segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Opinião do dia – Rubens Bueno

Caiu a máscara de Dilma. Esta queda na avaliação é resultado do estelionato eleitoral, já que a petista da campanha disse que não ia ter aumento de impostos, de energia, dos juros e que ninguém ia mexer no direito dos trabalhadores,

É pena que alguns não tenham acreditado naquilo que a oposição alertou durante o primeiro mandato de Dilma e, mais intensamente, na campanha eleitoral.

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Rubens Bueno, deputado federal (PR) e líder do PPS na Câmara Federal, em declaração à imprensa.

'Chocado', Planalto avalia reação à queda na popularidade de Dilma

• Diagnóstico do governo aponta que população se sentiu traída pelo discurso da campanha

• Assessores também veem falhas na redução da comunicação da presidente com a equipe e a sociedade

Natuza Nery – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo ficou chocado com a pesquisa Datafolha divulgada neste domingo (8) e ainda não tem uma estratégia para reagir à queda de 19 pontos na aprovação da presidente Dilma Rousseff revelada pela sondagem.

Por ora, o diagnóstico feito por integrantes do governo é o de que a população se sentiu traída pelo discurso feito pela candidata Dilma durante a campanha e a realidade mostrada no período pós-eleitoral: energia mais cara, racionamento de água em São Paulo e apagão em alguns Estados do país.

Além disso, membros do Executivo fazem uma auto-crítica sobre o processo de anúncio das medidas de ajuste fiscal, que envolveram aumento de tributos, bloqueio provisório de gastos, corte de subsídios para o setor elétrico e mudanças nas regras de benefícios sociais.

A avaliação é que o governo alimentou a expectativa negativa sobre o futuro próximo, sem conseguir explicar que o cenário de aperto se destinava a preservar conquistas da última década.

A parcela da população que considera o governo de Dilma ótimo e bom caiu de 42% para 23% de dezembro para fevereiro. No mesmo período, a fatia que disse achar o governo ruim e péssimo passou de 24% para 44%.

O ministro Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência), porém, tem um diagnóstico menos pessimista sobre os efeitos do cenário levantado pela pesquisa do que outros membros do governo ouvidos pela Folha.

"Já convivemos com períodos de baixa aprovação nesses últimos 12 anos e mostramos que, com trabalho, somos capazes de recuperar", disse.

Para Rossetto, a eleição polarizada, seguida de uma agenda "difícil", ajudam a explicar a queda de popularidade do governo.

"As denúncias sobre corrupção ocupam boa parte da agenda política e não há punição ainda, o que cria um descontentamento na população, que espera velocidade das instituições", disse.

"O reajuste das tarifas de energia elétrica e da gasolina geraram um impasse, mas são necessários para a retomada do crescimento econômico com geração de emprego e renda ainda em 2015", acrescentou o ministro.

Comunicação
Outros assessores presidenciais ressaltam o fato de a presidente ter reduzido drasticamente a comunicação com a sociedade, o que teria contribuído para o governo "queimar gordura muito rápido".

Internamente, Dilma também reduziu a comunicação com sua equipe. Desde a eleição, ela só se encontrou com o marqueteiro João Santana uma vez. Auxiliares defendem que Santana seja chamado a ajudar na recuperação da imagem da presidente.

Apesar do cenário pessimista reforçado pela pesquisa, na avaliação interna há uma coisa boa revelada pelo Datafolha: a crise está acontecendo bastante cedo, dando margem e tempo para uma possível recuperação antes do fim do segundo mandato.

Para reverter desgaste, Dilma aposta em retomar bandeiras de campanha

• Auxiliares de Dilma avaliam que chegou a hora de a própria presidente assumir o protagonismo da "batalha da comunicação" e defender a posição do governo perante a opinião pública

Rafael Moraes Moura, Ricardo Della Coletta e Erich Decat - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Para reverter a queda abrupta de popularidade de Dilma Rousseff, a pior marca de um presidente desde Fernando Henrique Cardoso em 1999, o Palácio do Planalto vai reformular sua estratégia de comunicação. Em meio à sucessão de notícias negativas envolvendo os rumos da economia, as denúncias de corrupção na Petrobras e os efeitos das crises energética e hídrica, auxiliares da petista avaliam que chegou a hora de a própria presidente assumir o protagonismo da "batalha da comunicação" e defender a posição do governo perante a opinião pública.

A recuperação da imagem de Dilma também passa por uma reformulação da relação com o Legislativo. Integrantes do governo vão intensificar nesta semana uma repactuação com o PMDB após a vitória em turno único de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara e o consequente isolamento dos petistas na Casa. Os cargos de segundo escalão serão a moeda de troca.

Dentro do novo roteiro, a ideia é que Dilma rompa o isolamento do Planalto, cumpra mais agendas públicas e retome o hábito de conversar com a imprensa - a última entrevista ocorreu em 22 de dezembro, em café da manhã de fim de ano.

Promessas. O Planalto aposta na construção de uma agenda positiva com o lançamento da terceira fase do Minha Casa Minha Vida nos próximos dias e do Mais Especialidades, uma das promessas da campanha da petista. Em outra frente, há a expectativa que o pacote anticorrupção para endurecer penas contra malfeitos e a proposta de emenda constitucional para aumentar as atribuições do governo federal na segurança pública - também temas da campanha à reeleição - ganhem respaldo popular. Dilma tem sido acusada pela oposição de ter praticado "estelionato eleitoral".

O governo estuda ainda reformular canais de comunicação direta da presidente com os eleitores, como o programa de rádio Café com a presidenta e a coluna semanal Conversa com a presidenta, publicada em jornais. Ambos estão suspensos desde a campanha eleitoral.

A avaliação de conselheiros de Dilma é que o governo tem de bater "mais bumbo" e não ficar refém da agenda negativa que desidratou a popularidade da presidente. O Planalto reconhece que há um sentimento de frustração por parte dos eleitores da petista com os rumos do País neste início de ano, mas acredita que o cenário pode ser revertido se o governo se empenhar em mostrar com clareza as medidas adotadas e o que propõe a médio e longo prazo.

"As denúncias sobre corrupção ocupam grande parte da agenda política e não há ainda julgamento e punição, o que cria um evidente descontentamento da população, que espera uma resposta rápida das instituições", disse ao Estado o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto. "Já convivemos com período de baixa aprovação, fomos capazes de responder às expectativas do povo e assim faremos nesses quatro anos."

Partidos. Na avaliação de petistas e de aliados, a reconstrução de pontes com o PMDB deve ser feita de um modo que deixe claro que o partido é o aliado preferencial do governo. Só assim, avaliam, será suficiente para evitar uma sucessão de derrotas no Congresso que possam agravar a agenda negativa. O primeiro teste de fogo será o pacote da equipe econômica que endurece o acesso a benefícios trabalhistas como o seguro-desemprego e o abono salarial.

"Numa democracia só tem um caminho, que é o do diálogo. A questão econômica está entrelaçada na política. Se você tem crise política e ela gera insegurança, ela reflete na economia", considera o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE).

No PT, também há a avaliação de que reconstruir a relação entre Dilma e a corrente majoritária e mais moderada do partido, a Construindo um Novo Brasil (CNB), é fundamental para distensionar a base. A CNB quer a saída do ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas (PT-RS), por um nome com mais trânsito entre os peemedebistas. Por ora, a presidente não considera demitir o ministro, uma de suas indicações pessoais.

Base teme piora na relação com o Congresso

Horizonte ainda mais nebuloso no Congresso

• Avaliação ruim de Dilma complica relação do governo com o Congresso

  • Para líderes da base, queda da aprovação da presidente ameaça medidas de ajuste fiscal

Eduardo Bresciani / Simone Iglesias – O Globo

BRASÍLIA — A queda na popularidade da presidente Dilma Rousseff, com avaliação negativa do governo, terá reflexo direto nas votações do Congresso. Já com problemas para controlar sua base de apoio, a presidente enfrentará sérias dificuldades para aprovar medidas "impopulares" e , como as mudanças nas leis trabalhistas, e a votação do Orçamento para 2015, desde o ano passado pendente. Essa é avaliação de integrantes da cúpula dos partidos que apoiam Dilma.

— Claro que isso torna difícil para o governo a aprovação de medidas impopulares, como as mudanças no seguro desemprego e no abono salarial — diz um cacique peemedebista.

O líder do PDT, André Figueiredo (CE), afirma que Dilma precisará aumentar a negociação com sua base aliada para sair desse momento difícil.

— Vai ter que negociar muito. Terça mesmo vou fazer pronunciamento contra essas medidas (trabalhistas). Infelizmente a equipe econômica se orienta por um viés do sistema financeiro. E ela tem que abrir diálogo com Congresso — disse Figueiredo.

As medidas do governo na área trabalhista ampliaram o prazo para que os trabalhadores possam acessar o seguro desemprego e reduziram os valores a serem pagos a título de abono salarial. Há ainda mudanças em relações a pensões. Os temas são alvo de Medida Provisória e terão de ser votados pelo Congresso a partir do mês de março. Orçamento pode ser votado nas próximas semanas.

Governo crê em melhora gradual
Segundo pesquisa Datafolha, 44% dos entrevistados consideram o governo da presidente Dilma ruim ou péssimo, enquanto 23% acham ótimo ou bom. Em outubro, durante o período eleitoral, esses índices eram de 24% e 42%, respectivamente. O núcleo político de Dilma atribui a queda de popularidade do governo a problemas circunstanciais e que serão superados com “muito trabalho” ainda este ano.

