domingo, 15 de março de 2015

Opinião do dia – Tancredo Neves

Não há Pátria onde falta democracia.

A Pátria não é a mera organização dos homens em estados, mas sentimento e consciência, em cada um deles, de que lhe pertencem o corpo e o espírito da Nação. Sentimento e consciência da intransferível responsabilidade por sua coesão e seu destino.

A Pátria é escolha, feita na razão e na liberdade. Não basta a circunstância do nascimento para criar esta profunda ligação entre o indivíduo e sua comunidade.

Não teremos a Pátria que Deus nos destinou enquanto não formos capazes de fazer de cada brasileiro um cidadão, com plena consciência dessa dignidade.

Assim sendo, a Pátria não é o passado, mas o futuro que construímos com o presente. Não é a aposentadoria dos heróis, mas tarefa a cumprir. É a promoção da justiça, e a justiça se promove com liberdade.

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Tancredo Neves, do discurso preparado para o dia da posse em 15 de março de 1985

Oposição decide aderir em bloco a protesto anti-Dilma

• Em SP, vereadores e deputados do PSDB e secretários de Alckmin vão participar

• Projeções da área de inteligência do governo federal sugerem que 200 mil poderão ir às ruas neste domingo; Dilma pede protesto sem violência

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

Protestos de março

SÃO PAULO - Integrantes dos dois maiores partidos de oposição ao governo Dilma Rousseff vão aderir em bloco às manifestaçõeaos protestatos organizadas contra a presidente neste domingo (15).

A oposição aposta nos movimentos de rua para alcançar dois objetivos contra o PT: ampliarm o desgaste da imagem da presidente e fazer avançar as investigações no Congresso sobre o escândalo de corrupção na Petrobras.

Para que a fragilidade do o cenário desfavorável ao governo aumentede fragilidade se solidifique, eles torcem rezam para que os protestos sejam grandes a ponto de estimularem outrose também o "primeiro de muitos". IDe forma recorrente, interlocutores do senador Aécio Neves, presidente do PSDB e adversário de Dilma nas últimas eleições presidenciais, dizem que os atos devem ser encarados como a primeira etapa de uma maratona".

Na noite deste sábado, Dilma pediu, no Facebook, para que os cidadãos protestem sem violência. "Valorizo muito o fato de que, hoje no Brasil, as pessoas podem se manifestar livremente e não podemos aceitar qualquer tipo de violência que impeça esse direito. Sou a favor da democracia. Espero que amanhã [domingo] o Brasil prove sua maturidade democrática."

O PSDB e o DEM apoiam as manifestações, mas têm feitos declarações cautelosas sobre a legitimidade dos pedidos de impeachment, principal bandeira de alguns dos grupos que articularam os protestos deste domingo.

Nos bastidores, há uma comparação entre o cenário deste ano e o de 2005, quando o governo Lula foi dragado pelo escândalo do mensalão. Naquela ocasião, dizem dizem os tucanos, não havia clima de indignação social.

Para eles, hoje o quadro é maienos desfavorável a Dilma, que vem sendo hostilizada publicamente. Ainda assim, PSDB e DEM querem "esperar para ver" o que acontecerá depois do domingo e, por isso, defendem a adesão em massa de seus filiados. "As pessoas, nossos filiados que quiserem ir, devem sentir-se estimuladas", diz o presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN). Aécio divulgou na sexta um vídeo em que classificou o este domingo como "dia histórico".

Atendendo à convocaçãao chamado, diversos tucanos marcaram pontos de encontro para participar direm aos protestos em São Paulo, onde os organizadores esperam que ocorra o ato principal. Vereadores do PSDB de São Paulo, por exemplo, sairão marcaram às 13h30 de em um colégio perto da av. Paulista.

Três secretários do governo Geraldo Alckmin (PSDB), Edson Aparecido (Casa Civil), Floriano Pesaro (Desenvolvimento Social) e, Duarte Nogueira (Transportes), e Edson Aparecido (Casa Civil) confirmaram sua presença no ato.

Na contramão"soldados", governadores tucanos guardam distância das manifestações. Alckmin e Beto Richa (PR) mencionam em suas conversas o risco de um efeito bumerangue: temem avaliam que, se hoje as ruas estão contra Dilma, amanhã possam se virar podem star contra eles.

Ambos enfrentam crises. Há o fantasma da falta de água em São Paulo e o desequilíbrio nas finanças um profundo arrocho nas contas do Paraná. Por isso, os governos pediram atenção às equipes de inteligência que encarregaram de monitorar monitoram riscos de protestos.

A Polícia Militar de São Paulo, por exemplo, relatou um aumento substancial das menções ao ato deste domingo nas redes sociais desde o pronunciamento de Dilma no último dia 8.

. Após a fala de Dilma, a expectativa dde público feita pela PM para no público na avenida Paulista saltou de 10 mil para no mínimo 40 mil pessoas. Projeções da área de inteligência do governo federal sugerem que 200 mil pessoas poderão ir às ruas --metade em São Paulo.

Surpreendida pelo panelaço do dia 8, Dilma convocou cinco ministros para ficar em Brasília e, no fim do dia, fazer uma reunião no Alvorada.

Colaboraram Natuza Nery e Valdo Cruz, de Brasília

Durante crise, presidente fica mais solitária e reflexiva

• Dilma surpreendeu equipe ao abandonar costume de fazer revisões minuciosas

• Conversa 'tensa e dura' com Lula, na última terça (10), mostra que criador está perdendo paciência com criatura

Natuza Nery, Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

Protestos de março

BRASÍLIA- Na solidão do Palácio da Alvorada, Dilma Rousseff passa por uma metamorfose evidente para seus interlocutores desde que sua Presidência entrou em aguda crise política e econômica, paradoxalmente após a reeleição.

"Roubaram a presidente", define um ministro próximo. Saiu de cena a censora das planilhas eletrônicas, que reclamava até da cor do layout da apresentação. Recentemente, ela rejeitou examinar um arquivo de Power Point.

"Isso não é comigo", disse Dilma, abanando a mão sem paciência, para espanto dos presentes, acostumados à maneira minuciosa de a presidente revisar detalhes.

A tentação à disposição do observador distante é a de ver nisso uma capitulação emocional à crise que engolfou o governo. Itens não faltam: Operação Lava Jato e crise na Petrobras, recessão econômica soando suas trombetas, descontrole na articulação com um Congresso arredio.

Mas os próximos de Dilma veem na presidente uma fase nova --mais leve, não só pelos 13 quilos que perdeu fazendo dieta, mas também no humor. As proverbiais broncas e os palavrões foram substituídos, recentemente, por relatos de amabilidades.

Dilma até aposentou, ao menos por ora, os dois remédios de controle de pressão que costumava usar. Para quem a conhece, essa é uma defesa natural em momentos de dificuldades. Nunca é demais lembrar que a presidente passou anos presa e torturada pela ditadura militar.

Os protestos deste domingo (15) irão novamente testá-la. Durante a semana, quando foi alvo de panelaço em reação a sua fala na TV e foi vaiada em evento na capital paulista, Dilma desabafou sem emoção visível. "É, vamos ter de brigar muito. Mas só não está morto quem peleia", disse a próximos.

A Dilma durona, cujas broncas eram tão ferozes que podiam levar auxiliares a buscar tratamento médico, deu lugar a uma personagem diferente. Uns atribuem a metamorfose à dieta Ravenna. Outros acham que ela começou a tomar florais de Bach.

Mas foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quem falou em voz alta sobre o boato mais frequente. "Mulher, quando faz regime assim, é porque tem namorado", disse recentemente a um amigo.

Segundo toda a corte mais íntima de Dilma, seu mentor está errado. Fora do trabalho, dizem, ela está cercada de livros e seriados de TV.

Conversa tensa
Para auxiliares, Dilma está solitária num momento de crise. Vez ou outra, ela os convoca para despachos no Alvorada no fim do dia, só para emendar um convite para jantar na hora em que eles estão prontos para ir embora.

Isso é um traço pós-eleição. Dilma está mais reflexiva, dizem. Dias depois de uma conversa com Lula no fim do ano, ela desapareceu do mapa. O relato do diálogo dá conta de que ele foi direto: "O que aprendemos com esta eleição?" Sem dar chance de resposta, respondeu: "Que precisamos mudar".

A principal mudança, a da política econômica com a escolha de Joaquim Levy, ocorreu sem consulta ao padrinho. À distância, Lula disse a amigos: "Esse ministério não aguenta um ano".

O último encontro entre os dois, a sós, na terça (10) no Alvorada, mostra, segundo interlocutores de ambos, que o criador está "perdendo a paciência" com a criatura.

Foi uma conversa muito "tensa e dura", com tapas na mesa e tom de discussão, que pôde ser ouvido pelos ministros que aguardavam no Alvorada para uma reunião depois. O tom foi tão elevado e ríspido que causou constrangimento a quem ouviu.

No dia, estavam no Alvorada os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), Jaques Wagner (Defesa) e o presidente do PT, Rui Falcão.

A principal queixa de Lula foi em relação à articulação política do governo. Ele defendeu mudanças na equipe que trata das negociações com o Congresso para que o governo tenha êxito na aprovação do pacote fiscal.

Choque de realidade
Alexandre Tombini, à frente do Banco Central, foi o portador dos números da realidade para Dilma. No fim da campanha eleitoral, ele passou a ela dados objetivos sobre a debacle fiscal que o país vivia, tornando o cavalo de pau na economia inevitável.

Dilma deu o primeiro sinal dele na entrevista a jornais que concedeu após a reeleição, quando falou em "fazer a lição de casa". Mesmo isso não previa a queda na arrecadação, que acelerou a ideia de um ajuste mais amargo.

