domingo, 4 de janeiro de 2015

Opinião do dia - Aloysio Nunes Ferreira

O traço de união capaz de congregar em uma linha de ação comum facções rivais do campo lulo-petista e também os grupelhos da esquerda anti-democrática é a proposta celerada a cargo do novo ministro das Comunicações, o “aloprado” [Ricardo] Berzoini: o controle da imprensa, conforme ele anunciou ontem no discurso de posse.

Todos os que se opõem ao governo Dilma têm o dever de se unir no Congresso e nas ruas para o combate sem trégua a essa tentativa criminosa. O que está em jogo é a liberdade de expressão, cerne da vida democrática. Essa é a prioridade das prioridades.

Aloysio Nunes Ferreira, líder do PSDB no Senado

Dilma impõe a Barbosa recuo sobre regra do salário mínimo

• Um dia após ministro anunciar mudanças na regra de valorização, Planejamento divulga nota para dizer que mecanismo será mantido

Lu Aiko Ota e Vera rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dia depois de anunciar que o governo ia propor outra regra de reajuste do salário mínimo, o novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, foi obrigado a recuar. Irritada com as declarações, a presidente interrompeu neste sábado, 3, seu descanso na Base Naval de Aratu, na Bahia, telefonou para o ministro e determinou que ele corrigisse a informação.

Após a bronca, Barbosa mandou sua assessoria divulgar uma nota afirmando que “a proposta de valorização do salário mínimo, a partir de 2016, seguirá a regra de reajuste atualmente vigente”. O texto lembra que a proposta requer novo projeto de lei, a ser enviado ao Congresso nos próximos meses.

Atualmente, o mínimo é corrigido por uma fórmula que corresponde à inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior somada ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB)de dois anos atrás.

Na sexta-feira, logo após assumir o comando do Planejamento, Barbosa disse que o governo proporia uma nova regra para o reajuste do salário mínimo, a partir de 2016. “O cálculo do salário mínimo nós vamos enviar ao Congresso em momento oportuno. A regra atual ainda vale para 2015. Vamos propor uma nova regra para 2016-2019 ao Congresso, nos próximos meses”, disse Barbosa, naquele dia. O ministro ressalvou, porém, que o piso salarial continuaria a ter aumentos acima da inflação.

Dilma não gostou da entrevista de Barbosa. Um auxiliar da presidente disse ao Estado que, para ela, as declarações poderiam passar a falsa impressão de que o governo acabaria com a política de valorização do salário mínimo. Além disso, a presidente ficou preocupada com a repercussão da notícia, no momento em que o governo enfrenta desgate com o movimento sindical por ter endurecido as normas para concessão do seguro-desemprego, do abono salarial e do auxílio-doença.

Criada em 2007, a regra de valorização do mínimo tem vigência até este ano e foi com base nela que o governo fixou o piso de 2015 em R$ 788,00. Para 2016, seria necessário prorrogar o atual critério ou estabelecer novo mecanismo de reajuste. O acordo firmado entre o governo e as centrais sindicais permite revisões a cada quatro anos.

Trombada. Mais do que uma trapalhada, a trombada entre Barbosa e Dilma pode indicar dificuldades na frente prioritária da área econômica: o ajuste das contas públicas. Muitos economistas pregam mudanças na fórmula que define o salário mínimo, para desacelerar o crescimento das despesas obrigatórias do governo, que são atreladas ao piso, como os benefícios previdenciários e assistenciais.

Em seminário da Fundação Getúlio Vargas, o próprio Barbosa afirmou, em maio do ano passado, que, para garantir o crescimento sustentável do mínimo, “é preciso que ele cresça mais moderadamente”. Na época, ele sugeriu três critérios para a correção: o salário médio da economia brasileira, o crescimento do PIB per capita ou a produtividade do trabalho.

A necessidade de ajustar as contas esbarra, porém, em compromissos políticos. No dia 8 de dezembro, Dilma já havia garantido, em reunião com dirigentes de centrais sindicais, no Palácio do Planalto, que neste ano enviaria ao Congresso projeto de lei renovando a atual política de reajuste do salário mínimo, da forma como está. “Essa será uma briga de foice no escuro”, previu Dilma, na ocasião.

Para o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, a presidente agiu corretamente ao cobrar uma nota de esclarecimento por parte de Barbosa. “Ela assumiu conosco o compromisso de manter a política de aumento real do mínimo, como havia prometido na campanha eleitoral. Nós precisamos de uma regra permanente, com PIB alto ou baixo”, disse Juruna. “O jogo agora está um a um, porque ninguém gostou das mudanças no seguro-desemprego.”

A evolução do piso salarial também foi destacada por Dilma no discurso de posse. “No novo mandato vamos criar, por meio de ação firme e sóbria na economia, um ambiente ainda mais favorável aos negócios, à atividade produtiva, ao investimento, à inovação, à competitividade e ao crescimento sustentável”, afirmou a presidente. “Tudo isso voltado para o que é mais importante e mais prioritário: a manutenção do emprego e a valorização, muito especialmente a valorização do salário mínimo, que continuaremos assegurando.” / Colaboraram Rafael Moraes Moura e João Villaverde

Dilma manda, e Barbosa desmente mudança no reajuste do salário mínimo

• Declaração do ministro foi considerada um desastre político pelo Planalto. Segundo interlocutores de Dilma, houve falta de “sincronismo político”

Gabriela Valente / Simone Iglesias / Catarina Alencastro – O Globo

BRASÍLIA - Com apenas um dia no cargo, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, levou ontem uma bronca da presidente da República, e, por ordem de Dilma Rousseff, divulgou nota em que afirma que “a proposta de valorização do salário mínimo, a partir de 2016, seguirá a regra de reajuste atualmente vigente”. Pela manhã, depois de ler os jornais na praia, na base naval de Aratu, na Bahia, onde descansa, a presidente ficou bastante irritada com a repercussão das declarações de Barbosa do dia anterior, sobre a mudança na regra de reajuste do salário mínimo, e mandou o ministro divulgar uma nota desmentindo as afirmações, conforme antecipou o site do GLOBO. Antes, Dilma conversou por telefone com o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), e os dois avaliaram que Barbosa se precipitou. Na sexta-feira, em entrevista durante a solenidade de sua posse, perguntado sobre como ficaria a regra de correção do salário mínimo, já que a atual expirou este ano, afirmou:

— Vamos propor uma nova regra para 2016 a 2019 ao Congresso Nacional nos próximos meses. Continuará a haver aumento real do salário mínimo — destacou, sem adiantar a fórmula.

Confusão inviabiliza mudança
A declaração do ministro foi considerada um desastre político pelo Palácio do Planalto. Segundo interlocutores de Dilma, houve falta de “sincronismo político”. A equipe econômica vinha estudando uma nova fórmula de correção dos rendimentos, com o aval do Planalto, mas o núcleo político do governo queria que esse assunto viesse à tona somente no segundo semestre. Com a ordem de Dilma para Barbosa desmentir as declarações, o governo, na prática, se comprometeu em manter a fórmula vigente, na contramão do que a equipe econômica pretendia.

A nota assinada por Nelson Barbosa foi divulgada no começo da tarde de ontem: “O ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Nelson Barbosa, esclarece que a proposta de valorização do salário mínimo, a partir de 2016, seguirá a regra de reajuste atualmente vigente. Essa proposta requer um novo projeto de lei, que deverá ser enviado ao Congresso Nacional ao longo deste ano”.

Atualmente, o piso nacional é definido com base na inflação do ano anterior (medida pelo INPC), acrescida da variação do PIB de dois anos antes. A regra expira neste ano e, portanto, precisa ser modificada ou renovada. Para 2015, o valor do salário mínimo foi fixado em R$ 788.

A nova equipe econômica avalia que não há mais condições de manter a regra atual, pela necessidade de uma política fiscal mais austera. Economistas ouvidos pelo GLOBO na sexta-feira, no entanto, acreditam que uma mudança na regra teria pouco impacto nas contas públicas em anos de pouco crescimento do PIB, como deve ser 2015.

