selic neste ano, de 13,75% para 14,25%, e para 2016, de 11,50% para 11,56%.

Aécio Neves - Intolerância e omissão

- Folha de S. Paulo

Na última quinta-feira (18) estive na Venezuela, na companhia de outros sete senadores, em visita de caráter oficial para levar solidariedade aos presos políticos do regime de Nicolás Maduro. Queríamos visitar o líder oposicionista Leopoldo López, no presídio desde fevereiro de 2014, e Antonio Ledezma, prefeito metropolitano de Caracas, mantido em prisão domiciliar.

Não conseguimos ir muito além do aeroporto. A estrada de acesso a Caracas estava bloqueada. Nosso carro foi cercado e impedido de continuar. Hostilizados e sob ameaça de agressão física, apesar de outras tentativas, não conseguimos avançar.

Nossa viagem atendeu ao apelo feito pelas mulheres dos líderes presos e se insere no conjunto de mobilizações e visitas de lideranças de outros países que têm ido à Venezuela levar apoio aos cidadãos perseguidos por discordarem do governo. Não há nada de original nesse esforço. Muitos devem se recordar da importância de gestos de solidariedade internacional como esses, ocorridos em favor de presos políticos brasileiros durante a ditadura implantada em 1964.

O que não nos deixaram ver na Venezuela nos dá uma ideia do que é viver hoje em condições de democracia ameaçada onde não há lugar para vozes dissonantes, para o diálogo e o confronto legítimo de opiniões. Onde a verdade pertence ao governo, como em velhos manuais aposentados pela história.

É inconcebível que ainda haja países onde os princípios invioláveis são permanentemente colocados em risco. Onde há prisões, cassações, pressões de todo tipo para constranger e imobilizar as vozes contrárias. Vozes que têm direito de se expressar e de serem ouvidas.

É incompreensível o apoio da presidente Dilma --em função da própria biografia de ex-presa política-- a um governo que tenta silenciar seus opositores pela força.

Quem cala consente. O silêncio do Brasil é constrangedor e imoral. Em pleno século 21, é intolerável a existência de presos políticos. Não se transige com a liberdade. Há valores que, por sua força e significado, estão acima de diferenças partidárias e políticas. Temos o direito de viver com nossas opiniões e crenças. E de não sofrer violência de qualquer espécie por pensar diferente do governo de plantão.

Antes de ser política ou partidária, esta é uma causa humanitária. O tempo do vale-tudo, que justifica qualquer arbitrariedade em nome de um discurso político, precisa ser enterrado. A dignidade do homem deve sempre prevalecer sobre qualquer conveniência política. É isso o que, surpreendentemente, o governo brasileiro ignora, mesmo tendo a presidente Dilma vivido e sentido pessoalmente o que a intolerância é capaz de fazer.

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Aécio Neves é senador e presidente nacional do PSDB

Ricardo Noblat - Fini!

- O Globo

"Dilma está no volume morto. O PT, abaixo do volume morto. Eu estou no volume morto".
Lula

Começar por onde? Pelo aumento do desemprego? Ou da rejeição a Dilma, agora na casa dos 65%? Pela decisão do Tribunal de Contas da União de pedir explicações ao governo sobre manobras fiscais? A decisão pode dar vez a um processo de impeachment contra Dilma. Ou começar pelo desabafo de Lula detonando Dilma, o PT e ele próprio? Ou ainda pela prisão surpreendente dos dois maiores empreiteiros do país?

A PRISÃO DOS empreiteiros remete à Queda da Bastilha. Só havia por lá sete presos quando o povo de Paris tomou- a de assalto. Os presos foram libertados. A cabeça do diretor da prisão desfilou pela cidade espetada na ponta de uma lança. A Bastilha era um símbolo do poder absolutista dos reis. Sua queda virou um marco da Revolução de 1789 que mudou a França e repercutiu no mundo todo.

ATÉ QUE A Bastilha fosse destruída, tinha- se como inconcebível que a ralé pegasse em armas para varrer o regime. Os reis eram figuras divinas. Por aqui, parecia inconcebível que Marcelo Odebrecht, herdeiro de um império que faturou R$ 107 bilhões no ano passado, fosse parar na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, obrigado a comer quentinhas. Ele e o presidente da Andrade Gutierrez.

E NÃO SÓ pela fortuna que Marcelo amealhou, capaz de realizar todos os seus desejos de consumo, e também os desejos das próximas gerações dos Odebrechts. Mas, principalmente, pelas conexões políticas e econômicas que Marcelo estabeleceu com políticos e governantes daqui e de uma dezena de países. Lula virou seu empregado. E, junto com Dilma, refém do que Marcelo sabe.

