sábado, 17 de janeiro de 2015

Opinião do dia - Fernando Henrique.

Faz exatos 30 anos da eleição de Tancredo Neves à Presidência da República. O destino não permitiu sua posse, mas a história registrara para sempre a data em que a ditadura foi derrotada no Congresso e o sacrifício exemplar deste homem que soube construir o futuro.

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O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso relembrou, no Facebook, (15/1/2015),que há 30 anos Tancredo Neves foi eleito presidente da República, nas primeiras eleições após 21 anos de governo militar. De forma emocionada, ele destacou que a data deve ser recordada como a que marcou a vitória do Congresso sobre o fim de um período ditatorial.

Empreiteiras cobram punição de políticos

• Grupos empresariais atuam nos bastidores para que processos da Lava Jato cheguem a autoridades ligadas a partidos e ao governo federal

Alexa Salomão - O Estado de S. Paulo

Parte das empreiteiras investigadas sob suspeita de integrar o cartel da Petrobrás começou a atuar nos bastidores a fim de que as punições do escândalo não se restrinjam a seus executivos, a operadores e a ex-diretores da estatal. O objetivo é tentar deixar claro que houve protagonismo de políticos ligados ao governo e que a direção da Petrobrás teve participação ativa na formação do conluio entre as empresas.

A preocupação dos empreiteiros - externada em conversas reservadas - está no fato de a Operação Lava Jato estar dividida em duas instâncias judiciais.

A parte que trata de executivos, operadores e ex-diretores da Petrobrás está sob a guarda da primeira instância, mais precisamente sob condução de Sérgio Moro, magistrado considerado linha-dura que atua na Justiça Federal no Paraná. Já a outra parte da investigação - a que apura a participação de políticos -, está sob a guarda do Supremo Tribunal Federal. Isso porque parte dos citados é parlamentar e tem, portanto, foro privilegiado.

A fórmula, mesmo legal, criou dois pesos e duas medidas, na visão das construtoras - elas já tentaram juntar as investigações a partir de um recurso no STF, mas os ministros entenderam que o caso deve mesmo ficar desmembrado: parte no Paraná e parte em Brasília.

'Crucificado'. Um empreiteiro ouvido pela reportagem afirma que não é "santo", mas que não está certo ser "crucificado" sozinho. Ele cita a delação premiada de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás. Costa afirmou que, a partir de 2004, iniciou-se uma cobrança de até 3% de propina para partidos políticos nos contratos das empresas com a estatal. Os depoimentos de delação premiada do ex-diretor, assim como os do doleiro Alberto Youssef - outro que cita pagamentos a políticos -, são sigilosos e estão sob a guarda do Supremo, que deve abrir os inquéritos envolvendo os políticos em fevereiro. Os processos envolvendo os empreiteiros tocados pela Justiça Federal do Paraná não estão sob sigilo.

Essas duas questões - ritmo da investigação e sua publicidade - são a base das queixas reservadas dos empreiteiros. Eles questionam o fato de a maioria dos presos da Lava Jato, atualmente, ser formada por executivos das empresas que atuam em contratos da Petrobrás.

A permanência na cadeia virou um "suplício", não apenas para os presos e seus familiares, mas para todos que atuam no setor de construção, segundo classificou outro empreiteiro ouvido pela reportagem. Esse empresário chega a comparar as prisões às "torturas dos anos 70", ressaltando que as prisões são "tortura psicológica", mas não deixam de ser "tortura". Ele fala de um "temor generalizado" entre o empresariado, que segundo ele foi transformado numa "facção criminosa, à margem de tudo, uma espécie de PCC da construção".

Dentro da tática de colocar os partidos em posição de protagonismo do escândalo, pelo menos uma das empresas investigadas já preparou uma lista de nomes de políticos que receberam propinas no esquema de corrupção na Petrobrás, conforme mostrou ontem o jornal Folha de S.Paulo.

O Estado revelou uma lista com 28 nomes de políticos citados por Costa em depoimentos da delação premiada: 8 do PMDB, 10 do PP, 8 do PT, 1 do PSB e 1 do PSDB. Os ex-ministros Antonio Palocci e Gleisi Hoffmann, ambos do PT, e Edison Lobão, do PMDB, estavam no rol.

Na semana passada, a revista Veja publicou anotações do empreiteiro Ricardo Pessoa, presidente da UTC, que está preso. Os manuscritos fazem ameaças veladas a políticos. Em documento enviado à Petrobrás e revelado pela Folha de S.Paulo, a UTC afirma que, se houve cartel, a responsabilidade é da estatal.

Delator diz que propina a lobista foi paga em 7 países

• Julio Camargo afirmou ter repassado US$ 30 mi a Baiano, ligado ao PMDB

• Segundo o Ministério Público, parte do dinheiro foi destinado a Cerveró, ex-diretor da estatal preso na quarta

Aguirre Talento, Gabriel Mascarenha, Srubens Valente - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dos principais delatores da Operação Lava Jato deu detalhes à Justiça de como os pagamentos de propina a Fernando Soares, lobista ligado ao PMDB, passaram por um complexo processo de operações simuladas, depósitos em contas de empresas de fachada e transferências financeiras para contas de pelo menos sete países.

O caminho do dinheiro pago a Soares foi detalhado por Julio Camargo, que atuou como consultor intermediando contratos de empresas com a Petrobras, ao apresentar sua defesa à Justiça, onde ele também corrigiu valores que abasteceram o esquema de pagamentos de propina na Petrobras.

Segundo o Ministério Público Federal, o dinheiro repassado ao lobista abasteceu a propina que teria sido paga ao ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, preso na última quarta-feira (14).

Cerveró admitiu que mantinha relações com Soares, também conhecido como Fernando Baiano, mas nega ter recebido propina e afirma que não mantém contas bancárias no exterior, seja em seu nome ou de terceiros. A defesa de Baiano informou que ele só irá responder às acusações formalmente na Justiça.

Na resposta à ação penal já oferecida pelo Ministério Público Federal contra Camargo, Cerveró e outros personagens envolvidos na história, o consultor detalhou as transferências e também corrigiu o valor delas, de US$ 40 milhões para cerca de US$ 30 milhões.

As transferências foram feitas no Brasil, entre empresas que Camargo e Baiano mantinham, no exterior, envolvendo contas de empresas de fachada, e também por meio do doleiro Alberto Youssef, que intermediou parte dos repasses.

Segundo o Ministério Público, os repasses foram feitos a pedido de Baiano para que ele intercedesse junto a Cerveró com o objetivo de que a Petrobras contratasse a Samsung para o fornecimento de sondas de perfuração, contratos que foram efetivados.

O Ministério Público, porém, ainda não conseguiu comprovar o recebimento da propina pelo ex-diretor.

Segundo Camargo, a primeira comissão solicitada por Baiano foi de cerca de US$ 15 milhões. O pagamento ocorreu por meio da conta de uma de suas empresas, a Piemonte, mantida no Uruguai, para dificultar o rastreamento.

De lá saíram 35 transferências a outras contas que teriam sido indicadas por Baiano, todas no exterior, sediadas em países como Suíça, Estados Unidos, Luxemburgo, China, Espanha e Geórgia.

Depois, segundo a delação premiada, Baiano pediu uma nova comissão, desta vez de US$ 25 milhões, que não chegou a ser paga integralmente, mas passou por um processo ainda mais complexo, ao fim do qual cerca de US$ 15 milhões foram repassados.

Desta vez Camargo teve ajuda do doleiro Youssef para fazer os pagamentos. O consultor simulou contratos no Brasil com uma empresa de Youssef, a GFD Investimentos.

Camargo ainda realizou remessas ao exterior por meio de suas empresas, que foram usadas para transferir recursos a Youssef, também com o objetivo de repassá-los ao lobista e quitar sua dívida.

O Ministério Público acusou Cerveró de ter omitido da Justiça o fato de possuir um passaporte espanhol. O passaporte poderia facilitar a fuga do país.

A defesa do ex-diretor, porém, diz que na quinta (15) já havia informado possuir cidadania espanhola, ao entrar com pedido de habeas corpus. Nesta sexta, a Justiça Federal recusou o pedido de liberdade de Cerveró.

Colaborou Estelita Hass Carazzai, de Curitiba

Cerveró: conselho da Petrobras cometeu ‘grave falha’ em Pasadena

• Para ex-diretor, órgão chefiado por Dilma foi negligente na compra de refinaria

Germano Oliveira, Silvia Amorim e Guilherme Voitch - O Globo

SÃO PAULO E CURITIBA - Preso desde quarta-feira na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, o ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró apresentou nesta sexta-feira à Justiça um parecer, formulado pelo advogado André Saddy, para se isentar de responsabilidade na compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, na qual a Petrobras sofreu um prejuízo de US$ 792 milhões. Ele voltou a culpar o Conselho de Administração da estatal, então presidido por Dilma Rousseff, pelos erros na compra. Ele diz no documento que o Conselho cometeu “grave falha” na aquisição da refinaria, adquirida da Astra Oil em fevereiro de 2006.