— O aumento nas tarifas de energia e gasolina foi necessário para um equilíbrio fiscal que assegure a implantação de todos os programas sociais, que são intocáveis. Nós já convivemos com períodos de menor aprovação. E com o nosso trabalho fomos capazes de responder às expectativas do povo. Assim faremos nos próximos quatro anos — disse o ministro Miguel Rossetto, secretário-geral da Presidência da República.

Apesar de ministros palacianos afirmarem que foram pegos de surpresa com o tamanho da queda, a avaliação é de que há uma agenda negativa muito forte no momento — crise hídrica, aumento dos combustíveis, aumento da energia, inflação, petrolão e outros — que se dissipará ao longo dos meses.

A análise mais otimista, no entanto, é restrita a ministros mais próximos à presidente. Integrantes do governo atribuem a queda de popularidade à falta de autocrítica e desprezo do núcleo político à opinião pública.

— Há uma desmobilização do governo para se defender. A presidente pediu a todos nós, na reunião ministerial, que explicássemos as medidas e defendêssemos incansavelmente o governo. Na prática, ninguém faz isso — disse um ministro.

Ao comentar o momento do governo, o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE) ressalta que é preciso focar na investigação da CPI da Petrobras para depois avançar para eventuais consequências:

— Até para não se dar respaldo a um discurso que o governo faz de que a CPI é para tentar derrubar a presidente.

Petistas cobram ‘agenda positiva’ e admitem falta de diálogo com a sociedade

• Aliados defendem que medidas do governo devem ser explicadas

Tatiana Farah – O Globo

SÃO PAULO — Sob o impacto da forte queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff, o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preparam uma ofensiva do partido na defesa do governo. A bancada petista deve ainda cobrar de Dilma uma “agenda positiva” e o empenho na interlocução com os partidos no Congresso e com movimentos sociais. O tema deve ser discutido em reunião da direção executiva do PT, na próxima semana, e pela bancada, nos próximos dias.

A direção quer que o partido e o próprio governo estabeleçam um diálogo com os eleitores, principalmente com os setores próximos da legenda, ressentidos com medidas, como o ajuste fiscal e as mudanças nas regras de obtenção de direitos, como o seguro-desemprego.

— Vamos intensificar a campanha de defesa do governo nas redes sociais e abrir cada vez mais o diálogo com os setores populares, os movimentos sociais. Precisamos explicar as medidas do governo — avalia Alberto Cantalice, vice-presidente nacional do PT.

Para o dirigente, a queda da popularidade de Dilma, de 43% para 23% (de ótimo e bom, entre dezembro e fevereiro), só será “dissipada com o esclarecimento da população”:

— Não adianta dar uma de avestruz.

Durante a reunião do diretório nacional e nos discursos de festejo dos 35 anos do PT, na última sexta-feira, a ordem já era de reação. Nos bastidores, os petistas criticam muito a incapacidade de diálogo do governo Dilma com os diversos setores da sociedade e com o Congresso. Debitam aos ministros de Dilma a derrota acachapante de Arlindo Chinaglia na disputa pela presidência da Câmara.

Líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE) critica o encastelamento presidencial:

— Falta uma boa comunicação das coisas que estão sendo feitas. O ajuste que Dilma está fazendo é bem menos forte que o de Lula, mas isso não fica claro. Tem que dizer de forma franca que são medidas necessárias, mas transitórias.

Dilma, por sua vez, não consegue agradar aos petistas mesmo quando participa das atividades do partido. Chegou a errar a idade do PT (de 35 para 37 anos), na última sexta-feira, e seu discurso, longo e sem apelo emocional, foi criticado pelos dirigentes.

Vitória de Eduardo Cunha dificulta planos do governo

- Agência Estado

A vitória de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara dos Deputados deve dificultar os planos do governo e assim colocar em xeque a tentativa de reconquistar a credibilidade entre consumidores, empresários e investidores, o que pode prejudicar a economia. Segundo analistas ouvidos pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, Cunha tem um perfil mais "independente" em relação ao Executivo e sua administração na Câmara vai exigir um articulação política muito grande do governo da presidente Dilma Rousseff, aspecto que se mostrou desastroso no primeiro mandato.

O cientista político da Tendências Consultoria Rafael Cortez avalia que a presidência de Cunha na Câmara "é uma variável importante na definição de como Dilma vai gerir a política econômica nos próximos quatro anos, especialmente na questão fiscal". Para ele, aumenta o risco de a agenda econômica do governo não ser tão exitosa. Cristiano Noronha, sócio e chefe do Departamento de Análise Política da consultoria Arko Advice, também acredita que o peemedebista traz dificuldades adicionais a Dilma, até porque ele já impôs perdas importantes ao governo na última legislatura e pode trazer de volta temas espinhosos como a questão do chamado "orçamento impositivo".

Ian Bannister, sócio da consultoria CCI, aponta que a governabilidade de Dilma já era frágil, em razão do Congresso extremamente fragmentado, e agora piorou. "O mercado está gostando do início dos trabalhos da nova equipe econômica, mas muitas medidas precisam de apoio do Congresso - então isso se tornou mais imprevisível", comenta.

Cortez, da Tendências, também acredita que o principal impacto na economia será por meio da confiança, mas aponta que o problema de Dilma não é necessariamente o Eduardo Cunha em si, e sim a falta de coesão da base aliada. "O governo pode ficar refém da disputa entre PT e PMDB", avalia. Noronha lembra que o presidente da Câmara tem o poder de determinar a agenda de votações e também decidir sobre pedidos iniciais de CPI, mas diz que, com uma base bem articulada, o governo poderia contornar situações complicadas.

O analista da Arko lembra que a construção do relacionamento entre Executivo e Legislativo se dá por três formas: liberação de emendas parlamentares, distribuição de cargos na administração e negociação de políticas públicas específicas. "Certamente, a distribuição de cargos é um dos mecanismos de cooptação para ter maioria no Congresso, e não é necessariamente ruim. Mesmo assim, ter aliados em cargos estratégicos não garante apoio irrestrito", afirma.

Para Christopher Garman, diretor do Eurasia Group para mercados emergentes, no curto prazo a eleição de Cunha não deve afetar a economia porque o governo tem espaço para promover o ajuste fiscal no primeiro semestre, mas pode se tornar um passivo político mais para frente. "Não ter um aliado fiel na presidência da Câmara só é um problema se o presidente está muito enfraquecido politicamente", comenta. Ele cita a possibilidade da popularidade de Dilma cair no fim deste ano e início de 2016, o que aumentaria a importância de Cunha.

Apesar de ninguém trabalhar atualmente com a probabilidade de impeachment de Dilma, este é um assunto que está no radar dos analistas, até em razão do andamento das investigações da operação Lava Jato, da Polícia Federal, sobre corrupção na Petrobras. "É difícil prever o que vai acontecer. Temos novos desdobramentos da Lava Jato toda semana. Não se pode descartar totalmente que alguém tente apresentar um pedido de impeachment, mas hoje a probabilidade é baixa e não há nenhuma evidência que indique que isso iria para frente", afirma Bannister.

Sem perspectiva de melhora a curto prazo

• Para especialistas, má fase da presidente aumentará com economia e Petrobras

Tatiana Farah e Leonardo Guandeline – O Globo

Sem perspectiva de melhora. Esta é a avaliação de especialistas ouvidos ontem pelo GLOBO sobre o desempenho da presidente Dilma Rousseff na última pesquisa do Dataiolha, em que seu índice de aprovação, em dois meses, despencou de 42% para 23%. — A curto prazo, o desagrado dos eleitores deve crescer. 

É um cenário adverso, acrescido de questões como a crise energética e a crise hídrica, além dos desdobramentos da Operação Lava-Jato. E, a médio e longo prazo, a situação vai depender muito das perspectivas econômicas — avalia o cientistas político Fernando Azevedo, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Para Azevedo, a queda da popularidade da presidente se deve à situação econômica, ao clima político, à série de denúncias envolvendo a Petrobras e a uma "dissonância entre a campanha e as medidas que a presidente adotou logo no início do mandato". 

O pesquisador crítica a condução no PT na crise da Petrobras e atribui a isso parte da queda da presidente. Ele estima que, a curto prazo, a tendência é que a situação se agrave ou, ao menos, persista. Para ele, um governo "cingido entre dilmistas e lulistas" ajuda a compor o cenário negativo.

— Ela terá dificuldades políticas, mas esse clima de impeahment é apenas um balão de ensaio , caso os desdobramentos da Lava-Jato ameacem chegar à antessala da presidente — diz ele, que complementa: —O roteiro de defesa do PT na questão da Petrobras é o mesmo adotado durante o mensalão e vai causar um profundo desgaste (ao governo e ao partido).

Essa posição de culpar a mídia e a Polícia Federal é ineficaz e só vai aumentar esse desgaste. O partido não se defende, ele acusa de ser criminalizado.

O cientista político Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), atribui a queda da popularidade da presidente ao acúmulo recente de más notícias em diversas frentes: economia, crise energética, crise hídrica e Petrobras. A tudo isso, soma-se, segundo ele, um sentimento de frustração de parte da população beneficiada nos últimos anos na área social, que não vê avanços.

Fábio Wanderley diz que a situação de Dilma não deverá melhorar nos próximos meses, principalmente no Congresso:

- Temos uma situação muito especial e má administrada pela presidente e por seu governo, que é inepto. Não há qualquer indício de uma discussão com clareza e de maneira lúcida entre o governo e o Congresso. O clima tende a continuar negativo, pois não vemos algo que possa melhorar essa situação. No Congresso Nacional o governo terá uma vida difícil.