SE O MAIS poderoso empresário brasileiro decidisse colaborar com a Justiça, a República literalmente cairia. Imagine se viessem à luz detalhes de um dos encontros de Marcelo com Dilma no ano passado, quando ele fez um circunstanciado relatório sobre os bastidores dos negócios entre as empreiteiras e a Petrobras? Por essa e outras, ele jamais imaginou que seria preso.

EM NOVEMBRO último, durante encontro com os executivos do Grupo Odebrecht em Costa do Sauípe, na Bahia, Marcelo se sentia tão inatingível que os aconselhou: "Se algum de vocês for preso, conte tudo. Que eu me apresentarei e contarei tudo". Não se animem! O maior patrimônio de Marcelo, a essa altura, não é a Odebrecht. É sua memória. E os documentos que guarda. Não falará.

LULA ESTÁ furioso com a companheira Dilma. Ele a acusa de não ter usado o poder do cargo para impedir que a Operação Lava- Jato, comandada pelo juiz Sérgio Moro, chegasse até onde chegou. Mas como Dilma poderia atender à vontade de Lula se ela se reelegeu com base em mentiras, lidera um governo cada vez mais fraco, e seu desempenho só é aprovado por 10% dos brasileiros?

O FATO É que Lula cobra de Dilma o que ela não pode dar. Ou talvez não queira dar. Poucas coisas boas ficarão do período Dilma. Uma delas, a justa fama de não ter atrapalhado o combate à corrupção. As críticas de Lula a Dilma, compartilhadas com os religiosos que o visitaram no Instituto Lula, deixam nu um político que não entende a real dimensão da crise do PT e da esquerda.

A CRISE DERIVA de erros cometidos por Lula e Dilma. O pai da crise é ele. A mãe, ela. De nada adianta Lula sugerir a Dilma que vá para a rua falar com o povo. Ela não tem o que dizer. O PT, tampouco. Envelheceram o discurso e os métodos do Sr. "Brahma", como Lula foi chamado por alguns empreiteiros. É um ciclo político que se esgotou. Apenas isso, e nada mais.

José Roberto de Toledo - Uber ódio

- O Estado de S. Paulo

Jô Soares entrevistou a presidente. “Morra, Jô Soares”, pichou um anônimo em frente à casa do apresentador, materializando no asfalto o ódio que já derramavam virtualmente as redes sociais. Uber faz sucesso no Brasil. “Vai ter morte”, disse representante de taxistas – com a mesma cortesia usada no trânsito – a deputados que querem regular o serviço de transporte particular.

Menina de 11 anos caminhava por avenida em trajes de Candomblé. Desmaiou ao ser atingida na cabeça por pedra atirada por homens que gritavam: “Sai demônio, vão queimar no inferno, macumbeiros”. As três cenas ocorreram na mesma semana, em locais tão distintos quanto o centro rico de São Paulo, o Congresso Nacional em Brasília e a periferia pobre do Rio de Janeiro. Ilustram como a intolerância crescente no Brasil não é só política, mas econômica e – novidade – religiosa. Chocam tanto pela contundência quanto pela banalização e ubiquidade do ódio.

Qualquer estatística sobre mortos no trânsito, pela polícia, por criminosos e mesmo por companheiros de bar ou de lar desconstrói o mito de que o brasileiro é cordial. Só neste século, quase 700 mil habitantes do Patropi abençoado por Deus foram assassinados por conterrâneos.

Meio milhão foi transportado involuntariamente ao cemitério por carros, motos, caminhões e ônibus. E, embora o Brasil não tenha declarado guerra oficialmente, 7 mil morreram em intervenções legais e operações bélicas (leia-se, pela PM).

Enquanto cultiva a autoimagem de nação sorridente e solidária, o Brasil é sinônimo de lugar violento na imprensa estrangeira. Após o assassinato de nove negros que rezavam em uma igreja nos EUA, um dublê de jornalista e estatístico gringo planilhou os dados de homicídios. Para provar que os afro-americanos vivem em constante perigo e enfatizar o tamanho do risco, tuitou que eles são vítimas de assassinato em taxa comparável à do Brasil.

Não é de hoje. A violência interpessoal antecedeu o desembarque dos portugueses. Canibalismo e guerras tribais foram erradicados porque os novos moradores dizimaram quem os praticava. Seguiram-se três séculos de escravidão oficial, quando açoitar, espancar ou mesmo matar alguém era prerrogativa do seu proprietário.