“Pode-se observar uma grave falha porque os membros do Conselho de Administração não tomaram a decisão da forma estabelecida no estatuto social da Petrobras. Sua deliberação deveria estar instruída com a decisão da Diretoria Executiva, as manifestações da área técnica ou do comitê competente e do parecer jurídica, e não estava”, diz o documento de Cerveró.

No ano passado, ao comentar o assunto, Dilma afirmou que o conselho autorizou a aquisição da refinaria americana com base num parecer falho elaborado por Cerveró. Para Cerveró, foi “negligente”.

“O Conselho de Administração não observou as normas internas, imperativas da Petrobras, que regiam tais tipos de aquisições, o que demonstra uma violação do dever de diligência, pois seus membros não procederam com o devido zelo, assim agindo de forma negligente”, diz Cerveró. Segundo a defesa do ex-diretor, o Conselho agiu também “precipitadamente” no negócio.

Segundo o delegado Igor Romário de Paula, da Polícia Federal, que comanda a investigação da Operação Lava-Jato, Cerveró será ouvido novamente na próxima segunda-feira. Segundo ele, nos próximos dias pode ocorrer ainda um terceiro depoimento, este exclusivamente sobre Pasadena.

— O depoimento de quinta-feira foi colhido em um primeiro momento. Quando o preso chega aqui, é dada a oportunidade a ele de apresentar sua versão. Agora, ele será confrontado com documentos apreendidos com ele, com os depoimentos dos demais detidos e com outras provas — disse o delegado.

Segundo ele, no próximo depoimento, Cerveró será inquirido de forma mais incisiva.

— Pretendemos fazer um depoimento dele especificamente sobre Pasadena — disse o delegado, lembrando que em sua delação premiada, o ex-diretor Paulo Roberto Costa afirmou que Cerveró recebeu propina durante a compra da refinaria americana de Pasadena.

Ontem, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou habeas-corpus em favor de Cerveró.

Erundina é recebida como ilustre em debate de novo partido de ex-marineiros

• 'O novo é Erundina, é o sonho que nunca envelhece', disse o historiador Célio Turino, um dos idealizadores da nova sigla Avante

Ana Fernandes – O Estado de S. Paulo

São Paulo - A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) foi recebida como visita ilustre na reunião de militantes de um novo projeto político, provisoriamente batizado de Avante, na capital paulista. O projeto envolve pessoas que foram ligadas ao Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, como o historiador Célio Turino, o sociólogo Marcelo Soares e o jornalista Emílio Franco Jr., e conta com outros interessados também. O grupo deixou a Rede decepcionado com a decisão de Marina de apoiar o senador Aécio Neves (PSDB) no segundo turno.

Como apresentou Turino, é um partido esquerdista, baseado em conceitos de bem viver, respeito ao bem comum e que trabalha com o conceito do ecossocialismo. Turino relatou às cerca de 100 pessoas presentes que o movimento, nascido há cerca de dois meses, se inspira em partidos como o Podemos da Espanha, horizontal e com círculos autorais, e que se vê como uma opção de segunda via, pois o que existe hoje no Brasil, para ele, é a mesma representação de uma única casta política.

Ao ser anunciada, Erundina foi bastante aplaudida e reverenciada pelo grupo. Turino criticou o sistema político partidário brasileiro, em que partidos são criados para negociar fundo partidário e tempo de televisão. Disse que figuras públicas que de fato servem à população e que mantêm a coerência são cada vez mais raras. "O novo é Erundina, é o sonho que nunca envelhece", disse ao apontar para deputada e ex-prefeita da Capital, na primeira fila da plateia.

Turino defendeu a necessidade da criação do Avante, argumentando estarem corrompidos os partidos existentes dentro do sistema de "castas" políticas e que não buscam mais o bem viver da população. E citou como exemplo a recente indicação de Gabriel Chalita (PMDB) como secretário de Educação na Prefeitura comandada por Fernando Haddad (PT), articulação que nos bastidores diz-se ter sido fechada com vistas em uma parceria para a reeleição de Haddad em 2016. "O secretário de Educação de Erundina foi Paulo Freire. Hoje, por um cálculo eleitoral, entrega-se a secretaria para o Chalita. O sistema corrompe até pessoas bem intencionadas, orientadas, mas que entram numa lógica do sistema que é fatal", disse em referência ao prefeito.

O filósofo e engenheiro Bruno Cava, outro idealizador do Avante, abriu sua fala também com uma reverência a Erundina, dizendo que tinha apenas 9 anos quando ela assumiu a prefeitura, em 1989, mas que vê até hoje a importância de sua gestão. "Temas como o passe livre e o IPTU progressivo eram debatidos dentro do gabinete quando a Erundina era prefeita, hoje são consideradas pautas fundamentalistas", afirmou - a reunião é realizada em um prédio na Avenida Paulista, que recebeu um protesto do Movimento Passe Livre, contra o aumento da tarifa de ônibus de R$ 3 para R$ 3,50.

Apesar das deferências, a deputada disse estar presente para participar da discussão política. Em entrevista ao Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, na quarta-feira, 14, Erundina afirmou não pensar em deixar o PSB. Erundina falaria ao grupo após a apresentação do espanhol Javier Toret, pesquisador e fundador do partido X.

Senador de Pernambuco inicia reaproximação do PSB com governo Dilma

• Em conversa com ministros, bezerra defende que independência não é oposição

Júnia Gama – O Globo

Ex-ministro do governo de Dilma Rousseff, o senador eleito Fernando Bezerra Coelho (PE) está comandando uma reaproximação de seu partido, o PSB, com o governo. Desde dezembro, ele conversou com ministros como Aloizio Mercadante (Casa Civil), Jaques Wagner (Defesa), Cid Gomes (Educação) e Gilberto Kassab (Cidades) com o objetivo de reconstruir pontes e deixar claro que a posição de independência do partido não é sinônimo de oposição. O PSB se afastou do governo quando ex-governador Eduardo Campos, falecido em agosto, candidatou-se à Presidência da República.

Em entrevista ao GLOBO, Bezerra defendeu que a posição de independência que a Executiva do partido decidiu adotar em novembro do ano passado seja revista, de olho nas eleições municipais do próximo ano. Ele diz que seu primeiro objetivo é desfazer suposições de que o partido estaria alinhado à oposição, especialmente após a formação do bloco de apoio ao deputado Júlio Delgado (PSB-MG) para a presidência da Câmara, com PSDB, PPS e PV.

- Essa posição de independência precisará ser reavaliada até setembro, quando se inicia o processo para o calendário das eleições municipais. O PSB não tem hoje a liderança nacional que tinha com Eduardo Campos para ter um projeto próprio nas eleições de 2018. Então, vai ter que discutir uma política de alianças. Com esse calendário eleitoral, é preciso saber quais vão ser os parceiros principais. A história do PSB é de ter alianças a nível nacional com o PT. Vamos opinar que na definição de alianças o PSB procure as parcerias que sempre tivemos com o PT - disse Bezerra.

O ex-ministro disse que, mesmo que o partido volte a integrar a base, deverão ser respeitadas as autonomias dos diretórios dos estados onde há alianças com a oposição, como Minas Gerais e São Paulo. E diz que "está fora de cogitação" o PSB voltar a ocupar cargos no governo Dilma.

Casagrande defende independência
Renato Casagrande, ex-governador do Espírito Santo, disse que não há conversas institucionais com o governo e defendeu que seja mantida a posição de independência.

- O partido não conversa, nem recebeu nenhuma demanda para voltar a ter relação com o governo. Tem gente no PSB que tem mais relação com governo e com PT, e nossa posição de independência não nos impede de conversar nem com governo nem com oposição. Mas não há previsão de mudar de posição - disse Casagrande.

O deputado Júlio Delgado, que conta com apoio da oposição para se eleger, também é cauteloso ao dizer que sua candidatura é de independência, e não de oposição, já que também tentará buscar votos da base do governo.

- Tenho apoio de dois partidos de oposição e de dois partidos independentes. A posição do partido foi dada pela Executiva. Nem a minha candidatura, nem a tentativa dele de reaproximação vão mudar isso. A candidatura também é da oposição, mas é candidatura de independência.

O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), e o prefeito de Recife, Geraldo Júlio (PSB), pretendem manter posição de independência por coerência com a postura que o partido adotou nas eleições do ano passado.

- Não quer dizer que o partido vá adotar uma postura de oposição e se alinhar com PSDB e DEM, mas também não vai participar do governo com ocupação de cargos - disse um interlocutor dos pernambucanos.

PT do Rio reivindica cargos de segundo escalão no governo Dilma

• Petistas foram indicados para órgãos como Funarte e Casa da Moeda

Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA - Ignorado pela presidente Dilma Rousseff na reforma ministerial para o segundo mandato, o diretório do PT do Rio reivindica, pelo menos, quatro cargos de segundo escalão para compensar o fato de não ter emplacado nenhum representante na Esplanada dos Ministérios.