A escolha de Levy entra nesse contexto. Ele realmente tem carta branca e, como provou a pressão para a não derrubada de um veto presidencial que garante uns R$ 5 bilhões a mais para o governo, com a sua ameaça de demissão, o clima é de Fla-Flu.

Mercadante ganhou influência. A presidente não saiu dos palácios nem conversou com interlocutores externos --exceto o ministro.

Somada à propalada soberba no trato, a ira de petistas e aliados acabou caindo sobre Mercadante pelo isolamento de Dilma. Ele é responsabilizado por medidas desastradas, como desafiar Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na disputa pela Presidência da Câmara --o candidato do PT não chegou nem perto.

Mercadante cita o quase inimputável papa Francisco. "Temos de abolir a intriga e a fofoca na Cúria", equiparando a Esplanada ao órgão diretor do Vaticano. Rejeita o rótulo de "premiê", lembrando que "o único capaz de roubar a presidente da função é seu netinho".

Colaborou VALDO CRUZ, de Brasília

Atos anti-Dilma estão previstos em 20 estados, Distrito Federal e no exterior

• Presidente deve se reunir à tarde com ministros do núcleo político

- O Globo

BRASÍLIA — Em meio à crise que a presidente Dilma Rousseff enfrenta neste segundo mandato — com uma sequência de derrotas impostas pelo Legislativo, base aliada descontente, escândalo de corrupção na Petrobras e problemas na economia —, manifestações contra o governo estão marcadas para hoje em, pelo menos, 20 estados e no Distrito Federal. Há convocações feitas pelas redes sociais para protestos também na Austrália, Estados Unidos, Bolívia e Inglaterra.

Nas ruas, brasileiros divididos entre os que querem o impeachment da presidente, a renúncia de Dilma e do vice, Michel Temer (PMDB), e os que estão descontentes com o rumo do país, os desvios de verbas públicas e até o reajuste da tarifa de energia elétrica.

Preocupado, o governo vai monitorar os protestos. Decidiu também que autoridades do Ministério da Justiça estarão de sobreaviso. Dilma determinou aos ministros da articulação política, entre eles Pepe Vargas (Relações institucionais) e Aloizio Mercadante (Casa Civil), que fiquem em Brasília. Dilma deverá se reunir, no final da tarde no Alvorada, com os ministros para avaliar as manifestações.

Durante toda a sexta-feira, o governo monitorou as redes sociais e recebeu para entrevistas individuais as principais emissoras de televisão para destacar a forma ordeira como os movimentos foram às ruas. Segundo o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rosseto, foram realizadas grandes manifestações em vários estados e sem violência. Nas entrevistas, o ministro disse que essa é a expectativa em relação às manifestações marcadas para hoje. Rossetto reforçou ainda que o governo não é contra manifestações, mas que defender impeachment "é golpismo".

Temerosos de que possa haver infiltração de militantes políticos nas manifestações marcadas para este domingo em Goiânia, os organizadores do movimento pediram proteção policial para coibir atos de vandalismo. Boatos nas redes sociais, ontem, noticiaram uma possível infiltração de membros de movimentos petistas no protesto. Os organizadores garantem que Polícia Militar já destacou 1,2 mil homens só para o local da concentração na Praça Tamandaré, região central da capital.

Dilma é alvo de protestos em meio a onda de pessimismo com futuro da economia

• Desde o início do 2º mandato, número de eleitores com medo do aumento do desemprego e da inflação só cresce

Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli - O Estado de S. Paulo

A queda acentuada de popularidade da presidente Dilma Rousseff, que neste domingo será alvo de protestos em diversas cidades do País, coincide com a mais intensa reversão de expectativas econômicas ocorrida nas últimas duas décadas. Desde o início de seu segundo mandato, o número de eleitores com medo do aumento do desemprego e da inflação chegou às alturas, poucos meses depois de atingir, durante a campanha eleitoral, os níveis mais baixos desde o governo Fernando Henrique Cardoso.

O pessimismo em relação ao aumento da inflação, segundo série histórica de pesquisas do instituto Datafolha, supera atualmente até os níveis registrados logo após a desvalorização do real ocorrida no início do segundo mandato de FHC. A preocupação com o desemprego ainda não chegou ao patamar da era tucana, mas a linha de tendência aponta para isso.

Os gráficos publicados nesta página mostram como se manifestaram as ondas de pessimismo econômico nos cinco primeiros anos de governo dos três últimos presidentes. As linhas revelam uma clara tendência de melhora das expectativas durante as campanhas eleitorais de reeleição - época de bombardeio de propaganda na televisão - e de piora no primeiro ano do segundo mandato. Mas as guinadas da gestão Dilma se destacam pela intensidade.

O pessimismo em relação à economia ajuda a explicar os ânimos acirrados contra a presidente, evidenciados no "panelaço" do domingo passado e em manifestações que hoje tentam se lançar do palco virtual das redes sociais para o concreto das ruas e praças e de cidades grandes e médias.
Mas o panelaço e o bombardeio virtual contra a presidente e seu partido são também a continuação de um movimento já observado na campanha eleitoral do ano passado, marcada pela acirrada polarização entre o eleitorado pró e anti-PT.

Após a eleição, que Dilma venceu com 51,6% dos votos - o placar mais apertado desde a redemocratização -, a mobilização de grupos contrários à presidente ganhou impulso com o detalhamento do escândalo de corrupção da Petrobrás e a acusação, feita por ex-funcionários da estatal, de que partidos da base governista foram beneficiados pelo desvio de recursos.

A onda de insatisfação também se alimentou da série de más notícias no front econômico, desde a aceleração da inflação ao anúncio de medidas impopulares para reduzir o déficit público. No início de fevereiro, segundo o Datafolha, 44% dos brasileiros consideravam o governo ruim ou péssimo - a taxa mais alta da gestão da petista.

Dispersão. A fragilidade do governo também se evidencia no Congresso. No início de seu segundo mandato, Dilma está com a mais baixa taxa de fidelidade na Câmara dos Deputados desde o início da série histórica do Basômetro, ferramenta interativa do Estadão Dados que calcula a taxa de governismo dos parlamentares brasileiros. Desde 2003, no primeiro ano do governo Lula, nenhum presidente teve de lidar com uma base tão adversa.

Nas 14 votações que já ocorreram em 2015, em média, 70% dos votos dos deputados seguiram a orientação do governo. Essa taxa está 11 pontos abaixo da registrada nas primeiras 14 votações do segundo governo Lula - a melhor marca nessa mesma faixa de comparação. A situação tende a piorar para a presidente, já que, em regra geral, o início de governo costuma ter as maiores taxas de governismo do mandato.

Outra maneira de avaliar o governismo é medir o chamado "núcleo duro" do governo, formado por deputados que sempre ou quase sempre votam de acordo com a orientação do Executivo. Neste início de mandato, apenas 114 parlamentares votaram 90% das vezes ou mais com o governo, o que representa 30% do total - quase metade do que no mesmo período do governo anterior de Dilma, em que 58% dos deputados faziam parte do núcleo duro.

Planalto monta 'gabinete de crise' para acompanhar atos

• À noite, haverá reunião da presidente Dilma Rousseff com seus auxiliares, que servirá de termômetro para os próximos passos

Vera Rosa e Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo montou uma espécie de "gabinete de crise" para acompanhar as manifestações deste domingo . No Planalto, os últimos dias foram batizados de "semana do fim do mundo". Da CPI da Petrobrás às vaias dirigidas a Dilma Rousseff, em São Paulo, tudo parece conspirar contra a presidente.

Pesquisas internas mostram uma deterioração maior da imagem de Dilma. Sua popularidade está em queda livre e, com apenas dois meses e meio de segundo mandato, ela perde apoio em todas as camadas da população, e não só na classe média.

O receio do governo, nas manifestações, é com o quebra-quebra, o vandalismo e o aumento do tom contra Dilma.

Auxiliares da presidente admitem que o cenário político atual é "muito pior" do que o de junho de 2013, quando ocorreram vários protestos pelo País. O diagnóstico reservado é um só: diante de uma rebelião na base aliada do governo e do mau humor dos eleitores, qualquer fagulha pode se espalhar como fogo no canavial.

Levantamentos em poder do governo indicam que a população não aguenta mais tanta denúncia de corrupção, lamenta a perda de prestígio da Petrobrás, reclama da inflação e associa a classe política à roubalheira.

Prontidão. Surpreendida com o "panelaço" do último domingo, quando fazia um pronunciamento no rádio e na TV – no qual pediu "paciência" com a crise –, Dilma convocou os ministros que compõem a coordenação do governo para ficarem de prontidão, neste domingo, em Brasília. À noite haverá uma reunião da presidente com os auxiliares, no Palácio da Alvorada, que servirá de termômetro para os próximos passos.

A manifestação de sexta-feira, puxada por CUT, MST, UNE e movimentos sociais, foi vista no Planalto com alívio. "Foi um movimento pacífico, mesmo em São Paulo", observou Miguel Rossetto, ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Os motes daqueles atos eram a defesa da Petrobrás, dos direitos trabalhistas e da reforma política.

A expectativa é que o maior foco do protesto também esteja em São Paulo, Estado governado pelo PSDB e reduto anti-PT.

Em jantar com Dilma no Alvorada, terça-feira passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aconselhou a sucessora a lançar o mais rápido possível uma "agenda do crescimento", para se contrapor às medidas amargas do ajuste fiscal. "Até hoje nós não sabemos o que aconteceu em junho de 2013. E se todo o protesto contra tudo o que está aí vier agora com mais força?", disse Lula a Dilma.