O aumento do salário mínimo tem forte impacto sobre as contas públicas, porque indexa a grande maioria dos benefícios da Previdência Social. Antes de retornar ao governo, Barbosa já defendia uma revisão da regra de reajuste do mínimo para desacelerar os ganhos. Em março de 2014, ele explicitou a proposta que considerava ideal: a vinculação do salário mínimo à média salarial do país.

O problema, segundo interlocutores de Dilma, é que o momento não é adequado para abordar o tema. O Palácio do Planalto avalia que o desafio atual é enfrentar no Congresso as discussões da Medida Provisória 665, que restringiu o acesso a benefícios como seguro-desemprego, pensão por morte e abono salarial. Trazer o salário-mínimo agora para o debate seria ampliar os problemas no Congresso e junto à opinião pública.

Petrobras criou empresa de fachada para construir gasoduto bilionário

• Auditoria apontou que obra teve custos superfaturados em mais de 1.800%

Vinicius Sassine – O Globo

BRASÍLIA— A Petrobras criou "empresas de papel" para construir e operar a rede de gasodutos Gasene, conforme constatação da Agência Nacional de Petróleo (ANP) reproduzida numa auditoria sigilosa do Tribunal de Contas da União (TCU). O trecho do empreendimento que fica na Bahia - e, de acordo com técnicos do tribunal, teve os custos superfaturados em mais de 1.800% - foi inaugurado com pompa em 26 de março de 2010 pelo governo federal. Oito dias depois, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, deixou o governo para se candidatar à Presidência da República. Ela foi à festa de inauguração em Itabuna (BA) com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Petrobras na época, José Sérgio Gabrielli, e a então diretora de Gás e Energia da estatal, Graças Foster, atual presidente da empresa.

Auditores do TCU constataram que a ANP autorizou a construção e a operação do gasoduto sem analisar os documentos das empresas e sem avaliar se o projeto era adequado. A agência reguladora pediu uma cópia do contrato de operação e manutenção do trecho entre Cacimbas (ES) e Catu (BA) em 4 de março de 2010, conforme ofício anexado ao processo que tramitou na ANP. Não houve exame do contrato, "repetindo o merocheck list promovido na fase de autorização para a construção", escreveram os auditores. Três semanas depois, Lula e Dilma inauguravam o trecho, hoje em operação.

Documentos revelam como as empresas criadas para a construção da rede de gasodutos - uma engenharia financeira para dar aspecto de empreendimento privado ao negócio - tinham características de fachada. Um contrato de prestação de serviços foi assinado em maio de 2005 entre a Transportadora Gasene S.A., constituída pela Petrobras para tocar as obras, e a Domínio Assessores Ltda., um escritório de contabilidade no Rio. As duas empresas aparecem no contrato com o mesmo endereço: Rua São Bento, no quinto andar de um prédio no Centro. O próprio contrato menciona que o escritório de contabilidade "concordou em fornecer à contratante um endereço para abrigar sua sede".

O mesmo documento diz que o dono da Domínio, Antônio Carlos Pinto de Azeredo, se comprometia a exercer o cargo de presidente da Transportadora Gasene, função ocupada entre 2005 e 2011. Em reportagem publicada pelo GLOBO em 24 de dezembro, Azeredo declarou que era apenas um "preposto" da Petrobras no cargo, com o exercício de uma "função puramente simbólica". O fato de existir um laranja à frente da empresa, responsável por investimentos de R$ 6,3 bilhões, corrobora o aspecto de fachada do empreendimento - uma sociedade de propósito específico (SPE) com capital privado, administrada por uma empresa chinesa contratada sem licitação e com comprovados gastos públicos, conforme a auditoria.

"A ANP considerou que as firmas transportadoras criadas nesse arranjo financeiro 'seriam apenas empresas de papel'", constataram os técnicos do TCU no relatório da auditoria. A subsidiária da Petrobras responsável por operar as redes de gasoduto é a Transpetro, que assinou contrato com a Gasene.

A interpretação da ANP sobre o aspecto de fachada do empreendimento é compartilhada pelos auditores do TCU. "Em toda a cadeia quem estabelece os desígnios é a Petrobras. Desse modo, assevera-se que este contrato para operação e manutenção com a Transpetro e os demais realizados visaram apenas a formalizar a relação de subordinação entre as sociedades, de modo a dar contornos legais e de aparente normalidade a toda estruturação financeira que foi desenvolvida", cita a auditoria, que ainda será votada, mas já foi enviada para os procuradores da República responsáveis pela Operação Lava-Jato para que seja incorporada às investigações de corrupção na estatal.

Mesmo tendo apontado a existência de "empresas de papel", a ANP abdicou da atribuição de fazer uma análise técnica do empreendimento, conforme conclusão de inspeção feita em três processos da agência relacionados ao Gasene - um com pedido de autorização da construção de um trecho, outro com instrução de decreto de utilidade pública para o gasoduto e um terceiro sobre aprovação dos projetos de referência. "Em termos de análise técnica da ANP, a inspeção constatou que ela inexistiu, limitando-se, nos processos de autorização para construção e operação, a checar a entrega dos documentos exigidos", afirmam os auditores.

"Chama atenção o fato de um projeto dessa magnitude, na ordem de R$ 3,78 bilhões (valor referente somente ao trecho Cacimbas-Catu), não ter avaliação crítica dos estudos apresentados pela Petrobras para efeitos de autorização para a construção", afirmam. Segundo a auditoria, a ANP deixou de avaliar a viabilidade do projeto bilionário, embora o capital social da empresa contratada fosse de apenas R$ 10 mil, indicando que poderia tratar-se de fachada.

A inauguração do trecho do gasoduto em Itabuna, na Bahia, teve a participação de autoridades graduadas do governo Lula. Cerca de 5 mil pessoas compareceram ao parque de exposições. Dilma discursou com referências ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Gasene, apesar da operação financeira para configurá-lo como empreendimento privado, foi incluído no PAC e contou com 80% de financiamento pelo BNDES. Uma empresa chinesa, a Sinopec International Petroleum Service Corporation, foi subcontratada sem licitação, por R$ 266,2 milhões, para gerenciar o gasoduto.

- O PAC não é ficção, e o Gasene hoje prova isso. Demos um show de competência aqui - discursou Dilma.

Fiador da candidatura de Dilma, eleita em outubro daquele ano, Lula também discursou:

- Essa obra significa mais um degrau na conquista de independência do Nordeste brasileiro. Nós não estamos tirando nada de nenhum lugar do Brasil.

Participaram ainda Gabrielli, que é da Bahia, e o governador do Estado na ocasião, Jaques Wagner (PT), reeleito naquele ano, além de Graças Foster e do presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Gabrielli responde a acusações relacionadas à sua gestão, como o prejuízo de US$ 792 milhões na compra da refinaria de Pasadena, no Texas, e o superfaturamento na construção da refinaria de Abreu e Lima (PE).

Wagner é o atual ministro da Defesa e um dos principais conselheiros de Dilma. Graça balança no cargo devido à crise na Petrobras. E Machado, incriminado por delatores do esquema de desvio de recursos da estatal, licenciou-se do cargo de presidente até ontem.

O Gasene foi incorporado pela Transportadora Associada de Gás (TAG), subsidiária da Petrobras, em janeiro de 2012, com ativos de R$ 6,3 bilhões. Os três trechos já foram concluídos: são 130 quilômetros entre Cacimbas e Vitória (ES); 303 quilômetros entre Cabiúnas (RJ) e Vitória e 954 quilômetros entre Cacimbas e Catu.

A auditoria do TCU foi feita no trecho mais longo. Além de superfaturamento, os técnicos apontaram dispensa ilegal de licitação, inexistência de projeto básico e pagamento sem a prestação do serviço. A votação na sessão reservada de 9 de dezembro foi suspensa devido a pedido de vista. O relatório aponta como responsáveis pelas irregularidades Gabrielli e o ex-presidente da Transportadora Gasene Antônio Carlos Azeredo. Os técnicos sugerem a aplicação de multas aos dois.

Ao GLOBO, a Petrobras informou que "já apresentou esclarecimentos detalhados nos processos de auditoria do TCU no Gasene e aguarda sua manifestação". A ANP informou que "só vai se pronunciar depois da publicação do acórdão do TCU. O acórdão é o instrumento final pelo qual o TCU se pronuncia como órgão fiscalizador", informou a agência.