A lista encaminhada pelo presidente do PT do Rio, Washington Quaquá, e por Alberto Cantalice, um dos vice-presidentes nacionais do partido, ao presidente nacional do PT, Rui Falcão, inclui a presidência da Casa da Moeda, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), a presidência da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a presidência da Fundação Nacional de Artes (Funarte).

O indicado para a Funarte é o deputado estadual Robson Leite, que não se reelegeu. O PT do Rio ainda tenta emplacar o deputado federal Jorge Bittar, que também ficou sem mandato, em um cargo na Eletrobras. Outra alternativa para Bittar é assumir uma diretoria da Light, que é parte do Grupo Cemig. A empresa é controlada pelo governo de Minas, que acaba de ser assumido pelo petista Fernando Pimentel.

O diretório do PT do Rio tenta recuperar a presidência da Casa da Moeda quase dez anos depois de Manoel Severino ter deixado o cargo acusado de ter recebido dinheiro do mensalão. Atualmente a Casa da Moeda é comandada por Francisco de Assis Leme Franco, um funcionário de carreira do governo sem vinculação política.

A pedido do comando nacional do PT, todos os diretórios estaduais do partido enviaram indicações de nomes e reivindicações de cargos, que não necessariamente serão atendidos pela presidente Dilma. Essas nomeações só devem ser feitas depois da eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, em 1º de fevereiro.

PT de olho em Pernambuco
Uma das prioridades da direção nacional do PT na composição do segundo e terceiro escalão do governo federal é a ocupação de cargos em estados como Pernambuco, onde o partido teve um desempenho eleitoral trágico. Lá, além de não eleger nenhum deputado federal, o governador e o prefeito do Recife são adversários dos petistas. A ocupação de cargos federais no estado seria uma estratégia para tentar fortalecer o partido lá.

Um dos contemplados deve ser o deputado federal João Paulo Lima, ex-prefeito de Recife. No ano passado ele disputou uma vaga para o Senado e perdeu. Escaldadas pela reforma ministerial, lideranças partidárias são cautelosas e tentam não alimentar esperanças entre os correligionários:

— É um governo de continuidade, então é complicado tirar petista que está no cargo e trocar por outro. E tudo bem que os ministérios não terão porteira fechada, mas não é fácil chegar num ministério comandado pelo PMDB e exigir cargos — disse um dirigente.

A reclamação dentro do partido é grande. Neste segundo mandato de Dilma, o PT foi desalojado dos ministérios da Fazenda e da Educação. Além disso, a corrente majoritária do partido, ligada ao ex-presidente Lula, foi desalojada do núcleo político do Palácio do Planalto. Os petistas queriam ainda assumir os ministérios do Trabalho e dos Esportes, o que não conseguiram.

PT e Lula querem convencer Marta a continuar no partido

• Ex-presidente pode oferecer candidatura ao governo paulista

Marina Dias – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A cúpula do PT decidiu sinalizar à senadora Marta Suplicy (SP) que deseja negociar sua permanência no partido, com aval e atuação direta do ex-presidente Lula.

A senadora tem se movimentado para sair do PT e concorrer à Prefeitura de São Paulo ainda em 2016, por outra legenda. Nesse cenário, na avaliação de dirigentes petistas, ter Marta na disputa poderia prejudicar a reeleição de Fernando Haddad (PT).

Na quinta-feira (15), o presidente nacional do PT, Rui Falcão, reuniu-se com Lula em São Paulo e conversou sobre a situação de Marta, entre outros assuntos.

Ficou acertado que, inicialmente, o presidente estadual do PT-SP, Emidio de Souza, irá procurar a senadora e indicar as intenções do partido.

Caso Marta se mostre disposta a conversar, aliados afirmam que Lula entrará no circuito. Integrantes da direção do PT e interlocutores do ex-presidente dizem que o aceno será o de que ela poderia ser a candidata petista ao governo paulista em 2018.

Aliados afirmam que a senadora tem um "projeto pessoal" de voltar a concorrer a um cargo majoritário em São Paulo e, como completará 70 anos em março, vê a eleição de 2016 como "sua última chance". Mesmo assim, ponderam, estaria disposta a aceitar a vaga de candidata do PT ao governo do Estado.

Integrantes de outros partidos que acompanham com atenção a política estadual também apostam que o jogo de Marta aponta em direção ao Palácio dos Bandeirantes.

"O problema é que ela não fala o que quer. Nunca reivindicou participar de prévias com Haddad para 2016, por exemplo", diz um petista.

A senadora fez recentemente declarações públicas em que criticou a presidente Dilma Rousseff, atacou o presidente nacional do PT, Rui Falcão, a quem chamou de "traidor", e disse que o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, é "inimigo" de Lula.

Segundo Marta, o PT chegou a uma encruzilhada em que "ou muda ou acaba."

A avaliação inicial de dirigentes petistas era a de que as duras críticas colocavam um ponto final em sua relação com o partido. No entanto, os possíveis danos à reeleição de Haddad e à imagem do PT mudaram o cenário.

Articulação
Desde novembro, o marido da senadora, o empresário Márcio Toledo, tem negociado sua mudança de partido. Entre as conversas, esteve com o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), de quem é amigo, e com lideranças do PSB.

Na última semana, Haddad indicou Gabriel Chalita (PMDB) para sua secretaria de Educação e amarrou o partido de Temer para apoiar sua reeleição no próximo ano.

"Isso frustrou os planos de Marta, e ela endureceu o tom", afirma um petista.

O PT estipulou até o dia 1º de fevereiro para resolver a situação de Marta. O temor é que ela inicie o ano na tribuna do Senado com críticas ao governo e ao partido, o que aumentaria o desgaste.

Caso Marta não aceite permanecer no PT, a legenda não pretende expulsá-la nem reivindicar seu mandato.

Novas regras do seguro-desemprego podem atingir dois milhões de trabalhadores

• Mudanças reduzem em 26,58% o acesso ao benefício. Governo argumenta que medida vai gerar economia de R$ 18 bilhões em 2015

Cristiane Bonfanti – O Globo

BRASÍLIA - O Ministério do Trabalho informou nesta sexta-feira que as novas regras para a concessão do seguro-desemprego podem reduzir o acesso ao benefício em 26,58%. Segundo cálculos do órgão, no ano passado, 8.553.733 trabalhadores requereram o seguro com base nas regras antigas. Se as mudanças forem aplicadas para esse mesmo universo de pessoas, 2.273.607 não receberiam o benefício.

“Esse é um cenário com base nos dados do seguro-desemprego, que está mudando para defender um patrimônio do trabalhador, que é o FAT. Nenhum direito está sendo suprimido”, comentou o ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, por meio de nota.

O ministério ressaltou que o novo modelo garante o benefício à maior parte das pessoas que o pedem pela primeira vez. Pela análise dos técnicos do MTE,

1.831.308 trabalhadores continuariam recebendo o seguro, por terem recebido 18 salários ou mais em 24 meses. Isso representa 50,47% do universo de 3.628.382 requerentes do benefício pela primeira vez.

Entre os que requerem o seguro pela segunda vez, o volume de pessoas enquadradas nas novas regras seria ainda maior: 66,81%. Pelo menos 1.258.542 solicitantes teriam acesso por terem recebido 18 salários ou mais. Isso representa 50,48% do universo de 2.493.299 trabalhadores nessas condições. Além disso, outros 407.065 trabalhadores acessariam o benefício por terem recebido de 12 a 17 salários no período. Esses representam 16,33% dos beneficiados do grupo de segunda vez.

Ficariam sem acesso ao benefício 1.048.630 trabalhadores de primeira solicitação, que receberam entre 6 e 11 salários (28,9% da base de 3.628.382 trabalhadores). Outros 552.880 (15,24% da base de 3.628.382 trabalhadores) não receberiam o seguro na primeira vez por terem recebido entre 12 e 17 salários. Entre os que pediriam as parcelas pela segunda vez, ficariam sem acesso, pelas novas regras, 672.097 pessoas (26,96% da base de 2.493.299 trabalhadores).

Em 2014, foram negados pedidos de benefício para 195.564 trabalhadores que não tinham recebido no mínimo seis salários na primeira solicitação e para 155.595 que não tinham recebido seis salários na segunda solicitação. Com as novas regras, esses também ficariam de fora se requeressem seguro a partir de março, quando as medidas entram em vigor.

Novas regras
Anunciadas em dezembro, as alterações nas regras dos benefícios foram realizadas por meio duas medidas provisórias – uma na área trabalhista e outra na previdenciária. O governo argumentou que o pacote vai gerar uma economia de R$ 18 bilhões em 2015. As medidas, além de reduzir o déficit na Previdência (que está perto de R$ 50 bilhões), ajudarão a equipe econômica a fechar as contas públicas este ano. As mudanças incluem restrições no acesso ao abono salarial, ao seguro-desemprego e ao auxílio-doença, além de uma minirreforma na Previdência Social, com alterações nas regras das pensões. No caso do seguro-desemprego, o governo elevou de seis para 18 meses o período aquisitivo e ajustou o número de parcelas, que varia de três a cinco. As novas exigências entrarão em vigor no início de março. Na avaliação do Ministério da Fazenda, no curto prazo, essa é a maior medida de maior impacto na redução de despesas.

