sábado, 4 de abril de 2015

Opinião do dia – Dom Raymundo Damasceno

Esses escândalos todos de corrupção atingem muitos políticos, mas de modo especial os do PT. Isso está gerando um descontentamento muito grande com o partido e seus representantes. Agora, não podemos generalizar, dizer que o PT é corrupto, que todos os petistas são corruptos, nem ter a ilusão de que as coisas vão melhor repentinamente com a mudança de governo. Uma boa parte das investigações - ainda não comprovadas, evidentemente - está implicando membros do PT, mas também de outros partidos. Isso está fazendo com que muitos jovens se desencantem com a política e gerando até certa revolta com os políticos de modo geral, generalizando tudo, quando não podemos generalizar. Nós precisamos de uma reforma política - a melhor que for para o Brasil—para os homens públicos terem mais representatividade e para ajudar o eleitor a exercer seu direito e a escolher bem seu candidato.

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Dom Raymundo Damasceno, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em entrevista na revista Época.

O segredo da Casa Civil

• Os petistas José Dirceu, Erenice Guerra e Antonio Palocci chefiaram a Casa Civil da Presidência. Os três ficaram milionários depois de deixar o governo. Como esse milagre foi operado? A polícia começa a descobrir

Rodrigo Rangel e Robson Bonin – Veja

O poder do chefe da Casa Civil da Presidência da República, como quase tudo no governo do PT, é uma relação incestuosa entre o partido e o Estado. José Dirceu, que foi ministro da Casa Civil na fase inicial do primeiro mandato de Lula, já abriu os trabalhos ampliando os poderes de sua pasta. Ele comandava a máquina partidária e vendeu aos radicais a ideia de que Lula só se elegeria em 2002 com a suavização do discurso socialista estatizante e hostil ao livre mercado. Deu certo, e a figura de leão vegetariano colada a Lula funcionou na costura das alianças e nas urnas. Em retribuição, José Dirceu tornou-se superministro, condição que alardeava aos quatro ventos com variações desta frase: "Ele é o presidente, mas quem manda no governo sou eu". Dirceu e a Casa Civil foram os guardiões e os fiadores dos acertos e compromissos firmados com políticos poderosos e grandes empresários. Parte desse enorme poder encarnado por Dirceu na Casa Civil foi passada a seus sucessores na pasta. Com o poder, tornou-se hereditário também o hábito de o titular usar o ministério como balcão de negócios e, uma vez fora, lançar mão de sua influência junto a quem ficou para continuar operando.

Qualquer negociação estratégica com o setor produtivo e o Congresso passa necessariamente pela Casa Civil, que, com mais ou menos delegação, dependendo da circunstância, representa a vontade do presidente na definição de obras de infraestrutura, liberação de linhas de crédito em bancos oficiais, vetos e indicações para os mais altos cargos da administração pública. Dos seis ministros que assumiram a Casa Civil nos últimos doze anos, três nutriram o sonho de chegar à Presidência. Dilma Rousseff conseguiu, José Dirceu e Antonio Palocci foram abatidos em pleno voo, e Aloizio Mercadante, o atual ministro, mesmo no alvo do fogo amigo, mantém-se firme no curso.

Mas com o poder costuma vir o abuso do poder, e não é surpresa para ninguém que a Polícia Federal e o Ministério Público estejam investigando o enriquecimento dos antigos ocupantes do superministério. Se falhou na política, Dirceu — o "guerreiro do povo brasileiro", "o revolucionário socialista"

— prosperou como consultor. Só das empresas investigadas no escândalo da Petrobras recebeu mais de 10 milhões de reais. O ex-ministro Antonio Palocci, que assumiu o posto no início do governo Dilma, também enriqueceu sem precisar de muito esforço. Descobre-se agora que até mesmo a mais discreta, a mais humilde e a aparentemente mais despretensiosa ocupante do cargo, a ex-ministra Erenice Guerra, também carimbou seu passaporte vermelho para esse seleto clube de milionários.

Há duas semanas, a Polícia Federal e o Ministério Público deflagraram a Operação Zelotes, que tem como alvo uma quadrilha que vendia facilidades no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf). Integrado por representantes do governo e dos contribuintes, o Carf funciona como uma espécie de tribunal em que pessoas físicas e empresas podem recorrer das multas aplicadas pela Receita Federal. Atualmente, tramitam no órgão centenas de processos, cujos valores alcançam quase meio trilhão de reais. Cifras que encheram os olhos — e os bolsos — de muita gente. A investigação identificou um grupo que, atuando em parceria, oferecia veredictos favoráveis no conselho em troca de polpudas propinas ou, nos casos mais sofisticados, uma taxa de sucesso sobre o valor que eventualmente conseguissem abater dos débitos fiscais das empresas. Estima-se que eles possam ter causado aos cofres públicos um prejuízo superior a 19 bilhões de reais.

Foram apontados como participantes do esquema lobistas, advogados e membros do próprio conselho. Até a semana passada, no entanto, o caso parecia incluir apenas aquela arraia-miúda da corrupção que costuma florescer à margem da burocracia que cria dificuldades para vender facilidades. Parecia. VEJA teve acesso a documentos apreendidos pelos investigadores. Durante a operação, a polícia recolheu uma procuração que revela que a ex-ministra Erenice Guerra atuava em parceria com um dos chefes da quadrilha do Carf. Como seus ex-colegas de ministério, a petista surge mirando ganhos de milhões de reais. Como seus antigos colegas de ministério, o enredo em direção à fortuna mistura contratos de gaveta, procurações cruzadas, taxas de sucesso. Assim como os velhos companheiros de partido, Erenice se rendeu à sedução do dinheiro. A exemplo dos criminosos do PT, converteu-se da pior maneira possível.

Erenice Guerra nunca chamou muita atenção, nem dentro nem fora do partido. Funcionária do governo de Brasília, trabalhou na Secretaria de Segurança Pública. Levava uma vida modesta, num bairro de classe média de uma cidade-satélite do Distrito Federal. Com a chegada do PT ao poder, foi indicada para compor o governo de transição, ocasião em que conheceu e se aproximou de outra burocrata, Dilma Rousseff. E veio a guinada na carreira. Em 2003, Erenice foi nomeada chefe da consultoria jurídica do Ministério de Minas e Energia, comandado por Dilma Rousseff. Quando Dilma assumiu a Casa Civil, a assessora a acompanhou, ocupando o cargo de secretária executiva, o segundo mais importante da pasta. Em 2010, Dilma deixou o governo para se candidatar à Presidência, e Erenice, no vácuo da amiga, tornou-se ela própria a ministra-chefe da Casa Civil. Foi um breve reinado, de apenas cinco meses, abreviado pelo escândalo no qual ela foi acusada de atuar em favor dos negócios do marido e do filho. Fora do Planalto, Erenice, especialista em direito sanitário, abriu um escritório de advocacia.

Instalado numa das áreas mais nobres de Brasília, o escritório da ex-ministra logo passou a ser ponto de peregrinação para empresários de diferentes setores com interesses no governo. Com o acesso, os contatos e a fama que tinha e ainda tem no governo, nada melhor do que contratá-la para ajudar a solucionar problemas de toda ordem. Os documentos apreendidos pela polícia põem Erenice no centro do escândalo da Receita e ajudam a compreender o segredo de Midas. Um deles é um contrato firmado entre ela e o braço brasileiro da Huawei, gigante chinês da área de telecomunicações. Erenice se compromete a prestar à companhia "serviços profissionais relativos à defesa fiscal da contratante no âmbito da Administração Tributária Federal". Na prática, incumbiu-se de defender os interesses da Huawei no Carf, o tribunal da Receita no qual agia a quadrilha especializada em vender decisões. E o mais grave: para garantir o sucesso da empreitada, a ex-ministra se associou ao advogado José Ricardo da Silva, então membro do conselho e um dos mais destacados integrantes da quadrilha.

Em valores atualizados, a Huawei discute no Carf um débito de 705,5 milhões de reais, resultante de cobranças efetuadas pela Receita Federal. Nos documentos apreendidos, está estabelecido o prêmio a ser pago a Erenice em caso de êxito: 1,5% do valor que a empresa deixaria de recolher aos cofres públicos. Admitida a hipótese de a cobrança ser anulada integralmente, caberiam a ela nada menos que 10 milhões de reais. O contrato foi acertado em 2013. José Ricardo ocupou o conselho do Carf até fevereiro do ano passado. Resumindo, Erenice se associou a um conselheiro do Carf para atuar em favor de uma empresa multada pelo próprio Carf. A relação de Erenice com José Ricardo fica evidente numa "procuração de gaveta" também apreendida. E mais: quando estava na Casa Civil, Erenice já dava uma mãozinha aos planos de José Ricardo de ampliar seus poderes sobre as decisões da Receita.

Mensagens eletrônicas a que VEJA teve acesso mostram a ação de Erenice para ajudar o advogado. Numa delas, encaminhada ao e-mail funcional dela no Palácio do Planalto, José Ricardo escreve a um irmão da ministra, também advogado, e também sócio na empreitada junto à Receita. Ele pede a intervenção de Erenice na composição do Carf: "Segue apresentação da pessoa que lhe falei, apta a ocupar a presidência do Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda". Com a mensagem, seguiu um anexo com o nome do próprio José Ricardo e de quatro sócios dele — três dos quais também foram conselheiros do Carf e figuram no rol de investigados na Operação Zelotes. Erenice, logo após receber o texto do irmão, responde: "Estou enviando curriculum dos meninos. Bjs".