A violência foi e tem sido instrumento crucial para consolidar a regra do manda quem pode e obedece quem tem juízo. Da tortura de Estado disseminada na ditadura militar à lei do mais forte imposta pelo crime organizado nos presídios e comunidades pobres das metrópoles, a coerção e a intimidação são assíduos protagonistas da cultura de poder no Brasil. Por que, então, o choque com uma pichação, uma ameaça verbal ou mesmo uma pedrada?

Talvez porque os alvos desse uber ódio sejam tão inofensivos quanto um humorista, um aplicativo de celular ou uma criança. Se até eles ficaram à mercê dessa força irracional e imprevisível, ninguém mais está a salvo de ameaça ou de ter sua integridade física violada por motivos tão banais quanto a cor da sua roupa. A ubiquidade do ódio tomou o discurso político, fez de adversários inimigos e transformou sede de justiça em desejo de vingança. No caminho, desfez qualquer fio de cordialidade que ainda pudesse disfarçar a violência das relações sociais no Brasil. Fim da hipocrisia, saudarão alguns. A que preço?

Os EUA nem tinham velado os nove mortos na igreja de Charleston quando Barack Obama foi à TV dizer que algo precisava ser feito, que esse fenômeno não se repete tanto em outros países.

Desde os 21 alvejados por um atirador dentro de um McDonald’s em San Isidro em 1984, passando pelos 13 estudantes abatidos a tiros por dois colegas em uma escola de Columbine em 1999, foram 40 assassinatos em massa em 30 anos. Deixaram 362 vítimas fatais Obama tem motivos para se preocupar com tanto ódio racial, religioso ou genericamente social. O Brasil também.

Valdo Cruz - Lula e o fundo do poço

- Folha de S. Paulo

Dilma vai ao fundo do poço nas pesquisas e Lula ajuda a cavar ainda mais o buraco. Agora, admite que os tucanos estavam certos: Dilma mentiu na campanha ao dizer que não faria ajuste e que não mexeria em direitos trabalhistas. Fez e mexeu, disse o petista.

Falta ao criador, porém, uma certa dose de autocrítica. Ele sabia muito bem que sua criatura vendia ilusões na campanha e que, se não tivesse prometido tais miragens, teria colhido pesadelos nas urnas.

O petista sempre se queixou de erros cometidos no primeiro mandato pela presidente, que, sabia e até defendia, teriam de ser corrigidos no segundo. Agora, é fácil tirar o corpo fora e reclamar que Dilma só fala de ajuste e não gera notícia boa.

Até que ela tenta. A última que lançou, seu programa de concessões, foi sufocada por inflação em alta, desemprego crescente, economia esfriando e prisão de donos das empreiteiras, notícias divulgadas de uma só vez na sexta passada.

O fato é que, antes de arrumar os estragos feitos na economia, haja notícia boa para mudar o ânimo dos brasileiros. Com Lula dando sua ajuda por aí, Dilma tem de torcer para que sua aprovação não caia abaixo do limite dos dois dígitos, 10%, registrados pelo Datafolha.

E por falar em Lula, enquanto presidente ele não perdia uma só oportunidade, nos contatos com seus colegas da América Latina e da África, para defender os interesses das grandes empreiteiras brasileiras.

Até aí, tudo bem. Outros presidentes fazem o mesmo. Faz parte do trabalho de promoção de seus países. Depois, fora do governo, ser contratado para ricas palestras por essas empresas é retribuição, mas não pode ser visto como ilegal.

Agora, se ficar provado que as empreiteiras se meteram em corrupção no governo petista e irrigaram o caixa do seu partido, todo trabalho de caixeiro viajante do ex-presidente e suas ricas palestras serão colocados em dúvida. No mínimo.

Marcos Nobre - O leitor atento

- Valor Econômico

• PT e PSDB continuam a agir como se a atual crise fosse passageira

A coluna da semana passada foi escrutinada por um leitor atento. Salvo engano, a pergunta que o leitor considerou ter ficado sem resposta foi: quais são as reais possibilidades de uma efetiva reforma do sistema político nas condições atuais? Em termos ainda mais concretos, a provocação foi formulada assim: "que estratégias são de fato possíveis para quebrar o peso do pemedebismo?".

Desde o Plano Real, em 1994, PSDB e PT se dedicaram unicamente à tarefa de conquistar e manter a liderança do sistema político. Não se preocuparam minimamente em transformá-lo. Terceirizaram para outros partidos a luta pela conquista de votos e o grosso da administração do sistema político.

Terceirização da política é outro nome para o projeto de dirigir o pemedebismo. A armadilha desse modelo está justamente em entregar a um partido uma liderança aparentemente inconteste, quando, de fato, essa liderança é muitíssimo limitada quanto a qualquer possibilidade de reforma autêntica do sistema. Como muitíssimo limitada é também a própria margem de ação do síndico do condomínio de poder.