Nesta quarta-feira, entrou em vigor a primeira alteração na regra da pensão por morte. Desde 14 de janeiro, só tem direito ao benefício quem tem, no mínimo, dois anos de relacionamento estável. As demais regras a respeito do benefício entram em vigor em 1º de março.

No que diz respeito às pensões, a proposta do governo prevê o fim do benefício vitalício para cônjuges jovens. Foi estipulada uma tabela que assegura o benefício pela vida inteira para quem fica viúvo com 44 anos ou mais e que tenha expectativa de sobrevida de até 35 anos. Abaixo dessa idade, o benefício passará a ser temporário e dependerá da sobrevida do pensionista. Entre 39 anos e 43 anos, por exemplo, o prazo é de 15 anos; entre 22 e 32 anos, de seis anos; e, abaixo de 21 anos, de três anos. O cálculo do benefício também muda. Por exemplo, uma viúva sem filhos passará a receber 60% do valor do benefício, e não mais 100%. Cada filho terá direito a uma cota de 10%, que termina aos 21 anos de idade.

As novas normas do seguro-defeso (pago aos pescadores durante o período em que a pesca é proibida) valerão daqui a 90dias.Os trabalhadores precisarão solicitar o auxílio nas agências do INSS. Hoje, esse pedido é feito nas superintendências do Ministério do Trabalho e Emprego ou nos postos do Sine. Segundo Manoel Pires, a verificação dos requisitos também passará a ser feito pela Previdência. O MTE continuará responsável pelo pagamento dos benefícios.

Veja Também: 

  • Ministro diz que alterações nas regras de benefícios ‘não subtraem’ direitos dos trabalhadores
  • Mudanças nas regras do seguro-desemprego entram em vigor em 60 dias
  • Nova regra para a pensão por morte entra em vigor
  • Aperto nas contas públicas é obstáculo à regulamentação de direitos de domésticos
  • Entenda as mudanças nas regras para concessão de benefícios do FAT e da Previdência
  • 2,3 mi não teriam seguro com mudança nas regras

    • Dos demitidos em 2014, 27% perderiam benefício

    - Folha de S. Paulo

    BRASÍLIA - As mudanças no seguro-desemprego, que o governo adotou dentro do esforço de conter gastos, devem acabar com o benefício em 26,6% dos casos, informou o Ministério do Trabalho nesta sexta-feira (16). O balanço foi feito com base nos dados do ano passado.

    Em 2014, pediram o seguro cerca de 8,55 milhões de trabalhadores. Desse total, 2,27 milhões não receberiam o benefício com as regras novas, que entrarão em vigor em março.

    Segundo o ministério, aproximadamente metade dos trabalhadores que pediram o seguro em 2014 pela primeira vez passaria a não ter direito ao benefício.

    Pelas novas regras, para receber o seguro pela primeira vez, o trabalhador precisa ter trabalhado 18 meses nos últimos 24 meses anteriores à data da dispensa. A norma anterior exigia 6 meses trabalhados nos últimos 36 meses.

    Com as mudanças, o trabalhador que tiver pedido o seguro pela segunda vez precisará ter recebido salários por pelo menos 12 nos últimos 16 meses anteriores à data da dispensa. Antes, também eram exigidos 6 meses de salário nos últimos 36 meses.

    Na terceira vez, a exigência é ter recebido salário nos 6 meses imediatamente anteriores à data da dispensa --como na regra atual.

    O ministro Manoel Dias minimizou os dados do balanço. Em nota, afirmou que "nenhum direito está sendo suprimido" e que as mudanças servem para "defender um patrimônio do trabalhador".

    O governo também alterou as regras para pensão por morte, abono salarial, auxílio-doença e seguro-defeso. Com essas mudanças, espera economizar R$ 18 bilhões.

    O cotidiano invisível

    • Em novo livro, José de Souza Martins reflete sobre o embate entre as transformações no dia a dia da sociedade.

    • "Nossa sociedade tem sido historicamente uma sociedade de poucas possibilidades de inovações e transformação"

    Márcio Sampaio de Castro – Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

    Defensor apaixonado da investigação dos fenômenos aparentemente menos importantes da vida cotidiana na prática sociológica como técnica valiosa para a compreensão dos chamados aspectos invisíveis da sociedade, José de Souza Martins, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), acaba de lançar em forma de livro suas reflexões sobre o tema.

    Admirador de Florestan Fernandes (1920-1995), seu professor nos anos de graduação na mesma instituição, da obra de Charles Wright Mills (1916-1962) e, sobretudo de Henri Lefebvre (1901-1991), Martins deixa claro em seu "Uma Sociologia da Vida Cotidiana" (Contexto, 224 págs.) que o ponto de aproximação entre esses autores foi a capacidade de produzir investigações baseadas no artesanato intelectual e na chamada imaginação sociológica. Talvez o exemplo mais eloquente venha do francês Lefebvre, que durante um tempo trabalhou como motorista de táxi em Paris para capturar a essência daquilo que classificava como as incógnitas do vivido.

    Martins, admirado por seus pares e alunos por possuir impressionante capacidade de extrair dos pequenos eventos reflexão profunda sobre o embate entre as incessantes transformações e a permanência das tradições no interior da sociedade, expõe alguns dos elementos que aparecem em sua mais recente obra.

    Valor: Seu mais novo livro, "Uma Sociologia da Vida Cotidiana", nasceu de uma disciplina criada pelo senhor na USP. Em sua opinião, a academia tem perdido o traquejo de como pensar as pequenas questões do cotidiano e, a partir daí, transportá-las para uma leitura estrutural da sociedade?

    José de Souza Martins: A academia não poderia perder o que não tinha. Nas ciências humanas, a grande tradição sempre foi a de pesquisa e estudo das estruturas e processos sociais, sem maior interesse por sua dimensão microssociológica. Lentamente, no entanto, vem tomando consciência e ganhando compreensão, em todos os campos do conhecimento, da importância crescente das "coisas pequenas" e da vida cotidiana na realidade social, econômica, política e histórica. Pesquisadores têm sublinhado que a própria Revolução Francesa foi detonada pela reação da população do bairro parisiense de Saint Antoine à elevação do preço do pão, um banal acontecimento bem cotidiano.

    Valor: No Brasil, há quem diga que o país precisa mais de engenheiros do que de sociólogos. Em sua obra, ao tratar da imaginação sociológica e do artesanato intelectual, o senhor retoma pensadores clássicos como Wright Mills, Henri Lefebvre, Florestan Fernandes, Gilberto Freyre (1900-1987) e, claro, os fundadores do pensamento sociológico. Cita ainda a obra de Guimarães Rosa (1908-1967) como exemplo dessa imaginação e prática sociológica. Sob o ponto de vista qualitativo, essa é uma falsa polêmica?

    Martins: Certamente é uma falsa polêmica. Os engenheiros estão sendo substituídos pelo computador e a engenharia de aplicação está se concentrando em funções que até há pouco tempo eram desempenhadas por técnicos e artesãos. A sociologia não é imune à tendência geral da divisão social do trabalho nem disputa espaços com outras especialidades. No meu livro "A Aparição do Demônio na Fábrica" [Editora 34] analiso um caso ocorrido em grande indústria da região do ABC, em meados dos anos 1950, que presenciei, decorrente de um problema de engenharia que os engenheiros podiam resolver no plano técnico, mas não no plano dos problemas sociais por ele causados. Os engenheiros não conseguiam ver nem compreender o pânico que tomou conta das operárias de uma das seções da fábrica, cujos problemas técnicos acreditavam ter sido causados por Satanás, por falta de benzimento dos equipamentos de uma nova fábrica. Na falta de sociólogo, a empresa improvisou chamando o padre...

    Valor: Alguns movimentos recentes, como os "riots" de Londres (2011), as manifestações em Ferguson, nos EUA (2014), e as marchas de junho (2013) no Brasil, parecem apontar para sentimentos de insatisfação e frustração maiores e mais difusos do que as reivindicações inicialmente formuladas. Outro ponto comum curioso é a ausência de lideranças expressivas. O que esses movimentos indicariam?

    Martins: No meu modo de ver, houve um retorno das ações sociais ao âmbito do chamado comportamento coletivo, o comportamento de multidão, estudado por Gustave LeBon [1841-1931] no século XIX. Essa modalidade de ação havia evoluído para os movimentos sociais após a Segunda Guerra e durante cerca de 50 anos foi o modo como as sociedades se manifestaram em relação a suas carências e reivindicações. A própria sociologia, mesmo sem pretendê-lo, contribuiu para que os movimentos sociais, ao explicá-los, fossem institucionalizados. Governos, partidos, igrejas incorporaram essas tensões e definiram-lhes caminhos. Estamos vendo isso aqui no Brasil: os movimentos sociais deram origem ao Partido dos Trabalhadores. No poder, o PT os capturou e instrumentalizou. Os movimentos sociais foram domesticados e esvaziados. É compreensível que aqui e em outras sociedades as tensões sociais explodam na forma de ações coletivas diretas, o chamado comportamento coletivo, imprevisível. Essas ações também serão capturadas e domesticadas, o que desencadeará novas modalidades de protesto e de reivindicação. É o que propriamente define a sociedade pós-moderna.