Eis a receita de sucesso que leva muita gente em Brasília a construir fortunas de uma hora para outra. Enquanto estava no governo, Erenice plantava as bases de uma estrutura com a qual viria a se associar depois, para ganhar dinheiro à custa dos cofres públicos. E esse é apenas um dos muitos negócios arquitetados no escritório da ex-ministra, cujos sinais de riqueza são visíveis. A advogada Erenice nada lembra a companheira Erenice, que hoje mora no bairro mais caro de Brasília, desfila a bordo de carros importados e enverga roupas de grife e acessórios de luxo. Sempre que é procurada, a ex-ministra diz que não gosta de jornalistas. Ela em breve será incluída no rol de investigados da Operação Zelotes — e se juntará aos colegas que, da Casa Civil, decidiram mergulhar de cabeça e braços abertos naquilo que juraram um dia combater. José Dirceu, por sinal, foi intimado na semana passada a prestar esclarecimentos sobre os supostos contratos de consultoria que sua empresa firmou depois que ele deixou o Planalto. De 2006 a 2013, o ex-ministro faturou 39 milhões de reais, pagamentos que continuaram a ser feitos mesmo após ele ter sido preso. Antonio Palocci, que multiplicou seu patrimônio declarado em vinte vezes, incluindo carros e imóveis de altíssimo luxo, também está às voltas com o Ministério Público. A Casa Civil ainda guarda outros segredos.

Com reportagem de Hugo Marques

Operação Cala-Boca

• Empreiteiros presos e corruptos ainda não alcançados pela Operação Lava-Jato depositam suas últimas esperanças em ação no Supremo Tribunal Federal que será julgada nos próximos dias.

Daniel Pereira e Hugo Marques – Veja

Em novembro passado, o juiz Sergio Moro determinou a prisão de executivos de oito empreiteiras acusadas de saquear os cofres da Petrobras e, com o dinheiro roubado, pagar propina a políticos alinhados ao governo, sobretudo do PT, PMDB e PP. Se o mensalão resultara na prisão da antiga cúpula petista, o petrolão levava à cadeia, sob a suspeita de corromperem agentes públicos, destacados financiadores de campanhas eleitorais. Batizada de Juízo Final, essa etapa da Operação Lava-Jato era a aposta dos investigadores para chegar ao comando do maior esquema de corrupção do país. Em depoimentos formais, delatores e operadores já haviam dito que os cofres da empresa eram surrupiados como forma de levantar recursos para comprar apoio partidário ao governo. O quebra-cabeça estava quase montado. Faltava, no entanto, que um grande empreiteiro informasse quem ordenara essa transação criminosa. Faltava a identificação do chefe, do cabeça, do responsável pelo desfalque bilionário. Para esclarecer essa dúvida, o Ministério Público começou a negociar acordos de delação premiada com executivos de construtoras. Já o governo colocou ministros em campo a fim de mantê-los em silêncio.

Essa queda de braço se desenrola há quase cinco meses. Investigadores e advogados de defesa compartilham da mesma análise: quanto mais o tempo passa, maior a probabilidade de um empreiteiro de primeira linha contar o que sabe e, portanto, maior a agonia do governo. Mas essa agonia, ao que parece, está perto de acabar.

Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff disse a interlocutores, numa conversa reservada no Palácio do Planalto, que o Supremo Tribunal Federal (STF) começará a libertar os executivos encarcerados na Lava-Jato. Se essa previsão se confirmar, a tendência é que os empresários abandonem as negociações com os procuradores, tornando praticamente nula a possibilidade de colaborarem com as apurações. Dilma fez tal prognóstico ao falar do julgamento que a Segunda Turma do STF fará, nos próximos dias, do pedido de libertação do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC. Amigo do ex-presidente Lula e considerado o chefe do clube que fraudava contratos na Petrobras, Pessoa ameaçou contar às autoridades detalhes do petrolão se não deixasse a carceragem da Polícia Federal.

Conforme VEJA revelou, ele disse a pessoas próximas que pagou despesas pessoais do ex-ministro José Dirceu e deu 30 milhões de reais, em 2014, a candidaturas do PT, incluindo a presidencial de Dilma Rousseff — tudo com dinheiro desviado da Petrobras. Pessoa também garantiu ter na memória detalhes da participação dos ministros Jaques Wagner (Defesa) e Edinho Silva (Secretaria de Comunicação Social), tesoureiro da campanha de Dilma em 2014, na coleta de dinheiro para candidatos petistas. "O Edinho está preocupadíssimo", escreve num bilhete, em tom de ameaça, ainda no início de sua temporada de cárcere. A Segunda Turma do STF é formada por cinco ministros: Teori Zavascki, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Apesar de Zavascki ser o relator do caso, as atenções estarão voltadas para Toffoli. Ex-funcionário da liderança do PT na Câmara, ex-assessor do mensaleiro José Dirceu e advogado-geral da União no governo Lula, Toffoli se mudou da Primeira Turma para a Segunda Turma a fim de completar o quórum do colegiado e afastar o risco de que os julgamentos do petrolão terminem empatados, o que beneficiaria os investigados. O currículo do ministro e seus sucessivos votos pela absolvição no processo do mensalão sugerem um ponto a favor dos investigados. Só sugerem.

A VEJA, ministros do STF afirmaram que Pessoa e os demais executivos presos — como o presidente da OAS, Léo Pinheiro, outro amigo de Lula — devem ser soltos. "Em alguns casos, já reputo exagerado o tempo de prisão, tendo em vista que as investigações estão realizadas", disse um ministro da corte. Esse foi o mesmo argumento esgrimido por Dilma no Planalto. Advogados de defesa alegam que o juiz Sergio Moro mantém as prisões como forma de obrigar os presos a fechar acordos de delação premiada. Não haveria base jurídica para que eles continuassem na cadeia. O ex-ministro do STF Carlos Velloso discorda dessa avaliação e lembra que decisões monocráticas de integrantes de tribunais superiores têm ratificado a atuação de Moro. "Ele não está cuidando de ladrões de galinha. O que tem feito se compara ao que os juízes fizeram contra a máfia na Itália."

Apesar de afirmar que a tendência do STF é libertar os executivos, um ministro admite que o caso de Ricardo Pessoa tem um complicador: ele foi preso, entre outras razões, por tentar intimidar a contadora Meire Poza, que trabalhava para o doleiro Alberto Youssef, um dos delatores do petrolão. Para a pressionarem a não contar o que sabia, representantes de Pessoa insinuaram que poderiam fazer mal à filha dela. Houve uma tentativa clara e cristalina de atrapalhar a investigação, o que afronta regra básica do Código Penal. "Ameaça a testemunhas é, realmente, um problema", declarou o ministro.

Até agora, as investigações já resultaram na abertura de inquéritos no STF contra cerca de cinquenta políticos e dirigentes partidários. Entre eles, o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Homem da confiança de Lula, Vaccari é acusado de receber propina em nome do partido. Na semana passada, Alberto Youssef disse em depoimento que um de seus empregados entregou 400 000 reais, em propina paga pela empresa Toshiba, na sede do PT em São Paulo. O destinatário do dinheiro, afirmou o doleiro, era o tesoureiro. A revelação dos detalhes do esquema de corrupção tem desgastado a imagem de Lula e a de Dilma, que, por enquanto, não estão sob investigação. Uma pesquisa para consumo interno do PT mostrou que a popularidade do ex-presidente também está em queda livre. Numa conversa recente, o chefe petista, preocupado, desabafou: "Não aceito ser chamado de ladrão. Não sei como reagiria se fosse chamado de corrupto na rua ou num restaurante". Por isso, as atenções dele também estão voltadas para a decisão do Supremo.

Conversas reservadas

Adriano Ceolin – Veja

É prerrogativa do presidente da República indicar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição exige que os nomes escolhidos tenham "notório saber jurídico" e "reputação ilibada" e sejam aprovados pelo Senado. Esse rito está sendo desvirtuado. Desde o mensalão, os candidatos a uma cadeira no STF passaram a fazer política e negociar acordos para assumir o posto. A disputa pela vaga aberta com a aposentadoria de Joaquim Barbosa, em julho passado, reabriu essa triste temporada de conchavos. O PT pressiona a presidente Dilma a escolher alguém que seja simpático ao partido no processo do petrolão. Já o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), que responde a inquérito no mesmo caso, quer emplacar alguém da confiança dele. Os atributos jurídicos ficam em segundo plano. Nesse ambiente, o que não falta são aventureiros tentando sua sorte na roleta política.

Apadrinhado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e pelos ex-ministros Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo, ambos do PT, o advogado Luiz Fachin está em campanha. Na terça-feira passada, ciceroneado pelo senador peemedebista Roberto Requião, foi recebido por Renan e por Eunício Oliveira, líder do PMDB no Senado. Houve uma conversa de aproximação - ou, mais precisamente, uma tentativa de desmontar as resistências a Fachin, considerado petista demais para as exigências de neutralidade do cargo. Uma semana antes, o ex-deputado Sigmaringa Seixas, advogado do ex-presidente Lula, já havia procurado Renan com o mesmo objetivo. A Constituição determina que os indicados para o STF sejam sabatinados publicamente pelo Senado. Desde 1988, nenhum candidato foi reprovado. O péssimo hábito de conchavar longe dos olhos e ouvidos da nação vai definir o novo integrante da corte constitucional brasileira? Infelizmente, parece que sim.

Com a assinatura de Dilma

• Documentos e testemunha mostram que a presidente Dilma avalizou o contrato de montagem do Estaleiro Rio Grande, envolvido desde a sua origem em esquemas fraudulentos e por onde escoaram mais de R$ 100 milhões em propinas para os cofres do PT e aliados

Claudio Dantas Sequeira - IstoÉ

A Operação Lava Jato já concluiu que, a partir de 2010, pelo Estaleiro Rio Grande, escoaram propinas de cerca de R$ 100 milhões para os cofres do PT e aliados. A constatação foi extraída a partir de delações premiadas, dentre elas a do ex-gerente de Serviços da Petrobras, Pedro Barusco, e de Gerson Almada, vice-presidente da Engevix. A partir das próximas semanas, o Ministério Público terá acesso a um outro capítulo sobre as falcatruas que envolvem o estaleiro e, pela primeira vez, um documento com a assinatura da presidente Dilma Rousseff será apresentado aos procuradores que investigam o Petrolão. Trata-se do contrato que deu início a implementação do Estaleiro Rio Grande, em 2006. Dilma, na época ministra da Casa Civil, assina como testemunha. Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras e hoje na cadeia, assina como interveniente, uma espécie de avalista do negócio.