Para o ex-presidente, Dilma errou ao fazer um pronunciamento muito longo, no Dia da Mulher, sem indicar claramente onde o governo quer chegar com o sacrifício imposto à população. Lula acredita que, se o governo não vender esperança nem criar um ambiente de estímulo aos investimentos, o pessimismo vai continuar. No diagnóstico de Lula, a CPI da Petrobrás, mesmo esvaziada, tem potencial para criar fatos políticos e prejudicar ainda mais o PT e o Planalto.

Reflexão. O PT também pretende promover reuniões com os dirigentes para decidir os próximos passos, segundo o presidente nacional da legenda, Rui Falcão. "O Brasil muda, o PT muda com o Brasil", afirmou, ao chegar ontem a evento do diretório gaúcho, em Porto Alegre. "No final do mês eu pretendo chamar todos os presidentes estaduais para uma reflexão sobre a conjuntura."
De acordo com Falcão, Lula vai ajudar nas discussões sobre os rumos do PT. "Ele é a maior liderança que o País já produziu." /Colaborou Gabriela Lara

Luiz Sérgio Henriques - O pessimismo da inteligência

- O Estado de S. Paulo

Difícil exagerar a importância do dia de hoje na marcha recente da democracia brasileira. A rigor, não se podem prever os desdobramento de manifestações convocadas segundo os novíssimos termos postos pelas redes, termos diferentes e até dissonantes entre si. A falta de direção publicamente reconhecida, de orientações compartilhadas além das bandeiras de protesto e até de alguma linguagem política comum, tudo isso faz deste domingo um enigma: numa boa hipótese, representará um momento mais positivo do que negativo, com a ativação da cidadania e do espaço público como laboratório de novas e inesperadas formas de ação.

No entanto, convém não só manter o otimismo da vontade, sem perder o pessimismo da razão, como também ir além desta bela frase e admitir que temos de nos preparar para o pior. Não se chega por acaso a uma situação de quase impasse como esta, com o envelhecimento de um governo recém-eleito, a relativa impotência das oposições, a natural linguagem babélica das redes e o grau não desprezível de desorganização da sociedade, submetida, como foi, a pressões intensas de cooptação e estatização.

Não se improvisa o subdesenvolvimento, cutucava Nelson Rodrigues, assim como não se improvisou o estado raso de nossa cultura política, aqui e agora. A arena pública parece ter-se degradado em confrontação feroz, disputa sem fim entre amigos e inimigos, vários tons acima do que requer a normal dialética democrática. O bê-á-bá desta última implica a legitimação recíproca dos adversários, excluídos obviamente os que se recusam a participar do jogo institucional e imaginam a mudança social ao largo dele.

As décadas da redemocratização, à parte os ganhos incomensuráveis trazidos pelo regime de liberdades, acostumaram-nos também a sobressaltos. Em relação às figuras presidenciais, por exemplo, com mais ou menos força, e pelo menos num caso com o desfecho do impeachment, ouvimos em sequência uma palavra de ordem cortante e imperiosa: "Fora, Sarney!", "Fora, Collor!", "Fora, FHC!". E já agora o "Fora, Dilma!", com menor orientação diretamente partidária, mas semelhante potencial de incêndio.

Ressalvado o direito de protestar, o qual, exercido dentro das regras, nunca tem o significado de terceiro turno ou qualquer outra imagem desastrada, é evidente que a reiteração daquela palavra de ordem e, especialmente, o estado de espírito que supõe deveriam fazer-nos pensar nos níveis de intolerância que não raro apontam para os riscos da ingovernabilidade, sem falar nos danos à simples convivência civilizada.

Responsabilidades existem e é justo distribuí-las. A direita ou a centro-direita - partidos, como o DEM ou o PP, que deitam raízes distantes no antigo partido de sustentação do regime militar - não teve nem tem força político-eleitoral efetiva. Estamos diante de agremiações de porte médio ou menos do que isso, para não mencionar a exótica circunstância de que a maioria delas, como o PP, o PR, o PRB, o PSD, participa do bloco petista de modo até equívoco, como demonstrou a Ação Penal 470 e agora começa a se evidenciar no caso da Petrobrás.

Um partido de centro ou centro-esquerda, como o heroico PMDB, mesmo tendo sofrido evidente involução, a ponto de se tornar incapaz de encabeçar um projeto nacional, jamais representou risco para a ordem democrática. E o segundo grande protagonista destes anos, o PSDB, salvo o já distante (e grave) episódio da reeleição, até pelo funcionamento basicamente parlamentar se enquadra no mesmo critério: podemos discutir erros e opções econômicas dos governos FHC, mas não sua decisão de jogar segundo as regras.

A emergência de uma esquerda forte é requisito das sociedades "ocidentais", como contraponto à desigualdade inerente aos mercados e certeza de que os "de baixo" terão adequada, mas não exclusiva, representação. E a esquerda hegemônica que tivemos, depois do esgotamento da tradição trabalhista e da comunista, reuniu-se em torno do PT. Um ganho substantivo para a democracia, se considerarmos a incorporação à cena política da então nova classe operária e também dos intelectuais - não só suas figuras tradicionais, como também a massa de intelectuais gerada pela modernização acelerada no regime militar.

Mais do que conhecido o "espírito de cisão" que acompanhou o novo partido: em relação à história, a negação do "populismo" e do nacional-desenvolvimentismo (aliás, problematicamente recuperado décadas depois de sua produtiva floração); em relação à política corrente, a dificuldade de entendimento com o centro democrático até nos momentos mais arriscados da transição (dificuldade depois transformada em ruidosa ação cooptadora a partir das alavancas do Estado).

Na hipótese melhor, dizíamos, a sociedade "ocidental" que somos (apesar de nós mesmos?) há de recuperar seus direitos e retificar este espírito de cisão estridente, próprio de forças no fundo imaturas para a direção de um país complexo, independentemente de triunfos eleitorais. Tal espírito só pareceu pacificado quando houve a impressão de cenário ocupado por um só ator. Seríamos então "todos lulistas", com um ou outro desvio exótico, ecoando o infeliz "todos somos peronistas" dos vizinhos argentinos. Duro de morrer, tal espírito ora ressurge na forma de luta entre "pobres" e "ricos", nacional-popular e elites cosmopolitas. Numa palavra, entre nação ("nós") e antinação ("eles"), inimigos cuja existência política se contesta mais ou menos veladamente.

Se isso fizer sentido, o pessimismo da inteligência tem aqui o justo lugar: com esta cultura orientada pela ideia exasperada de cisão, a esquerda não só não fará avançar sua imprescindível agenda, como se tornará devedora das instituições democráticas. Ou - questão cruel - já se terá tornado?

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Luiz Sérgio Henriques, tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das 'Obras' de Gramsci no Brasil

Marina defende que impeachment de Dilma pode resultar no ‘aprofundamento do caos’

• Terceira colocada nas eleições de 2014, ex-senadora afirma que ato ‘não é solução’ para a crise política

- O Globo

RIO — A ex-candidata à presidência da República e ex-senadora Marina Silva (PSB) publicou, neste sábado, um texto em seu site oficial criticando a campanha pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). A um dia das manifestações anunciadas contra a atual presidente, Marina diz não acreditar que a medida seja a solução para a crise política instalada no país, e afirma que o resultado pode ser o “aprofundamento do caos”.

“Muita gente vai para as ruas protestar. Há uma campanha pedindo o impeachment da presidente que foi eleita há poucos meses. Compreendo a indignação e a revolta, mas não acredito que essa seja a solução. Talvez o resultado não seja o pretendido retorno à ordem, mas um aprofundamento do caos”, comentou a ex-presidenciável. Ainda no artigo, intitulado “Silêncio se faz para ouvir”, Marina afirmou ainda que parte das lideranças políticas agem com “cautela e senso de responsabilidade com o país”, mas em “parte da oposição predomina a lógica partidária e o desejo de ‘sangrar’ o governo e enfraquecê-lo para as próximas eleições”.

Para Marina, é preciso dar “um prazo inicial a todo governo eleito, para que diga a que veio”. Mesmo com a posição, ela lembra que o impeachment “seria uma punição ao PT”, “uma resposta” ao padrão criado pelo partido quando era oposição, de “gritar ‘fora’ a qualquer governo, com ou sem provas de corrupção”.

Na eleição presidencial mais acirrada desde a redemocratização brasileira, Marina conquistou o terceiro lugar nas eleições de 2014. Ex-petista, a candidata apoiou o candidato adversário do seu antigo partido, Aécio Neves (PSDB), no segundo turno.

O texto, que também foi publicado nas redes sociais de Marina, relembra as críticas feitas ao governo atual durante sua candidatura ao Palácio do Planalto, e cita pontos fundamentais que devem ser atacados pelo governo para conter a atual crise. “O atraso político é a maior ameaça ao que conquistamos a duras penas — Democracia, Estabilidade Econômica e Inclusão Social”.

De acordo com a ex-presidenciável, a situação de Dilma e a crise são questões a serem decididas “no coração do povo”, e “Só os que fazem silêncio e ficam atentos conseguem ouvir o que diz esse coração”. “Das ruas vem sempre o alerta: acima dos interesses dos partidos e grupos que almejam o poder estão os interesses do país e os que querem sinceramente servi-lo não devem desperdiçar a oportunidade de mudar, antes de serem por elas mudados”, conclui Marina Silva.

Marina critica gestão de Dilma, mas se posiciona contra impeachment

• Apesar de se manifestar contra as decisões da presidente, ex-senadora diz que tirar Dilma do poder 'não é a solução'

Francisco Carlos de Assis – O Estado de S. Paulo

A ex-senadora Marina Silva, candidata derrotada na campanha presidencial de 2014, usou, neste sábado (14), o seu perfil em uma rede social para publicar artigo onde faz várias críticas à gestão da presidente Dilma Rousseff, mas se coloca contra o impeachment. Marina afirma que a "mudança na equipe econômica parece ser insuficiente para dar ao governo a credibilidade necessária à condução da economia".