    Valor: A questão do tempo no capitalismo aparece em diversos pensadores da modernidade, como David Harvey, Wolfgang Streeck ou Zygmunt Bauman. Em sua obra, o senhor aborda especificamente a respeito da "abreviação do tempo social". A aceleração de seu ritmo teria levado à crise das utopias, ao esvaziamento dos movimentos sociais, ao declínio da representação política e até à religiosidade de uso materialista. Como esse processo avassalador se consolidou em tão pouco tempo?

    Martins: Quem levantou a temática da nova temporalidade da sociedade contemporânea foi Henri Lefebvre, filósofo e sociólogo, nos três volumes de sua monumental "Critique de la Vie Quotidienne", logo depois da Segunda Guerra, seguido por Ágnes Heller, que foi assistente de Georg Lukács [1885-1928], tema que este também havia tratado no primeiro tomo da "Estética". A temporalidade do agora, do dia, dos minutos sobrepôs-se ao tempo histórico e criou a "sociedade do atual" e sua dominância, como de certo modo pensa o francês Michel Maffesoli. Atualidade reduzida ao provisório e descartável. Surgiu, assim, uma sociedade dominada pelo desapreço à dimensão histórica da vida e, também, uma sociedade pobre de esperança, o que se expressa no egoísmo e na mesquinharia, na apologia do "tirar vantagem". Uma sociedade adversa para os jovens e as crianças. No lugar da utopia, apenas o "viver o instante", o meramente repetitivo ou, na perspectiva lefebvriana, a práxis mimética, em que o repetitivo fica mascarado pelo fingimento da inovação e da revolução.

    Valor: É curiosa a análise que o senhor faz das transformações da religiosidade no interior da sociedade brasileira.

    Martins: A religiosidade, isto é, o modo de praticar as religiões, tem tido peculiaridades que, justamente, nos remetem para o que se poderia chamar de "refabricação" das crenças no cenário de "liquefação" das grandes estruturas sociais de referência, sendo a das religiões uma das mais poderosas. Entre nós desenvolve-se uma religiosidade "ad hoc", de ocasião, não raro remendo e colcha de retalhos de crenças que em outras partes têm demarcações precisas e até limites que não podem ser transgredidos.

    Valor: O senhor afirma que há um mimetismo político, em que as forças conservadoras não se propõem a representar o seu lugar histórico, enquanto os portadores ideológicos do discurso da mudança foram capturados pelo conformismo da institucionalização. Na prática, como isso tem funcionado?

    Martins: A dominância da práxis mimética se manifesta na teatralização da política, no fingimento e no autoengano como máscaras constitutivas da ação política e das relações sociais. A esperança política foi traduzida no mero faz de conta: o importante é o que se vê e o que se deixa ver e não o que se faz nem o que resulta das ações e dos relacionamentos sociais. A mentira se tornou uma instituição, que atravessa desde nosso cotidiano até o cotidiano do rei - ou da rainha!

    Valor: O senhor afirma que a consciência social tem sido substituída pelo imaginário manipulável. Essa é uma situação especificamente brasileira?

    Martins: Não é uma situação especificamente brasileira, que em diferentes lugares se propõe segundo condições e possibilidades locais. Nossa sociedade tem sido historicamente uma sociedade de poucas possibilidades de inovações e transformação. Tudo aqui é mais lento do que em algumas das sociedades dominantes. Entre nós, o desenvolvimento desigual se dá por grande descompasso entre o real e o possível, coisa que nas sociedades dominantes é muito menos grave. Nelas o possível está muito perto. Aqui o possível, como na história de Alice, de Lewis Carroll, quanto mais se anda, mais longe se fica.

    Merval Pereira - A lei de Ulysses

    - O Globo

    O que é ruim vai ficar ainda pior, como dizia Ulysses Guimarães quando alguém reclamava do baixo nível da representação parlamentar. A Câmara eleita em 2014 aumentou de 22 para 28 os partidos políticos com representação, o que significa que as decisões serão tomadas por um plenário cada vez mais fragmentado, cuja lógica decisória obedecerá a critérios os mais díspares, quase que individuais e mutantes, caso a caso.

    Mas vai piorar ainda mais, pois dois partidos oportunistas estão sendo criados, um apoiado pelo PSD e outro pelo PR. São entidades que nada têm a oferecer a seus eventuais apoiadores a não ser a oportunidade de mudar de legenda sem serem punidos. A ousadia é tão grande que a sua finalidade não é nem mesmo existir, pois os partidos criados a partir de uma nova legislação não têm tempo de televisão nem receberão fundos partidários.

    Parece medida saneadora, mas só foi aprovada para barrar o surgimento da Rede Sustentabilidade de Marina Silva. O rei dessas manobras é o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, a quem vi defender com unhas e dentes a tese de que não era mais possível permitir a criação de novos partidos logo depois de ter conseguido no Supremo Tribunal Federal (STF) a permissão para que o partido que criara, o PSD, pudesse usar o tempo de televisão de seus novos membros, assim como o fundo partidário.

    E por que Kassab agora volta a querer criar mais um partido político? Para mais uma vez ajudar o governo Dilma a desidratar os partidos de oposição. É a figura que melhor representa o atual estágio de nossa política partidária, as características mais enraizadas, a esperteza mais óbvia, todas as ambiguidades de nossa política que afugentam o eleitor das urnas em nível nunca antes registrado estão reunidas em Kassab e em seu novo-velho PSD, partido que não é “nem de centro nem de direita nem de esquerda”, e agora no PL.

    É claro que ele não teria sucesso se não houvesse a demanda por parte de deputados e senadores incomodados por estarem fora da divisão do butim governista. Mas, ao contrário de um partido sério que quer mesmo participar da vida política nacional, como é o caso da Rede ou do Partido Novo, esses partidos que estão sendo criados apenas servirão de trampolim para os que querem abandonar o navio da oposição para se bandear para o governo, pois os novos partidos se fundirão com os já existentes e assim aumentarão a base política governista, podendo se tornar decisivos na eleição da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, por exemplo.

    O PSD, do ministro das Cidades, Gilberto Kassab, por exemplo, elegeu a quarta maior bancada, com 37 deputados, e o PR, a sexta, com 34. Os dois estão bem instalados no novo governo Dilma e esperam atrair entre 10 e 15 novos deputados para os novos partidos que estão criando, respectivamente o Partido Liberal (PL) e o Muda Brasil.

    Para complicar mais ainda a situação da Câmara, existe agora a figura do bloco partidário, que pode ser usado para neutralizar a possibilidade de políticos usarem a fusão como justificativa para saírem de seus partidos sem perigo de perder o mandato, ou então a federação de partidos. Os partidos independentes da oposição PSB, PPS, Solidariedade e PV estão unidos em uma federação, e já ofereceram legenda para a senadora Marta Suplicy, de malas prontas para deixar o PT.

    Um bloco partidário juntará 10 pequenos partidos que elegeram de 1 a 5 deputados cada e sozinhos não teriam grandes perspectivas na Câmara, mas formarão um bloco com 24 deputados. Ao todo são 30 partidos legalmente reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, sendo que desses, 28 têm representação no Congresso. Depois do PSD, foram criados mais dois: Partido Pátria Livre (que já teve até um senador) e Partido Ecológico Nacional.

    Na fila do TSE há vários outros: Partido dos Servidores Públicos e dos Trabalhadores da Iniciativa Privada do Brasil (PSPTP); Aliança Renovadora Nacional (Arena); Partido Nacionalista Democrático (PND); União Democrática Nacional (UDN); Partido Pirata do Brasil (Piratas); e Partido Federalista, e por aí vai.

    Só mesmo uma reforma política, com a imposição da cláusula de desempenho – a exigência de obtenção de um mínimo de votos para ter representação no Congresso – e o fim da coligação proporcional poderia conter esse derrame de partidecos que só faz atrasar mais ainda nossa vida institucional.

    Igor Gielow - Pressão patrimonialista

    - Folha de S. Paulo

    Um dos pontos mais alvissareiros do discurso de posse de Joaquim Levy como ministro da Fazenda foi a contundente crítica ao patrimonialismo que rege as relações de poder no país, prometendo acabar com socorros aos "amigos do rei". O governo mal entra em sua terceira semana e sua palavra já está sendo posta à prova.

    Até por suas peculiaridades, não há como deixar quebrar o setor elétrico, que agoniza muito por culpa do populismo feito pelo governo com a conta de luz. Ao menos a solução em estudo, com os famigerados empréstimos de bancos públicos, prevê acabar com o dreno instalado. O consumidor pagará boa parte da fatura, mas esta é outra questão.

    Já a retórica adotada no caso das montadoras, de negar manobras como redução de IPI, é promissora se encarnar como política firme.