Quanto mais os partidos líderes pretendem se manter como polos, tanto mais produzem fragmentação partidária, tanto mais se isolam em relação aos demais partidos, incluindo aí aqueles com que formaram alianças históricas em eleições presidenciais, por exemplo. Não por acaso, em momentos decisivos a armadilha pemedebista cobrou seu preço sob a forma da expulsão do círculo de poder. Aconteceu na passagem do período FHC para o período Lula. Aconteceu na passagem de Lula para Dilma.

O final do governo FHC foi bastante tumultuado. Não apenas pelo trauma do apagão de energia de 2001 e da desvalorização cambial de 2002. Do ponto de vista da aliança de governo, o principal parceiro, o PFL, foi alijado da chapa presidencial. A então pré-candidata do PFL à presidência, Roseana Sarney, teve sua candidatura inviabilizada por uma operação da Polícia Federal que apreendeu uma grande quantidade de dinheiro em espécie em seu escritório eleitoral. O PFL viu no episódio a digital de José Serra, que teve de se contentar com um apoio meramente formal do partido a sua candidatura presidencial.

O final do período Lula foi de grande euforia econômica. Mas foi também o momento em que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva deixou o governo e, em seguida, o próprio PT. Acabou se lançando candidata na eleição presidencial de 2010, tendo obtido uma expressiva votação pelo inexpressivo PV. Começou ali igualmente o afastamento de outro aliado histórico do PT, o falecido ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que viria a se lançar candidato na eleição presidencial de 2014. Em dobradinha com a mesma Marina.

Ao invés procurarem alargar sua influência para além de seus partidos, PT e PSDB se fecharam cada vez mais em si mesmos - sem com isso terem conseguido melhorar em nada a qualidade de seus próprios quadros, aliás. Pior ainda, jogaram todos os partidos e quadros na mesma vala comum pemedebista. Com o tempo, selecionaram os quadros mais adaptados ao pemedebismo e excluíram aqueles que poderiam colaborar em um projeto positivo de mudança. Expulsaram para o caminho da "terceira via" forças que poderiam ter legitimamente encontrado seu espaço em uma configuração menos exclusivista do gerenciamento da política. Trancaram-se no escritório do síndico do condomínio ao invés de colocarem sua energia em constituir autênticas frentes de situação e de oposição, por exemplo.

PSDB e PT gastaram toda a energia de direção de que dispunham para superar o antigo modelo nacional-desenvolvimentista que prevaleceu por cinco décadas, desde 1930. Conseguiram produzir estabilização político-econômica e fincar políticas sociais compensatórias na vida do país. Foi certamente de importância decisiva para consolidar a democracia e suas instituições. O problema é que isso não é mais suficiente. Formular e implementar um novo modelo de desenvolvimento exige agora enfrentar o pemedebismo. Já não basta apenas dirigi-lo, não há mais como simplesmente acomodar-se a ele.

Não obstante, os dois partidos líderes continuam a agir como se a atual crise fosse passageira, uma conjunção astral desfavorável a um e favorável a outro. Estão certos de que continuarão a ser os polos do sistema tal como funcionou nas últimas duas décadas. O PSDB já se engalfinha em uma precoce luta interna pela escolha do candidato a presidente, como se uma eleição lhe fosse cair no colo por gravidade histórica. O PT luta para manter a cabeça fora d'água, à espera de dias melhores. Parece que apenas o agravamento ainda maior da crise poderá levá-los a abandonar a ilusão de pretender preservar o modelo de liderar sem mais o pemedebismo. É o que pode fazer surgir uma nova atitude.

O atual sequestro da política pela dominância pemedebista exige audácia política como resposta e não a atual acomodação, o atual rebaixamento de expectativas. Exige a formulação de planos de desenvolvimento de longo prazo, capazes de convencer e de dar rumo e esperança. Exige a ampla reorganização das forças políticas em torno de novas e reais polarizações, para além da artificialidade da polarização do atual modelo.

Não é ainda tarde demais para abandonar o modelo dos dois diminutos polos líderes do sistema em favor de um rearranjo que consiga expressar minimamente as reais polarizações que eclodiram no Junho de 2013. A única coisa certa é que interpretar a crise atual como um mero acidente de percurso levará a prolongá-la indefinidamente, alternando momentos ruins e momentos muito ruins. Isso não quer dizer que enfrentar a situação de maneira inovadora signifique que o horizonte de superação será alcançado rapidamente. Muito menos que será fácil. Mas não há outro caminho à vista senão fazer agora o que não se fez em trinta anos de redemocratização em passo lento. Porque é de uma nova encruzilhada histórica que se trata.

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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.