PT está em crise de identidade

• Partido completa 35 anos de fundação sob ataques de integrantes da legenda, arestas entre Dilma Rousseff e Lula, denúncias de corrupção na Petrobras e o enfraquecimento no Congresso

Paulo de Tarso Lyra – Correio Braziliense

BRASÍLIA – O PT vive a crise da meia-idade aos 35 anos de idade, a maldição dos 13 anos no poder e uma divisão cada vez mais explícita entre o criador (Luiz Inácio Lula da Silva) e a criatura (Dilma Rousseff). Apesar dos cochichos repetidos na festa petista da última sexta-feira, o distanciamento entre a presidente e o ex-presidente é cada vez maior. Afundado em denúncias de corrupção da Petrobras, o PT se equilibra entre a necessidade de defender o projeto de país que representa e a angústia de ver-se preterido nas decisões tomadas pela mandatária do Executivo.

“Estamos com 38 dias de segundo mandato e não conseguimos produzir um fato positivo”, lamentou um senador. “Caminhamos para um fim de governo melancólico”, completou, como se faltassem 12 meses para o término do mandato de Dilma. Na verdade, 47. “A presidente está cada vez mais isolada, não confia em ninguém, não reparte informações”, completou outro parlamentar. “Nunca imaginei dizer isso: que saudades de 2014”, disse um auxiliar próximo à petista, remetendo à mais dura campanha presidencial da recente história da democracia brasileira.

Principal partido de apoio a Dilma, o PT se sente escanteado. O presidente nacional da legenda, Rui Falcão, é considerado uma figura meramente decorativa, sem qualquer força na relação com o Palácio do Planalto. Internamente, os mais saudosistas ressuscitam as presidências de José Genoino, José Dirceu — ambos condenados no escândalo do mensalão — e do ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini. “O PT virou um capacho”, resumiu um deputado.

Durante as negociações para a composição do ministério que tomaria posse em primeiro de janeiro, ele simplesmente foi alijado do debate. “Não adiantava ligar para o Rui para saber quem seria indicado para onde. Ele sempre repetia: não sei de nada, ninguém me consultou”, lamentou uma liderança partidária. “Existe um clima completo de mal-estar na relação entre o partido e o governo”, disse um articulador petista.

Prova disso, segundo ele, é que, em todas as reuniões da bancada de senadores realizadas ao longo da semana passada, a figura mais saudada internamente foi a senadora Marta Suplicy (PT-SP), que repete duras críticas ao governo e ao próprio partido desde que deixou o Ministério da Cultura, no início de dezembro. “Você está certa. Disse exatamente o que nós queríamos dizer”, repetiam os colegas de bancada. Segundo apurou a reportagem, somente a senadora Gleisi Hoffmann (PR) defendeu Dilma. Não à toa, ambas se estranharam, aos gritos, em um desses encontros.

Integrantes do partido reclamam que a presidente Dilma está desconectada da realidade e que ela fechou os ouvidos até mesmo aos conselhos do ex-presidente Lula. Na véspera do anúncio de que Aldemir Bendine seria o novo presidente da Petrobras, Lula ainda acreditava que, entre as opções de substituto a Maria das Graças Foster, estariam nomes como Murilo Ferreira, da Vale, ou outros representantes do setor privado. “Ele não fazia a mínima ideia de que Bendine seria o indicado”, disse um petista que conversou longamente com o ex-presidente.

O alheamento ao fato não foi um privilégio de Lula. Durante reunião emergencial com os conselheiros políticos mais próximos – os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Jaques Wagner (Defesa), Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Ricardo Berzoini (Comunicações) – na última quinta-feira, Dilma já havia escolhido Bendine para a Petrobras. Mas não falou nada àqueles escalados para ajudá-la a tomar as decisões políticas e desanuviar as crises.

Sob pressão
O PT também debate-se com outras decisões presidenciais. Na última segunda-feira, Rossetto foi chamado de mentiroso e vaiado em um evento realizado na sede da União Nacional dos Estudantes (UNE). Os ataques foram desferidos quando ele defendeu a política econômica implementada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, negando que ela seja neoliberal. A escolha de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura também ainda não foi perdoada pela militância. “Kátia Abreu na Agricultura e Patrus Ananias no Desenvolvimento Agrário compõem um embate entre dois projetos de país dentro do nosso governo”, reconheceu um interlocutor palaciano.

Existe, ainda, o pesadelo da Operação Lava-Jato. Para aumentar o constrangimento latente, o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, foi obrigado a depor na Polícia Federal, em São Paulo, na quinta-feira, véspera da festa de 35 anos do partido em Belo Horizonte. “Claro que foi uma m…”, esbravejou um cacique petista da Câmara. “Todo mundo sabe onde o Vaccari trabalha. A PF precisava promover aquele espetáculo?”, revoltou-se o deputado.

“O clima no PT está azedo. Azedo internamente, azedo com os ministros que estão no poder, azedo com a presidente Dilma. Ninguém aguenta mais”, resumiu um militante desiludido. “A angústia do PT é que eles perderam as ruas. Ninguém hoje sairá, espontaneamente, com as bandeiras para defender esse governo que aí está”, provocou o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB).

'PSB não é satélite do PSDB', diz socialista

Entrevista é com Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB

• Sucessor de Eduardo Campos , Carlos Siqueira afirma que independência permite apoio pontual ao governo e aliança com PT

Pedro Vasconcelos – O Estado de S. Paulo

Escolhido presidente do PSB após a morte de Eduardo Campos, em agosto passado, o advogado especialista em direito eleitoral Carlos Siqueira, de 60 anos, vive um dilema desde a eleição de 2014: fazer oposição sistemática ao governo federal, como defende o PSDB, ou se reaproximar do PT? Nesta entrevista, Siqueira sinaliza uma reaproximação com o antigo aliado, crítica posições dos tucanos e rechaça a pecha de satélite no projeto de poder do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Ao avaliar o processo eleitoral de 2014, o dirigente debita na conta de Marina Silva os erros que fizeram a campanha da sigla derreter na reta final.

O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, esteve na quinta-feira com o ex-presidente Lula. Há uma reaproximação do PSB com o PT e o governo?

Nossa posição é de independência propositiva. Vamos dialogar com todas as forças políticas, inclusive com o governo e seu partido

O PSDB tem advogado a formação de um bloco de oposição contundente. Essa então não será a linha do PSB?

Não faremos oposição sistemática. Podemos eventualmente apoiar projetos do governo, mas não vamos aderir ao governo ou reivindicar cargos. Foi formalizado um bloco do PSB com PPS, PV e SD. Assinei um documento com os demais presidentes destes partidos para que atuemos como uma federação de partidos. Vislumbramos a ação no parlamento, mas também as eleições municipais de 2016 nas capitais e principais cidades. Isso nos daria um pouco mais de 3 minutos de TV.

Faz parte dos planos fechar alianças com o PT em 2016?

Não descartamos alianças com outros partidos, inclusive com o PT Eles é que têm dificuldade em nos apoiar. Não há preconceito. Mas nossa prioridade será dos partidos do nosso bloco.


Há algum setor no PSB que defende a volta do partido à base da presidente Dilma Rousseff?

Quando reunimos a executiva para afirmarmos a posição de independência propositiva, alguns companheiros tinham essa posição e queriam apoiar a reeleição da presidente. Tivemos uma certa flexibilidade em Estados como Paraíba, Amapá e Bahia, onde o PSB apoiou a presidente. A independência nos coloca em uma posição de analisar caso a caso para decidirmos nossas posições.

Algumas lideranças do PSB, como a deputada Luiza Erundina (SP), que é do diretório nacional, reclamam que a sigla está gravitando muito em torno do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Como avalia a relação com os tucanos?

Tivemos um episódio com eles, que foi o 2.º turno (das eleições presidenciais de 2014). Nunca fomos nem nunca seremos satélites do PSDB, assim como não fomos do PT.

Teme que o PSB saia menor das eleições de 2016 por estar fora do governo federal?

Não tememos. Já iniciamos o processo de consulta à militância. Perdemos nosso grande líder, mas temos um conjunto de lideranças intermediárias. Teremos com o governo federal uma relação republicana. Não compartilho da ideia dos pessimistas de que não vamos crescer por estar sem cargos e fora da Mesa (Diretora do Congresso).

Marina Silva sairá do PSB em abril para formar a Rede. O sr. gostaria que ela ficasse?

Marina Silva nunca foi do PSB. Ela filiou-se e foi bem vinda, mas sabemos que isso se deve ao fato de que a Rede não foi legalizada. Felicito ela por estar conseguindo montar seu partido, com o qual poderemos manter alianças. Nunca tivemos expectativa de que ela permanecesse no PSB. Não fizemos qualquer movimento para que isso ocorresse.

Durante a campanha, o sr. e ela tiveram atritos. Se arrepende de algo? Acha que errou no tom?

Estávamos em um clima demasiadamente emocional pela morte de Eduardo Campos, mas não faço autocrítica. Faria tudo outra vez se fosse necessário. Tive minhas razões para dar as declarações que dei. Eu não tinha disposição para continuar coordenando a campanha. Alguns jornais e revistas tentaram me dar espaço depois daquilo, mas a partir dali simplesmente me afastei. Deixei a campanha, mas não fiz qualquer movimento para prejudicar a candidatura. O insucesso não se deve em absoluto às minhas declarações e desavenças com Marina.

O PSB perdeu a eleição porque errou demais ou porque teve pouca estrutura e tempo de TV?

Houve erros muito grandes na forma como o programa (de governo) foi apresentado.

Quais?