Candidato em 2018 é Lula, diz Mercadante

• Auxiliar mais próximo de Dilma, ministro da Casa Civil diz não ter a pretensão de concorrer à sucessão presidencial

• Chamado de "primeiro-ministro" por aliados, petista nega que relação com ex-presidente esteja estremecida

Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Primeiro-ministro"" de Dilma Rousseff, Aloizio Mercadante (Casa Civil) afasta a possibilidade de ser candidato à sucessão da chefe e diz em entrevista à Folha que o PT só tem uma referência para 2018"": o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ele é o meu candidato, sempre foi. Não tem essa discussão no PT. Quem está no coração da militância do PT é Lula. Eu não tenho essa pretensão e não está no meu horizonte"", afirmou o ministro.

Com a reeleição de Dilma, dirigentes petistas apostam nos bastidores que Mercadante usará a Casa Civil para pavimentar sua candidatura ao Planalto. Mas ele diz ter outros planos.

"Já estou chegando numa fase da vida em que dediquei tudo que podia para fazer o melhor para vida pública e para o país. Serei avô pela segunda vez na próxima semana, quero ter a chance de viver com meus netos o tempo que não pude viver com meus filhos"", disse Mercadante, que fará 61 anos em maio.

Petista histórico, ele viu sua carreira no Executivo decolar no primeiro mandato de Dilma, apesar de não ter alçado voos nos governos de Lula (2003-2010).

"O Senado era muito difícil, éramos minoria e a oposição era muito forte. Era desafio grande para a governabilidade e fiquei lá os oitos anos [da era Lula]"", afirma.

Ele nega relações estremecidas com o ex-presidente, como todo o petismo reconhece, e que Lula o teria tratado friamente na posse de Dilma na quinta (1º). "Não existe isso, ele me deu um abraço fantástico."

Para um dos auxiliares mais próximos de Dilma, Mercadante ganhou protagonismo no governo por ter um estilo semelhante ao de Dilma quando era ministra de Lula, de obediência e lealdade.

Perguntado sobre o que o levou ao estágio atual, ele cita seu trabalho nos Ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação como passagens bem-sucedidas: "Uma das palavras-chave para quem é governo é entregar".

Mas o estilo de Mercadante conduzir a relação da Casa Civil com outras instâncias é criticado por parlamentares, colegas de Esplanada e assessores ouvidos pela Folha.

Entre as características citadas estão vaidade e arrogância. Um deputado relembra reunião com Mercadante no início de 2014 em que ele disse que sobrava apoio a Dilma para a reeleição.

A declaração irritou líderes aliados, que suspenderam os encontros. No fim, a disputa com Aécio Neves (PSDB) no segundo turno foi apertada.

Um dos episódios que mais incomodaram a Esplanada foi a ordem dada por Mercadante para que todos os ministros colocassem os cargos à disposição após a reeleição de Dilma. A decisão não foi debatida com ninguém.

Então no Desenvolvimento Agrário e agora colega de Mercadante no Planalto, Miguel Rossetto (Secretaria-Geral) se recusou a se demitir quando cobrado pelo chefe de gabinete da Casa Civil. Mercadante cobrou Rossetto pessoalmente por telefone, e este perguntou afinal se a ordem era dele ou de Dilma.

O ministro releva as críticas. "Cada um vê o outro do jeito que vê. É da vida."

Mercadante entrou no governo Dilma na pasta da Ciência e Tecnologia em 2011. Em 2012, foi para o Ministério da Educação e construiu a fama de homem forte do governo na crise de junho de 2013, quando os protestos de rua surpreenderam autoridades.

Para dar resposta à voz das ruas"", Dilma convocou reunião no Palácio da Alvorada para discutir os cinco pactos que se tornariam a bandeira do governo diante dos protestos, ainda que nunca implementados --com a exceção do Mais Médicos, desengavetado às pressas.

Na biblioteca da residência oficial, os principais ministros aguardavam a presidente, que chegou acompanhada por Mercadante.

Ela explicou aos presentes que nem todos"" saberiam de tudo"" sobre os próximos passos para enfrentar a crise. Ali ficou claro para todos: uma pessoa saberia de tudo além dela", relembra um ministro presente no dia.

A partir daí, Mercadante foi escalado como principal porta-voz e articulador do governo. Com a saída de Gleisi Hoffmann (PT) para a eleição, Dilma o colocou na Casa Civil no início de 2014. No cargo, ganhou o apelido de primeiro-ministro"", que ele corrige: "Chefe da Casa Civil".

Lideranças afirmam que PSDB e PMDB serão contra proposta de regulação da mídia

• Senador tucano Aloysio Nunes chama ministro das Comunicações de 'aloprado' e Eduardo Cunha diz que partido não vai apoiar 'pauta ideológica' do PT; PSB também manifesta contrariedade

José Roberto Castro, André Magnabosco e Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) e o líder do PMDB na Câmara dos Deputados e candidato à presidência da Casa, Eduardo Cunha (RJ), afirmaram neste sábado, 3, que serão contrários o projeto de debate sobre a regulação da mídia defendida pelo governo federal. Ao tomar posse nessa sexta, 2, o novo ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, disse que uma de suas missões será a discussão da regulamentação econômica dos veículos de comunicação. O PSB também manifestou contrariedade à proposta.

Em sua página no Facebook, o senador tucano classificou a iniciativa como uma "tentativa criminosa" e como uma forma de "controle da imprensa" e ainda chamou o novo ministro de "aloprado" - o termo foi usado pela primeira vez pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, para criticar os envolvidos no episódio da compra de um dossiê contra o então candidato à Presidência José Serra. O tucano ainda definiu os apoiadores da medida como "facções rivais do campo lulo-petista".

O debate sobre a regulação da mídia chegou a constar nas diretrizes do PT para o programa de governo da reeleição da presidente Dilma Rousseff mas foi retirado por pressão de aliados. O tema também foi discutido durante o governo Lula, mas não avançou.

Ao tomar posse, Berzoini disse não haver nenhuma proposta estabelecida e que a ideia é discutir "com tranquilidade, sem pressa". "Todos os setores da economia que têm grande impacto social, democrático e econômico são regulamentados. Queremos fazer um debate amplo sobre o tema", afirmou, enfatizando que o principal alvo da discussão serão os veículos detentores de concessão pública, caso de emissoras de rádio e TV.

Ainda nesta sexta, integrantes do PMDB, principal partido da base aliada, já manifestaram o assunto deve ser tratado com cautela. Mais tarde, em seu perfil no Twitter, Eduardo Cunha afirmou que será "radicalmente contrário" a um eventual projeto de regulação da mídia. "Não confundam a pauta congressual da governabilidade que apoiaremos com a pauta ideológica do PT, que não apoiaremos de forma alguma", escreveu.

O deputado afirmou que o tema "incomoda muito o PMDB" e disse que o partido não aceita sequer discutir o assunto. O candidato do PMDB ao comando da Câmara, que no ano passado protagonizou embates contra o Planalto, também fez questão de defender uma posição de independência em relação ao governo federal, e insinuou que Chinaglia não teria condições de adotar a mesma postura.

"Que independência pode ter quem acabou de deixar a liderança do governo, nomeou o filho e era a favor dos conselhos populares?", indagou Cunha. "Não seremos submissos ao governo e não seremos de oposição", disse o deputado. Cunha acusa Chinaglia de indicar o filho para um cargo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

O peemedebista afirmou querer uma "Câmara independente" e pediu a seus seguidores para que não confundam a "pauta congressual da governabilidade" da "pauta ideológica do PT". Esta, segundo o deputado, não será apoiada "de forma alguma". Sem citar o nome de Chinaglia, o deputado do PMDB ainda afirmou que o petista não é o candidato do governo, mas sim o "candidato da submissão ao governo".

O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), também candidato à Presidência da Câmara, afirmou que a proposta dificilmente terá espaço para avançar no Congresso. Segundo ele, o PSB é contra aprovar esse tipo de medida "por princípio", e esse foi um dos pontos colocados pelo PSDB para apoiar a candidatura do senador Aécio Neves (MG) à Presidência.