A ex-senadora entende que o agravamento de todos os sintomas da crise já é visível, mas defende ao longo de um extenso artigo denominado "Silêncio se faz para ouvir" que o respeito à democracia ensina a se dar um prazo inicial a todo governo eleito para que se diga a que veio.

"Sinto que isso vale também quando o escolhido - ou guiado pelas estrelas - recebe da sociedade a cômoda tarefa de suceder a si mesmo", disse a ex-senadora em referência às manifestações contra a presidente Dilma Rousseff, que estão sendo programadas para este domingo.

"Muita gente vai para as ruas protestar. Há uma campanha pedindo o impeachment da presidente que foi eleita há poucos meses. Compreendo a indignação e a revolta, mas não acredito que essa seja a solução. Talvez o resultado não seja o pretendido retorno à ordem, mas um aprofundamento do caos", escreveu a ex-senadora mesmo reconhecendo que a "insatisfação da população vai da desesperança ao desespero.

"A mudança na equipe econômica parece ser insuficiente para dar ao governo a credibilidade necessária à condução da economia. A imagem da situação social é a dos tanques na rua, na Favela da Maré. A enchente gigantesca no Norte e a seca rigorosa no Sudeste denunciam a irresponsabilidade com a agenda ambiental e a falta de planejamento na produção de energia e no saneamento", afirmou Marina.

De acordo com ela, a corrupção revela-se generalizada como um câncer que se espalhou por todos os órgãos. "Quantos minutos na televisão serão necessários para fazer as pessoas voltarem a acreditar no mundo cor-de-rosa que os ''pessimistas'' queriam destruir?", questionou, fazendo referência ao discurso de campanha da presidente Dilma negando que promoveria arrocho na economia e perda de conquistas trabalhistas.

Marina lembra que quando o Congresso depôs Fernando Collor, assumiu o vice-presidente Itamar Franco, que formou um governo aglutinando várias forças políticas incluindo a parcela do PT que acompanhou Luíza Erundina. Em sua gestão, que tinha FHC como Ministro da Fazenda, diz a ex-senadora, começou o Plano Real e a hiperinflação foi finalmente debelada. Mas hoje, continua ela, quem domina as instituições são as parcelas do PMDB mais envolvidas com as práticas e métodos que estão na gênese da crise.

Marina diz que impeachment 'não é solução' e pode 'aprofundar o caos'

Marina Dias – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Um dia antes das manifestações contra a presidente Dilma Rousseff (PT) saírem às ruas nas principais capitais do país, a ex-senadora Marina Silva (PSB) divulgou neste sábado (14) um texto no seu site oficial em que refuta o impeachment da petista e afirma que um processo como este pode levar a "um aprofundamento do caos."

"Muita gente vai para as ruas protestar. Há uma campanha pedindo o impeachment da presidente que foi eleita há poucos meses. Compreendo a indignação e a revolta, mas não acredito que essa seja a solução. Talvez o resultado não seja o pretendido retorno à ordem, mas um aprofundamento do caos", escreveu Marina.

Terceira colocada na disputa presidencial de 2014, a ex-senadora defende que seja dado um "prazo inicial a todo governo eleito, para que diga a que veio". Segundo a pessebista, essa tese é válida também "quando o escolhido –ou guiado pelas estrelas– recebe da sociedade a cômoda ou incômoda tarefa de suceder a si mesmo", ou seja, para os reeleitos como a presidente Dilma.

Apesar das ponderações que faz quanto ao impeachment, Marina não deixa de provocar o partido em que esteve filiada por 24 anos: "O impeachment seria uma punição ao PT, sem dúvida."

"Uma resposta no mesmo padrão criado pelo partido quando estava na oposição: gritar 'fora' a qualquer governo, com ou sem provas de corrupção, pela simples avaliação ideológica de que eram governos impopulares ou contrários aos interesses dos trabalhadores", completou.

Mesmo assim, Marina reconhece que as principais lideranças políticas do país "têm agido com cautela" quando o assunto é impeachment e diz que "o governo é ruim, mas temos a responsabilidade de manter não a ele, mas a democracia."

Críticas ao governo
Relembrando seus discursos como candidata ao Palácio do Planalto, Marina faz no texto diversas críticas ao governo federal que, segundo ela, é marcado pelo atraso na política e pela crise de credibilidade. "A mudança na equipe econômica parece ser insuficiente para dar ao governo a credibilidade necessária à condução da economia."

Para ela, existem quatro pontos fundamentais que devem ser atacados pelo governo diante da crise. São eles: a transição para uma economia de baixo carbono, o aperfeiçoamento dos programas e mecanismos de inclusão social, a recuperação dos fundamentos macro e microeconômicos e o combate à corrupção, com a liberdade de imprensa.

Marina se defende do "silêncio" que adotou desde que perdeu as eleições e diz que tem usado as redes sociais para opinar sobre os principais temas do país. "Não foi, portanto, um silêncio muito silencioso."

Segundo a senadora, a crise política e a situação da presidente Dilma Rousseff são questões que serão decididas "no coração do povo". "Só os que fazem silêncio e ficam atentos conseguem ouvir o que diz esse coração", conclui.

Marina Silva - Silêncio se faz para ouvir

Muita gente andou falando ou escrevendo a respeito do meu silêncio, alguns até em tom de cobrança ou censura, como se eu estivesse me esquivando da responsabilidade de dar opinião sobre o atual momento da política brasileira.

Como disse Mark Twain, “os boatos a respeito da minha morte estavam um pouco exagerados”. Não andei tão calada assim, basta ver que em minhas páginas na internet tratei das questões mais importantes da vida brasileira, como a crise hídrica, a retomada dos ataques aos direitos indígenas e, é claro, as investigações da corrupção na Petrobrás. Também divulguei, em várias mensagens, minhas observações sobre a disparidade entre a propaganda da presidente reeleita e os atos reais de seu governo, que chamei de “desmandamentos”. Não foi, portanto, um silêncio muito silencioso.

Se me ative às páginas da internet, especialmente nas redes sociais, deixando de lado as entrevistas e artigos na chamada “grande mídia”, é porque preferi não seguir a pauta convencional, onde o bate-boca pós-eleitoral e as versões da guerra partidária continuavam acirrados. Como já disse, a polarização não é apenas uma disputa entre dois lados, é uma cultura, um modelo mental que domina a política e a comunicação, algo difícil de desfazer.

O respeito à democracia nos ensina a dar um prazo inicial a todo governo eleito, para que diga a que veio. Sinto que isso vale também quando o escolhido – ou guiado pelas estrelas – recebe da sociedade a cômoda ou incômoda tarefa de suceder a si mesmo.

Desde 2010 venho alertando para a incompatibilidade entre dois fenômenos políticos contemporâneos, uma contradição que nos empurrava para o abismo onde hoje caímos: de um lado, o avanço social, político, econômico e cultural de uma significativa parcela da sociedade, que se esforça para deixar a passiva posição de espectadora e intenta ser protagonista no desenvolvimento do país; de outro lado, o enorme atraso na política, a lentidão e até o retrocesso na qualidade das instituições e na representação. Repeti incontáveis vezes: o atraso político é a maior ameaça ao que conquistamos a duras penas – Democracia, Estabilidade Econômica e Inclusão Social.

Esse atraso nos fez estacionar em um sistema político que degrada os processos sociais de diversas maneiras, entre as quais destaco três.

Primeiro, afasta os verdadeiros agentes de transformação das dinâmicas econômica e política, retira-os de todos os centros reais de decisão e os coloca no lugar de meros espectadores no processo político. Empresários ou trabalhadores, estudantes ou cientistas, comunidades ou movimentos, todos são“avassalados” ou meramente excluídos, só os políticos profissionais podem participar de uma espécie de república dos operadores.

Segundo, cria uma governança sem qualquer compromisso com a execução de um programa, compondo o governo e configurando sua base de sustentação no Congresso através do loteamento de pedaços gerenciais e financeiros do Estado. A gestão dos assuntos públicos é entregue a uma teia de esquemas que atravessa instituições e órgãos públicos, empresas e bancadas parlamentares, um amontoado de nichos e feudos onde se faz qualquer negócio em qualquer setor: saúde, educação, segurança e especialmente as grandes obras, tudo vira objeto de troca. A ocupação dos cargos obedece a duas modalidades, com ou sem “porteira”, seja fixa ou giratória, como dizem os que participam das negociações.

Terceiro, assenta-se numa lógica partidária que abandona o debate em torno de idéias e programas pelo embate para ganhar ou manter o poder. E esclareço: trata-se do poder pelo poder, que independe daquilo que se faz, se pensa ou se diz, pois todas as idéias se reduzem a peças de marketing e toda ação tem sentido tático de destruir adversários numa disputa que não tem fim nem finalidade para o que de fato importa, os reais interesses do país.

Esse sistema se reproduz e se protege. Basta ver as sucessivas “reformas” políticas, arrumações nas leis eleitorais ou regras para impedir a criação de novas formas de organização e participação política. A cada ano criam-se e aperfeiçoam-se mecanismos para manter o domínio das oligarquias, a hegemonia dos grandes partidos e o financiamento de suas campanhas.

Por tudo isso é que falei em 2010 e repeti em 2014, ao lado de Eduardo Campos: é imprescindível e urgente um realinhamento político, com base em uma agenda estratégica que dê conta dos principais desafios do país, capaz de manter e institucionalizar conquistas, corrigir erros e assumir os novos e grandes desafios desse século.

Propus que esse realinhamento aposentasse a Velha República, que permaneceu incrustada no Estado brasileiro mesmo nos governos do PSDB e do PT, dificultando os avanços que estes promoveram – sempre reconheci – nas áreas econômica e social. Para sustentarem-se nessa Velha República, como já disse FHC, esses novos partidos da democracia brasileira disputaram o posto de líderes do atraso.