O fato dele ter sido revisado depois de divulgado e de defender determinadas teses que não são do PSB. Isso foi o fundamental para que a campanha não conseguisse manter-se em ascensão depois da morte de Eduardo Campos.

O recuo do programa abalou a relação com movimentos sociais?

Aquilo foi uma posição da candidata, e não do PSB, que tem uma visão libertária da vida e é laico. Jamais aceitaríamos aquele recuo (na pauta LGBT). Todos sabem nessa área LGBT que aquela não era nossa posição.

Parecer do jurista Ives Gandra feito a pedido de um advogado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso indica que existe base jurídica para pedir o impeachment de Dilma. O que acha disso?

A decisão do povo precisa ser respeitada. Não se pode banalizar o impeachment. Não achamos que é hora de falar disso. Os petistas chamam de golpismo a tese de impeachment.

Concorda com isso?

Não diria que é golpismo, mas é inoportuno esse tema. Não há razão para isso.

O que o sr. achou de o PSDB pedir auditoria da eleição?

Foi um erro. Eu não assinaria a petição do PSDB. Nós não pediríamos, pois não estamos questionando o resultado da eleição Se admitimos esse sistema, devemos acatar o resultado. Apesar disso, não confio cegamente nesse sistema. O voto devia ser impresso.

Qual foi o impacto da morte de Eduardo Campos para o PSB?

O impacto foi enorme sobre a vida interna do PSB. Havia sobre ele uma expectativa de poder a curto e médio prazo. Mas o legado dele não vai envelhecer. Estamos lutando para que nosso partido não se transforme em um "peemedebezinho".

Cunha imprime vigilância de bedel

• Eleito com pauta corporativista, peemedebista estréia com rigidez no horário e no plenário

Daniel Carvalho e Daiene Cardoso – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A primeira semana de presidência de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na Câmara dos Deputados deixou muitos dos 513 parlamentares da Casa em alerta. Em sua estreia, o presidente eleito há exatos sete dias já deixou claro o ritmo que pretende imprimir aos trabalhos da Câmara: pontualidade no início das sessões, punição a deputados faltosos, votações nas tardes de quinta-feira (5) e nada de pronunciamentos desnecessários.

Cunha chega cedo, por volta das 8h, e segura a sessão até que a pauta que estabeleceu seja esgotada. A primeira sessão que presidiu, na terça-feira (3) terminou pouco depois das 23h. "Acabou cedo. Achei que ia até umas 3h", brincou com os jornalistas, após encerrar a discussão em que conseguiu aprovar a admissibilidade da proposta de reforma política, contrariando o governo e o PT. O presidente disse que, em sua gestão, ninguém morrerá de tédio.

Em três dias de trabalho, reuniu-se com líderes partidários e com a presidente Dilma Rousseff, autorizou a criação de uma CPI para investigar corrupção na Petrobrás e aprovou medida provisória que adia a entrada em vigor das regras de relacionamento entre organizações da sociedade civil e diferentes esferas de governo.

Cunha só não pôs em votação a proposta que torna obrigatória a execução de emendas parlamentares por parte da União, o chamado Orçamento Impositivo, porque o PT não aceitou acordo e exigiu o cumprimento do intervalo de cinco sessões entre a primeira e a segunda votação do texto. Foi uma das poucas boas notícias para o Palácio do Planalto na semana.

Expediente. Acostumados a deixar Brasília já no fim da manhã de quinta-feira os deputados foram informados de que haverá votação à tarde também nesse dia da semana. Faltas só serão abonadas em caso de licença médica ou de viagem em missão oficial da Câmara. Cunha disse que justificativas feitas pelas lideranças partidárias sob alegação de missão político-partidária não serão mais consideradas.

"Ele está protagonizando. É um presidente à la Roberto Carlos: com muitas emoções", afirmou o líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), fazendo alusão a uma das mais famosas músicas do cantor. Um peemedebista ironizou o correligionário, dizendo que a Câmara elegeu um "bedel". Informado sobre a ironia do colega de partido, Cunha retrucou: "Deixa ele. Quem não quiser trabalhar não dispute mandato".

Essa postura mais rígida no expediente serve como uma maneira rápida e eficiente de tentar melhorar a imagem do Legislativo, tradicionalmente visto pela sociedade como pouco produtivo. Ao mesmo tempo, também serve de antídoto para Cunha, ao longo de sua gestão, cumprir promessas corporativistas feitas aos deputados, como a construção de um prédio anexo e equiparação dos salários dos parlamentares ao de um ministro do Supremo, teto do funcionalismo público.

Sem show. Ao contrário de seu antecessor, o ex-deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Cunha não permitiu que seus colegas arrastassem discussões e tentassem atrapalhar votações. "Não vou te dar a palavra. (...) Vossa Excelência não vai fazer show aqui, não", afirmou o presidente da Câmara ao interromper o deputado Sílvio Costa (PSC-PE), na sessão de terça-feira.

Apartes feitos pelos congressistas só foram autorizados quando fundamentados, como ficou evidente em discussão com o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), na quarta-feira (4):

- Questão de ordem, sr. presidente, disse o petista.

- Questão de ordem com base em que artigo, deputado Paulo Teixeira?, questionou Cunha.

- Artigo 95, sr. presidente.

- Não existe artigo 95.

Interesses próprios. Cunha também foi alvo de críticas em sua primeira semana no novo cargo. Na sessão em que se discutiu a reforma política, o peemedebista foi acusado de defender interesses próprios. "O presidente defende o financiamento privado (de campanha) e escolhe no primeiro dia pautar essa PEC (Proposta de Emenda Constitucional)", afirmou o deputado Henrique Fontana (PT-RS), que deixou a liderança do governo na Casa por pressão, entre outros, de Eduardo Cunha.

Em seu 11º mandato, o deputado Miro Teixeira (PROS-RJ), diz acreditar que o peemedebista "foi bem" em sua primeira semana. "Se ele seguir nesse ritmo, pode fazer uma boa presidência. É preciso criar uma cultura de recuperação do conceito do parlamento", afirmou o deputado mais longevo na Casa.

Cunha muda de estilo após ser eleito na Câmara

• Peemedebista agora promete cortar salário de quem faltar às quintas

• Presidente da Casa, que chega cedo de manhã, também deixou funcionários em estado de alerta

Márcio Falcão, Ranier Bragon - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - "Vossa excelência não vai fazer show aqui." A frase de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), dita a um colega no comando de sua primeira sessão, na terça-feira (3), ilustra a diferença de estilo entre o então candidato e o agora presidente da Câmara dos Deputados.

Dono de uma campanha que prometeu de gabinetes novos a contracheques recheados, o peemedebista surpreendeu colegas com a atitude, nem sempre positivamente, e virou um dos assuntos preferidos nas rodas de cafezinhos do Congresso.

A estreia da gestão de Cunha provocou até ironia na reunião da bancada do PT, que apostou alto para impedir a vitória dele, mas acabou sofrendo derrota histórica.

Um petista disse que todo presidente promete "o céu e a terra" na campanha, mas, quando senta na cadeira, são os deputados que começam a ter problemas.

O deputado fazia referência à decisão de Cunha de ampliar os dias em que haverá votações na Casa, resgatando deliberações às quintas-feiras. Atualmente, as votações ocorrem apenas às terças e às quartas. Às quintas são discutidas matérias de consenso, como acordos internacionais, e geralmente é mantido o registro de presença do dia anterior para garantir o quórum.

No lugar de promessas de ampliação de benefícios, agora o presidente da Câmara fala em cortar o salário de quem não comparecer às sessões de quinta. Para as ausências, serão aceitas justificativas de viagem em missão oficial ou de licenças médicas.

As medidas geraram desconforto em alguns parlamentares que prometem pressionar os líderes para evitar a ampliação das sessões.

No comando da Câmara, o peemedebista também deixou servidores em alerta. Costuma chegar por volta das 8h e sair no fim da noite. O despacho criando a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a Petrobras foi assinado nas primeiras horas de quinta.

Cunha não tem deixado a presidência nem mesmo para almoçar. O estilo "workaholic" e a vontade de acelerar votações rendeu intensos embates na primeira semana.

O deputado Silvio Costa (PSC-PE) protagonizou alguns com o peemedebista e não perdeu a chance de criticar. "Quando vossa excelência parar de dar aula, eu vou explicitar", esbravejou durante debate sobre manobras regimentais. Em meio à troca de alfinetadas, ouviu que o plenário da Casa não é lugar para espetáculos.
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Rejeição a partido chega a 71% e bate recorde no país

71% dos brasileiros não têm partido de preferência

• Índice era de 61% em dezembro; nas manifestações de junho, chegou a 64%

• Parcela que diz ter o PT como sigla favorita caiu de 22% para 12%; no mensalão, nível mais baixo foi de 15%

Érica Fraga – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A percepção de aumento da corrupção combinada à expectativa de piora nas condições de vida deflagrou uma crise de representação no país, evidenciada pelo aumento na rejeição aos partidos políticos.

A fatia dos brasileiros que dizem não ter um partido de preferência saltou de 61% em dezembro de 2014 para 71% em janeiro deste ano. Trata-se do maior patamar desde o início da série histórica do Datafolha para essa pergunta, em agosto de 1989.

A rejeição à representação política já tinha dado um salto em junho de 2013 --época dos protestos que pararam o país--, quando passou de 55% para 64%. Desde então, oscilou próxima a esse patamar, mesmo durante a eleição presidencial de 2014.