O documento será entregue aos procuradores por um ex-funcionário da Petrobras que resolveu colaborar com as investigações, desde que sua identidade seja preservada. Ele atua há 30 anos no setor de petróleo e durante 20 anos trabalhou na Petrobras. Além do contrato, essa nova testemunha vai revelar aos procuradores que desde a sua implementação o Estaleiro vem sendo usado para desviar recursos púbicos e favorecer empresas privadas a pedido do PT. Na semana passada, a testemunha antecipou à ISTOÉ tudo o que pretende contar ao Ministério Público. Disse que o contrato para a implementação do Estaleiro é fruto de uma “licitação fraudulenta, direcionada a pedido da cúpula do PT para favorecer a WTorre Engenharia”. Afirmou que, depois de assinado o contrato, servidores da Petrobras “foram pressionados a aprovar uma sucessão de aditivos irregulares e a endossarem prestações de contas sem nenhuma comprovação ou visivelmente superfaturadas”. Um mecanismo que teria lesado a estatal em mais de R$ 500 milhões.

O contrato que os procuradores irão receber foi assinado em 17 de agosto de 2006. O documento tem 43 páginas e trata sobre a construção física do estaleiro. De acordo com as revelações feitas pelo ex-funcionário da Petrobras, para escapar do rigor da lei das licitações, a estatal incumbiu a Rio Bravo Investimentos DTVM de conduzir a concorrência. O processo licitatório, segundo a testemunha, foi dirigido de modo que a WTorre superasse outras gigantes do setor e fechasse um negócio de R$ 222,9 milhões para erguer a infraestrutura física do estaleiro adequado à construção de plataformas semi-submersíveis. “A Camargo Corrêa chegou a oferecer uma proposta melhor do que a da WTorre, mas depois a retirou e apresentou outra com valor muito maior”, lembra o ex-funcionário da estatal. “A gente ouvia que a WTorre estava ajudando o PT em São Paulo e deveria ficar com a obra. Havia uma forte pressão da cúpula do PT”. O ex-funcionário da Petrobras não diz nomes, mas os procuradores da Lava Jato têm informações de que o ex-ministro Antônio Palocci seria o consultor da WTorre nessa operação. Tanto Palocci como a empreiteira negam. A WTorre afirma que participou de uma concorrência absolutamente regular, cumpriu com sua parte no contrato e posteriormente vendeu os direitos de exploração do estaleiro.

Finalizada a concorrência para a montagem do Estaleiro, a Rio Bravo voltou à cena, segundo a testemunha, tornando-se gestora do negócio e adquirindo os direitos decorrentes da construção e do contrato de locação por dez anos. “A Rio Bravo converteu esses direitos em quotas do fundo imobiliário que foram adquiridos pela Petrobras (99%). Deu-se então outra operação heterodoxa: uma emissão de certificados de recebíveis imobiliários (CRI), gerando assim uma receita antecipada para os envolvidos na negociação. Em contratos públicos, normalmente a empreiteira só recebe após a comprovação de que realizou determinada etapa de uma obra. Nesse caso, o dinheiro caiu antes na conta”, afirma a testemunha. De acordo com o ex-funcionário, “a Petrobras assumiu todo o risco e bancou 80% do empreendimento”. Para o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho, toda a operação precisa ser apurada. “A presidente Dilma referendou um contrato repleto de suspeição, fruto de uma operação extremamente nebulosa, ao lado de um ex-diretor da Petrobras que foi preso pela Operação Lava-Jato. Caberá à CPI e à força-tarefa da Lava-Jato se debruçar sobre esse fato”, disse o parlamentar. Mendonça Filho ressalta que o contrato entre a Rio Bravo e o Estaleiro Rio Grande “é o primeiro documento nas investigações da Petrobras com a assinatura da então ministra e hoje presidente Dilma”. Para o líder parlamentar, a Petrobras foi “irresponsável”. “Tudo isso mostra uma relação absolutamente promíscua, que claramente lesa o interesse da própria empresa e repete a conexão de alimentação ilegal do sistema político”, afirmou.

Corte de R$ 80 bi divide governo Dilma

• Ministros da área política temem que bloqueio, o maior dos anos administrados pelo PT, afete a gestão

• Tamanho desse contingenciamento de despesas ainda depende da votação do ajuste fiscal no Congresso

Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O maior ajuste fiscal da era petista está gerando apreensão na equipe da presidente Dilma Rousseff. O receio é que o tamanho do corte em estudo pela equipe econômica paralise o Executivo.

Segundo ministros da área política ouvidos pela Folha, um bloqueio de gastos entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões, previsto num dos cenários técnicos, vai parar o governo e frear ainda mais a economia brasileira. Eles preferem algo perto de R$ 60 bilhões.

O montante do corte ain- da não está definido, mas, na palavras da própria presidente Dilma, será "grande" e "expressivo".

Segundo técnicos, o tamanho do bloqueio de despesas dependerá da votação das medidas do ajuste fiscal pelo Congresso.

Caso a base aliada desfigure muito as medidas do ajuste, impedindo que elas gerem a economia prevista de R$ 16 bilhões, pode ser necessário um contingenciamento de gastos acima de R$ 70 bilhões neste ano.

O corte não deve ser, porém, abaixo de R$ 60 bilhões, que seria o piso na visão da área econômica para garantir ao mercado que é firme e consistente a decisão do governo de promover uma contenção de gastos para reequilibrar suas contas.

Segundo um assessor presidencial, existe um consenso sobre a necessidade do ajuste fiscal. A divergência está na sua intensidade.

Ele diz que o tamanho do ajuste será o necessário para cumprir a meta de superavit (diferença entre arrecadação e gastos) fixada pela presidente. A área política espera que o contingenciamento fique em torno de R$ 60 bilhões, o que já vai ser um corte "grande e rigoroso", defende um assessor.

O receio da equipe de Dilma é que, como já se espera que o país registre recessão neste primeiro ano de segundo mandato, já deve haver impacto negativo em sua popularidade. Quanto maior for o corte de gastos, maior será a retração da economia e, consequentemente, maior o impacto na popularidade presidencial no período.

Maior ajuste petista
O esforço fiscal total neste ano --aumento de impostos, economia de gastos e cortes de despesas-- ficará entre R$ 110 bilhões e R$ 120 bilhões.

Ele vai representar um ajuste de 1,7% do PIB, algo que não ocorreu nos anos Lula e Dilma. Equivale a sair de um deficit primário de 0,6% do PIB em 2014 para um superávit de 1,1% do PIB em 2015.

Esforço maior foi registrado em 1999, quando o governo FHC abandonou a âncora cambial e adotou a austeridade fiscal. Na época, saiu de superavit de 0,3% do PIB em 1998 para superavit de 2,3%, um ajuste de 2%.

Lula sempre registrou metas de superavit primário (a economia para pagamento de juros da dívida) melhores do que as de Dilma.

Começou com um superavit de 3,1% do PIB em 2003, subiu para 3,6% em 2004 e terminou o segundo mandato com 2,6%. Sua menor economia para pagamento de juros foram os 2% do PIB de 2009, auge da crise mundial no seu governo.

Já Dilma começou com aperto fiscal e uma meta de superavit de 2,9% do PIB. Depois, passou a reduzi-la, fechando o primeiro mandato com um deficit de 0,6%.

Acordos salariais mostram recuo no ganho real

• Emprego. Com piora de cenário, negociações do primeiro trimestre entre patrões e empregados endurecem

Camilla Veras Mota, Sérgio Ruck Bueno e Mariana Falcão – Valor Econômico

São Paulo, Porto Alegre e Recife –

Para acessá-la basta clicar no link abaixo:

Acordos salariais mostram recuo no ganho real

Esquema desviou R$89 milhões de estradas

Nova rota de desvios

• Irregularidade envolve empresas já investigadas

• Controladoria-Geral da União flagra prejuízo milionário entre 2005 e 2011

André de Souza e Danilo Fariello – O Globo

BRASÍLIA — Empresas investigadas na Operação Lava-Jato, que apura principalmente o esquema de corrupção na Petrobras, já foram responsáveis por obras de transporte que causaram prejuízos milionários aos cofres públicos. Entre 2005 e 2011, segundo auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), houve irregularidades de pelo menos R$ 89,6 milhões. O total de irregularidades, entre verbas superfaturadas e perdas que só foram evitadas pela ação de órgãos de controle, é de R$ 154,3 milhões, em valores da época.

Anteontem, o GLOBO revelou que o presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, confessou à Justiça que a empreiteira pagou propina para executar obras na Ferrovia Norte-Sul, nos mesmos moldes das operações com os contratos da Petrobras. O dinheiro, disse, irrigou os cofres de partidos políticos e agentes públicos.

O depoimento foi dado no processo de delação premiada, por meio do qual ele está colaborando em troca da redução da pena. Em março, o GLOBO mostrou que Avancini confirmara o pagamento de R$ 100 milhões em propina para obter contratos de obras na usina hidrelétrica de Belo Monte. O ministro dos Transportes, Antônio Carlos Rodrigues, solicitou à Valec, estatal ligada à pasta, cópias dos contratos sob suspeita envolvendo a Ferrovia Norte-Sul, citados na reportagem do GLOBO da última quinta-feira.