Só uma República renovada seria capaz de juntar os fundamentos dos avanços já obtidos, o processo democrático, o tripé da estabilidade macroeconômica e os programas de inclusão social e acrescentar a eles um novo objetivo inadiável, a sustentabilidade socioambiental. Assim, através de um Novo Pacto, o Brasil evitaria o retrocesso e a perda de suas conquistas, superaria o atraso político e atualizaria seu ambiente institucional para enfrentar as crises e rigores deste tempo em que o mundo é sacudido pelas mudanças climáticas e pela crise econômica e social, uma verdadeira crise da civilização.

Não foi por acaso que busquei Eduardo Campos quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) negou registro à Rede Sustentabilidade. Éramos duas figuras que, até aquela época, em função das posturas políticas que tínhamos e de nossas trajetórias de vida, nos imaginávamos como pontes entre os legados do PSDB e do PT, até mesmo pela atitude de respeito que sempre cultivamos por seus líderes maiores, Lula e FHC.

Não foi por acaso que propusemos um programa para a grave crise que já se alastrava, falando das medidas duras a serem tomadas, mostrando a verdade da crise econômica, política e social, mesmo correndo o risco de sermos atacados com virulência, como ocorreu, sobretudo comigo, após a trágica morte de Eduardo.

Não foi apenas o marketing selvagem, amplificado pelas técnicas do boato e da calúnia em cada cidade ou vila do país, operando uma destruição na “imagem” de um adversário político. Foi uma contração de todo o sistema político, incluindo suas ramificações nos meios de comunicação e organizações da sociedade, na tentativa de trancar do lado de fora qualquer novo projeto de identidade política para o Brasil, qualquer proposta de mudança e de futuro que não fosse a mera repetição do que já existe.

Nada de realinhamento das forças políticas para fazer a transição e aposentar a Velha República. Nada de manter as conquistas, corrigir os erros e encarar os novos desafios. Nada de nova governança baseada em um programa de governo e agenda estratégica, nada dessa história de reunir os melhores de todos os partidos. Nada de fim da reeleição, pela qual os mandatários se dedicam mais a conseguir outro mandato do que servir ao país. O sistema desconhece e joga fora a possibilidade de evolução e quer continuar sendo assim como é, uma máquina de vencer eleições, uma couraça, uma repetição neurótica de palavras vazias, um embate de “nós” contra “eles”, uma reafirmação de quem manda.

Qual o resultado de uma campanha assim? O que acontece com quem “ganha” dessa forma? E o que acontece com os eleitores, a sociedade, o país?

Estamos, agora, diante das respostas. O agravamento de todos os sintomas da crise já é visível. A insatisfação da população vai da desesperança ao desespero. A mudança na equipe econômica parece ser insuficiente para dar ao governo a credibilidade necessária à condução da economia. A imagem da situação social é a dos tanques na rua, na Favela da Maré. A enchente gigantesca no Norte e a seca rigorosa no Sudeste denunciam a irresponsabilidade com a agenda ambiental e a falta de planejamento na produção de energia e no saneamento. E a corrupção revela-se generalizada como um câncer que se espalhou por todos os órgãos. Quantos minutos na televisão serão necessários para fazer as pessoas voltarem a acreditar no mundo cor-de-rosa que os “pessimistas” queriam destruir?

Muita gente vai para as ruas protestar. Há uma campanha pedindo o impeachment da presidente que foi eleita há poucos meses. Compreendo a indignação e a revolta, mas não acredito que essa seja a solução. Talvez o resultado não seja o pretendido retorno à ordem, mas um aprofundamento do caos. Quando o Congresso depôs Fernando Collor, assumiu o vice-presidente Itamar Franco, que formou um governo aglutinando várias forças políticas incluindo a parcela do PT que acompanhou Luíza Erundina. Em sua gestão, que tinha FHC como Ministro da Fazenda, começou o Plano Real e a hiperinflação foi finalmente debelada. Mas hoje quem domina as instituições são as parcelas do PMDB mais envolvidas com as práticas e métodos que estão na gênese da crise.

As principais lideranças políticas de todos os partidos têm agido com cautela e senso de responsabilidade com o país. O PT, é claro, quer salvar o governo. Em parte da oposição predomina a lógica partidária e o desejo de “sangrar” o governo e enfraquecê-lo para as próximas eleições. Mas há os que compreendem a gravidade de uma crise institucional, os riscos de aventuras autoritárias – de esquerda ou de direita –, a quebra da economia, a violência descontrolada, enfim, um cenário totalmente indesejável. O governo é ruim, mas temos a responsabilidade de manter não a ele, mas a democracia.

O impeachment seria uma punição ao PT, sem dúvida. Uma resposta no mesmo padrão criado pelo partido quando estava na oposição: gritar “fora” a qualquer governo (Sarney, Collor, Itamar, FHC e incontáveis governos estaduais), com ou sem provas de corrupção, pela simples avaliação ideológica de que eram governos impopulares ou contrários aos interesses dos trabalhadores. Talvez até uma parcela dos que votaram em Dilma em outubro ou até mesmo que fizeram parte dos núcleos ocultos de sua campanha estejam agora alimentando a idéia de afastá-la para ganhar o poder por outros meios. Por isso, é bom lembrar que, às vezes, a maior punição àqueles que ultrapassam limites éticos para alcançar seus objetivos não seja interditar-lhes o objeto almejado, mas retirar-lhes as regalias e deixá-los com a responsabilidade de dar conta do que prometeram.

Essa é uma questão que será decidida no coração do povo, num nível profundo em que a tosca propaganda e os gritos de guerra da direita e da esquerda não penetram. Só os que fazem silêncio e ficam atentos conseguem ouvir o que diz esse coração.

A questão política é: existe alguma possibilidade de navegar na crise estabelecendo, na prática, uma nova governança no país? Creio que é muito difícil. Mas talvez seja possível estabelecer alguns pontos de contato entre os agentes reais dos processos políticos, econômicos e sociais, com base na dura realidade dos fatos. A percepção de que estamos à beira de um abismo que chama outros abismos, como bem adverte o ensinamento bíblico, nos remete à responsabilidade de abrir novos caminhos e maneiras de caminhar. Afinal, se todos estamos no mesmo barco de um país em profunda crise, devemos estabelecer diálogos e projetos comuns em que governos estaduais e municipais, organizações da sociedade, cientistas, empresários, movimentos sociais, comunidades, todos se sintam dispostos a contribuir até que se consiga alcançar um realinhamento político que dê novas bases de sustentação ao país.

Se não é possível ter uma agenda governamental, podemos ter acordos setoriais e regionais em diversos temas. Mais uma vez, escolho os que me parecem centrais.

Primeiro, seria necessário ter sério compromisso com a transição para uma economia de baixo carbono. Mas é possível começar com as urgências da crise ambiental que já mostra seu potencial de destruir a economia urbana ou rural. Não adianta reconstruir a casa da mesma forma e no mesmo lugar em que foi derrubada pela chuva. Agricultura, indústria, obras de infra-estrutura, todos já estão ameaçados pela crise. Eis a oportunidade de mudar os métodos de produção e consumo. Os planos de contigência e os comitês de gestão da crise hídrica já seriam um bom começo.

Segundo, aperfeiçoar os programas e mecanismos de inclusão social. Programas de transferência de renda não podem ser tratados como política de um governo ou um favor que será cobrado a cada eleição. É necessário institucionalizar, colocar na lei: toda família em situação de extrema pobreza tem o direito de recorrer ao Estado e receber ajuda enquanto for necessário. Cabe ao Estado providenciar meios, como financiamento e formação técnica, para que ocorra uma inclusão produtiva, ou seja, a pobreza seja superada com educação e trabalho.

Terceiro, recuperação dos fundamentos macro e microeconômicos em um ciclo estrutural e não puramente eleitoral. Aqui, a sociedade e os governos locais podem fazer algo, mas é responsabilidade do governo federal recuperar a credibilidade do país e o ambiente para o investimento produtivo.

Mas o mais urgente, o sinal mais claro de um enfrentamento direto da crise é o combate à corrupção, que hoje está espalhada em todos os níveis da economia e da política. É preciso manter uma opinião pública exigente e capaz de apoiar a autonomia dos órgãos de investigação, justiça, fiscalização e controle. A liberdade de imprensa é condição essencial e deve ser defendida sem hesitação.

Não podemos ser tolerantes com “acordos de leniência” que livrem corruptos ou corruptores de suas responsabilidades a pretexto de proteger as empresas. O Estado deve apenas dar condições legais para que os setores da economia afetados pela corrupção se reestruturem. Empresas podem fechar ou se reinventarem, as leis é que não podem ser mudadas para salvar a pele de quem quer que seja. Num mercado aberto, não se exige apenas “menor preço” para contratar uma obra, mas também a concorrência leal, com regras para proteger o interesse público, o meio ambiente e a população, com mecanismos de controle e total transparencia.

Na área ambiental, o Ministério Público tem estabelecido, em diversas ocasiões, os Termos de Ajustamento de Conduta, que estabelecem prazos e metas, procedimentos e regras, começando pela imediata interrupção das práticas danosas. Esse é o enfoque correto para manter as obras e serviços, mas limpando a sujeira e desarmando os esquemas de corrupção.

Quem pode levar adiante acordos e pactos em torno dessas diretrizes? Creio que cada um tem uma parcela de poder e governabilidade. Tenho visto, em todo o Brasil, exemplos emocionantes de iniciativas de pessoas, comunidades, movimentos sociais, organizações civis, prefeituras e governos estaduais e também em alguns órgãos do governo federal. Não existe só corrupção e maldade no mundo, temos que manter a esperança.