O aumento registrado agora foi silencioso, sem novas manifestações abrangentes de rua, mas confirma o desalento da população brasileira. Isso se refletiu nas respostas a outras perguntas do Datafolha, como as expectativas em relação ao futuro da economia e ao da própria situação financeira de cada um.

Todas indicaram um crescimento do pessimismo. O novo sentimento contrasta com o verificado até o fim do ano passado.

Três meses e meio após a reeleição da presidente Dilma Rousseff, o apoio da população ao PT recuou para o patamar de dezembro de 1998, pouco antes de o partido ter conseguido tirar do PMDB a preferência do eleitorado. Isso acabou pavimentando o caminho para a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, em sua terceira tentativa.

Entre dezembro de 2014 e janeiro deste ano, a parcela dos eleitores que dizem, em resposta espontânea, ter o PT como seu partido favorito caiu de 22% para 12%. Na época do mensalão, o nível mais baixo tinha sido de 15%.

Sem beneficiários
A queda de apoio ao partido não beneficiou as legendas rivais. Principal sigla de oposição, o PSDB viu sua base de apoio ir de 7% para 5%. Algumas siglas pequenas oscilaram de 0% para 1%, mas o movimento tem sido pendular.

A dificuldade da oposição em capitalizar a desidratação do PT pode se explicar em parte porque, embora generalizado, o aumento do desalento em relação à sigla foi forte entre seu eleitorado mais fiel.

Na pesquisa de dezembro de 2014, entre os simpatizantes do PT, 71% consideravam o desempenho do governo ótimo ou bom.

Agora, esse índice é de 52%. Na via oposta, a fatia dos petistas que avaliam a administração atual como ruim ou péssima quadruplicou, passando de 3% para 12%.

A queda na avaliação de Dilma foi intensa entre a população de renda baixa e pouca escolaridade.

Embora permaneça em patamar mais elevado do que nos demais estratos, o recuo da aprovação entre os brasileiros que têm o ensino fundamental despencou de 54% para 31%.

No recorte dos que têm renda familiar mensal de até dois salários mínimos, a queda foi de 50% para 27%.

Regionalmente, o recuo foi mais marcante no Nordeste, com queda na aprovação de 53% para 29%.

Com isso, o Norte, onde a queda foi de 51% para 34%, ultrapassou o Nordeste como região onde o PT conta com seu maior apoio.

Os dados foram levantados pelo Datafolha em pesquisa realizada entre os dias 3 e 5 de fevereiro, com base em 4.000 entrevistas feitas em 188 municípios.

A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Mercado reduz previsão e projeta PIB zero em 2015

• Mediana da projeção de analistas ouvidos pelo Banco Central para o relatório Focus já aponta para inflação a 7,15% neste ano

- Veja Online

As estimativas de economistas ouvidos pelo Banco Central (BC) para o relatório semanal Focus já apontam para um crescimento zero do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Na semana anterior, a mediana das projeções ainda mostrava leve alta de 0,03%. Há um mês, ela estava em 0,40%. Para 2016, porém, a projeção se mantém em expansão de 1,50%.

O relatório mostra ainda diminuição da expectativa para a produção industrial. A mediana das projeções passou de 0,50% para 0,44% neste ano, mas permaneceu em 2,50% para 2016.

A projeção média para a inflação também piorou. Os economistas ouvidos pelo BC estimam que os preços ao consumidor subam 7,15% em 2015, acima da expectativa da semana passada, de 7,01%. Se confirmada, essa será a maior alta de preços em onze anos. Até agora, a maior foi vista em 2004, quando o índice subiu 7,6%.

O ano já começou pressionado com a alta dos preços da energia elétrica e dos alimentos. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgada na última sexta-feira, acumulou alta de 7,14% em doze meses - a maior variação desde setembro de 2011 (7,31%).

Para a Selic, analistas projetam uma taxa básica de juros de 12,50% em 2015, pela nona semana consecutiva.

Entrevista. Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980

'Ela divide para reinar, com grave consequência institucional'

• Para intelectual, denúncias sobre a investigação do caso Amia põem em dúvida a credibilidade do Estado

Rodrigo Cavalheiro - O Estado de S. Paulo

BUENOS AIRES - Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1980 por defender os direitos humanos durante a ditadura argentina, é um dos principais críticos da presidente Cristina Kirchner - cujo governo se orgulha de ter mandado à prisão militares que o pacifista enfrentou. Esquivel a acusa de falta de transparência e objetividade nas investigações do atentado contra a Associação Mutual Israelita-Argentina e na morte do promotor Alberto Nisman. "Este homem foi suicidado", diz o ativista, para quem as instituições locais perderam a credibilidade.

É a pior crise institucional argentina desde 2001?

São coisas diferentes. Naquele momento vivíamos uma crise política e econômica. Agora, temos um cenário com a morte de Nisman e a falta de resposta ao atentado à Amia, onde houve 85 mortos. Isso põe em séria crise a credibilidade dos Três Poderes. Após 20 anos, não se conseguiu responsabilizar quem praticou o atentado e acusa-se o Irã, sem muito fundamento, com base em relatórios da CIA e do Mossad, inimigos de Teerã. O governo não pode avançar, apesar do memorando firmado pela presidente com o Irã, muito questionado. Há muita coisa escondida. Há na população raiva e mal-estar. Teme-se que isso tudo leve a situações mais graves.

Por exemplo?

Há ameaças agora ao juiz Claudio Bonadío, que investiga os bens e os recursos da presidente em Santa Cruz (província de origem dos Kirchners).

Os críticos da presidente dizem que a separação dos poderes está comprometida. O sr. concorda?

Sim, o que ocorre é que o Congresso também é fraco. O que diz o Executivo não é analisado, não é questionado. O mesmo ocorre na a dissolução, ou aparente dissolução, dos serviços de inteligência, a Side. Isso é para ganhar tempo depois da morte de Nisman. Estão há 12 anos no governo e agora querem fazer uma reforma, na realidade uma maquiagem, em vez de uma análise profunda dos tipos dos serviços de inteligência de que o país necessita.

A exemplo de 72% dos argentinos, o sr. não acredita em suicídio de Nisman. Por quê?

Nisman "foi suicidado". Um homem que no dia seguinte se apresentaria no Congresso para esclarecer suas denúncias. Um homem que fez acusações graves a presidente, ao chanceler e a outros integrantes do kirchnerismo de levar adiante um acordo comercial com o Irã para retirar a culpa atribuída a funcionários iranianos pelo atentado. Queremos a formação de uma comissão investigadora independente do Estado, para se aprofundar a busca da verdade.

Essa comissão teria ajuda externa?

Não. Queremos gente daqui, convocar juristas e investigadores daqui.

O sr. não parece ver muitos fundamentos na denúncia de Nisman, por quê?

Como dizemos aqui, o campo está muito enlameado, muito sujo. É preciso ver também as implicações internas. Pedimos ao governo transparência e ações concretas. Porque sempre é mais do mesmo. As reformas no serviço de inteligência são uma maquiagem. Precisamos uma investigação profunda para que não se fique na impunidade. Estamos tratando de conseguir a Justiça de outra forma. Depois de 20 anos, estamos na estaca zero. Não há um só preso. É a total impunidade. Temos que mudar estes eixos para encontrar a Justiça.

Esses 20 anos de impunidade levaram os argentinos a perder a fé nas instituições?

A população está muito confusa, preocupada e doída. E isso põe em risco toda a institucionalidade. Por isso, pedimos responsabilidade ao governo, fundamentalmente, mas também ao Judiciário e o Legislativo. Hoje, eles não têm credibilidade.

Grupos de defesa dos direitos humanos, tema que é uma bandeira da presidente, pedem que sejam abertos os arquivos de inteligência. Este "fogo amigo" representa um risco eleitoral para o candidato que a presidente indicar na eleição de outubro?

Cristina e Néstor tiveram a vontade política de apoiar a nulidade da Lei da Anistia. Mas ficaram nisso, na punição aos delitos de direitos humanos na época da ditadura militar, de 1976 a 1983. Daí pra frente, fecharam toda possibilidade de defesa dos direitos humanos.

Churrascos de kirchneristas são evitados por quem não é K e vice-versa. Há brigas em festas familiares. Essa divisão na sociedade argentina tem precedente?

O governo argentino deliberadamente dividiu todas as organizações. Os grupos de direitos humanos, o movimento sindical, os movimentos sociais. É motivo de uma preocupação enorme essa divisão. Ela aplica o princípio "dividir para reinar". Dividir para fazer o que está fazendo. Com grave consequência institucional.

Ricardo Noblat - O confisco da verdade

- O Globo

"Se ficarmos quietos, a sentença já está dada". Lula, sobre o golpe que ele acha que vem aí para derrubar Dilma

Quem disse: "(A recente campanha eleitoral foi) a mais suja. Aquela em que nossos adversários utilizaram as piores armas para tentar nos derrotar. Tentaram fraudar a vontade política da maioria, usando todos os seus recursos de comunicação para manipular, distorcer e falsear"? Aécio Neves? Fernando Henrique Cardoso? Dilma? Lula? Claro, Lula, no aniversário de 35 anos do PT. Quem mais ousaria tanto?

A METAMORFOSE ambulante, como um dia Lula se apresentou, teve a cara de pau de dizer mais. Do tipo: "O PT nasceu para ser diferente. A verdade é que foi o governo deles que tentou destruir a Petrobras. E foi o nosso governo que a resgatou, retomou os investimentos que levaram à descoberta do pré-sal e fizeram da Petrobras a maior produtora mundial de petróleo entre as empresas de capital aberto." Sobre a corrupção na Petrobras, nem um pedido de desculpas.