A auditoria da CGU que apontou outras irregularidades foi feita em 2011, após o escândalo que atingiu o Ministério dos Transportes e levou à demissão do então ministro Alfredo Nascimento, hoje deputado (PR-AM). O relatório tem 253 páginas e cita problemas em 12 obras rodoviárias e três ferroviárias e na contratação de duas empresas. Em duas dessas obras — a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e a duplicação da BR-101, no Nordeste —, há pendências com empresas investigadas Lava-Jato.

Na BR-101, o prejuízo se concentrou no lote 7 da obra de duplicação da rodovia, orçado em R$ 356,1 milhões. A obra, sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), do Ministério dos Transportes, ficou a cargo de um consórcio formado por Queiroz Galvão, Odebrecht, Andrade Gutierrez e Barbosa Melo. As três primeiras também estão sendo investigadas na Lava-Jato.

Segundo a CGU, houve irregularidades de R$ 89,6 milhões causados por má execução da obra, superfaturamento, superestimativa de serviços e projeto executivo deficiente. As perdas podem ter sido maiores. Em relação aos serviço de terraplanagem, a CGU estima um prejuízo extra em potencial de R$ 20,6 milhões.

No caso das obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, sob responsabilidade da Valec, só não chegou a haver prejuízo porque as irregularidades foram descobertas e os valores, corrigidos antes do desembolso. A obra, orçada em R$ 1,65 bilhão, foi dividida em lotes. O consórcio formado pelas empreiteiras Galvão Engenharia e OAS, também investigadas na Lava-Jato, ficou com um lote.

A CGU constatou sobrepreço de R$ 14,7 milhões nos serviços de terraplanagem. Somados aos R$ 29,47 detectados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), as irregularidades somaram R$ 44,2 milhões.

O Dnit determinou uma devassa nos contratos novos ou em vigor com empreiteiras citadas na Lava-Jato desde 2010. O Ministério dos Transportes informou que o Dnit “decidiu iniciar auditoria em cada um desses contratos e determinar às superintendências regionais que identifiquem e disponibilizem para a sede (em Brasília) toda a documentação referente a eventuais processos e contratos dessas empresas (citadas na Lava-Jato)”.

A Valec informou que “mantém os procedimentos referentes às contratações públicas, previstos na legislação vigente”.

Várias das obras citadas na auditoria, como a da Fiol, foram citadas em reportagens, levando à investigação da CGU. Outras, como a BR-101, foram incluídas por iniciativa da própria CGU. “Embora não conste no rol de obras citadas nas recentes denúncias, a obra da BR-101/NE foi aqui incluída pelo seu caráter emblemático, representativa que é da tipologia de problemas que se repetem em inúmeras obras do Dnit”, escreveu a CGU no relatório.

A CGU usa palavras fortes para descrever as irregularidades na duplicação da rodovia. Segundo o órgão, a obra “é, sem dúvida, o caso que evidencia de forma mais clara como a combinação de fatores, a exemplo da existência de cláusulas restritivas no edital de licitação, o descaso com a confecção e a análise dos projetos de engenharia, a falência do modelo de supervisão de obras e a conivência da fiscalização, podem representar prejuízos significativos ao erário público, materializados pela medição de serviços não executados, pela necessidade constante de revisões de projeto em fase de obra com repercussão financeira, algumas das quais resultantes de erros grosseiros de projeto e pela falta de qualidade dos serviços entregues”.

Nos últimos anos, as grandes empreiteiras deixaram os contratos do Dnit, dando espaço a companhias de médio e pequeno portes. Em 2010, porém, elas ainda tinham forte atuação na construção e manutenção de estradas. A redução da participação dessas empresas dos leilões do Dnit combinou com a adoção de medidas para coibir formas de corrupção no setor. Segundo o Ministério dos Transportes, nos últimos anos Dnit e Valec passaram a ter acompanhamento sistemático dos órgãos de controle internos e externos ao governo. Seus editais de licitação foram reavaliados para incorporar sugestões da CGU.

O governo diz que as instituições passaram a reter pagamentos sempre que identificada irregularidade nos contratos, e aperfeiçoaram os sistemas de acompanhamento e medição das obras. Também foi adotado o regime diferenciado de contratação (RDC), com leilões públicos e orçamentos sigilosos.

Ao GLOBO, a CGU informou que não puniu as empresas citadas no relatório nem abriu processos de responsabilização contra elas. “Contudo, caso as investigações da Lava-Jato ou outros trabalhos investigativos revelem informações importantes que apontem a existência de corrupção e atos lesivos à administração, a CGU poderá sim abrir processos de responsabilização com vistas à aplicação de possíveis sanções”, diz o órgão.

A CGU comunicou também que a detecção de irregularidades por uma auditoria do órgão não leva necessariamente à abertura de um procedimento administrativo punitivo. “Para que um processo punitivo seja aberto, é necessária a comprovação de corrupção, de atos ilícitos lesivos à administração pública. Nos casos em que as irregularidades apontadas pela auditoria sejam referentes a casos menos graves, como, por exemplo, falhas de gestão, não há a necessidade de abertura de tal processo”, disse a CGU.

PT faz ‘ajuste fiscal’ interno para não quebrar após escândalo da Petrobrás

• Com caixa avariado devido à falta de doações de empresas, que se retraíram com denúncias de corrupção na estatal, partido de Dilma Rousseff adota contenção de despesas em seus diretórios, que inclui corte de pessoal e de passagens aéreas

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

Demissões, cortes de gastos, aperto orçamentário. Não é apenas o ajuste fiscal proposto pelo governo Dilma Rousseff que tem incomodado o PT. Em meio a uma queda brutal de arrecadação provocada pela redução das doações privadas desde que o tesoureiro João Vaccari Neto passou a ser investigado pela Operação Lava Jato, o partido está enfrentando um ajuste drástico em suas próprias contas.

Depois de mais de uma década de bonança, o partido está sendo forçado a economizar por falta de dinheiro, mesmo diante de um forte aumento do Fundo Partidário neste ano – o Congresso aprovou a elevação de R$ 289,56 milhões pagos em 2014 para R$ 867,56 milhões.

O uso de passagens aéreas por dirigentes foi limitado, diretórios regionais demitiram funcionários, o aluguel de espaços para eventos foi otimizado e até o uso de telefones foi restrito.

Integrantes da Executiva Nacional do PT, órgão responsável pela administração direta do partido, tiveram a verba de telefonemas reduzida de R$ 500 para R$ 100. Muitos deles preferiram trocar de celular, optando por operadoras mais baratas.

Verbas com táxi, combustível, alimentação, serviços técnicos de terceiros, advogados e gráficas também foram contingenciadas. Segundo a direção do partido, a única área que não foi afetada é a de comunicação, para onde são direcionados todos recursos economizados em outras despesas. Apesar disso a implantação da TV PT está atrasada em quase um mês.

Na reunião do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com presidentes estaduais e dirigentes, na segunda-feira passada, quase toda a executiva petista viajou com passagens pagas do próprio bolso ou compradas com pontos acumulados em programas de fidelidade.

Desde o início deste ano, o único dirigente que tem autonomia para reservar passagens aéreas sem pedir autorização é o presidente nacional do partido, Rui Falcão. Depois dos gastos com pessoal, que em 2013 somaram R$ 13 milhões, as viagens são o principal item de despesas do PT, com R$ 7 milhões.

No aniversário de 35 anos realizado em Belo Horizonte, em fevereiro, dirigentes de outros Estados que participaram de um seminário de formação política pagaram as despesas do próprio bolso. Vários deles percorreram centenas de quilômetros de automóvel e fizeram vaquinhas para pagar o combustível. Alguns se hospedaram de favor nas casas de amigos ou correligionários.

A festa contrastou com a época das vacas gordas, quando dezenas de convidados eram hospedados nos melhores hotéis das cidades com todas despesas custeadas pelo partido. O evento, que nos primeiros anos do PT no governo incluía shows musicais, jantares, bancas de charutos e produções hollywoodianas, este ano contou apenas com um ato político no Minas Centro. A música ficou por conta de um violeiro solitário.

Estados. Embora tenham relativa autonomia financeira em relação ao diretório nacional, os diretórios estaduais do partido também estão fazendo ajustes. O partido não tem números fechados mas estima que mais de 30 pessoas foram demitidas nos escritórios estaduais do partido este ano. Os mais afetados foram Rio Grande do Sul e São Paulo que, além de perderem o apoio nacional, tiveram os repasses do fundo partidário suspenso por erros de contabilidade.

Em 2013, ano do último balanço disponível, a direção nacional repassou R$ 92,5 milhões para estados e municípios, dos quais cerca de R$ 35 milhões são frutos de doações privadas – o restante saiu do Fundo Partidário.

A crise financeira do PT está diretamente ligada à Operação Lava Jato. De acordo com depoimentos colhidos pela Polícia Federal, empresas que prestavam serviços à Petrobrás repassavam parte da propina ao PT por meio de doações oficiais ao partido. Segundo eles, o operador do esquema era Vaccari, que é réu na ação que julga os desvios na estatal. Embora tenham sido feitas dentro da legislação eleitoral, com recibos e registros contábeis, as doações são investigadas como dinheiro de corrupção. Isso afugentou outros doadores. Vaccari tem dito que as doações privadas ao PT simplesmente acabaram.

De acordo com a prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) relativa a 2013, as contribuições de pessoas jurídicas foram o principal item de receitas do PT, responsável por R$ 79,7 dos R$ 170 milhões recebidos pelo partido. Em segundo lugar vem o Fundo Partidário, com R$ 58,3 milhões e em terceiro o “dízimo” cobrado dos filiados que ocupam cargos eletivos ou comissionados em administrações petistas, de onde saíram R$ 32,6 milhões.