    Os sinais são bem mais contraditórios na negociação para salvar a Sete Brasil, empresa de sondas para extração de petróleo turbinada pelas políticas equivocadas associadas ao delírio megalomaníaco do pré-sal --que embutia, sabemos agora, uma corrupção oceânica em si.

    Em crise, a Sete pode até falir. A reação de Dilma foi mandar BNDES e Banco do Brasil amaciarem um salvamento, no melhor estilo patrimonialista. O que diz Levy?

    Alckmin enfim admite racionamento, "tucanado" no caso como restrição hídrica. O discurso de Dilma na campanha é desdito por fatos e ações. Inescapável lembrar de Robert McNamara, o mais longevo secretário de Defesa dos EUA.

    Ele ajudou seu superior na Segunda Guerra, general Curtis LeMay, a arquitetar a destruidora campanha aérea que literalmente torrou o Japão até a derrota. Segundo McNamara, o então chefe uma vez lhe disse: "Se tivéssemos perdido, todos nós teríamos sido julgados como criminosos de guerra". Mas eles ganharam.

    Zuenir Ventura - Alguém mais merece zero

    • Salta aos olhos uso incorreto de letras como em ‘seje’ ou ‘meza’, por exemplo. Outro dia, reclamei de um erro assim, e a pessoa com quem me correspondia alegou: ‘É a preça’

    - O Globo

    Talvez seja uma injusta simplificação atribuir à internet toda a responsabilidade pelo vexame do Enem 2014, em que incríveis 500 mil candidatos tiraram nota zero em redação. Pode ter sua parcela de culpa, mas é preciso reconhecer que graças a ela nunca se exercitou tanto a prática da escrita. É difícil encontrar alguém no mundo de hoje que não redija pelo menos alguns e-mails por dia, sem contar os posts em blogs, sites, Twitter e Facebook, além, claro, do WhatsUpp. Conheço adolescentes que não escreviam, mas, para não ficarem isolados no grupo, passaram a usar essas ferramentas a fim de ter com quem conversar virtualmente. O problema não é de quantidade, mas de qualidade. Os jovens estão escrevendo muito, mas mal (ou “mau”, como diriam alguns), estropiando a língua com as reduções (tb, vc, naum, pq) e as infrações gramaticais: falta de acentuação e pontuação, concordância errada, desconhecimento do sentido das palavras.

    Das três dimensões da linguagem — a ortográfica, a sintática e a semântica — a primeira é a mais visível, mas é a última, a do significado, a que sofre mais com a crise da palavra escrita. Salta aos olhos o uso incorreto de letras como em “seje” ou em “meza”, por exemplo. Outro dia, reclamei de um erro assim, e a pessoa com quem me correspondia alegou: “É a preça”. Disse-lhe então que “pressa” demora apenas uma letra a mais para ser digitada e tem a vantagem de estar certa. É inaceitável, mas a semântica é que é fundamental para impedir o analfabetismo funcional. Dos quase seis milhões de estudantes que tiveram suas provas corrigidas, apenas 250 alcançaram nota máxima, ou seja, só essa minoria soube se comunicar por escrito.

    Uma vez li um texto indignado de um internauta contra o escândalo na Petrobras. “O pior nesse país”, dizia, “não é a corrupção, mas a falta de impunidade”. Ele quis reclamar justamente do contrário: não da falta, mas do excesso. Em contexto parecido, flagrei outro atentado ao sentido de um termo: “Isso é ruim para a nossa alta estima”. O autor não sabia a diferença entre “alto” e “auto”.

    O tema, considerado mais difícil, “Publicidade infantil no Brasil”, pode ter contribuído para os baixos resultados deste ano, mas a má qualidade do ensino, reconhecida pelo próprio ministro da Educação, Cid Gomes, também merece zero, por não priorizar a leitura e não reforçar a dissertação. Alunos que tiraram nota mil revelaram o quanto o hábito de ler e escrever foi importante para eles. A sergipana Lorena Araújo, de 19 anos, por exemplo, deu a fórmula para ter sido uma das 250 estudantes a alcançar a nota máxima no Enem: “O segredo da redação está na técnica e na prática”. E acrescentou: “além de escrever muito, procuro ler de tudo, por necessidade e por gosto”.

    A receita é infalível.

    Dilma capitulou e ajuste é 'desatino', diz Belluzzo

    Flavia Lima – Valor Econômico

    A nova composição da equipe econômica do governo Dilma Rousseff e os ajustes já anunciados não são considerados traição, mas uma capitulação diante das pressões do mercado diz Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos 1.334 economistas que assinaram durante as eleições manifesto pró-Dilma e a favor do desenvolvimento econômico com distribuição de renda.

    Diante dos cortes já anunciados, Belluzzo - que era visto como um interlocutor da presidente, mas que, nos últimos tempos, tem dito que ocupa mais o papel de um amigo - enxerga pela frente um período de recessão, turbinado pela redução da capacidade de empréstimos do BNDES e pelos problemas da Petrobras.

    Ao ser questionado sobre o que fazer, ele diz que dá para dizer o que não fazer: "Um ajuste fiscal dessa magnitude", diz o professor da Unicamp e da Facamp. Para ele, a questão central a ser discutida é a perda de posição da indústria brasileira nos últimos trinta anos, algo que tem chance "zero" de ser levado em consideração pelo ministro Joaquim Levy. A seguir, os principais trechos da entrevista.

    Valor: O sr. e um grupo de economistas de perfil heterodoxo assinaram manifesto em apoio à Dilma, que dizia que a população desaprovava políticas que afetavam os trabalhadores. Diante da política econômica atual, o sr. se sente traído?

    Luiz Gonzaga Belluzzo: Não considero uma traição e sim, submissão. Ela capitulou diante das pressões do mercado, assim como os líderes europeus e uma parte do PT. Mas, antes mesmo disso, o debate ficou muito restrito a uma tolice 'liberaloide' acerca do intervencionismo. Eu me recuso a discutir isso porque não conheço nenhuma economia no mundo que não tenha intervenções. A partir dessa interpretação, o mercado exagerou o problema do desequilíbrio fiscal e passou a dizer que o BC foi leniente com a política de metas. Sendo que muitos dos que estavam criticando causaram o maior dano possível à economia brasileira ao usar o câmbio para aplacar a inflação. Mas quando o Bacha [o economista Edmar Bacha] fala do FHC faz uma água turva para esconder que o problema começou com a política econômica dita de estabilização, que segurou a inflação, mas causou danos estruturais à economia. Agora eles dizem que é preciso abrir a economia.

    Valor: O sr. discorda disso?

    Belluzzo: É preciso abrir com uma política que favoreça a aquisição de insumo e de peças e componentes, mas dê estímulo à exportação ou à produção doméstica - e a taxa de câmbio pode fazer isso. Quem foi cúmplice de uma valorização cambial prolongada e danosa não pode deixar de considerar os equívocos que cometeu. Agora a economia está caminhando para a recessão, não há dúvida.

    Valor: Por quê?

    Belluzzo: Quando o ciclo de consumo dos duráveis começou a desacelerar, o governo tinha que ter estimulado o investimento privado. E isso demorou. Ao mesmo tempo, não é verdade que a crise internacional não tenha contribuído, ela adicionou problemas à indústria. Quando terminou o ciclo de commodities o Brasil perdeu dos dois lados: pela demanda externa e pela dinâmica interna de consumo e, então, a economia resvalou para o crescimento baixo e está caminhando para a recessão.

    Valor: E o que fazer?

    Belluzzo: Com certeza, dá para dizer o que não fazer: um ajuste fiscal dessa magnitude. Porque querer reequilibrar a economia com um superávit fiscal quando ela está em recessão parece um desatino. Isso para não falar dos problemas da Petrobras e das empreiteiras.

    Valor: A Petrobras vai contribuir para esse cenário de recessão?

    Belluzzo: Esse setor tem participação grande na formação da taxa de investimento. É preciso prender os que cometeram crimes, mas preservar as estruturas. Se tiver um colapso, teremos repercussão no sistema bancário. Hoje o crédito se retraiu para esse setor. Junta-se isso com a tentativa de reequilibrar a economia. O que está na cabeça 'deles' é tentar reequilibrar a economia com o aumento da poupança do governo. Acho que vai ser a maior prova de que essas teorias da poupança não funcionam: não é possível poupar com renda em queda. Mas eles precisam justificar o fato de que é a poupança que financia o investimento, o que é uma brutalidade. Todo mundo sabe que numa economia moderna quem financia o investimento é quem adianta os recursos líquidos. E eles vêm com essa história da poupança. É um misto de estupidez com picaretagem. Para eles, o cara enriquece porque poupou. Não, o cara enriquece porque investiu, produziu para enriquecimento dele e da sociedade. Quem poupa subtrai da renda e reserva isso como riqueza privada. O Keynes tinha horror a esse negócio.

    Valor: Essa recessão pode durar quanto tempo?

    Belluzzo: Difícil saber. Essa ideia de que vai se fazer dois anos de ajuste parece que não tem dado certo no mundo. Vamos fazer uma 'austeridadezinha', e aí a gente sai dela em dois ou três anos. Mas ninguém menciona o fato de que enquanto dura uma recessão vai se devastando a vida das pessoas.