Enfim, tenho muitas dúvidas e algumas propostas. Não me iludo, sei que estamos ainda no início dos problemas e o mais provável é que a situação do país se agrave nos próximos meses. Mas insisto que devemos ter uma agenda que possa gerar novos compromissos, uma posição – sem alinhamento automático com governos ou oposições – a favor do Brasil. Política é serviço e devemos contribuir para que tudo melhore.

A melhor energia para essa melhora é e sempre será a manifestação da sociedade, pacífica mas indignada, contra tudo que ameaça a honra de seu passado, a dignidade de seu presente e a esperança de seu futuro. Das ruas vem sempre o alerta: acima dos interesses dos partidos e grupos que almejam o poder estão os interesses do país e os que querem sinceramente servi-lo não devem desperdiçar a oportunidade de mudar, antes de serem por elas mudados.
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Texto publicado no seu perfil no Facebook

Marco Aurélio Nogueira - Luta de classes não explica déficits de liderança e coordenação política

- O Estado de S. Paulo

Convidado de honra nos atos que ontem e anteontem encheram as ruas para defender a Petrobras, o governo Dilma e a reforma política, João Pedro Stedile, principal liderança do MST, esteve com a língua afiadíssima. Mais atacou os adversários do governo do que defendeu Dilma. Contra a Presidente, aliás, foi particularmente duro.

Ontem, no Rio, foi de rara agressividade: “Dona Dilma, se tem coragem, saia do Palácio e vem aqui prá rua para ouvir o que o povo quer de mudança”. Ele acredita que a Presidente deve suspender a política econômica de ajuste porque ela fere direitos trabalhistas e beneficia os bancos. Além do mais, acha que o ministro Joaquim Levy é um “infiltrado” do mercado no governo petista e não deveria continuar. E mandou um recado arrogante e provocador: “Estamos dizendo para a burguesia: não se atrevam a falar em golpe”, pois o MST irá “engraxar as botas para voltar a ocupar as ruas do Brasil”.

Atos em praça pública são momentos de agitação, não de análise ou reflexão. Muitos descontos devem ser dados a Stedile por causa disso. Seus tropeços teóricos e seu entusiasmo político talvez sejam corrigidos em ambientes mais serenos e reflexivos. Mas não deixam de chamar atenção, como exemplo de uma analítica que parece crescer, hoje, nos ambientes governistas e petistas, a complicar um pouco mais o quadro e a dificultar o encaminhamento de soluções democráticas para a crise que está aí.

Na sexta-feira, em Porto Alegre, Stedile foi veemente: “o que temos hoje é só o começo do jogo da luta de classes, porque democracia se faz nas ruas”.

Os governistas estão convencidos de que os problemas do governo Dilma derivam de um aguçamento da luta de classes: são o resultado do reaparecimento da direita na política brasileira, uma espécie de vingança dos ricos e da burguesia contra um governo reformador e popular. Dilma estaria cercada por inimigos do reformismo social, gente que se moveria por ódio e ressentimento, instigada por uma mídia categoricamente golpista. Nada escapa deste quadro: qualquer crítica ou manifestação, qualquer atitude ou palavra que não se submeta ao manual de procedimentos do governo teriam de ser sumariamente desconsideradas e combatidas como materialização de um “terceiro turno” antidemocrático.

Como marxista que é, Stedile deveria saber que o “jogo da luta de classes” não tem começo e fim: é parte da estrutura da vida e da história. Pode ter picos de aquecimento e outros de arrefecimento, mas está sempre ativado. Os bons partidos e os bons políticos trabalham para traduzir a luta de classes — os conflitos sociais, as contradições, as tensões — em matéria-prima e combustível para transformações substantivas na vida, no Estado, na política, na economia. Não podem ser indiferentes a este jogo, mas também não devem ser arrastados por ele nem muito menos atuar para produzir rupturas dramáticas, ao menos enquanto não houver a devida correlação favorável de forças.

Sabem, também, que a democracia se faz nas ruas, mas não somente nelas. A participação das massas é vital e deve ser buscada de forma permanente. As pessoas que foram às ruas para aplaudir o governo ontem valem tanto quanto as que saírem de casa para criticá-lo amanhã. Se fizerem isso de modo pacífico e com senso cívico elevado, todos ganharão.

Mas o que ocorre fora das ruas pesa tanto quanto e em muitos aspectos chega mesmo a ser mais importante. Qualquer reducionismo, aqui, empobrece de tal modo a democracia que termina por convertê-la em seu contrário.

O foco principal da construção democrática — da defesa e do fortalecimento da democracia — está no debate público, no circuito cultural, na educação, nas escolas, nas instituições políticas. Somente cidadãos esclarecidos podem valorizar a democracia e se dispor a protegê-la, estejam eles organizados em partidos ou não. Posicionamentos democráticos são maiores do que a defesa de interesses localizados, implicam incorporação de valores, respeito a procedimentos e disposição dialógica, o que nem sempre surge espontaneamente das ruas. Precisam de locais e instâncias onde possam ser processados e organizados numa agenda acordada minimamente entre os diferentes protagonistas. Se não for assim, as ruas podem produzir guerra e violência, não soluções democráticas

Além disso, as ruas nem sempre ajudam: se estiverem mal direcionadas, por exemplo, podem atacar a democracia ou ficarem expostas à ação sibilina de gente que nada tem de democrática, ou ainda se converterem em manifestações que acobertam atos governamentais condenáveis, terminando por defender o que vai contra a democracia. Atos de massa precederam a queda de muitos governos progressistas no mundo ou forneceram alimentos para a ação de golpistas antidemocráticos.

Tudo isso é sabido, mas nem sempre é considerado pelo essencialismo de esquerda que converte a luta de classes em um princípio de agitação e justificativa, não num critério de análise política.

A crise atual, como qualquer outra crise, tem a ver seguramente com luta de classes: condensa as contradições que atravessam hoje a sociedade brasileira. Tal reconhecimento ajuda decisivamente a que se componha o quadro para além da superficialidade. Deveríamos partir daí para compreender a crise e tentar resolvê-la. Isto, porém, não significa que o governo Dilma seja uma vítima das contradições sociais, até mesmo porque é parte ativa do jogo: colhe o que plantou nos últimos 12 anos. Se a sociedade está hoje dividida entre os que são contra e os que são a favor do governo é porque o governo petista, no correr das últimas décadas, também trabalhou para isso e não soube, digamos assim, organizar a luta de classes para ajudá-lo a governar e a mudar o País. Ele e os demais protagonistas da luta política que se trava no Brasil, os outros partidos. É importante que se diga isso: ninguém mostrou virtude suficiente para impulsionar a sociedade no rumo da autonomia e do ativismo político democrático.

Falhas de planejamento, falta de clareza projetual, decisões equivocadas e déficits de liderança política não podem ser atribuídos aos desejos ocultos ou manifestos da “burguesia” contra os trabalhadores. Serão sempre, hoje ou amanhã, limites subjetivos.

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Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política na Unesp

Merval Pereira - A investigação sobre Dilma

- O Globo

O agravo regimental que o PPS, através do deputado federal Raul Jungman, impetrou no Supremo Tribunal Federal pedindo que seja revista a decisão do ministro Teori Zavascki de não abrir inquérito sobre a presidente Dilma, cria um fato político que impede que caiam no esquecimento as menções feitas a ela nas delações premiadas.

Mesmo que o doleiro Alberto Yousseff tenha admitido que não tinha como provar sua afirmação de que a presidente sabia do que estava acontecendo na Petrobras, o normal seria investigar a denúncia concreta de que a campanha presidencial em 2010 recebeu dinheiro desviado da estatal em forma de doação legal.

A informação consta da delação premiada do ex-diretor Paulo Roberto Costa, mas foi negada por Yousseff, que teria sido o intermediário na transação ilegal. Mesmo com essa contradição, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, pediu, e foi atendido, que o ex-ministro Antonio Pallocci seja investigado pelo fato.

Pallocci era um dos coordenadores da campanha de Dilma em 2010 e teria procurado Paulo Roberto Costa, então ainda diretor da Petrobras, em busca de financiamento. Pelo mesmo motivo, o senador Lindbergh Frias está sendo investigado, e Pezão, o governador do Estado do Rio atual, também, todos por desvios na campanha eleitoral de 2010.

Aliás, as constituições estaduais preveem que os governadores só podem ser processados com a autorização de dois terços dos membros da Assembléia Legislativa, inspiradas no artigo 51 , inciso I, da Constituição Federal. O STF já se manifestou pela constitucionalidade desses dispositivos, baseados no princípio da simetria: o governador, tal qual o Presidente, é chefe do Poder Executivo.

O STJ só poderá processar um governador, satisfeita aquela exigência, mas, permite que ele seja investigado, inclusive, por fatos estranhos às suas funções, ainda que anteriores ao mandato, que é o caso do Pezão e do governador do Acre Tião Vianna. Correta a tese do Janot e de acordo com o princípio da simetria, aceito pelo STF, os governadores também não poderiam ser investigados por fatos anteriores ao mandato.

Portanto, há razão para uma investigação, e a presidente Dilma apenas não apareceu na lista de Janot por que este entendeu que estava impedido constitucionalmente de investigar a presidente da República, com o que concordou o relator, ministro Teori Zavascki.

O relator foi até além do Procurador-Geral, atribuindo a ele o que ele não disse: “Dessa narrativa fática, constata-se que o procedimento foi instaurado exclusivamente em relação a Antonio Palocci Filho, porquanto, em relação a “referência a envolvimento indireto” (fl. 68) da campanha da Presidente da República, o próprio Procurador-Geral da República já adiantava excluir, dos elementos à vista, conclusão que conduzisse a procedimento voltado à Chefe do Poder Executivo. Portanto, a rigor, nada há a arquivar em relação à Presidente da República.
Aliás, ainda que assim não fosse, é certo que, nos termos da Constituição Federal, “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções” (CF, art. 86, § 4º). [...]”.