COMO A vingança veio a galope, Lula, Dilma e o PT foram obrigados a amargar, um dia depois de se reunirem em Belo Horizonte, os resultados da primeira pesquisa de opinião pública aplicada, este ano, pelo Datafolha. Despencou a popularidade de Dilma reeleita pelo "partido que veio para repelir a mentira", segundo Lula. Dilma alcançou a pior avaliação de um presidente desde 1999.

TINHA 42% de ótimo e bom e 24% de ruim e péssimo em dezembro último. Agora, respectivamente 23% e 44%. Metade dos que ganham até dois salários mínimos considerava o governo Dilma ótimo ou bom. Agora, 27%. Quer dizer: 23 pontos percentuais de queda em dois meses. Como preocupação dos brasileiros, a corrupção subiu para o segundo lugar (21%). Só perde para a saúde (26%).

ESTÁ BOM ou quer mais? Quase 80% dos entrevistados acreditam que Dilma sabia da corrupção na Petrobras. Para 52%, sabia dos desvios de dinheiro e deixou que continuassem. Pouco menos de 50% a consideram desonesta, além de falsa (54%) e indecisa (50%). Seis em cada dez entrevistados acham que Dilma mentiu para vencer. Estelionato eleitoral? É disso que se trata. Chega! Basta! Fora!

FORA? Talvez exagere. Mas, quando começou o falatório pedindo o impeachment de Fernando Collor , o PT negou que fosse golpe. Collor caiu. O PT negou que fosse golpe a tentativa de derrubar Fernando Henrique Cardoso quando ele se reelegeu. Ora, o impeachment está previsto na Constituição. Outro dia, nos Estados Unidos, falou-se em impeachment de Obama. Como antes no de Clinton. Ninguém rebateu dizendo que era golpe.

COLLOR GANHOU acusando Lula de estar decidido a confiscar parte da poupança dos brasileiros se vencesse. Fernando Henrique se reelegeu garantindo que não desvalorizaria o real. Dilma está de volta depois de ter dito que seus adversários fariam a infelicidade do povo, adotando medidas que ela jamais adotaria. Collor confiscou a poupança. Fernando Henrique desvalorizou o real. Dilma está fazendo o contrário do que disse.

O QUE ELES têm em comum? Confiscaram a verdade. Em 1986, o então presidente José Sarney lançou o Plano Cruzado, que congelou salários e preços. Quase virou santo. Naquele ano, o PMDB e o PFL de Sarney elegeram 23 governadores em 23 possíveis, 40 de 43 senadores e 378 de 487 deputados federais. Alguns dias depois, Sarney acabou com o congelamento. No Rio, dentro de um ônibus, foi apedrejado por uma multidão.

LULA DIZ que há um golpe em marcha para depor Dilma. Bobagem! O golpe já foi dado. Por ele, Dilma e o PT ao encenarem a farsa eleitoral do ano passado

Vinicius Mota - Rumo ao abismo

- Folha de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff está em apuros. Em menos de sete dias, caminhou voluntariamente para a beira do precipício que significará a inviabilização de seu governo ou coisa pior.

O vexame de Dilma e do PT na eleição para presidente da Câmara dos Deputados poderia ter sido facilmente evitado. A solução, aceitar o favoritismo do peemedebista Eduardo Cunha e com ele compor, era cristalina desde o fim de outubro.

A derrota aumenta os riscos de naufrágio, no Legislativo, das medidas emergenciais de arrocho econômico. O partido do governo parece relegado à condição de minoria na Câmara, algo raro em 30 anos de "presidencialismo de coalizão".

Um lance ainda mais exemplar de auto-imolação de Dilma Segunda estaria por vir. Graça Foster deixou a chefia da Petrobras como uma colegial abandona um grupo de animadoras de torcida. Na sequência, a presidente escalou um dos seus cumpridores de tarefas para o posto. Deu um tiro de bazuca no próprio pé. Lançou pelo ralo a oportunidade de resgatar a confiança na estatal despedaçada.

O que se passa na cabeça da presidente? Por que está obcecada com os assuntos errados, como o de normalizar depressa e a alto custo os pagamentos a empreiteiras e outros grandes prestadores de serviços da Petrobras em penúrias financeiras? Essa, afinal, parece a tarefa encomendada por Dilma a Aldemir Bendine, premiado com a presidência da estatal após ter acelerado, no Banco do Brasil, socorro bilionário a um desses gigantes falimentares.

O violento mergulho na impopularidade, em nível jamais vivido por gestões petistas, recomendaria outra conduta. Dilma não entendeu que precisava afastar a Petrobras da ingerência política que asfixia e destrói a empresa. Conseguirá compreender que, a partir de agora, está em questão a sua capacidade de exercer a Presidência da República?

Renato Andrade - Jogo limpo

- Folha de S. Paulo

Ser criticado por adversários faz parte do jogo político e muitos sabem transformar, com maestria, uma pancada no fígado em apoio popular.

Dilma Rousseff conseguiu isso durante o segundo turno das eleições presidenciais do ano passado. Aécio Neves perdeu votos preciosos, especialmente entre o eleitorado feminino, depois que chamou a presidente de leviana, durante um debate na TV.

Em questão de horas, o bom moço das Minas Gerais virou um sujeito que não sabe tratar de maneira correta uma mulher. E a guerrilheira que enfrentou a ditadura militar virou mais uma vítima do machismo que segue forte na sociedade brasileira.

Mas o que fazer quando a crítica é expressa não por um adversário com nome e sobrenome, mas por uma massa composta por homens e mulheres de camadas sociais distintas?

Esse é um dos desafios que a mais recente pesquisa do Datafolha indica que o Palácio do Planalto terá que enfrentar. A escala do problema é considerável. Quase metade dos brasileiros considera a presidente desonesta, além de falsa e indecisa.

Reverter essa avaliação sobre a pessoa da presidente é fundamental para que o Planalto consiga o respaldo mínimo da população para enfrentar questões concretas como a inflação alta, a economia em marcha lenta, além da possível falta de água e energia no país.

O enfrentamento de tal quadro de dificuldades por parte de um governo bem visto pelos seus governados não é tarefa simples. A mesma situação sendo administrada por um "desonesto" é receita certa de fracasso.

Para mudar essa visão, Dilma e sua equipe terão que fazer o que até agora não fizeram: dizer com todas as palavras o que está acontecendo, o que terá que ser feito e quais as reais consequências.

Altas doses de sinceridade tendem a derrubar avaliações de desempenho de governantes. Mas considerando os atuais números de Dilma, não há muito a perder.

Marcus Pestana - Petrobras: do sonho ao abismo

- O Tempo (MG)

A sociedade brasileira assiste, estupefata e cheia de indignação, à maior empresa brasileira mergulhada numa crise que parece não ter fim. Muitas são as causas, múltiplas são as consequências.

A Petrobras nasceu, nos anos 50, de um sonho generoso presente na campanha “O petróleo é nosso”. O sentimento nacionalista imaginava um país desenvolvido e industrializado e teve como estuário a criação da nossa maior empresa estatal, protegida pelo monopólio da exploração.
Uma combinação fantástica de erros e desvios patrocinados pelo PT misturaram equívocos estratégicos, má gestão e corrupção desenfreada.

O erro estratégico essencial se deu ainda no governo Lula com a alteração do regime de concessão para o modelo de partilha, visando à exploração do pré-sal. O dinamismo setorial alcançado com a quebra do monopólio estatal e pelas concessões, que levaram a um crescimento de 10% ao ano, foi rompido pela mudança da regra do jogo, sobrecarregando a Petrobras, introduzindo ineficiência com cláusulas inatingíveis de conteúdo nacional e paralisando, por seis anos, os leilões. O Brasil perdeu preciosas oportunidades enquanto o mundo inovava e rompia paradigmas.

A isso se somou um aparelhamento político inédito da empresa que minou seu desempenho empresarial e seus resultados. A visão patrimonialista do PT partia de um olhar míope que tratava uma grande empresa de capital aberto, com ações negociadas em bolsa e sócios minoritários nacionais e estrangeiros, inclusive os trabalhadores que ali colocaram o seu FGTS, como quintal partidário. Os padrões de excelência na gestão foram substituídos por um festival de incompetência, erros e desvios.

De meses para cá, a operação Lava Jato trouxe à tona o maior escândalo da história brasileira, envolvendo bilhões de reais desviados para financiamento do PT e seus aliados e para enriquecimento ilícito de uns poucos.

E mais, assistimos a uma gestão irresponsável e temerária de nossa maior empresa.

Investimentos como Pasadena e Abreu e Lima, além de se colocarem a serviço da corrupção, não tinham a menor consistência econômica e técnica. Chegou-se ao ponto de auditores externos não admitirem avalizar o balanço da empresa.

Resultado: a imagem do Brasil arranhada em todo o mundo, ações despencando, endividamento explodindo, investimentos cancelados, outros setores, como o da engenharia pesada e o sistema financeiro, contaminados e um desastroso impacto na autoestima dos brasileiros. Para piorar, os preços dos combustíveis foram artificialmente reprimidos por Dilma, e os preços internacionais do petróleo vieram ladeira abaixo.