PSB diz também ser contra proposta de regulação da mídia

Isadora Peron – O Estado de S. Paulo

O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), candidato à Presidência da Câmara, disse neste sábado, 3, que o PSB também é contra o debate sobre a regulação da mídia defendida pelo governo federal e que a proposta dificilmente terá espaço para avançar no Congresso. Ao tomar posse na sexta-feira, 2, o novo ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, afirmou que teria como uma de suas prioridades discutir a regulamentação econômica dos veículos de comunicação.

Segundo Delgado, o PSB é contra aprovar esse tipo de medida "por princípio", e esse foi um dos pontos colocados pelo PSDB para apoiar a sua candidatura à Presidência. Neste sábado, o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP), usou o Facebook para classificar a proposta como uma forma de "controle da imprensa" e criticar o ministro de Dilma.

O líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), favorito a assumir a Presidência da Câmara, também usou as redes sociais para dizer que o seu partido não endossará qualquer projeto de regulação da mídia. "Quero reafirmar que seremos radicalmente contrários a qualquer projeto que tente a regular de qualquer forma a mídia. Não aceitamos nem discutir o assunto", escreveu.

O debate sobre a regulação da mídia não foi incluído no programa de governo de reeleição da presidente Dilma Rousseff por pressão de aliados. O tema chegou a ser discutido durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas não avançou.

Oposição critica proposta de Berzoini para regulação da mídia

• Líder do PSB na Câmara promete repelir a proposta

Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA - Líderes da oposição criticaram neste sábado a afirmação do novo ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, de que reabrirá o debate sobre a regulamentação econômica da mídia. Líder do PSB na Câmara e candidato da oposição à Presidência da Câmara, Júlio Delgado (MG) divulgou nota em que disse repelir, “veementemente” qualquer proposta de regulação da mídia, acrescentando que em um Estado democrático de direito a imprensa deve ser livre. “Não há o que debater no Congresso Nacional sobre regulamentação econômica da mídia como deseja o novo ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini. A liberdade de imprensa foi uma das maiores conquistas da redemocratização brasileira”, disse Delgado.

Também em nota, o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), criticou a decisão de Berzoini de debater o tema. “O traço de união capaz de congregar em uma linha de ação comum facções rivais do campo lulo-petista e também os grupelhos da esquerda anti-democrática é a proposta celerada a cargo do novo ministro das Comunicações, o ‘aloprado’ Berzoini: o controle da imprensa, conforme ele anunciou ontem no discurso de posse. Todos os que se opõem ao governo Dilma têm o dever de se unir no Congresso e nas ruas para o combate sem trégua a essa tentativa criminosa. O que está em jogo é a liberdade de expressão, cerne da vida democrática. Essa é a prioridade das prioridades.”

Para o líder do PPS na Câmara dos Deputados, Rubens Bueno (PR), o governo quer esse debate como forma de reduzir, gradativamente, o poder dos veículos de comunicação, como fizeram Argentina e Venezuela. Bueno disse que a bancada do PPS rejeitará qualquer regulamentação da mídia que venha tramitar no Congresso.

"O governo quer controlar para não ser denunciado, pois é pela imprensa que sai boa parte das denúncias de corrupção. E dizer que adotará regras apenas com viés econômico sobre as empresas jornalísticas é adotar o mesmo discurso da Argentina, da Venezuela e de outros que diminuíram o poder dos veículos de comunicação, gradativamente, até impor-lhes um cabresto", ressaltou Bueno, em nota. "Este é um governo que não controla a qualidade da gestão, por isso quer regular a imprensa. A posição da bancada será contrária a qualquer tipo de controle da mídia, seja ele, por meio de conteúdo jornalístico, econômico das empresas ou qualquer outro.

Em seu discurso de posse, o ministro defendeu a liberdade de expressão e depois, em entrevista, disse que a regulamentação da mídia cabe ao Congresso Nacional, mas que o governo pretendia incentivar esse debate, ouvindo a sociedade sobre o tema. A regulação da mídia é uma bandeira histórica do PT. O partido tenta avançar neste debate desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e defende que seja uma das prioridades do segundo mandato do governo Dilma Rousseff.

O PT pressionou a presidente Dilma durante a eleição para que o tema fosse retomado no segundo mandato presidencial. Depois de reeleita, Dilma deu algumas declarações defendendo a regulação econômica da mídia, explicando que essa regulação dizia respeito a monopólios e oligopólios, mas negou, repetidamente a intenção de regular o conteúdo. O ex-ministro Franklin Martins chegou a elaborar uma proposta de regulamentação da mídia no final do segundo governo Lula, mas a proposta não avançou nos quatro primeiros anos do governo Dilma e não foi enviada ao Congresso Nacional.

PMDB do Senado tira apoio irrestrito a ações do Planalto

• Fiéis no primeiro mandato da presidente, aliados da Casa se dizem insatisfeitos e prometem analisar medidas do governo caso a caso

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Senadores da base aliada decidiram revisar para a próxima legislatura, a partir de fevereiro, o papel de fiel da governabilidade no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A insatisfação se deve à composição do novo Ministério. Prometem continuar a defender as propostas encaminhadas pelo governo rumo ao reequilíbrio das contas públicas, mas dizem que a partir de agora os projetos serão discutidos caso a caso. Também sinalizam que vão rejeitar projetos que aumentem impostos.

A estratégia foi definida em uma reunião promovida pelo presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL) na quinta-feira passada, dia da posse de Dilma, quando integrantes da bancada do PMDB - a maior da Casa, com 19 dos 81 assentos - passaram a discutir a adoção de uma postura de maior independência em relação ao governo. A avaliação é que a fidelidade exercida pelo partido no primeiro mandato não foi bem recompensada na reforma ministerial.

Incomodou ainda o fato de partidos com baixa representatividade no Senado, como PSD - que elegeu três senadores - e o PROS - que não elegeu nenhum -, terem ficado com pastas relevantes na reforma. Respectivamente, Cidades e Educação. Um proeminente peemedebista do Senado disse que o partido saiu “humilhado” da reforma, uma vez que foi repassada ao público a imagem de que o governo cedeu ao apetite fisiológico do PMDB.

Renan adiantou que considera “muito difícil” a aprovação no Senado de projetos que aumentem impostos, caso a nova gestão Dilma pense nessa ideia. Para ele, “sempre é mais fácil” cortar gastos públicos. “Cabe ao Senado exatamente exercer uma espécie de controle do andamento da política fiscal e temos consciência disso”, afirmou Renan ao Estado antes do encontro de peemedebistas que promoveu para discutir a relação com o governo. Ele não quis falar sobre eventual enfraquecimento de sua candidatura à reeleição à presidência do Senado por causa do escândalo da Petrobrás.

Senadores de outras siglas da base aliada também indicaram à reportagem que vão dar a partir de 2015 um apoio mais “crítico” ao Executivo. Isto é, não vão chancelar qualquer iniciativa encaminhada pelo Palácio do Planalto.

Oposição. Os oposicionistas também tendem a ter uma atuação mais acirrada do que no primeiro mandato da presidente. Eles voltam das últimas eleições embalados pelos 51 milhões de votos do ex-presidenciável e senador Aécio Neves (PSDB-MG). A oposição, que passou de 24 para 26 dos 81 senadores. ainda contará na próxima legislatura com a presença no Senado de importantes quadros como os ex-governadores tucanos José Serra (PSDB-SP) e Antonio Anastasia (PSDB-MG), além do líder da minoria no Congresso, o atual deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO).

Nos próximos quatro anos, Dilma terá uma base de apoio no Senado menor do que no início do seu governo, em 2011. Ainda assim, será uma situação mais confortável do que a verificada na Câmara dos Deputados.

Além de medidas de ajuste fiscal da nova equipe econômica que precisam passar pelo crivo do Congresso, a presidente terá uma extensa lista de propostas que precisam, obrigatoriamente, ser apreciadas pelos senadores: votação do Orçamento de 2015; a aprovação das duas medidas provisórias que mudam regras para concessão de benefícios previdenciários e trabalhistas; a prorrogação para além do final de 2015 da Desvinculação das Receitas da União (DRU) - que permite ao governo utilizar livremente 20% dos recursos vinculados a áreas obrigatórias pela Constituição -; a nova política de salário mínimo a partir de 2016; a Lei Geral das Antenas; o novo Marco da Mineração e a reforma do ICMS.