Vaccari diz que não há porcentual específico para o ajuste, mas confirma a contenção. Segundo ele, as atividades fundamentais do PT serão preservadas.

Dilma e Levy viajam para 'acertar ponteiros'

• Presidente e ministro da Fazenda vieram a SP no avião presidencial para o velório do filho de Geraldo Alckmin

• Chegada da petista ao salão da cerimônia fúnebre ocorreu minutos antes da entrada de Aécio Neves

Marina Dias, Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Ao decidir viajar a São Paulo para o velório de Thomaz Alckmin, filho caçula do governador Geraldo Alckmin (PSDB), a presidente Dilma Rousseff convidou o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a acompanhá-la no avião.

A viagem foi considerada um "gesto" por auxiliares da presidente e uma oportunidade para que os dois "acertassem os ponteiros", segundo estes assessores. O ministro é amigo de Alckmin e quis prestar-lhe solidariedade.

O convite foi feito quase uma semana depois de o ministro ter dito que a petista tem intenções "genuínas", mas nem sempre "efetivas".

As declarações foram dadas em palestra fechada. Segundo o ministro, foram "tiradas de contexto". Em declaração pública, Dilma disse que ele foi mal interpretado.

Na base aérea do aeroporto de Congonhas, onde desembarcaram, Dilma e Levy foram recebidos pelos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Edinho Silva (Comunicação Social) e seguiram juntos para o local do velório.

A chegada da petista ao salão da cerimônia fúnebre ocorreu cerca de cinco minutos antes da entrada do presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG).

Os adversários na campanha presidencial do ano passado se cumprimentaram cordialmente, mas não conversaram. Os dois acompanharam um ritual de orações e cantos ao lado do governador e da primeira-dama, Maria Lúcia Alckmin.

Dilma, vestida de blusa preta e blazer cinza, fechou os olhos e rezou.

O salão fúnebre era pequeno e a presidente permaneceu no local por cerca de vinte minutos. Ela abraçou o governador e a primeira-dama e deixou o local.

O senador mineiro permaneceu mais algum tempo no velório. Ao abraçar o governador, ouviu o lamento de Alckmin de que Thomaz havia sido pai de sua última filha há apenas 50 dias.

Sem gravata e com blazer escuro, o governador recebia os cumprimentos das pessoas em pé e em silêncio. A primeira-dama, bastante abalada, permanecia sentada em uma cadeira, com um terço de madeira nas mãos.

Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) não compareceram à cerimônia de velório.

Há apagão do governo e oposição e PMDB sabe aproveitar, diz cientista político

Ana Fernandes – O Estado de S. Paulo

O resultado da pesquisa Ibope/CNI sobre avaliação do governo divulgada na quarta-feira, 1, confirma dados semelhantes que haviam sido apresentados pelo Datafolha e reitera as dificuldades por que passam o governo Dilma Rousseff e o PT. A avaliação é de Alcindo Gonçalves, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Católica de Santos.

Para Gonçalves, é interessante ver a velocidade com que o governo Dilma perdeu popularidade, de dezembro para cá. Segundo ele, isso mostra o potencial que tem as redes sociais. Além disso, o professor avalia que já é possível prever com algum grau de certeza que o PT vai ter dificuldade em eleger um sucessor em 2018. "Independentemente dos rumos da política e da economia nos próximos anos, esse abalo sobre o PT, sobre Lula e sobre Dilma é muito forte."

O cientista político vê um "apagão" tanto do lado do governo e do PT, como da oposição liderada por PSDB em dar respostas a esse momento de crise. "Há um grande apagão. Nem o governo tem se mostrado competente para responder, apresentar saídas para a crise - exceto ficar na defensiva e justificar o ajuste fiscal, mas sem uma condução política ciente -, mas a oposição também. Isso fica claro nos movimentos de rua, que são completamente apartidários, rejeitam a presença dos partidos, inclusive da oposição, então a oposição não se credencia como opção de poder."

Gonçalves explica que a crise atual do governo tem três razões essenciais: a crise econômica, com inflação e medidas de ajuste anunciadas gerando descontentamento entre a população; a corrupção, que embora a Lava Jato não atinja a presidente diretamente, cria um contexto muito desfavorável; e os erros na condução política, em um cenário que o governo mantém uma base aliada majoritária, mas se vê pressionado a todo instante e, em especial, por seu principal aliado, o PMDB.

"É um exagero dizer que o PMDB tomou o poder, como se fosse um sistema parlamentarista. Mas, ele é um sócio com responsabilidade reduzida nesse governo e está usando o Congresso como ponta de lança, está sabendo atuar neste momento de crise política", afirma. Gonçalves considera "incrível" os principais expoentes desse movimento, Eduardo Cunha, presidente da Câmara, e Renan Calheiros, presidente do Senado, explorarem bem o cenário ao mesmo tempo em que são indiciados na Lava Jato.

"Não entrando no mérito de isso ser bom ou ruim, mas é visível que o Cunha tomou iniciativa política, ele é claro e incisivo, colocou para votar por exemplo (na CCJ) o projeto que reduz a maioridade penal. Essas coisas são decisivas. Nesse momento de apagão, a luz deles (PMDB) está brilhando."

A pesquisa Ibope/CNI mostrou que o governo Dilma é avaliado como ótimo ou bom por 12% dos brasileiros, ante 40% em dezembro - a pior avaliação para um início de mandato desde o começo do segundo termo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1999. Os que consideram o governo regular atingiram 23% e os que o avaliam como ruim ou péssimo são 64%. Em dezembro, a primeira pesquisa CNI/Ibope após a reeleição de Dilma, 32% apontavam o governo como regular e 27%, como ruim e péssimo. Levantamento do Datafolha, de 18 de março, apontou a avaliação ruim e péssima do governo em 62% e o bom e ótimo em 13%.

PF indica que ex-secretário da Receita participou de esquema de propina no Carf

• Operação Zelotes. Escutas telefônicas envolvem o nome de Otacílio Cartaxo, que presidiu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais até janeiro deste ano, no grupo que cobrava das empresas para reduzir ou anular multas aplicadas pela Receita Federal

Fábio Brandt, Murilo Rodrigues Alves, Andreza Matais, Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo


BRASÍLIA, SÃO PAULO - A Polícia Federal grampeou, com autorização judicial, ao menos dois telefones de Otacílio Dantas Cartaxo, ex-secretário da Receita Federal entre 2009 e 2010 e que presidiu de 2011 até janeiro deste ano o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão responsável por julgar reclamações de contribuintes em débito com a Receita. Para a PF, há indícios de que Cartaxo participou do esquema de venda de decisões favoráveis a grandes empresas.

Conforme o inquérito, Cartaxo mantinha relações de proximidade com investigados no esquema, entre eles o próprio genro, Leonardo Siade Manzan. Nas escutas, lobistas e conselheiros conversam sobre supostas gestões do ex-secretário em favor de empresas suspeitas de pagar propina no órgão.
O monitoramento dos telefones de Cartaxo foi necessário, segundo relatório da PF enviado à Justiça Federal, "tendo em vista a suspeita que há sobre este alvo e a sua condição de presidente do Carf". Os investigadores chegaram a pedir a prorrogação das interceptações.

Ex-conselheiro do Carf, o genro de Cartaxo é apontado pela PF como um dos principais integrantes do grupo suspeito de operar o esquema de venda de decisões. Na casa dele, os agentes apreenderam R$ 800 mil em dinheiro. Manzan é sócio da SBS Consultoria Empresarial, empresa que, segundo a polícia, foi usada para "dissimular atividades criminosas", como corrupção de conselheiros e lavagem de dinheiro do esquema.

A relação com o sogro, segundo um dos relatórios, conferia a Manzan "grande prestígio e influência dentro do Carf, o que ele exerce sem pudor". Os áudios, segundo a PF, indicam que Cartaxo, após deixar a presidência do Carf, "passará a trabalhar na consultoria do seu genro, a SBS Consultoria".

As conversas entre os investigados, interceptadas na Operação Zelotes, fazem referências a supostas atividades do ex-chefe da Receita em favor do esquema. Numa delas, o conselheiro Paulo Roberto Cortez diz a um de seus sócios que recebeu um "recado sutil" de Cartaxo por meio do colega Valmir Sandri. O presidente do conselho queria, segundo Cortez, fazê-lo "calar a boca" sobre a forma como o processo da Gerdau estava sendo conduzido.

Em vez de ser relatado por um representante da Fazenda no Carf, o caso ficou sob responsabilidade do próprio Valmir. As investigações mostram indícios de que a Gerdau negociou propina para ter decisão favorável no caso, que envolve uma dívida de R$ 4 bilhões. O processo ainda não foi concluído.

A Gerdau informa que não foi comunicada sobre seu envolvimento na Operação Zelotes por nenhuma autoridade. Alega também que contrata "escritórios externos" para auxiliá-la nos processos que correm no Carf e que ainda não pagou esses prestadores de serviço. O pagamento, segundo a empresa, é condicionado ao êxito e ao "respeito à legalidade".

Influência. A PF diz ainda que um dos integrantes do conselho de administração do Banco Safra, João Inácio Puga, enviou um emissário a Brasília para se reunir com Cartaxo em setembro do ano passado. O Safra teria pago R$ 28 milhões para influenciar a tramitação de um processo. Consultado pelo Estado desde a semana passada, o banco não se manifestou.

Como presidente do Carf, Cartaxo decidia quais recursos poderiam subir à Câmara Superior do Carf, instância mais alta do órgão. Ele também indicava os presidentes das câmaras de julgamento. A nomeação dos conselheiros também dependia do aval dele.