    Valor: Mas olhando as desonerações e as transferências ao BNDES, a gente não precisava do ajuste?

    Belluzzo: O problema do BNDES é que não há nenhum outro circuito para o crédito de longo prazo. Há um componente histórico de rentismo no crédito do setor privado. Os bancos brasileiros ganham com as operações de tesouraria, em cima da dívida pública, que é outra anomalia no Brasil. Reduzir a capacidade de empréstimo do BNDES vai agravar a recessão.

    Valor: Mas e as desonerações?

    Belluzzo: Elas foram importantes na saída da crise em 2009, mas foram prolongadas demais. O governo demorou para mudar o elemento dinâmico da economia - os investimentos - e a economia desacelerou. Mas a questão central no Brasil é a perda de posição da indústria brasileira nos últimos 30 anos. Esse é o nosso problema central e os macroeconomistas não levam em consideração porque para eles esse problema não existe.

    Valor: Há chances de o Joaquim Levy levar isso em consideração?

    Belluzzo: É zero. Não existe mais economia industrial nas universidades americanas. Não há essa preocupação com a indústria, eles são macroeconomistas, então raciocinam sobre taxa de câmbio, taxa de juros, dominância fiscal. Alguns ainda admitem que o câmbio é um preço relativo importante e está fora do lugar. Mas isso acontece há 20 anos. Em termos de preços econômicos mal alinhados, o Brasil é campeão mundial.

    Valor: O que o sr. acha do ministro Joaquim Levy?

    Belluzzo: Discordo do ele está dizendo que vai fazer. Mas, ao contrário do que disse o [economista] Luiz Carlos Mendonça de Barros, ninguém acha que o Levy é um demônio. A despeito de ser ex-seminarista, não acredito no demônio. Os demônios somos nós mesmos. O nosso amigo Luiz Carlos quis acusar nós, da Unicamp, de considerarmos Chicago e [o economista liberal americano] Milton Friedman demônios. Eu acho o Friedman um idiota que conseguiu angariar apoio de outros.

    Valor: O que a Dilma pretende tendo optado por uma política econômica de perfil mais ortodoxo?

    Belluzzo: Acho que ela capitulou diante das pressões do mercado. Das interpretações abstratas sobre intervencionismo. Sem dúvida ela cometeu erros lá atrás, mas não interpreto esses erros como o mercado. Não foi intervencionismo que retirou a eficiência da economia e a competitividade. E essa história do patrimonialismo, francamente, é algo penoso. Não se sabe do que se está falando. Tinha mais patrimonialismo na Inglaterra da revolução industrial do que a ideologia do liberalismo permitia ver. É ridículo fazer essa discussão em termos ideológicos. Querer que o capitalismo funcione sem a coordenação do Estado. Como diz o Keynes, o liberalismo adentrou o quarto das crianças.

    Valor: O debate econômico está muito simplificado?

    Belluzzo: Sim. Câmbio, políticas industriais não aparecem na discussão. Quem fala disso é o Yoshiaki Nakano, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Julio Sergio Gomes de Almeida e os pós-keynesianos todos preocupados com a situação da indústria. Para o resto, não existe.

    Valor: O sr. foi um interlocutor do governo Lula. Deixou de ser do governo Dilma?

    Belluzzo: No Lula as reuniões eram mais frequentes, na Dilma não. Fui professor dela, me considero seu amigo, mas isso não tem nada a ver. Eu posso dar minha opinião, mas não meter o bedelho onde não sou chamado.

    Valor: Ela conversou pouco com empresários?

    Belluzzo: Eu espero que isso mude. Agora essa ideia de que, a despeito da recessão, será possível reanimar os 'espíritos animais' dos empresários...Vai ter ânimo para investir só porque o outro está dizendo que vai ter ajuste fiscal?

    Valor: Podemos ter recuos importantes nos avanços sociais obtidos nos últimos anos?

    Belluzzo: Acho que ela vai tentar impedir, mas se a economia for para a recessão, vai ser difícil impedir o desemprego. Já existem primeiros sinais. Estou vendo alta da taxa de desemprego e uma situação social um pouco delicada.

    O bom rebelde a casa torna

    Isabel Junqueira - piauí, janeiro 

    No início de 2014, Daniel Cohn-Bendit recebeu uma ligação inesperada. A Universidade de Nanterre queria que o então deputado europeu de 69 anos voltasse a sua alma mater para figurar na nova leva de doutores honoris causa da instituição. O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, a socióloga Elizabeth Jelin, o historiador tunisiano Habib Kazdaghli e a filósofa e ativista política americana Angela Davis seriam seus companheiros de canudo. A cerimônia foi marcada para o final do ano.

    Assim de chofre, era um pouco como se Lênin fosse chamado ao Palácio de Inverno pelos Romanov para receber a Medalha do Pacificador. Durante sua passagem meteórica por esse campus nos arredores de Paris, entre o outono de 1966 e a primavera de 1968, Cohn-Bendit nunca saiu da lista negra de Pierre Grappin, reitor da faculdade de letras.

    O estudante de sociologia ousava chamar os professores de tu em vez do formal vous. Do fundo dos anfiteatros, que ele rebatizara de Che Guevara, Castro e Giap, não hesitava em perturbar as aulas, anunciando sua opinião sem ter sido chamado. Com seus colegas anarquistas, organizava conferências para discutir métodos de contracepção e os escritos do psicanalista austríaco Wilhelm Reich, teórico do sexo odara.

    Em janeiro de 1966, o presidente De Gaulle encomendara a seu ministro da Juventude e dos Esportes, François Missoffe, um dossiê sobre a situação dos jovens. O general intuía que um mal-estar difuso grassava entre os crescidos no pós-guerra e queria compreender a razão. Missoffe saiu a campo e voltou com um documento alentado no qual se lia que “o jovem francês pensa em se casar cedo”.

    Em 8 de janeiro de 1968, Missoffe foi a Nanterre inaugurar uma piscina. Já partia quando foi abordado por um ruivo mais para o gordinho que lhe pediu fogo. Ia pegar o isqueiro quando ouviu: “Li o seu dossiê. São 600 páginas de inépcias. Vocês nem sequer tocam na questão sexual dos jovens.” “Se o senhor tem problemas nesse setor”, devolveu o ministro perplexo, “sugiro que dê três mergulhos na piscina.” A tréplica entraria para a história: “É exatamente esse tipo de resposta que se obtém de um regime fascista.”

    Foi o diálogo que pôs em marcha a engrenagem do Maio francês. Numa França hierárquica e conservadora, em que mulheres não podiam abrir contas bancárias sem autorização do marido e estudantes do sexo masculino eram proibidos de frequentar os dormitórios femininos, bastou uma resposta tão impertinente quanto afiada para que o ruivo de 22 anos anunciasse a entrada em cena de Dany Le Rouge, o mais brilhante líder da revolta estudantil que dali a pouco incendiaria Paris.

    De cabelo em pé, Grappin tentou expulsá-lo da universidade, usando, entre outros argumentos, sua nacionalidade alemã (nascido na França, Cohn-Bendit optara pela nacionalidade dos pais, refugiados judeus alemães), mas foi forçado a recuar diante da reação da estudantada. Dany Le Rouge não terminaria nem aquele nem mais nenhum outro ano letivo: em vez disso, cairia na militância política e viraria persona non grata no território francês durante a década seguinte. (Registre-se que ao menos um de seus professores lhe daria uma boa nota em 1968: Fernando Henrique Cardoso.)

    Na tarde gélida do dia 11 de dezembro, Daniel Cohn-Bendit voltou a Nanterre para receber seu diploma. Em 1998, última vez em que esteve por lá, um grupo de alunos anarquistas recebeu o deputado europeu – aposentado em abril do ano passado – com duas tortas de chantilly na cara. “Ele traiu a causa”, alegou um dos jovens, insatisfeito com a evolução política do ex-amante da revolução, que, como parlamentar eleito pelo Partido Verde, rompera com a esquerda radical.

    Dessa vez tudo correu bem. Os antigos cabelos vermelhos agora entre tons de amarelo, cinza e branco, Cohn-Bendit perambulou pelo campus, que, na sua época, correspondia a um terço do atual e ainda era cercado de favelas. Não reconheceu muita coisa, mas teve um flashback durante o almoço com os outros homenageados. O rancho aconteceu numasala administrativa no 8º andar do prédio B, o mesmo edifício que Cohn-Bendit e 141 alunos ocuparam em março de 1968, em protesto contra a detenção de seis estudantes que haviam depredado uma loja da American Express. O episódio da ocupação é considerado o prólogo dos eventos de maio.

    Às 15 horas em ponto, hora marcada para a cerimônia, Cohn-Bendit e os outros laureados entraram no teatro Bernard-Marie Koltès, todos devidamente togados. Diferentemente dos colegas de honraria, impecáveis todos, o antigo enragé deixou seu traje desabotoado e caído sobre os ombros, numa sutil displicência que lhe dava um ar de boxeador a caminho do ringue.