Dilma ainda terá de conviver com os eventuais reflexos do escândalo de corrupção da Petrobrás no Congresso. A princípio, o Palácio do Planalto deve tentar barrar uma nova CPI mista da estatal. O problema é que importantes aliados podem ser puxados para o centro da crise que envolve a petroleira, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ele foi um dos 28 citados pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa em sua delação premiada. A tendência é que o Planalto apoie em fevereiro a reeleição de Calheiros para a presidência do Senado desde que ele, até lá, não fique inviabilizado politicamente.

Governo terá base menos fiel no senado e uma oposição mais forte

• Planalto contabiliza 39 aliados certos; 22 independentes e 20 oposicionistas

Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA – Diferentemente de seu primeiro mandato, a presidente Dilma Rousseff não deve ter um ambiente de calmaria no Senado a partir do ano que vem. O governo já se prepara para enfrentar uma oposição mais combativa e uma base aliada pouco fiel. Formalmente, os partidos que não apoiaram a reeleição da presidente Dilma somarão 29 senadores no próximo ano e a base aliada, 52. Na prática, porém, o governo trabalha com um cenário em que a oposição para valer contará com 20 integrantes no Senado e a base de apoio terá, a princípio, 39. Nesse mapeamento, 22 senadores serão independentes ou condicionarão seu apoio na votação de projetos ou em Comissões Parlamentares de Inquérito ao diálogo com o Palácio do Planalto, sem alinhamento automático.

Integrantes da base aliada afirmam, no entanto, que essa correlação de forças pode ser implodida pela operação Lava- Jato, da Polícia Federal, que investiga esquema de pagamento de propina a partidos políticos na Petrobras. Deputados e senadores esperam uma avalanche no Congresso. Até agora foram presos executivos de empreiteiras e ex-diretores da Petrobras.

Esses números da composição do novo Senado foram citados pelo ex-presidente Lula em reunião com os senadores do PT no mês passado. Lula não engole até hoje a derrubada da CPMF pelo Senado em sua gestão, e está preocupado com a nova composição da Casa.

- A nossa senadora eleita, Fátima (Bezerra, PT-RN) veio com vontade de brigar e o povo de Goiás deu de presente pra ela o (Ronaldo) Caiado (DEM-GO) para ela enfrentar logo de cara - incensou Lula, em evento do PT.

Aposta em defecções
Apesar de numericamente em desvantagem, a oposição estará mais qualificada, com o reforço de nomes de peso como José Serra (PSDB-SP), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Antonio Anastasia (PSDB-MG) e Ronaldo Caiado (DEM-GO). E os oposicionistas também apostam nas defecções na base aliada.

- A base do governo no Senado é encabulada, e a oposição vai trazer gente mais aguerrida. A oposição vai voltar a dar rumo às iniciativas do Senado - acredita o líder do DEM, José Agripino.

A oposição, no entanto, também tem suas deserções. O PTB, que desembarcou do governo na véspera da oficialização da candidatura de Dilma à reeleição para apoiar Aécio Neves (PSDB), já está de volta. O senador Armando Monteiro (PTB-PE) será ministro do Desenvolvimento.

Apoio sem "amém"
O PSB, que disputou a presidência da República com Marina Silva e terá uma bancada de seis senadores, adotará uma postura de independência, e não de oposição. A bancada do PSB da Câmara é mais oposicionista do que a do Senado, que tem como integrantes nomes historicamente ligados ao PT. Os defensores de uma postura independente argumentam que a oposição já tem um líder, o senador Aécio Neves (MG), e que o partido ficaria a reboque.

Derrotada na disputa pelo governo do Rio Grande do Sul, a senadora Ana Amélia (PP-RS) é uma das que continuará na linha de frente dos independentes da base aliada, com viés oposicionista.

- Para o Brasil, vai ser melhor o Senado vai ter uma oposição com mais visibilidade e mais protagonismo. Estamos sufocados com as medidas provisórias, é a UTI da relação institucional. O governo vai ter que ser mais competente politicamente - afirmou Ana Amélia.

No PDT, o senador Cristovam Buarque (DF) contará com o reforço de Reguffe (DF), eleito agora, na ala dos independentes. O presidente do partido, Carlos Lupi, relativiza a rebeldia de parte da bancada:

- O partido continuará a apoiar o governo, mas isso não quer dizer amém para tudo.

Debate mais qualificado
No PMDB, os independentes perderão Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcelos (PE), que encerrarão seus mandatos, mas devem ganhar o reforço de Simone Tebet (MS), Rose de Freitas (ES) e Dário Berger (SC).

Em alguns casos, integrantes da base aliada fazem oposição ou adotam postura independente do Planalto por questões regionais.

- Não me considero de oposição, mas sou muito independente em relação às votações. O primeiro a saber quando não posso votar (com o governo) é o líder da minha bancada. No meu estado o PT é nosso adversário - disse Waldemir Moka (PMDB-MS).

Senadores do PT preveem que o debate será mais difícil tanto pelo resultado da eleição presidencial, que deu fôlego à oposição, quanto pelos quadros do PSDB e do DEM que foram eleitos. Mas os petistas também veem um lado positivo no time de estrelas que vai integrar a bancada oposicionista. Apostam que as negociações serão de mais alto nível.

Disputa por cargos acirra divisões no PT

• Dilma prestigia nomes da corrente rival de Lula, que quer reforçar seu grupo no comando do partido

Tatiana Farah – O Globo

SÃO PAULO - Ao afastar do núcleo palaciano os ministros lulistas, a presidente Dilma Rousseff reacendeu no PT a velha disputa das correntes internas. Cada vez menos ideológicas e mais fisiológicas, as tradicionais tendências petistas saíram a campo disparando "fogo amigo" contra a nova composição do governo. A queixa veio do grupo que sempre comandou a sigla e é encabeçado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Construindo um Novo Brasil (CNB), que se ressentiu da opção de Dilma por dois ministros ligados à sua principal rival nas disputas internas, a Democracia Socialista (DS), que integra o campo Mensagem ao PT.

Os gaúchos Miguel Rossetto, da Secretaria-geral, e Pepe Vargas, das Relações Institucionais, são considerados escolhas de Dilma por afinidade: são seus amigos e originais do estado onde a presidente consolidou sua carreira política. Mas, por serem da DS, desencadearam no PT pelo menos duas semanas de lamúrias. Pesou ainda o fato de os dois ocuparem posições no Palácio que antes pertenciam a lulistas da CNB, Gilberto Carvalho e Ricardo Berzoini, respectivamente. A DS compõe hoje um campo petista chamado Mensagem ao PT, que nasceu em meio à crise do mensalão para tentar fazer um resgate ético, uma vez que nomes importantes da CNB havia sido arrastados para o epicentro do escândalo, como José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.

Tarso falou em refundar o partido
Um dos nomes da Mensagem é o do ex-governador gaúcho Tarso Genro que, ao assumir a presidência petista no auge da crise, falou até em "refundação do partido". A tese foi logo abandonada, mas a Mensagem se consolidou como principal adversária da corrente majoritária. Por outro lado, a CNB se aliou a outras correntes, como Novo Rumo, do presidente Rui Falcão, PT de Luta e de Massa e Movimento PT. Assim, atingiu a maioria tanto na direção executiva como na instância máxima do partido, o diretório nacional.

Apesar do discurso de confronto de correntes feito "para fora" do partido com o objetivo de pressionar a presidente Dilma por mais cargos, internamente, passado o anúncio do Ministério, os dirigentes petistas admitem que as divisões ideológicas estão cada vez mais enfraquecidas no PT. O partido, agora, se organiza muito mais em torno de lideranças e de mandatos parlamentares e executivos, do que em torno de ideias. Foi-se o tempo em que os petistas se debruçavam sobre longos debates acerca do socialismo e do papel do Estado.