Que a CPI, recém-criada na Câmara dos Deputados, somando esforços com o Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal, consiga elucidar em profundidade tudo que ocorreu e punir os culpados. E que os erros sejam corrigidos por uma gestão profissionalizada, boas regras de governança e respeito à sociedade e aos acionistas.
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Marcus Pestana, deputado federal e presidente do PSDB de Minas Gerais

Pedro S. Malan - A força da realidade

- O Estado de S. Paulo

"Entendo os que são contra, esta é uma posição que já foi minha", disse o então presidente da República Ernesto Geisel, cerca de 40 anos atrás, em cadeia nacional de televisão, ao anunciar, entre outras decisões, a abertura do Brasil a investimentos privados na área do petróleo por meio de contratos de risco. Cartas a um Jovem Petroleiro, do qual extrai a lembrança acima, é um excelente livro de Jorge Camargo, que trabalhou por 27 anos na Petrobrás, onde fez brilhante carreira. Livro para todos os interessados no setor, na Petrobrás e na grande crise que ela ora atravessa.

Esta sugere que há algo mais disfuncional no processo decisório do governo brasileiro, desde a crise de 2008/9, que se vem agravando nos últimos quatro anos. Embora seja sempre possível buscar raízes históricas mais profundas, este artigo procura apenas sugerir que há elementos comuns em áreas em que estamos enredados, como Petrobrás, energia elétrica e concessões ao setor privado em infraestrutura. Para não mencionar o meritório, imperativo e inadiável esforço ora em andamento para recuperar uma credibilidade na área fiscal que havia praticamente desaparecido ao final de 2014.

A propósito, vale lembrar uma observação de Jared Diamond. "Mesmo quando uma sociedade foi capaz de antecipar, perceber e tentar resolver um problema, ela pode ainda fracassar em fazê-lo, por óbvias razões possíveis: o problema pode estar além das suas capacidades; a solução pode existir, mas ser proibitivamente custosa; os esforços podem ser do tipo muito pouco e muito tarde; e algumas soluções tentadas podem agravar o problema." Não nos faltam exemplos de situações como essas.

No caso da Petrobrás, é possível argumentar que, mesmo na ausência da Operação Lava Jato, a empresa teria de rever seus planos de investimentos e seu plano de negócios em função de fatos econômicos e financeiros internos e externos. O preço do barril do petróleo desabou, mas não desabaram os custos de produzi-lo. O programa de investimento da Petrobrás, que contemplava para os próximos cinco anos um investimento médio anual de US$ 44 bilhões, terá de ser revisto. A dívida da empresa, que é quase 80% em dólar, tem seu serviço em reais aumentado com câmbio mais desvalorizado.

A obrigatoriedade de ter a Petrobrás como operadora de todos os campos do pré-sal e com pelo menos 30% de participação passou a representar um ônus excessivo para a empresa, que já tem uma relação dívida/geração de caixa de cerca de 5. A exigência de conteúdo nacional vem causando atrasos e estouro de orçamento. A Sete Brasil é um problema. Em suma, a decisão anunciada em 7 de setembro de 2009 (data escolhida a dedo) de mudar o regime de concessão para partilha vem gerando para a Petrobrás problemas que teria de enfrentar mesmo se não estivesse em curso a Operação Lava Jato. A empresa, com excelentes quadros técnicos, não merecia passar pelo que está passando - preço sendo pago pela indevida aparelhagem política na última década.

Na área de energia elétrica, há certamente o peso negativo da maior escassez hídrica em décadas, mas o inevitável racionamento (ou que nome venha a ter) não se deve apenas a esse fator. A desastrada decisão política anunciada também num 7 de setembro (2012) e consubstanciada na MP 579, de fim daquele ano, teve consequências desastrosas, que os consumidores e contribuintes estão pagando em suas contas desde 2014 - e continuarão a pagar por mais alguns anos. Excesso de voluntarismo, arrogância e pressa eleitoral não costumam ser bons conselheiros. O ganho de curto prazo (a passageira redução de tarifas em 2013) transformou-se para os consumidores em salgada conta por anos à frente e desestruturou o equilíbrio financeiro das empresas do setor. Para quê, mesmo? Jared Diamond teria mais um exemplo para sua coleção de disfuncionalidades de processos decisórios.

Sobre o processo decisório no mais alto dos níveis, vale lembrar algo do que disse o ex-presidente Lula em longa e memorável entrevista ao Valor em 17/9/2009. "Tenho cobrado sistematicamente da Vale a construção de siderúrgicas no País. A Vale não pode se dar ao luxo de exportar apenas minério de ferro. (...) A Petrobrás apresentou estudo mostrando que deveria adiar o cronograma de investimentos dela. Convoquei o conselho da Petrobrás para dizer: olha, este é um momento em que não se pode recuar. (...) Que a Petrobrás construa refinarias, estimule a construção de estaleiros. Leva uma refinaria para o Ceará, um estaleiro para Pernambuco. Este é o papel do governo. (...) Não pense que foi fácil fazer o Banco do Brasil comprar a Nossa Caixa em São Paulo. (...) Quando fui comprar 50% do Votorantim, tive que me lixar para a especulação. (...) Não conheço ninguém que tenha a capacidade gerencial da Dilma."

É mais fácil enganar os outros que convencê-los de que foram enganados, teria dito Mark Twain. Mas Eduardo Gianetti, em seu magnífico Auto-Engano, argumenta com brilho que ainda mais fácil que enganar os outros é enganar a si mesmo. Nietzsche deu um bom exemplo, em seu estilo inconfundível: "Eu fiz isto, diz minha memória. Eu não posso ter feito isto, diz meu orgulho. E permanece inflexível. A memória cede".

A frase de Geisel que abre este artigo é um bom exemplo de que a realidade por vezes se impõe com força (no caso, a quase quadruplicação dos preços do petróleo e suas consequências para um país como o nosso, que importava mais de 85% do seu consumo doméstico). E isso exigiu, como reconheceu o então presidente, mudanças de antigas e caras posições. Orgulho e memória cederam à realidade.

O processo decisório hoje no Brasil parece, com frequência, ser refém de uma mistura de orgulho, seletiva memória e dificuldades em reconhecer que as consequências das ações e omissões passadas sempre acabam por nos alcançar - não apenas o governo, mas todos os brasileiros.
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Economista, foi Ministro da Fazenda no governo FHC

Rolf Kuntz - A herança para o segundo mandato

- O Estado de S. Paulo

Devastada, sangrada e sem rumo, a maior empresa brasileira, a Petrobrás, é o componente mais vistoso da herança maldita deixada para o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, mas ninguém deve menosprezar o resto do entulho. O inventário, ainda incompleto, é impressionante. A inflação - de 1,24% em janeiro e 7,14% em 12 meses - vai dar muito trabalho antes de ser domada. A correção dos preços contidos politicamente ainda vai longe. Além disso, novos aumentos estão previstos para ajustar a conta de luz ao custo da energia das termoelétricas.

O choque de realismo nos preços da eletricidade seria necessário, de toda forma, por causa da situação do Tesouro. O consumidor terá de ajudar as companhias a pagar, por exemplo, o empréstimo de R$ 17,8 bilhões tomado em 2014. Esse financiamento foi a solução quando o governo se confessou incapaz de continuar aliviando, sozinho, os problemas das distribuidoras.

Todos esses dados são partes da mesma história - a maquiagem da inflação, a irresponsabilidade fiscal, a penosa correção dos preços e os danos causados pelo voluntarismo e pelo populismo, em geral muito propício ao florescimento da corrupção. Venezuela e Argentina são hoje os casos mais vistosos, na América do Sul, de experiências desse tipo. O Brasil, dirão os otimistas, está muito longe de qualquer dos dois exemplos. Mas quem afirma o parentesco e a afinidade é o próprio governo brasileiro, ao definir suas prioridades diplomáticas, a política de comércio e as parcerias estratégicas na região. Para os de memória fraca: com que se aliou o Brasil para suspender o Paraguai do Mercosul e facilitar o ingresso da Venezuela no bloco?

O conserto das contas públicas, outro componente importante do legado populista, vai exigir muito mais que a mudança da política de apoio ao setor elétrico. Mesmo sem essa política a situação fiscal seria muito ruim. A orientação do governo, desde o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi a favor de uma política fiscal expansionista, batizada impropriamente como anticíclica. Os componentes mais notáveis dessa política foram a gastança sem freio, as desonerações seletivas e mal planejadas e uma relação promíscua e dispendiosa do Tesouro com os bancos estatais.

Na transição de governo o então ministro Guido Mantega ainda transferiu mais R$ 30 bilhões ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), importante canal de financiamento, no período petista, de recursos para empresas selecionadas como campeãs nacionais.

O novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, prometeu mudar a relação entre o Tesouro e os bancos federais, disciplinar os subsídios e estimular um novo esquema de financiamento às empresas. Seria uma boa ideia reconduzir o BNDES à sua função original, mantida até há alguns anos, de instrumento das políticas de modernização e de fortalecimento do setor produtivo. Mas para isso seria preciso redescobrir o planejamento estratégico, perdido há muito tempo no Brasil e confundido, com assustadora frequência, com o mais tosco intervencionismo. O Ministério do Planejamento abandonou a função original de cuidar do longo prazo. A Secretaria de Assuntos Estratégicos, criada no governo Lula para acomodar o professor Mangabeira Unger, nunca exerceu o papel indicado por seu nome, e assim, tudo indica, deverá continuar por prazo indefinido.

Mas houve muito mais que o abandono de velhas e importantes funções incorporadas há décadas pela administração pública brasileira e associadas ao desenvolvimento nacional. O governo tornou-se incapaz de formular planos e programas e de administrar a execução de projetos. O número de ministérios aumentou para 39, o funcionalismo cresceu, o gasto público aumentou como porcentagem do produto interno bruto (PIB) e o intervencionismo atingiu novos patamares, tendo sido uma das causas do desastre da Petrobrás. Mas o governo jamais foi tão fraco, desde o fim da 2.ª Guerra, como indutor do crescimento e do desenvolvimento.