O Procurador, na verdade, limitou-se a citar o artigo 86 da Constituição, sem dar sua opinião sobre a participação ou não da presidente. No entanto, o decano do Supremo, ministro Celso de Mello,no Inquérito nº 672/6, diz que [...] De outro lado, impõe-se advertir que, mesmo na esfera penal, a imunidade constitucional em questão [aquela do Presidente da República] somente incide sobre os atos inerentes à persecutio criminis in judicio.Não impede, portanto, que, por iniciativa do Ministério Público, sejam ordenadas e praticadas, na fase pré-processual do procedimento investigatório, diligências de caráter instrutório destinadas a ensejar a informatio delicti e a viabilizar, no momento constitucionalmente oportuno, o ajuizamento da ação penal”. Isto é, pela jurisprudência do STF, é possível sim investigar-se a presidente, só não é permitido processá-la enquanto investida do cargo.

O deputado federal Raul Jungman lembra em seu documento ao Supremo que a presidente Dilma foi citada nada menos que 11 vezes nas delações premiadas, o que indica, para ele, a necessidade de aprofundar as investigações.

Eliane Cantanhêde - O ronco das ruas

O Estado de S. Paulo

Nada mais incorreto do que chamar os atos de sexta-feira de "protestos". Só se foram protestos contra o protesto real marcado para hoje, este sim contra alguma coisa. Aliás, contra muitas coisas, a começar do governo Dilma Rousseff.

As manifestações de sexta, financiadas pela CUT, coloridas pelas camisetas vermelhas e apoiadas por PT e PC do B, foram a favor do governo, de Dilma, da reforma política e do que resta da Petrobrás. Se foram contra alguma coisa, foram preventivamente contra o verdadeiro protesto, neste domingo.
Governo e partidos, de situação e de oposição, parecem um tanto atarantados diante das manifestações de hoje. Não conseguem prever que dimensões terão, quão diversificado será o público, qual o efeito disso tudo e qual o impacto sobre quem fica em casa, assistindo pela TV e comendo pipoca.

O tucano Aécio Neves, que acaba de sair de uma eleição com quase metade dos votos do País, nem consegue dizer, ao certo, se torcerá ao longe ou dará uma passadinha. Talvez sim, talvez não. Depende do quê? Da própria manifestação.

Não é o PSDB que comanda a manifestação, é a manifestação que está comandando os passos do PSDB, do PPS, do DEM... Eles apoiam a ida às ruas, mas estão a reboque delas.

Ao contrário do movimento de sexta-feira, que tem origem e objetivos claros, o de hoje nasceu difusamente nas redes sociais, ganhou envergadura tal o tamanho das crises (política, econômica, ética) e tem a organização e o financiamento dividido com a Força Sindical. Tende a atrair de jovens a velhos, de profissionais liberais a assalariados de baixa renda, de centro esquerda à direita mais reacionária. É o movimento do "não" ao que está aí.

Será que também vai render R$ 30 para um imigrante da Guiné, que nem fala português, vestir uma camiseta, fazer figuração e inflar os números (como mostrou o Globo ontem, nas reportagens sobre as manifestações da CUT na sexta)?

Entre tantas dúvidas quanto a este domingo, sobressaem-se duas. A primeira é sobre o tamanho da coisa. Será menor, tão grande ou maior do que a de sexta? A segunda é sobre o risco de provocações. Se tudo transcorreu na santa paz em 23 Estados e no DF na sexta, por que não transcorreria hoje?
Porque sempre pode haver black blocs, encapuzados, quebra-quebra. Que desde já fique todo mundo sabendo que, se isso acontecer, não terá sido por acaso nem genuinamente. A isso se chama de infiltração e provocação.

Esse início de polarização entre prós e contra o governo - que chegou às raias da insanidade na Venezuela, mas poucas vezes se viu no Brasil - ocorre numa conjuntura muito desfavorável. A presidente da República não pode mais pisar em São Paulo, para evitar vaias, e tem dificuldades para abrir a boca, para não sofrer panelaços.

Com o Executivo atolado num mar de indicadores econômicos negativos (o pior em dez anos, o pior em 15 anos, o pior da história...), o Legislativo patinando na Lava Jato e endeusando Eduardo Cunha, mais o Judiciário escorregando ao destacar o ex-advogado do PT como juiz do PT, o que se tem é irritação.

É a irritação que leva as pessoas às ruas hoje. E foi a irritação com essa irritação que levou os militantes às ruas na sexta, para apoiar o governo - ou, mais apropriadamente, o PT no poder.
Registre-se que tudo começou com a convocação para o impeachment - a ponto de a própria presidente, em mais um erro político crasso, ter falado publicamente sobre a hipótese. Entretanto, hoje, no dia D, na hora H, o foco parece bem mais diluído.

De qualquer forma, este domingo, 15 de março, abre uma nova etapa no dinâmico e sempre surpreendente processo político brasileiro. Dê no que dê, a luta continua. E dos dois lados. Lula já convocou o "exército do MST". Fernando Henrique reagiu: se é meio a meio na Venezuela, Lula teria 20% no Brasil. A conferir.

Luiz Carlos Azedo- A correlação de forças

• O governo continua sendo a forma mais concentrada de poder, pode absorver todo o desgaste de Dilma e continuar funcionando até as próximas eleições

- Correio Braziliense

Muitos dos conceitos e métodos de avaliação política têm origem militar, ou melhor, na experiência das guerras civis e das revoluções sociais. Foram elas que abriram o caminho na Europa para o surgimento dos parlamentos e, com a Independência dos Estados Unidos, para a democracia e a política como as conhecemos hoje.

Grandes estadistas, como Churchill, e líderes políticos, como Gandhi, destacaram-se em momentos decisivos da História porque souberam avaliar corretamente a correlação de forças em situações limite. De igual maneira, muitos desastres nacionais e derrotas políticas decorreram de avaliações equivocadas de líderes que foram, digamos, para a lata do lixo da História.

A França de 1789 a 1870 foi o principal modelo para o estudo de estratégia e tática na política. Só em 1871, com a derrota da Comuna de Paris, se esgotaram as tendências surgidas com a Revolução Francesa. As contradições internas que se desenvolveram desde então encontraram sua composição relativa com a Terceira República (1870-1940), quando a França teve 60 anos de vida política equilibrada, após 80 anos de sublevações em ondas cada vez mais espaçadas: 1789-1794-1799-1804-1815-1830-1848-1870.

O estudo dessas “ondas” leva em consideração três aspectos: a situação internacional, as condições econômicas e sociais (objetivas) e o posicionamento (subjetivo) das forças políticas. Vale a pena usá-lo para entender o que ocorre no país.

Primeiro, o Brasil vive uma crise econômica; a população tem suas expectativas frustradas pela inflação, pelo desemprego e pela recessão. Segundo, a presidente Dilma Rousseff perde apoio da base política e parlamentar e sofre os desgastes causados pela Operação Lava-Jato, que investiga a corrupção na Petrobras, o maior escândalo da história do país.

Ademais, a disputa política entre o governo e a oposição transbordou do Congresso para as ruas, com atores novos que fogem ao controle dos partidos e dos movimentos sociais organizados. Diante disso, o Palácio do Planalto acredita que os protestos da população contra a corrupção, a qualidade dos serviços prestados e a alta do custo de vida estariam sendo manipulados por forças políticas golpistas, empenhadas na deposição da presidente Dilma Rousseff.

Fora, Dilma!
Será isso possível? Historicamente, não seria a primeira vez. Crises políticas resultaram na renúncia ou na deposição de presidentes da República no Brasil em 1930, 1945, 1954, 1962, 1964 e 1992. Ou seja, entre duas guerras mundiais e a Guerra Fria, um ciclo quase tão longo quanto aquele do modelo francês. Não é à toa que o golpe de 1964 está sendo lembrado pelas forças governistas para acusar a oposição de tramar contra democracia.

Na sexta-feira, as centrais sindicais realizaram manifestações para apoiar o governo. Hoje, será a vez da oposição dar o troco: engrossará as manifestações convocadas pelas redes sociais contra o governo. Palavras de ordem como “Fora, Dilma” e “Impeachment já” alimentam esse clima.

Dilma obteve 54,4 milhões (51,64%) de votos no segundo turno; Aécio, 51 milhões (48,36%) . A diferença de 3,4 milhões foi a menor desde a redemocratização. Para vencer, Dilma atraiu as forças políticas à esquerda e movimentos sociais organizados; agora, precisa novamente da retórica “esquerda versus direita” e “pobres contra as elites” para manter esse apoio.

O atual posicionamento dos partidos políticos não muda a correlação de forças, o que só ocorrerá se o PMDB e outras forças centristas se deslocarem para a oposição. A mudança, porém, ocorre, por outro motivo: a crise econômica e o agravamento da situação social deslocam para a oposição os eleitores de Dilma frustrados pelo não cumprimento das promessas de campanha. O governo perdeu a iniciativa política.

Isso significa que a destituição de Dilma seja possível? Mantidas as regras do jogo, é improvável. A guerra fria acabou. A crise é conjuntural. O governo continua sendo a forma mais concentrada de poder, pode absorver todo o desgaste de Dilma e continuar funcionando até as próximas eleições, ou seja, exercer suas funções essenciais, como arrecadar, normatizar e coagir.

Para Dilma sofrer um impeachment nos termos da Constituição, seria preciso provar que cometeu um grave crime no exercício do atual mandato, que mal começou, e o Congresso estar de acordo. Ou, então, o Estado brasileiro entrar em colapso em razão da desobediência civil, o que não é desejável.