Lideranças do partido ouvidas pelo GLOBO admitem que a DS saiu fortalecida com a nomeação dos dois ministros, mas não acreditam que, de fato, seja uma escolha ideológica da presidente Dilma até mesmo porque essa corrente tem uma visão desenvolvimentista da economia, mais próxima do estilo de Guido Mantega e mais crítica ao recém-nomeado ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

- As tendências estão exauridas, precisam ser reformadas e produzir. Não se pode organizar tendências só por interesse. No passado, elas foram decisivas nas grandes formulações do PT - avalia o vice-presidente do partido e dirigente da CNB, o deputado José Guimarães (CE), para quem é preciso "repaginar a vida dessas tendências".

Um dos principais nomes da Mensagem, o deputado Paulo Teixeira (SP) também vê uma diminuição no papel das tendências no partido. Para ele, é preciso que as correntes "recuperem sua dimensão ideológica e formuladora". Teixeira nega que a Mensagem seja "dilmista" e não "lulista".

- Nós somos lulistas, dilmistas e, antes de tudo, petistas.

Papel de Jaques Wagner
Uma das queixas petistas também recai sobre a ida de Jaques Wagner para a Defesa. No final da eleição, ele era considerado um "coringa" do governo e se esperava que ele ocupasse um cargo mais próximo da presidente. Há uma leitura interna, no entanto, de que o Planalto não poderia contar com dois "perfis altos" como o de Wagner e o de Mercadante sem gerar mais incômodos do que soluções para a presidente.

O fato é que, com poder reduzido no Planalto, o ex-presidente Lula quer turbinar a CNB no comando do partido. Ele tem dito que nomes como Gilberto Carvalho e Marco Aurélio Garcia, seus aliados mais próximos, fazem falta na direção da legenda.

País será nova tribuna de Simon

Guilherme Mazui - Zero Hora (RS)

BRASÍLIA - Senador pretende percorrer o Brasil para falar a jovens sobre política, após encerrar o quarto mandato em Brasília no fim deste mês

Antes de cruzar a porta do gabinete, Pedro Simon (PMDB-RS) mantém um rito: passa os dedos nos pés do Cristo crucificado. No caminho até o corredor, toca em um quadro com a imagem de Jesus. Liturgia repetida pela última vez na noite da quarta-feira, 17 de dezembro, em meio a pacotes, caixas e pilhas de livros. Após 32 anos em quatro mandatos, Simon se despede do Senado.

Parte da história das seis décadas de carreira política do gaúcho de 84 anos, que também foi vereador, deputado estadual, governador e ministro, está no gabinete que ocupou desde 1999 (antes utilizava outro), localizado no andar inferior à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), um espaço dotado de sete salas, copa, biblioteca e três banheiros.

Em dezembro, Simon encaixotou pertences e distribuiu mimos. Funcionário do gabinete, Zé Rodrigues ganhou um dos terços que o senador carregava. A parte virtual das memórias ficou em um arquivo digital com 60 gigabytes, enquanto mais de 200 volumes com documentos, cartões e livros serão enviados para o escritório de Porto Alegre. Duas Bíblias, 24 imagens de santos (a maior parte de São Francisco) e uma foto com o papa João Paulo II também seguirão viagem.

– Sugeri à dona Ivete (mulher do senador) contratar uma bibliotecária para organizar o material. É uma vida inteira – afirma já saudosa Eurítima Félix, chefe do gabinete do parlamentar.

O garimpo nas lembranças rememorou histórias vividas no Senado, onde Simon desembarcou em 1979, quando já percorria o país com Teotônio Vilela em defesa da anistia. Tribuno vibrante na oposição ao regime militar (1964-1985), viveu no Congresso a aflição para evitar a extinção do MDB com o fim do bipartidarismo. A articulação viabilizou a criação do PMDB em 1980.

– Fui até o doutor Ulysses (Guimarães), que não falava, estava arrasado. Sugeri chamarmos uma convenção e pedir para ninguém se filiar em outro partido. O MDB não morreu – recorda.

Depois de um período em que foi ministro durante o governo José Sarney – mas escolhido por Tancredo Neves –, e governador gaúcho, Simon retornou eleito ao Senado em 1991. No ano seguinte, ajudou a bancar a CPI do PC Farias, que derrubou o então presidente Fernando Collor. Após, virou alicerce da sustentação de Itamar Franco na Presidência. Líder do governo, teve papel importante na aprovação do Plano Real.

Vigília até chegar aval para o estado
Reeleito em 1998 e 2006, o gaúcho manteve a bandeira da ética. Em discursos, atacou desvios de tucanos, petistas e do próprio PMDB. Da tribuna, também protagonizou uma prova de resistência física e de oratória. Em 2008, aos 78 anos de idade, falou por cerca de seis horas até o envio de uma mensagem do Planalto que autorizava o empréstimo de US$ 1,1 bilhão ao governo gaúcho no Banco Mundial. A maratona foi batizada de Vigília pelo Rio Grande.

– Quando chegou a mensagem, a fome e o cansaço foram embora – lembra o político, que guarda no gabinete um arquivo com notícias do episódio.

O gabinete no Senado reúne fotos de Eduardo Campos e Marina Silva. Em 2013, após a negativa de criação da Rede, Simon telefonou para Campos (então concorrente ao Planalto) e abriu a porta para Marina ser a vice na chapa do PSB. O turbilhão da morte trágica do socialista colocou o senador outra vez nas urnas. Em outubro, perdeu a chance de emplacar o quinto mandato. A vaga será ocupada por Lasier Martins (PDT).

Após tantas histórias, foi preciso uma despedida em prestações. Ao caminhar pelos corredores, Simon era parabenizado por servidores, colegas e visitantes da Casa. Em 10 de dezembro, por cinco horas, proferiu um discurso de adeus, aparteado por 36 colegas:

– Onde vi repressão, lutei para levar liberdade. Onde vi tirania, lutei para levar democracia. Onde vi corrupção, lutei para levar ética. Onde vi impunidade, lutei para levar justiça.

Aplaudido de pé, o tribuno recebeu uma miniatura em madeira do Congresso, com o microfone e a placa que ficavam em frente a sua cadeira no plenário. Uma semana depois, foi à marcenaria do Senado agradecer.

No mesmo dia, falou pela última vez na despedida de Eduardo Suplicy (PT-SP). Discursou, emocionou-se e voltou ao gabinete para depois partir. Agora, o gaúcho quer percorrer o país outra vez. Nos Encontros com Pedro Simon, pretende levar a palavra de um octogenário que não dá trégua a sua militância.

– Quero falar com a juventude. Ela não pode desistir da política – diz Simon.

Presidente deu a aliados pastas nobres da esplanada

• Governo pretende suprir afastamento do PSB, que deixou a base em 2014

- O Globo

BRASÍLIA- Não foi à toa que Gilberto Kassab e Cid Gomes ganharam dois dos mais influentes ministérios, cobiçados pelos partidos. A Educação, entregue a Cid, tem um dos maiores orçamentos da Esplanada e grande capilaridade pelo país. Cid, duas vezes governador do Ceará, se desfiliou do PSB quando Eduardo Campos decidiu concorrer à presidência e foi para o PROS, numa combinação com o Planalto.

As Cidades, sob o comando de Kassab, têm relação direta com governos estaduais e mais de cinco mil prefeituras. Entre outros, ele é responsável pelas negociações de programas como o Minha Casa, Minha Vida.

Originário do DEM, Kassab criou o PSD em 2011. Com a nova sigla, virou governista e promoveu uma diáspora de oposicionistas rumo à gestão de Dilma. Entre os que migraram para o partido de Kassab está a senadora e agora ministra da Agricultura, Kátia Abreu - ela e Kassab se desentenderam posteriormente, e ela acabou no PMDB. Especialista na criação de partido, Kassab opera agora a favor da formação do PL, cujo processo já tramita em ao menos dez tribunais regionais eleitorais.

Além de querer neutralizar a força do PMDB, o Planalto busca compensar a perda do PSB, que saiu da base aliada no ano passado e levou junto o apoio de 34 deputados. Para suprir a falta dos socialistas, a presidente Dilma espera contar com blocos liderados pelo PROS e pelo PRB, que ganhou o Ministério do Esporte com a promessa de arregimentar cerca de 40 deputados.