O Estado telefonou para os três telefones de Cartaxo e deixou recado nas caixas postais. A reportagem também esteve na casa dele, em Brasília. Uma empregada disse que ele estava viajando e não poderia falar com a reportagem. Manzan, genro de Cartaxo, não atendeu aos telefonemas para sua casa e para seu celular. A reportagem falou com a mãe dele ontem à tarde. Ela disse que daria recado ao filho, mas ele não ligou de volta. Segundo ela, o celular de Manzan foi apreendido pela PF.

Não é com reforma política

• Ela é fundamental para melhorar a nossa democracia. Mas, para avançar no combate à corrupção, serve apenas como muleta retórica - e nada se faz

Alberto Bombig e Vinícius Gorczeski – Época

Em junho de 2013, quando as manifestações contra os políticos se alastraram pelas ruas do Brasil, a presidente Dilma Rousseff propôs cinco pactos à nação como forma de melhorar a vida dos brasileiros. Entre eles estava a convocação de um plebiscito para que o eleitorado pudesse decidir sobre a convocação de um processo constituinte destinado a fazer a reforma política. Era apenas um exercício de retórica e marketing para acalmar as ruas. A reforma política não era uma reivindicação dos manifestantes. Tratava-se apenas de uma tentativa de introduzir no debate uma falsa questão. No dia 15 de março, quando milhares de brasileiros insatisfeitos com Dilma e seu governo foram às ruas para protestar, entre outras coisas, contra a corrupção, novamente o tema da reforma política voltou ao debate, novamente colocado pelo PT e pelo Palácio do Planalto. Ela seria, no entender do governo, uma forma de diminuir os desvios do financiamento de campanha.

Não será a última vez que a reforma do sistema político e eleitoral será evocada como panaceia para os males que afligem a República, especialmente no caso da corrupção. Essa estratégia subordina-se à cultura populista dos grandes pactos, concertações e proclamações que raramente dão em coisa alguma pelos seguintes motivos: a) não existe comprovação empírica de que um sistema político pode ser mais eficaz no combate à corrupção que outros; b) não há consenso quanto à forma ideal do financiamento de campanha, mesmo nos chamados países desenvolvidos; c) a melhor maneira de combater a corrupção passa pelo fortalecimento das instituições e dos órgãos de controle, como o judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal

Por que então a presidente Dilma e outros políticos lançam sempre essa carta sobre a mesa? "Culpar o sistema e fazer tábula rasa de todos os partidos e políticos é um artifício de transferência de responsabilidades", afirma Carlos Pereira, doutor em ciência política pela Universidade de Oxford e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). "Com isso, os políticos se colocam como vítimas desse próprio sistema." Segundo o cientista político José Augusto Guilhon Albuquerque, professor da Universidade de São Paulo, falar em reforma política é um jeito de fugir da questão e inviabilizar o debate. "A classe política prefere conviver com as dificuldades conhecidas a arriscar as facilidades ainda não testadas", diz Guilhon, "Corrupção não deriva diretamente do sistema político, tem mais a ver com a segurança jurídica - a insegurança jurídica é um convite à corrupção."

O clamor nacional pelos grandes pactos é uma muleta do período pós--redemocratização no Brasil. Afundado em grave crise econômica, o governo José Sarney (1985-1990) lançou mão desse recurso antes de tentar seus planos econômicos, como o Plano Cruzado. Sarney propôs um pacto com empresários e sindicatos para combater a inflação, ainda em 1985. O governo quis convencer empresários e sindicalistas a fazer um acordo em que os dois lados fariam concessões em nome da salvação nacional. Não deu certo, entre outras coisas, porque o próprio governo federal não fez a parte dele. O governo Fernando Collor (1990-1992) também tentou, por duas vezes, um pacto com empresários e sindicatos de trabalhadores. Outro fracasso. Quando a crise de corrupção acuou seu governo, Collor também foi à TV propor uma união dos brasileiros contra os que, segundo ele, queriam tirá-lo do poder. "Geralmente, quando o governante fala em pacto, é porque perdeu a iniciativa política. Essas propostas sempre aparecem nessas circunstâncias de governos acuados", diz o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos.

As propostas mirabolantes de reformas políticas, vendidas como soluções mágicas que acabarão com a corrupção, ignoram também que o Brasil vem evoluindo institucionalmente no combate a esse mal desde a década de 1980. A Constituição de 1988 deu autonomia ao Ministério Público. A Lei de Improbidade Administrativa, de 1992, permitiu outro avanço ao estabelecer punições, como multas e suspensão dos direitos políticos por até dez anos, para os agentes públicos que obtêm vantagens pessoais — e indevidas — no exercício de sua função. Ela tem sido usada pelos procuradores para enquadrar os agentes públicos que receberam propina no esquema de corrupção da Petrobras e estão envolvidos no escândalo da Operação Lava Jato. Investimentos sucessivos na Polícia Federal, feitos por vários governos, triplicaram seu efetivo desde 1995, de 4.500 para 12 mil homens.

Após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, o Brasil firmou acordos internacionais para trocar informações com outros países com o objetivo de inibir o fluxo internacional de recursos de origem ilícita. A criação de Varas de Justiça especializadas em crimes econômicos deu mais rapidez e eficácia aos julgamentos dos casos de lavagem de dinheiro e de crimes de colarinho branco. Também em 2001, a criação da Controladoria-Geral da União (CGU) dotou o governo federal de uma agência de combate de corrupção, com poder de fiscalização dos gastos públicos e de paralisação de obras em que há indícios de desvio de dinheiro. Recentemente, o instituto da delação premiada, mediante o qual um criminoso reduz sua pena ao delatar sua participação e a de outros numa organização criminosa, dotou as instituições de um instrumento novo no combate ao crime organizado.

O combate à corrupção é sempre uma tarefa hercúlea", diz Nikos Passas, professor e pesquisador da Escola de Criminologia e Justiça Criminal da Northeastern University, nos Estados Unidos. A cientista política Susan Rose-Ackerman estudou como a sociedade nos Estados Unidos reagiu à corrupção política no século XIX. "A mudança veio a partir de uma coalizão de progressistas que, baseada na forma como eles acreditavam que o governo deveria operar, pressionou contra a corrupção", diz. uEm seguida, os empresários se uniram a esses progressistas, reclamando que não recebiam os serviços pelos altos impostos que pagavam. Finalmente, alguns políticos se juntaram na luta por reforma. A fórmula varia de país para país: a pressão pode vir inicialmente de setores da economia, ou da política, ou de idealistas. A questão é que eles se juntem para fazer com que algo aconteça.

Para o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, o Brasil do século XXI pode estar na iminência de fazer uma mudança do mesmo vulto que os Estados Unidos fizeram no século XIX. Em primeiro lugar, há um grande escândalo de corrupção e uma forte reação popular. "A Lava Jato é um ponto fora da curva por diversos fatores", diz Dallagnol. ""Parece que o Universo conspirou para que tudo desse certo, é uma janela histórica de oportunidade de mudança" A Operação Lava Jato é exemplar: pela primeira vez, grandes empresários estão presos, ainda que provisoriamente. Isso pode desestimular o uso de propinas como parte dos custos para fechar um negócio. Não há solução mágica. Os avanços contra a corrupção precisam ser feitos aos poucos, a partir da mobilização da sociedade com cobranças dirigidas a seus governantes.

"No campo da ética, houve uma decepção com o PT", diz o presidente CNBB

Entrevista: dom Raymundo Damasceno

• O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil diz que o partido precisa reconhecer seus erros e alerta: a crise política pode tornar o país ingovernável

José Fucs – Época

O cardeal Dom Raymundo Damasceno, arcebispo de Aparecida, São Paulo, está chegando ao fim de seu mandato de quatro anos como presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Aos 78 anos, conta que declinou da indicação à reeleição e que seu substituto deverá ser escolhido na 53a Assembleia-Geral da CNBB, marcada para abril. Dom Damasceno também espera a aceitação pelo Vaticano de sua renúncia ao posto de arcebispo de Aparecida, que ele apresentou em 2011, aos 75 anos (como manda o Direito Canônico), ao então papa Bento XVI. "Considero a minha missão cumprida", afirma. Segundo Dom Damasceno, não cabe à Igreja assumir o papel do Estado ou tomar as rédeas da política, mas ela não pode ficar alheia aos problemas do país. Nesta entrevista, realizada em sua residência, no Seminário Bom Jesus, em Aparecida, ele fala sobre os escândalos de corrupção e a rejeição ao governo e ao PT, esclarece a posição da Igreja em relação à união homossexual e comenta uma possível renúncia do papa Francisco em um ou dois anos.

ÉPOCA - Em março, a CNBB divulgou uma nota em que manifestou sua preocupação com a "situação crítica" do país. O que mais preocupa a Igreja hoje?

Dom Raymundo Damasceno - Nós constatamos que, no momento, há um descontentamento geral da população, sobretudo em relação à crise ética e moral. Ela se manifesta por causa da corrupção, que começou a aparecer em maior escala com o mensalão e depois continuou na Petrobras. A cada dia, aparecem fatos novos, envolvendo pessoas que exercem funções públicas ou são executivos de grandes empresas. Isso acaba desmerecendo o trabalho das pessoas de bem, nivelando-as àqueles que se deixam levar pela corrupção. A corrupção sempre existiu, sempre vai existir, porque faz parte da pecaminosidade da humanidade, mas temos a obrigação de combatê-la e controlá-la ao máximo. É fundamental que, ao receber denúncias sobre determinados delitos, a Justiça cumpra sua missão, julgando e condenando, se for o caso, tanto os corrompidos como os corruptores.

ÉPOCA - No dia 15 de março, as pessoas não protestaram apenas contra a corrupção, mas também contra a presidente Dilma e o PT. Como o senhor vê esse movimento?