A ocupação predatória do Estado, o aparelhamento e o loteamento da administração federal - incluída a direção da Petrobrás e de outras empresas estatais -, é uma das causas mais evidentes dessa degradação. Talvez a presidente Dilma Rousseff tenha consciência desses fatos. Nada disso, no entanto, parece preocupá-la seriamente. Os desdobramentos possíveis da Operação Lava Jato são mais inquietantes, assim como a oposição de antigos companheiros, hoje dispostos a aplaudir o seu impeachment.

O fracasso do governo petista como promotor do desenvolvimento é comprovado, fora de qualquer dúvida, pela estagnação econômica dos últimos quatro anos. A produção industrial encolheu 3,2% no ano passado e foi menor que a de 2010. A produção de máquinas e equipamentos foi 9,6% inferior à de 2013 e mais uma vez o investimento caiu. A perda de eficiência e de competitividade tem sido evidenciada pela deterioração da balança comercial.

As contas públicas, com déficit nominal de 6,7% do PIB, mais que o dobro da média da União Europeia (2,6%), completam o cenário de desastre. Nada se fará sem a arrumação dessas contas. A inflação continuará acelerada, os juros permanecerão altos, o investimento será mantido abaixo de 20% do PIB, em nível muito insatisfatório, e a estagnação prosseguirá. Mas para repor o Brasil em movimento será preciso ir além disso. Será preciso redescobrir a noção de estratégia e, de certa forma, reinventar o governo. É difícil de imaginar como a presidente Dilma Rousseff conseguirá realizar essas tarefas (se chegar a entender sua importância) seguindo a orientação de seu partido. Se estiver disposta a agir, terá pouco apoio no Congresso, mesmo dos aliados, para enfrentar as barreiras do fisiologismo. Perto da maldição do legado político, os problemas técnicos do ajuste fiscal e monetário parecem até simples. A destruição foi muito além da economia.
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Jornalista

Mario Vargas Llosa - Suicídio político em voga

- O Estado de S. Paulo - 08/02/2015

O haraquiri é uma nobre tradição japonesa em que militares, políticos, empresários e, por vezes, escritores (como Yukio Mishima), envergonhados por fracassos ou ações que, ao seu ver, os desonravam, se destripavam numa cerimônia sangrenta. Hoje, quando a ideia de honra se desvalorizou ao mínimo, os cavalheiros nipônicos já não se suicidam.

Mas o ritual da imolação se mantém no mundo e agora é coletivo: praticam-no os países que, presas de um desvario passageiro ou prolongado, decidem empobrecer-se, barbarizar-se, corromper-se, ou todas essas coisas juntas.

A América Latina é pródiga em exemplos trágicos. O mais notável é o da Argentina, que há três quartos de século era um país do Primeiro Mundo, próspero, culto, aberto, com um sistema educacional modelar e, de repente, presa da febre peronista, decidiu retroceder e arruinar-se.

O país se submeteu a uma prolongada agonia que, amparada por sucessivos golpes militares e uma heroica perseverança no erro de seus eleitores, persiste até hoje. Esperemos que algum dia os deuses ou o acaso devolvam a sensatez e a lucidez à terra de Sarmiento e de Borges.

Outro caso emblemático de haraquiri político é o da Venezuela. Ela tinha uma democracia imperfeita, é verdade, mas real, com imprensa livre, eleições genuínas, partidos políticos diversos, e mal e mal, o país progredia. Infelizmente, grassavam a corrupção e o desperdício, e isso levou uma maioria de venezuelanos a descrer da democracia e confiar sua sorte a um caudilho messiânico: o comandante Hugo Chávez.

Em oito oportunidades eles puderam corrigir seu erro e não o fizeram, votando todas as vezes por um regime que os levava ao precipício. Hoje eles pagam caro sua cegueira. A ditadura é uma realidade asfixiante, fechou estações de televisão, de rádio e jornais, encheu os cárceres de dissidentes, multiplicou a corrupção a extremos vertiginosos - um dos principais dirigentes militares do regime dirige o narcotráfico, a única indústria que floresce num país onde a economia desandou e a pobreza triplicou - e onde as instituições, desde os juízes até o Conselho Nacional Eleitoral, são subservientes ao poder.

Embora haja uma significativa maioria de venezuelanos que quer voltar à liberdade, isso não será fácil: o governo de Nicolás Maduro demonstrou que, embora inepto para tudo o mais, na hora de fraudar eleições e encarcerar, torturar e assassinar opositores; sua mão não treme.

O haraquiri não é uma especialidade terceiro-mundista, porém. Na civilizada Europa ele também é praticada de tempos em tempos: Hitler e Mussolini chegaram ao poder por vias legais e um bom número de países centro-europeus se atiraram aos braços de Stalin sem maiores pudores. O caso mais recente parece ser o da Grécia, que, em eleições livres, acaba de levar ao poder - com 36% dos votos, o Syriza, um partido demagógico e populista de extrema esquerda que se aliou para governar com uma pequeno grupo de direita ultranacionalista e antieuropeu. O Syriza prometeu uma revolução e o paraíso. No estado catastrófico em que se encontra o país que foi berço da democracia e da cultura ocidental talvez seja compreensível essa catarse sombria do eleitorado. Mas, em vez de superar as pragas que os assolam, essas poderiam recrudescer agora se o novo governo se empenhar em cumprir o que prometeu a seus eleitores.

Essas pragas são uma dívida pública vertiginosa de 317 bilhões de euros com a União Europeia e o sistema financeiro internacional, que resgataram a Grécia da quebra. Ela equivale a 175% do Produto Interno Bruto do país. Desde o início da crise, o PIB da Grécia caiu 25% e a taxa de desemprego chegou perto de 26%. Isso significa o colapso dos serviços públicos, uma queda atroz dos níveis de vida e um crescimento canceroso da pobreza. A se ouvir os dirigentes do Syriza e seu inspirado líder - o novo primeiro-ministro Alexis Tsipras -, essa situação não se deve à inépcia e à corrupção desenfreada dos governos gregos ao longo de várias décadas, que, com irresponsabilidade delirante, chegaram a apresentar balaços e informes econômicos fraudados à UE para dissimular seus desmandos, mas às medidas de austeridade impostas pelos organismos internacionais à Grécia para resgatá-la da impotência a que as más políticas a haviam conduzido.

O Syriza propôs acabar com a austeridade e com as privatizações, renegociar o pagamento da dívida com a condição de que houvesse um cancelamento da maior parte dela, e reativar a economia, o emprego e os serviços com investimentos públicos contínuos. Um milagre equivalente ao de curar um doente terminal fazendo-o correr maratonas.

Desse modo, o povo grego recuperaria uma "soberania" que, ao que parece, a Europa em geral, a troica, o governo da senhora Merkel, em particular, lhe haviam arrebatado.

O melhor que poderia ocorrer é que essas bravatas da campanha eleitoral fossem arquivadas agora que o Syriza tem responsabilidades de governo e, como fez François Hollande na França, ele reconheça que prometeu coisas mentirosas e impossíveis e retifique seu programa com espírito pragmático, o que, sem dúvida, provocará uma decepção terrível entre seus ingênuos eleitores. Se não o fizer, a Grécia poderá enfrentar a bancarrota, a saída do euro e da União Europeia, e afundar no subdesenvolvimento. Há sintomas contraditórios e ainda não está claro se o novo governo grego dará marcha à ré. Ele acaba de propor, em vez do cancelamento, uma fórmula picaresca e velhaca que consiste em converter sua dívida em duas classes de bônus, uns reais, que iriam sendo pagos à medida que sua economia crescesse, e outros fantasmas, que iriam se renovando ao longo da eternidade. França e Itália, também vítimas de graves problemas econômicos, manifestaram não ver com maus olhos semelhante proposta. Ela não prosperará, com certeza, porque nem todo país europeu perdeu o senso de realidade.

Em primeiro lugar, e com muita razão, vários membros da União Europeia, além da Alemanha, recordaram a Grécia de que não aceitam "quitações", nem explícitas nem dissimuladas, e os países devem cumprir seus compromissos. Os mais severos a esse respeito foram Portugal, Espanha e Irlanda, que, depois de grandes sacrifícios, estão saindo da crise depois de cumprir com suas obrigações.

A Grécia deve 26 bilhões à Espanha. A recuperação espanhola custou sangue, suor e lágrimas. Por que os espanhóis teriam de pagar de seus bolsos as más políticas dos governos gregos, além de já estar pagando pelas políticas dos seus? A Alemanha não é culpada de um bom número de países da Europa comunitária estar com sua economia arruinada. A Alemanha teve governos prudentes e competentes, austeros e honrados, e, por isso, enquanto outros países se desestabilizavam, ela crescia e se fortalecia. E convém não esquecer que a Alemanha teve de absorver e ressuscitar um cadáver - a Alemanha comunista - também à custa de formidáveis esforços, sem se queixar, sem pedir ajuda a ninguém, só com o empenho e o estoicismo de seus cidadãos.

Por outro lado, o governo alemão da senhora Merkel é europeísta decidido. A melhor prova disso é a maneira generosa e constante com que apoia, com seus recursos e suas iniciativas, a construção europeia. Só a proliferação dos estereótipos e mitos ideológicos explica esse fenômeno de transferência freudiana que leva a Grécia a culpar o país mais eficiente da União Europeia pelos desastres que provocaram os políticos que, durante tantos anos, o povo grego enviou ao governo com seus votos. /tradução de Celso Paciornik

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Escritor peruano e prêmio Nobel