João Bosco Rabello - Isolamento e tutela

- O Estado de S. Paulo

O clima de entendimento verificado na votação do veto presidencial ao reajuste da tabela do Imposto de Renda, que evitou outra derrota anunciada para a presidente Dilma Rousseff, já foi reflexo da mudança na articulação do governo, ampliada para esfriar a temperatura política.

Na prática, revogou-se os mandatos de negociadores dos chamados ministros palacianos, aqueles que têm assento em salas vizinhas à da presidente - Aloizio Mercadante (Casa Civil), Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), todos do PT, como queria o ex-presidente Lula.

O movimento procurou preservar esses ministros caracterizando-se como uma ampliação da equipe de articulação. Mercadante, na versão atribuída a Lula, deveria ficar apenas como gestor interno, a exemplo de Dilma no mesmo posto, no governo Lula.

Entraram em campo os ministros Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia), Eliseu Padilha (Aviação Civil) e Gilberto Kassab (Cidades), do PC do B, PMDB e PSD, respectivamente, reforçados por dois outros petistas que já tinham ação paralela - Jacques Wagner (Defesa) e Ricardo Berzoini (Comunicações).

Não por acaso, o desenho idealizado pelo ex-presidente. Rebelo já fora seu articulador político, Padilha, do governo Fernando Henrique, e Kassab já exercia a defesa de Dilma desde seu primeiro mandato. Todos atuaram intensamente na sessão que evitou a derrubada do veto presidencial à tabela do IR.

A ação se mostrou eficaz por trabalhar na linha de separação da crise econômica e da política. E seu êxito pontual indica compreensão de que, sem o ajuste fiscal, a crise se avoluma e enreda todos no mesmo tsunami.

Dada a teimosia ou a insuficiência da presidente para o exercício da negociação e sua resistência em admiti-las, esse pequeno avanço obtido ganha ares de tutela imposta pelas circunstâncias.
De um lado, o ministro da Fazenda tem o comando da economia, embora sob o constrangimento da presidente; de outro, a política exercida por um triunvirato que ela não escolheu, mas que conquistou seu próprio espaço.

O pano de fundo é a dinâmica própria que o movimento pelo impeachment ganhou, à revelia dos partidos, o que inclui a oposição. Ninguém quer esse desfecho, mas todos temem que ele tenha vida própria se permanecerem o isolamento e a desorientação presidencial diante da crise conjugada da economia e da política.

Já o PT morreu mais um pouco depois do depoimento do ex-gerente da Petrobrás Pedro Barusco.

Elio Gaspari- A grande conciliação de 1985

• Tancredo foi maior do que apareceu à época e, mesmo 30 anos depois, ainda não é visto na sua grandeza

- O Globo

Hoje completam-se 30 anos da manhã em que o último general da ditadura deixou o Palácio do Planalto pela porta lateral e o Brasil retornou ao regime democrático. Foi um dos melhores momentos da história nacional. O país estava arruinado, o governo não tinha rumo, a divisão entre a rua e o "sistema" (nome dado ao aparelho de segurança do regime) parecia irremediável. A campanha pelas eleições diretas para presidente, a maior mobilização popular de todos os tempos, atolara no Congresso. Durante o governo do general João Figueiredo, tudo o que podia ter dado errado, errado dera. As coisas iam tão mal que, um ano antes, Paulo Maluf parecera um candidato imbatível na disputa pela Presidência da República. E deu tudo certo. Tancredo Neves foi eleito.

Aquele homem suave costurara a maior conciliação política da história brasileira. A conciliação de Tancredo foi a única que partiu da oposição. Isso diferenciou-a de episódios anteriores. D. Pedro 1º proclamara a Independência, mas era o herdeiro da coroa portuguesa. O marquês de Paraná pacificara o Império, mas estava na chefia do governo. Os generais derrubaram Getúlio Vargas em 1945, mas haviam ajudado a fazer o Estado Novo. Tancredo jamais aproximou-se da ditadura. Como o meia direita Didi, jogou parado ("quem tem que correr é a bola"), e o arco de interesses que chegou ao poder em 1964 teve que se aproximar dele.

Tancredo conseguiu isso porque seu jeito modesto escondia uma rara cultura, conhecimento histórico e extensa experiência administrativa. Ninguém prestou atenção quando ele se despediu do Senado, em 1982, louvando o marquês de Paraná. Ele fora primeiro-ministro, diretor do Banco do Brasil, numa função que hoje é desempenhada pelo Banco Central, ocupara a Secretaria de Finanças de Minas Gerais e governara o Estado por pouco mais de um ano. Num tempo de sôfregos como Lula, Maluf, Figueiredo e Leonel Brizola, deixou a bola correr.

Como as colunas quebradas das ruínas romanas, Tancredo tornou-se uma peça incompleta, até enigmática, pois não tomou posse e só chegou ao Planalto morto. Como é impossível saber-se o que seria o governo de quem não o exerceu, a restauração democrática confundiu-se com a anarquia econômica e administrativa deixada pelos generais. Não era pouca coisa: a maior dívida externa do mundo, inflação de 226.7% ao ano e uma queda 19,1% na renda per capita dos brasileiros.

Passaram-se 30 anos e o êxito dessa grande figura --a restauração democrática-- é ofuscada pelo desapreço que os radicalismos dedicam à maneira como se chegou a ela --a conciliação.

A transação do PT
Em 1984, às vésperas da votação que derrubou a emenda constitucional que restabelecia a eleição direta para a Presidência, o nome de Tancredo surgiu como uma alternativa para um governo de transição.

Lula, grão-senhor do PT, fulminou a ideia: "A proposta de Tancredo Neves não é de governo de transição coisa nenhuma. É uma proposta de transação".

Ele atirou no que viu e acertou no que não viu. A brincadeira com as duas palavras estava no título de um grande livrinho publicado pela primeira vez em 1855 e reeditado em 1956. Chamava-se "Ação, Reação, Transação", do jornalista Justiniano José da Rocha. É quase certo que Tancredo o lera. À ação democrática dos primeiros anos da independência correspondera uma reação absolutista, aplacada pela necessária transação da política de conciliação do marquês de Paraná. Tancredo era, queria ser e foi o homem da transação que levou à restauração democrática.

A memória petista tem o desconforto de lembrar que o partido ameaçou expulsar os três deputados que votaram em Tancredo: Bete Mendes, Airton Soares e José Eudes. Para não serem expulsos, desfiliaram-se.

Em 2005, passados 20 anos, o PT informou que aceitava reincorporá-los.

Delúbio Soares, o tesoureiro do PT à época do mensalão, teve sorte melhor. Ele foi expulso do partido em 2006 e readmitido pelo Diretório Nacional em 2011. Um ano depois Delúbio foi condenado a oito anos e 11 meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal. Desde o ano passado ele está em regime semiaberto e trabalha na CUT.

'O resto'
Como os políticos mineiros da época, Tancredo foi acompanhado por um conjunto de tiradas folclóricas. Em muitos casos, os personagens tinham folclore e mais nada. No de Tancredo havia uma mistura de elegância e doçura. Um exemplo:

O deputado Marcelo Cerqueira presidia uma comissão mista do Congresso na qual articulava-se o abrandamento de um projeto da ditadura. Tancredo apoiou a apresentação de um substitutivo e Cerqueira propôs que o caso fosse a voto: "Nós votamos com o nosso substitutivo e o resto vota como quiser".

Tancredo corrigiu-o:

"Não devemos dizer 'o resto'. Digamos 'os demais'".

Desde então Marcelo Cerqueira diz "os demais".

Fala Tancredo
Uma das melhores peças da oratória política de Tancredo é um discurso que não fez, o da cerimônia de sua posse. Alguns trechos:

"Esta solenidade não é a do júbilo de uma facção que tenha submetido a outra, mas festa de conciliação nacional".

"Nosso progresso político deveu-se mais à força reinvidicadora dos homens do povo do que à consciência das elites."

"Desprovido de fortuna, o trabalhador só pode sentir como seu o patrimônio comum da nação [...]. Nada tendo de seu, ou tendo muito pouco, está poupado do egoísmo dos que possuem e disposto a defender a esperança, que para ele está no crescimento do Brasil."

"A pátria dos pobres está sempre no futuro e, por isso, em seu instinto, eles se colocam à frente da história".

"A história nos tem mostrado que, invariavelmente, o exacerbado egoísmo das classes dirigentes as tem conduzido ao suicídio total."

Tancredo e Ulyssess, a rivalidade benigna
Tancredo Neves jamais chegaria à Presidência da República sem a ajuda de Ulysses Guimarães, o campeão da batalha pelas eleições diretas. Eram rivais. Assim como a conciliação de 1985 é um grande momento, a rivalidade desses dois homens tem uma linda história. Rivalidades fazem parte da vida. Na política, predominam as malignas: a de Lula com Fernando Henrique Cardoso, a de Carlos Lacerda com quem quer que fosse, ou a de Leonel Brizola com seu cunhado, João Goulart. O deputado Thales Ramalho, um dos sábios de sua geração, dizia que Tancredo e Ulysses dançavam conforme uma coreografia que só eles conheciam.

No ocaso da ditadura os dois estavam juntos. Se a campanha pelas eleições diretas fosse vitoriosa (coisa em que Tancredo não acreditava), o candidato a presidente seria Ulysses Guimarães. No Colégio Eleitoral, Tancredo poderia derrotar Maluf. Pela lógica antropofágica, um poderia sabotar o outro. Deu-se o contrário, ambos apoiaram os movimentos do outro. Com uma coreografia especial, nenhum dos dois tentou crescer reduzindo o tamanho do outro.