Oposição com 147 nomes
A legenda tem 21 parlamentares e busca reunir PRTB, PTC, PMN, PTN, PHS, PTdoB, PRP, PSDC, PEN e PSL, que somam 24 deputados. Desses partidos menores, PMN, PEN, PTC e PTdoB apoiaram a candidatura do tucano Aécio Neves à presidência, mas tendem a migrar para a base aliada.

As bancadas do PTB, cuja direção abandonou Dilma no começo da campanha eleitoral em favor de Aécio, devem seguir dando os votos a favor da presidente, especialmente depois de ela ter escolhido o senador Armando Monteiro, que é do partido, para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

A oposição, que reúne PSDB, DEM, PSB, SD, PSC e PPS, terá 147 deputados a partir de fevereiro. O primeiro teste da base de Dilma será a votação da medida provisória que restringe benefícios previdenciários, como obtenção do seguro-desemprego, auxílio-doença e abono salarial.

Fernando Henrique Cardoso - Inovar na política

• Meus votos são para que não haja oposição entre esquerda retrógrada e direita golpista e que se consiga melhorar o sistema político-partidário

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Ano novo, esperanças renovadas. É preciso continuar modelando o futuro com a argila de que se dispõe. Algo dará para fazer. Que posso desejar para 2015? Primeiro, que o Brasil reencontre o rumo. Brasil não quer dizer abstratamente um país com seu Estado, mas uma nação com seu povo. Sem um Estado que funcione eficazmente, nem o mercado funciona, nem a sociedade. Porém opor Estado e mercado, sociedade e Estado, mais atrapalha do que ajuda a entender e melhorar o País. Na última década renasceu no Brasil a ilusão de que tudo seria feito e "salvo" pelo Estado. Deu no que deu, com mensalão, petrolão, ineficiências múltiplas e um amálgama degenerado de "capitalismo da companheirada" que nos levou à estagnação econômica. Que ultrapassemos isso é meu desejo.

Quem sabe superaremos o primitivismo político de considerar como "neoliberal" tudo o que é necessário fazer para que as finanças públicas e a administração funcionem bem, respeitando suas possibilidades reais, mais ou menos elásticas conforme as circunstâncias, mas nunca infinitas, propiciando um clima favorável para que as pessoas, as organizações e as empresas possam expandir suas potencialidades. Tomara que, ao mesmo tempo, superemos o primitivismo de considerar como "de esquerda" quem for contrário a essas práticas.

Claro que se pode e deve distinguir entre "esquerda" e "direita", com suas variantes intermediárias. Mas a oposição correta é outra: sempre foram considerados de esquerda os que querem mudar estruturas para beneficiar a maioria, pela via da "revolução" ou das reformas (a esquerda democrática é reformista). A direita clássica costuma se opor às mudanças, em particular a "reacionária", pronta para impor sua lei e ordem a qualquer preço.

No Brasil não estamos diante desse dilema. Não há partidos relevantes "de direita", tampouco "revolucionários", à esquerda. Quando necessário, há os que se definem como liberais, de um lado, e social-democratas, de outro. Ainda muito numerosos são os setores que representam o atraso (práticas clientelistas, lenientes com a corrupção e com o arbítrio do Estado). Meus votos são para que não enfrentemos uma oposição entre esquerda retrógrada e direita golpista.

Sendo progressista, portanto, "de esquerda", desejo que se consiga alcançar consensos que melhorem o sistema político partidário, dando-lhe certa coerência ideológica. Para dar passos iniciais bastam três emendas à Constituição: voltar a aprovar a "cláusula de barreira", quer dizer, exigir dos partidos um número mínimo de votos em âmbito nacional e em certo número de Estados para lhes assegurar plena representação no Congresso, acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito na TV; proibir as coligações entre partidos nas eleições proporcionais; e vedar o uso de marketing político nas TVs. A TV seria usada apenas para debates entre candidatos ou para suas falas diretas à audiência. Isso reduziria drasticamente o custo de campanha. O financiamento privado, se mantido, deve limitar-se a algo como R$ 1 milhão por conglomerado de empresas, dado apenas a um partido, e não a todos, o que cheira corrupção. O financiamento da pessoa física seria livre, desde que limitado em valores.

Passo mais audacioso pode ser a introdução experimental do voto distrital nas eleições para as Câmaras Municipais. Embora em tese eu prefira o distrital misto, essa proposta, do mesmo modo teria a vantagem de não alterar a regra constitucional que exige a proporcionalidade e, além disso, de ter mais adeptos do que o sistema distrital misto. Essa modificação abriria espaço para, no futuro, estender a prática às eleições estaduais e nacionais. Ao longo do tempo, o espectro político encolherá e se tornará mais nítido.

Atualmente a polarização PT-PSDB distorce o significado do voto, já que os ideários dos dois partidos não são necessariamente antagônicos. Nascidos como "primos" no final do regime militar, esses dois partidos pertencem à família "social-democrática". Não obstante, um se acredita mais "à esquerda", com ingredientes de socialismo revolucionário e, juntamente com eles, elementos autoritários; o outro é mais liberal, embora decididamente favorável à regulação pública de setores da economia.

Na refrega, o PT empurra o PSDB para "a direita" e, em reação, o PSDB empurra o PT para o lado do "atraso corrupto". Não existe direita organizada no espectro partidário brasileiro. PT e PSDB distinguem-se mais pela contemporaneidade do último, que reconhece explicitamente a necessidade de dar ao mercado o papel que lhe corresponde nas sociedades contemporâneas, da mesma forma que não atribui ao Estado todas as virtudes. O PT, quando também age assim, é a contragosto, levado pela realidade.

A maior diferença entre os dois partidos é o modo como enxergam os processos políticos que levam à mudança: o PT crê numa vanguarda partidária que pela via eleitoral ganha o governo, apropria-se do Estado, infiltra-o com militantes ou "aliados" e, a partir disso, alavanca as reformas da sociedade. O PSDB, mais liberal, quando controla o governo não crê que deva juntá-lo ao Estado nem deseja usar este último como ferramenta quase exclusiva das reformas e dos avanços sociais, pois acredita mais na dinâmica da sociedade civil como mecanismo de mudança. E a direita onde fica? No atraso, no clientelismo, na luta por verbas e ministérios, mas sem expressão propriamente político-ideológica. O mesmo se diga da esquerda revolucionária, refugiada na teoria e no romantismo.

Meu desejo para 2015 é que tanto o PSDB quanto o PT e as novas forças políticas (como a Rede ou o Partido Novo) incorporem em suas crenças e práticas algo mais contemporâneo. Que olhem para as questões da sustentabilidade, da mobilidade urbana, da segurança, educação e saúde, entendendo as funções do mercado e do Estado no século 21; que não tenham medo das mudanças de estilos de vida, não fujam da discussão sobre regulação das drogas e se lembrem de que o debate político, tal como é hoje, dá às pessoas comuns a sensação de que os políticos estão numa conversa "entre eles", sem falar "com a gente".

Sociólogo, foi presidente da República

Merval Pereira - Á beira da irrelevância

- O Globo

O novo ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira terá uma tarefa árdua pela frente: tirar o Brasil da quase irrelevância nas relações políticas e econômicas internacionais. Ele destacou no discurso de posse a necessidade de ampliar o comércio internacional, o que parece indicar que o Itamaraty dará mais atenção ao comércio exterior - uma necessidade - do que à política, que pode vir a ser uma consequência. A quase irrelevância política brasileira, dentro e fora dos BRICS, foi confirmada em recente pesquisa do Ash Center para Governança Democrática e Inovação, da Harvard Kennedy School, que perguntou a cidadãos de 30 países suas opiniões sobre 10 influentes líderes nacionais que têm impacto global.

Enquanto Rússia e China surgem como lideranças reconhecidas, Brasil e África do Sul aparecem entre as menos importantes do grupo. As notas médias mais altas de conhecimento são para o presidente Barack Obama, dos Estados Unidos (93,9%), para o presidente Vladimir Putin, da Rússia (79,3%), e para o presidente Xi Jinping, da China (59,12%).

Os líderes nacionais menos conhecidos são o presidente da África do Sul Jacob Zuma (27,8%) e Dilma Rousseff do Brasil (25,4%). O diretor do Ash Center, Tony Saich, comenta que “claramente nenhum dos dois é visto como capaz de desempenhar um papel importante”.