Dom Damasceno - Esses escândalos todos de corrupção atingem muitos políticos, mas de modo especial os do PT. Isso está gerando um descontentamento muito grande com o partido e seus representantes. Agora, não podemos generalizar, dizer que o PT é corrupto, que todos os petistas são corruptos, nem ter a ilusão de que as coisas vão melhor repentinamente com a mudança de governo. Uma boa parte das investigações - ainda não comprovadas, evidentemente - está implicando membros do PT, mas também de outros partidos. Isso está fazendo com que muitos jovens se desencantem com a política e gerando até certa revolta com os políticos de modo geral, generalizando tudo, quando não podemos generalizar. Nós precisamos de uma reforma política - a melhor que for para o Brasil—para os homens públicos terem mais representatividade e para ajudar o eleitor a exercer seu direito e a escolher bem seu candidato.

ÉPOCA - Alguns líderes do PT e do governo disseram que a defesa do impeachment da presidente Dilma representa um golpe. O senhor concorda com eles?

Dom Damasceno - Sem dúvida, as manifestações foram uma forma de protesto contra o governo. É legítimo e faz parte da democracia. As pessoas têm o direito de se manifestar, de fazer reivindicações, suas exigências ao governo. O PT exerceu muito bem a função de oposição no governo de Fernando Henrique Cardoso. Agora, tem de respeitar as manifestações e a oposição ao governo e, sobretudo, ter a humildade de reconhecer falhas, omissões e saber dialogar com a sociedade, com as instituições. É fundamental não se considerar dono da verdade.

ÉPOCA - Em sua origem, o PT teve uma forte ligação com as comunidades eclesiais de base, vinculadas à Igreja. Hoje, 35 anos depois, como o senhor vê a trajetória do PT, envolvido em vários escândalos de corrupção?

Dom Damasceno - Havia muita expectativa em relação ao PT. O PT prometia um futuro melhor para o Brasil, em especial para os mais necessitados. Ele se propunha a distribuir melhor a renda, superar a exclusão social e a fazer um governo ético, transparente. Do ponto de vista social, creio que houve um grande avanço no governo do PT, com a adoção de projetos como o Bolsa Família. Isso era importante e necessário. No campo da ética, houve uma decepção com o PT. O partido também se descuidou da economia. Para subsidiar tantos programas sociais, o governo precisa de recursos. Não pode haver distribuição de renda sem desenvolvimento. Mas nem por isso devemos estigmatizar o PT e seus membros, como algo que deve ser banido do governo, do país. O PT tem um papei importante na sociedade, na nossa política. É essencial também a presença da oposição, que ela também passe a governar. A alternância no poder faz parte da democracia.

ÉPOCA - Em sua opinião, qual a saída para a crise política e econômica do país?

Dom Damasceno - É fundamental promover o diálogo do Executivo com o Congresso e encontrar consensos sobre algumas medidas a serem tomadas, em função do bem do país. Insisto muito na questão do diálogo. Na ultima entrevista que tivemos com a presidente, um dos pontos em que insisti muito foi no diálogo com as instituições, na busca de soluções para superar a crise. Se não houver consenso, o país pode se tornar ingovernável. Isso pode ser uma ameaça à ordem democrática, que nós não desejamos. Desejamos que o país caminhe na democracia* conquistada com o sacrifício de todos. Desejamos que os líderes políticos, empresariais e de organizações da sociedade civil compreendam que temos de superar essa crise, para o bem de nosso país, de nosso povo, por mais divergências que possam haver, que são normais numa democracia.

ÉPOCA- Em sua opinião, as ideias da Teologia da Libertação e a opção preferencial pelos pobres voltaram a ganhar força na Igreja no Brasil, em detrimento das questões evangélicas?

Dom Damasceno - O papa Bento XVI fez uma afirmação a esse respeito em Aparecida na abertura da 5a Conferência Episcopal Latino-Americana, em 2007, que é muito importante. Ele disse o seguinte: "A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé crista, naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com a sua pobreza". De certo modo, ela suprimiu a dicotomia doutrinária entre Teologia da Libertação e evangelização. A opção da Igreja para com todos os que são necessitados não é política, não é ideológica, é evangélica. Quando lemos o Evangelho, vemos Jesus dar uma atenção especial às pessoas doentes, crianças, viúvas, possuídos por espíritos maus, às periferias. A Igreja é aquela que segue os passos de seu fundador, de Jesus. Por isso, essa preferência pelos pobres, mas sem excluir ninguém. Jesus Cristo veio para todos.

ÉPOCA - O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, desarquivou o projeto do Estatuto da Família, que define como núcleo familiar a união entre homem e mulher. Qual a posição da Igreja em relação à união homossexual?

Dom Damasceno - Não vou opinar sobre o Estatuto da Família, porque não o conheço em detalhes. Mas, para a Igreja, casamento é sempre a união de um homem e de uma mulher, para constituir um lar. Uma união baseada no amor, um amor uno, indissolúvel e aberto à vida, à procriação. Agora, não discriminamos pessoa alguma, seja por que motivo for. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo. Para nós, não é um casamento, mas respeitamos. Devemos tratar bem essas pessoas, aceitá-las, ajudá-las em suas dificuldades. Quando procuram a Igreja, temos de acolhê-las, dar-lhes assistência espiritual e sacramental, sem discriminação.

ÉPOCA - Recentemente, o papa Francisco disse que seu pontificado deve durar de quatro a cinco anos. O senhor acredita que ele vai renunciar em um ou dois anos e que os tempos dos papas vitalícios chegaram ao fim?

Dom Damasceno - O papa fez essa afirmação misteriosa, deixou essa dúvida pairando no ar. Quando me encontrar com ele, vou dizer: "Santo Padre, o senhor está frustrando muita gente no mundo inteiro com essa afirmação, pois todos nós desejamos que o senhor governe a Igreja por muito tempo" Tenho ido sempre ao Vaticano, encontro sempre com ele, e ele parece feliz e alegre. Não vejo o papa doente. Ele está fazendo muitas coisas, inovando com seu modo de ser, sua linguagem e seus discursos, que têm uma grande repercussão midiática. Mas o pontificado é pesado. Se governar uma diocese já é difícil, imagine o que é governar a Igreja toda. A estrutura do Vaticano é complexa. Em 2013, o papa Bento XVI renunciou, 600 anos depois da última renúncia de um papa. Se o papa Francisco julgar, diante de Deus e sua consciência, que não tem mais condições de dirigir a Igreja por motivos de saúde, de debilidade física, para o bem da Igreja, não terá dúvida em renunciar. Agora, imagine se, com a renúncia, você passar a ter dois papas, três papas por aí, papas eméritos. É complicado.

Merval Pereira - Mudança de cultura

- O Globo

Com o objetivo de "promover uma reestruturação" da indústria de construção pesada no país" "e da sua relação com o Estado e partidos políticos", o economista Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, está distribuindo um trabalho que propõe uma agenda de reformas "mais além da estória de “temos que salvar as empresas”.

Por entender que o futuro da indústria da construção pesada está em risco, por força da operação Lava Jato, da crise da Petrobrás e do enorme dano à reputação da indústria e das empresas, o documento "A Crise na Indústria de Construção: um Chamado à Ação Coletiva" ressalta que para “salvar as empresas” é preciso não esquecer "que o ocorrido é fruto de uma cultura política e empresarial, e um sistema de trocas. O desafio é mudar essa cultura e a maneira como o sistema político funciona no país".

Para Frischtak, é essencial "transparência absoluta nos contratos que regem as transferências de recursos públicos; e uma nova governança dos investimentos, para garantir que esses sejam consistentes com o interesse público – em termos de benefícios e custos ao longo dos anos".

Segundo o estudo, a indústria de construção está no epicentro mundial da luta contra a corrupção. Citando a Transparência Internacional, o estudo mostra que a indústria apresenta os piores índices de corrupção dentre os setores econômicos, seja pela relação simbiótica com o Estado e os agentes públicos; seja pelos montantes de recursos envolvidos e complexidade dos projetos; seja ainda pela ausência de controles, e uma cultura que permeia as empresas e seus funcionários.

O problema não é especifico ao Brasil, ressalta o economista, ainda que destaque que houve "uma exacerbação em anos recentes no país", com o aumento da corrupção coincidindo com o superciclo político – a longa presença de coalizões bem sucedidas no poder – inclusive pela maior capacidade de resposta dos governos à demanda reprimida por infraestrutura. "E os recursos alocados acabaram por irrigar os partidos que sustentaram as coalizões".

Dois princípios devem orientar a ação da indústria – e do próprio Estado - de modo a atender ao interesse público, segundo o estudo: Transparência e boa governança. Transparência na relação da indústria com a sociedade e o poder público, e inversamente, deste último com a indústria.

Por Transparência, explica Claudio Frischtak, se entende o compromisso de que sejam abertos ao escrutínio da sociedade os termos de todas as transações entre empresas e o setor público – com exceção daquelas cobertas legitimamente por cláusulas de sigilo.

Os termos de participação de recursos públicos em concessões e outros empreendimentos, seja sob a forma de investimento direto (equity), dívida ou outro instrumento, e atualmente inacessíveis por estarem “trancados” em Sociedades de Propósito Específico (SPEs) e outros veículos fechados, devem ser revelados, ficando estes veículos sujeitos à fiscalização tanto da sociedade quanto dos órgãos de Estado.

Outro ponto fundamental é a boa governança, dos investimentos públicos ou financiados com recursos públicos, dado o imperativo de melhorar a sua qualidade e o impacto sobre o bem-estar da população.

O compromisso com a boa governança necessita ser assumido não apenas pelo setor privado, mas igualmente pelo setor público, ressalta o estudo, garantindo que, no âmbito estratégico, se traduza "no planejamento dos investimentos e na alocação de recursos consistentes com os objetivos de prover serviços de qualidade à população e uma infraestrutura competitiva ao setor produtivo".