    Depois de louvores vários e discursos dos quatro primeiros homenageados, chegou a hora de Cohn-Bendit. Pela tradição, Jean-François Balaudé, atual presidente de Nanterre, se limitaria à abertura e à conclusão da cerimônia. Naquela tarde, ele abriu uma exceção. Respirou fundo e, com um ar solene, se dirigiu até o púlpito para proferir o que denominou de seu “elogio paradoxal”, uma apresentação do “mais célebre e importante contestador que nossa universidade já conheceu”.

    Antes de esmiuçar a biografia do dito-cujo, o orador afirmou em alto e bom som que a universidade não só admirava mas também compartilhava os seus valores. Sentado no centro do palco, Cohn-Bendit escutava com olhar perdido e a mão cobrindo a boca. Não conseguiu esconder o sorriso quando o reitor repetiu alguns dos slogans da geração de 68, como o famoso “gozar sem entraves”. “A tarefa dele não era fácil”, reconheceria o laureado mais tarde. “Achei bem inteligente.”

    Quando foi sua vez de falar, Cohn-Bendit não posou de herói nem fez o elogio nostálgico de 1968. Antes começou com um pedido de desculpas por uma injustiça que lhe entalava a garganta havia décadas: “Se é verdade que coisas extraordinárias aconteceram aqui em 1968, é preciso também lamentar certas palavras pronunciadas. No calor da ação, o decano da época, Pierre Grappin, antigo membro da Resistência francesa, foi tratado de nazista. Ele não compreendeu nada do nosso movimento, mas tratá-lo de nazista é não saber o que eram os nazistas.” Disse isso e chorou.

    Falando de improviso, Cohn-Bendit deu mostras do orador estupendo que mesmerizou a França. Exaltou-se (“A única utopia que vale a pena hoje em dia são os Estados Unidos da Europa”), recusou todo dogmatismo (“Em 1968, eu acuso, eu ataco, mas eu estendo a mão”), fez uma crítica afetuosa de Maio (“Destruímos o antigo, mas não soubemos articular o novo”) e terminou dedicando o seu título a um jovem ambientalista morto pela polícia francesa e ao jogador Sócrates, falecido em 2011, de quem era amigo desde 1984. Foi o único a ser interrompido por aplausos.

    No contrapé de Dilma – Editorial / O Estado de S. Paulo

    Em seu discurso de posse no segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff garantiu: "Temos muitos motivos para preservar e defender a Petrobrás de predadores internos e de seus inimigos externos. Por isso, vamos apurar com rigor tudo de errado que foi feito e fortalecê-la cada vez mais".

    Esta é mais uma promessa que a presidente da República não consegue ou não se empenha em cumprir, como demonstra a ação dos procuradores federais responsáveis pela Operação Lava Jato exposta no documento com que justificaram o pedido de prisão do ex-diretor da estatal Nestor Cerveró: "Não há indicativos de que o esquema criminoso foi estancado. Pelo contrário, há notícias de pagamentos de 'propinas' efetuados por empresas para diretores da Petrobrás mesmo em 2014".

    Afirma ainda a petição dos procuradores federais que Nestor Cerveró, ex-diretor Internacional da petroleira, integra "a mais relevante organização criminosa incrustada no Estado brasileiro que a história já revelou".

    É simplesmente inacreditável como o escândalo da maior empresa estatal brasileira teima, a cada novo dia, a cada novo fato revelado pelas investigações, em avançar na direção exatamente oposta ao que afirmam e prometem a presidente da República, seus áulicos e a diretoria da estatal. Esta, aliás, quase dez meses após o rumoroso início da Operação Lava Jato, permanece impávida a postos, tentando colocar a tranca na porta arrombada.

    Em novembro, a presidente da empresa, Graça Foster, anunciou que o Conselho de Administração da Petrobrás havia aprovado unanimemente a criação de uma diretoria de gestão empresarial e compliance.

    Uma das maiores empresas do mundo, qualquer que seja o segmento da economia, preocupa-se só então em criar aquilo que praticamente todas as grandes corporações internacionais já haviam implantado: uma estrutura interna voltada para a discussão e aplicação de princípios éticos - o respeito à lei, enfim - na gestão dos negócios em que se envolve. Há dias, o diretor de compliance foi escolhido e criou-se um comitê especial que atuará na supervisão das investigações sobre o escândalo que estão sendo realizadas internamente na estatal.

    No mais, o que se pode esperar é pelos "resultados que a Petrobrás aponta que apresentará", nas palavras do ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, que passou a quinta e a sexta-feira em reuniões no Rio de Janeiro com as diretorias da Eletrobrás e da Empresa de Planejamento Energético (EPE). Um dia antes, Braga havia recebido a presidente da Petrobrás, Graça Foster, em seu gabinete em Brasília.

    A afirmação mais importante feita pelo ministro, cujas palavras com toda certeza traduzem o pensamento da presidente da República, foi a de que a Petrobrás é hoje uma empresa completamente diferente daquela que foi envolvida no escândalo objeto de investigação da Operação Lava Jato.

    Afirmou o ministro Eduardo Braga em entrevista: "Posso garantir a você que, se alguma coisa positiva aconteceu com isso que nós estamos vendo é que a Petrobrás ficou blindada com relação à indicação política".

    Essa admissão implícita de que todo o esquema de corrupção que tomou de assalto a Petrobrás foi uma armação "de fora", operacionalizada por agentes colocados dentro da empresa por "indicação política", traduz o argumento central da presidente Dilma quando defende a manutenção da atual diretoria à frente da estatal.

    Esse argumento foi reiterado pelo ministro: "Até hoje, não há uma aprova sequer contra esses diretores que estão aí. Não seria justo, vendo o esforço que a Petrobrás está fazendo com seus técnicos e sua diretoria de recuperação de gestão e eficiência, puni-los sem dar a chance de que apresentem os resultados que a Petrobrás aponta que apresentará".

    Isto posto, só falta explicar - principalmente diante da afirmação dos procuradores federais de que, ao que tudo indica, "o esquema criminoso não foi estancado" - quem são os responsáveis "de fora" pelos desmandos na Petrobrás.

    Ajuste esbarra em herança da contabilidade criativa – Editorial / O Globo

    • Governo avança bastante em medidas para o ajuste no ano, mas, além de as projeções terem de ser confirmadas, há ainda esqueletos fiscais à espreita

    Contas feitas por analistas mostram que em apenas uma quinzena de governo a nova equipe econômica avançou bastante para conseguir atingir a meta de ajuste de 2015, expressa por um superávit primário — excluindo gastos com juros da dívida — de R$ 66,3 bilhões, ou 1,2% do PIB, conforme anunciado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em sua primeira entrevista como indicado ao posto.

    As medidas tomadas no lado da contenção de despesas e na ponta do aumento de arrecadação — a preferida pelos governos — teriam passado os 45% da meta, prova de que basta tomar a decisão política para a máquina produzir resultados.

    Mas não é assim tão fácil, por óbvio, pois as projeções numéricas precisam ser confirmadas pela realidade. E há sempre a possibilidade de percalços. Da economia estimada, a maior parte (R$ 18 bilhões do total de R$ 30,8 bilhões) provém das restrições à concessão de pensões por morte, seguro-desemprego e abono salarial, baixadas por medida provisória, e que dependem, portanto, da aprovação final pelo novo Congresso.

    Não deverá ser uma tramitação simples, até porque a oposição, revigorada, aproveitará o pacote para estabelecer o primeiro duro confronto com o Planalto. E como a base parlamentar do governo não é firme, mais ainda quando está em jogo o bolso do eleitor, pode vir a ser negociado um abatimento nos R$ 18 bilhões.

    Há, porém, um risco maior para a equipe econômica, por ser imprevisível, que são os esqueletos fiscais deixados no armário pela contabilidade criativa exercitada no primeiro governo Dilma.

    Desse armário podem sair fantasmas para assustar Levy e Nelson Barbosa, ministro do Planejamento. Uma dessas assombrações tramita no Tribunal de Contas da União (TCU) e se refere a uma das “pedaladas” — postergação de pagamentos para embonecar as contas públicas — dadas pelo ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, identificado como o mestre da contabilidade criativa, capaz de converter dívida em receita primária.

    Sucede que atrasos em repasses do Tesouro para o Banco do Brasil e Caixa Econômica, entre outros, para ressarcir subsídios do crédito agrícola e do Minha Casa Minha Vida, são enquadrados por técnicos do TCU como operações financeiras do BB e CEF a favor do Tesouro, vetadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A depender do entendimento final do TCU, um esqueleto aparecerá nas contas públicas.

    Haveria outros, nas relações incestuosas entre o Tesouro o BNDES e o setor elétrico. Aconselha-se, então, menos otimismo com os avanços feitos nesses 15 dias de governo — sem dúvida importantes e necessários. Mas é preciso esperar a aprovação final da MP e manter-se atento às armadilhas fiscais engatilhadas pela contabilidade criativa.