No plano tático, "garanta que nenhuma obra tenha inicio sem passar pelo crivo de critérios aceitos internacionalmente de análises de factibilidade econômico-financeira, com base em um conjunto de projetos - do conceitual ao detalhamento executivo – que assegurem o seu financiamento em bases competitivas, e em contraposição ao que hoje frequentemente ocorre".

Essas análises devem passar pelo filtro do financiamento privado, e estar abertas ao escrutínio da sociedade. Finalmente, na dimensão operacional, a boa governança dos investimentos deve assegurar "que a obra seja executada de acordo com os padrões técnicos mais elevados, minimizando custos ao longo do ciclo de vida do equipamento ou ativo de infraestrutura".

São esses princípios que irão servir de base para um modelo de convivência – e reencontro - da indústria com a sociedade e os órgãos de Estado. Como colocar esses princípios em prática? A reformulação da Lei 8.666, assim como o novo Regime Diferenciado de Contratações (RDC), atualmente em discussão no Senado, é uma oportunidade para fazer com que os princípios de transparência e da boa governança sirvam de referência à nova legislação. (Amanhã, os novos pilares)

José Roberto de Toledo - A corrupção sem graça

- O Estado de S. Paulo

Ministro da Fazenda, Joaquim Levy disse, em inglês, que "no Brasil, a maioria das empresas não gosta de pagar impostos". E completou: "Nem quer pagar contribuição previdenciária". Doleiro e cagueta, Alberto Youssef tem opinião sobre o tema: "Neste país, empresário não consegue nada se não tiver lobby". Delata sua própria experiência. No caso de Levy, espera-se que não.

Nenhum dos dois se referia à Operação Zelotes, mas poderiam. "Quem paga imposto são os coitadinho (sic), quem não pode fazer acordo, negociata. Esses grandões aí estão passando tudo livre (sic), tudo isento de imposto". A frase foi gravada pela Polícia Federal ao grampear - entre outros - um conselheiro do "tribunal" da Receita Federal notabilizado por mover zeros da direita para a esquerda em valores de dívidas tributárias.

Polícia Federal e Ministério Público estimam que a transmutação de zeros resulte em R$ 19 bilhões devidos por empresas ao Fisco mas jamais pagos - graças à ação milagrosa de consultores e conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em favor "desses grandões aí". Além de dar razão a Levy, o papo dos milagreiros na Zelotes é de deixar mensaleiro e ministro do Supremo com complexo de inferioridade.

Por comparação, o valor dos pagamentos a deputados no mensalão os enquadraria, pela definição do conselheiro grampeado, como "coitadinhos". Juízes daquele caso achavam que estavam julgando o maior escândalo da história, mas o superlativo ocorria em outro tribunal, sem transmissão pela TV Justiça.

Conselheiro conta ao consultor, pelo telefone, sobre a dívida contestada por um banco junto à Receita. Diz que após o julgamento favorável à empresa, um conselheiro é convidado a dar palestra em São Paulo, mas, apesar de ter ido de avião, prefere voltar de ônibus. Ao que o consultor comenta: "No aeroporto, como é que tu vai (sic) justificar uma mala cheia de dinheiro?"

Os alvos centrais da investigação são, na maioria, funcionários ou ex-funcionários de carreira, tanto da Receita quanto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Eles são os milagreiros suspeitos de transmutar zeros nas autuações de empresas. Prestam um serviço e são recompensados por ele pelos "grandões" que, graças à sua astúcia, economizam dezenas ou centenas de milhões.

É, tudo indica até agora, a velha corrupção, pura e simples. Sem complicadas operações financeiras, sem sofisticações, sem graça. Têm-se uma dívida cancelada ou abatida e paga-se uma fração do valor devido a quem operou o milagre. Não envolve caixa dois de partido, financiamento de campanha eleitoral nem nenhum outro ingrediente que seja capaz de apimentar o noticiário político.

São apenas grandes empresas que, na definição do ministro, não gostam de pagar impostos. Recorrem a advogados e consultores especializados em encontrar conselheiros e funcionários públicos dispostos a prestar seus serviços em troca de uma recompensa que, por vezes, não pode ser transportada por via aérea.

É o tipo de corrupção que não se preocupa com qual partido está no poder. Funciona cotidianamente. É parte do negócio. De tão ordinária, velha e esperada, não leva multidões às ruas. Não ganha hashtag no Twitter, nem página de protesto no Facebook. Muitas vezes, não vira nem notícia. Por isso, não seduz magistrados ocupados em projetar uma imagem de super-herói.

Não é o tipo de corrupção que pode ser resolvida pela reforma política - especialmente uma reforma proposta pelo PMDB. Muito menos pela redução da maioridade penal. É coisa de gente grande.
É o tipo de corrupção que arromba as contas públicas. Que subtrai do Estado capacidade de investir em escolas e hospitais, de pagar melhor médicos e professores. E, em uma crise fiscal como a de hoje, é o tipo de corrupção que provoca o aumento de impostos. Mas isso o corruptor sabe como resolver.

Igor Gielow - Carf e um PS sobre civilidade

- Folha de S. Paulo

Falta criatividade em quase tudo no Brasil, mas ninguém pode reclamar da nossa classe de delinquentes orbitando a esfera do Estado. Eles sempre inovam.

A bola da vez é o Carf, o opaco órgão subordinado ao Ministério da Fazenda que analisa recursos contra multonas da Receita. Coisa de bilhões de reais, de fazer as roubalheiras na Petrobras parecerem triviais.

Carf? É assim: se o cidadão comum cai na malha fina porque esqueceu de declarar uma bobagem, purgatório e inferno na forma de delegacias da Receita o esperam. Se você é um peixão e deve algumas centenas de milhões, o Carf está lá para lhe dar um vislumbre do paraíso.

Chato, mas do jogo da economia. Até que policiais federais e procuradores descobriram que uma quadrilha, que parece incluir ex-funcionários do Carf e advogados, oferecia a empresas jeitinhos para terem suas multas proteladas ou anuladas, mediante suborno ao colegiado.

Cabe aqui uma palavra de cautela. Pela leitura da representação do caso, fica claro que a PF teve seu trabalho tolhido por diversas negativas judiciais de diligências. Com isso, ainda estamos mais no campo das suspeitas do que das certezas no caso.

É cedo para culpar as grandes empresas que foram aparentemente favorecidas pela quadrilha. Elas sempre poderão alegar que contrataram advogados, não bandidos, e que não sabiam de procedimentos ilícitos. Soa improvável, eu sei.

A investigação precisa avançar.

PS - Que as redes sociais expõem o pior do ser humano, isso é uma obviedade. Mas causou especial repulsa nesta sexta (3) ver uma legião de cretinos diminuindo a morte do filho de Lu e Geraldo Alckmin, ao comparar um acidente com o inaceitável assassinato do garoto Eduardo numa "favela pacificada". A dor mais inalcançável é a da perda de um filho. No Alemão ou no Bandeirantes.

Cristovam Buarque - Nosso Everest

• Problemas de cada país passam por soluções planetárias

- O Globo

A crise que atravessa a democracia brasileira — descrédito de seus eleitos, caos partidário, alianças espúrias, aparelhamento do Estado pelo partido no poder e a corrupção — faz esquecer a crise do próprio conceito de democracia nacional no mundo global: presos a seus eleitores locais e à próxima eleição, os políticos estão estruturalmente despreparados para enfrentar os problemas planetários e de longo prazo. Nos limites nacionais e eleitorais, fica impossível enfrentar problemas como aquecimento global, migração, terrorismo, crescimento ou decrescimento, energia, corrupção.

Pensando nisso, com base em uma iniciativa minha e do Prêmio Nobel da Paz de 2014, Kailash Satyarthi, parlamentares de diferentes países se reuniram na semana passada no Nepal e criamos o Movimento Parlamentares sem Fronteiras, escolhendo como primeiro tema de ação global os “Direitos da infância no mundo”.

No seu discurso de encerramento do encontro que fundou o Movimento Parlamentares sem Fronteiras, Kailash Satyarthi disse: “Aqui estamos não apenas unindo parlamentares que defendem os direitos das crianças do mundo. Estamos também iniciando uma nova cultura política, adaptada aos tempos globais, para enfrentar problemas globais.”

Não se trata de reunir parlamentares nacionais para representar seus países na discussão de um tema, mas de reunir parlamentares comprometidos com um tema mundial para, unidos pelo tema, atraírem seus países para uma posição comum no mundo, levando estas ideias para dentro do próprio país.

Ao reunir “PsF” em torno do tema dos direitos infantis, os parlamentares foram ao Nepal, em primeiro lugar, como defensores dos direitos da infância no mundo, só depois como representantes de seus países. Na verdade, eles vão representar esta bandeira dentro de seus países.

A ideia é aglutinar o máximo de parlamentares nacionais de diversos países na busca de soluções para problemas globais, quebrando a frase verdadeira de Obama, em Copenhagen em 2009: “Não há político eleito por eleitores mundiais.” Mas se cada parlamentar ficar preso apenas aos limites de seus eleitores e da próxima eleição, é possível que as próximas gerações sejam sacrificadas em todos países.

Nos tempos de hoje, quase todos problemas de cada país passam por soluções planetárias e de longo prazo. Daí o movimento ter escolhido os direitos da infância como seu primeiro tema, enquanto prepara novas reuniões para outros temas, como energia, terrorismo e pobreza.

Muitas pessoas vão ao Nepal para escalar o Everest. Nós não somos tão fortes quanto elas, mas somos mais idealistas. Como eu disse na coletiva internacional de imprensa sobre o encontro, fomos lá para salvar um bilhão de crianças sem escola com qualidade, trabalhando no lugar de estudar, sujeitas à exploração sexual, sem atendimento médico e sem comida.

Esse é o Nosso Everest.

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Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)