O primeiro-ministro da Índia, Narandra Modi, recebe um tratamento neutro na interpretação de Tony Saich, pois ao mesmo tempo em que aparece em antepenúltimo lugar na percepção dos cidadãos de outros países, está em terceiro lugar como um dos líderes mais bem avaliados por sua própria população.

Saich atribui essas contradições ao fato de que Modi foi eleito no ínicio de 2014 e se ainda vive uma lua de mel com seus eleitores, é desconhecido no resto do mundo. O Presidente Putin divide opiniões com apenas 1/3 dos países dando a ele nota acima de 6, mas é bem visto no Vietnam e na China.

Essa opinião dividida faz com que a média para Putin entre os 30 países (6) seja a mais baixa entre os 10 líderes. O Presidente chinês Xi Jinping tem a nota mais alta (7.5) por que, com exceção do Japão, ele é razoavelmente bem recebido em todos os países da pesquisa. O Presidente Obama aparece em sexto lugar, com a nota 6.6, ficando abaixo da Presidente Dilma Rousseff que obteve nota 6,8.

A presidente Dilma Rousseff consegue uma média mais alta na avaliação dos cidadãos de outros países do que no Brasil (6,3), em especial por que recebe nota 7 ou pouco mais nos países dos BRICS e nos Estados Unidos.

A chanceler Merkel obtém o melhor resultado na avaliação de quem tem mais condições de lidar com as questões domésticas e internacionais por ter sido colocada entre os três primeiros por 23 países, sendo que em 13 deles está colocada em primeiro.

Merkel não é bem vista, no entanto, na Rússia, país que ela tem criticado muito, e na Espanha, devido à sua liderança européia pela contenção de gastos. O presidente dos Estados Unidos Barack Obama, apesar de notas desfavoráveis dos próprios americanos, tem boas notas em outros países, com exceção da Rússia e do Paquistão.

Tony Saich diz que se por um lado essas notas são esperáveis, a avaliação baixa (5,8) no Japão é surpreendente. A pesquisa define que existem quatro líderes que têm altos níveis de confiança pela maneira como lidam com questões internas e externas: o chinês Xi Jinping; o russo Vladimir Putin; o indiano Narandra Modi e a alemã Angela Merkel.

Os Presidentes Dilma Rousseff, do Brasil, François Hollande, da França e Jacob Zuma da África do Sul não inspiram confiança na maneira como lidam com estas matérias.

Mau sinal
O recuo do Ministério do Planejamento com relação à mudança da fórmula para definir o aumento do salário mínimo é um mau sinal. Ou o Ministro Nelson Barbosa falou demais, antes do tempo, e mostrou que não tem sensibilidade política, ou a presidente Dilma voltou atrás da autorização que dera para rever a fórmula, que o ministro considera equivocada.

Dora Kramer - Honra ao demérito

- O Estado de S. Paulo

Não deve ser agradável, mas tampouco parece especialmente desconfortável à presidente Dilma Rousseff ler, ver e ouvir diariamente a massa de críticas à formação de seu Ministério, cuja proeza foi conseguir unanimidade na insatisfação e na atribuição de demérito (moral e profissional) a alguns dos ministros em relação às pastas para as quais foram escolhidos.

A presidente simplesmente fez as coisas ao modo que lhe pareceu o mais pragmático sob a ótica do carcomido e ineficiente presidencialismo de coalizão. Da obsolescência e ineficiência do método dão notícias os conflitos entre o Planalto e sua base aliada de 394 deputados no primeiro mandato.
Desta vez, a partir de 1º de fevereiro serão, só na Câmara, 329 parlamentares pertencentes a 10 partidos acomodados em ministérios. Em tese, maioria de votos de sobra. Na prática, um ministro não corresponde necessariamente à votação de uma bancada.

Ainda mais nessa situação em que o time já entra em campo reclamando da escalação e emitindo sinais de insubmissão à diretoria. Basta ver a plataforma dos dois candidatos à presidência da Casa oriundos das principais bancadas governistas. Ambos - Eduardo Cunha, do PMDB, e Arlindo Chinaglia, do PT - disputam o lema da "independência" em relação ao Poder Executivo.

Pois muito bem, nesse cenário seria um excelente gesto da presidente na direção da recuperação da credibilidade do governo a formação de um ministério de excelência. Bons quadros não faltam ao País nas mais diversas áreas: Esportes, Saúde, Educação, Minas e Energia, Previdência, Comunicações e assim por diante.

Com certeza absoluta teria o apoio da sociedade contra o qual o Congresso não ousaria reagir. Ocorre, porém, que gente com notório saber, biografia e nome a zelar não aceita determinados papéis. Um Ministério de alto nível teria de obter da presidente compromisso de autonomia para estruturar projetos, negociar com o Congresso e cuidar das respectivas execuções. Contrariando, muitas vezes, interesses que o grupo no poder não está disposto a contrariar. Daí a governar há 12 anos sem ter promovido reformas estruturais nem avanços que direcionem o Brasil ao futuro.

A lógica meramente eleitoral e a servidão à longevidade de uma liderança - no caso, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva - afastam quaisquer expectativas de que o País deixe de patinar e passe a andar. A opção pela mediocridade é a regra. Não foi por outra razão que Lula escolheu Dilma Rousseff como sua sucessora.

Pela certeza de que não lhe faria sombra. Ele nunca deu espaço para que florescessem novas lideranças no PT. Embriões de líderes não faltavam. Muitos abatidos por escândalos, mas outros deixados propositadamente em segundo plano em prol do brilho de uma única estrela.

Assim é a mecânica adotada para a formação do governo do segundo mandato. Muito criticada, mas que atende perfeitamente aos planos, que não incluem compromisso com resultados concretos e sim com a capacidade de mistificação da realidade. Como, aliás, se viu no discurso de posse da presidente.

O diagnóstico de que os brasileiros esperam do governo "mais e melhor" está correto. Mas a receita oferecida, ao menos em termos de equipe, não condiz com o prometido. Basta observar as manifestações de ministros que tomaram posse na sexta-feira.

O titular do Esporte confessou: não entende do riscado e vai "ouvir" quem entende; o da Educação prometeu "diálogo com os professores", acesso a creches, à pré-escola e mudança do currículo do ensino médio para daqui a dois anos; o da Integração Nacional anunciou mais um adiamento da conclusão da transposição das águas do rio São Francisco; e o de Comunicações acenou com "debate profundo" sobre o projeto de regulamentação da mídia.

Um resumo do prólogo que não recomenda o conjunto da obra.

Bernardo Mello Franco - O céu é o limite

- Folha de S. Paulo

Ao assumir o Ministério do Esporte, o pastor George Hilton disse entender os atletas que se decepcionaram com sua escolha. Se eles tivessem assistido à sua cerimônia de posse, na sexta-feira, o Brasil correria o risco de perder as próximas Olimpíadas por WO.

O novo auxiliar de Dilma Rousseff estreou com uma confissão: não tem a menor intimidade com os temas de sua pasta. "Posso não entender profundamente de esporte, mas entendo de gente", afirmou. "Alguém disse que o ministério tem que ser ocupado por um técnico. Mas o que mais temos aqui são bons técnicos", prosseguiu, para constrangimento de servidores que assistiam à solenidade.

No primeiro mandato de Dilma, o ministério se notabilizou por repassar dinheiro público a ONGs ligadas ao PC do B. No segundo, pertencerá ao PRB, sigla controlada pela Igreja Universal. Antes de nomear sua nova equipe, a presidente disse que consultaria o Ministério Público para prevenir escândalos. Bastaria ter usado o Google para evitar a instalação de uma bomba-relógio no governo às vésperas da Rio-2016.

A Polícia Federal já flagrou Hilton em um aeroporto com 11 caixas de dinheiro vivo, somando R$ 600 mil. O episódio provocou sua expulsão do antigo PFL, que não se notabilizava pelo rigor ético com os filiados.

Ao transmitir o cargo, o comunista Aldo Rebelo recebeu o pastor com uma citação bíblica. Entre todos os textos sagrados, escolheu uma parábola sobre a multiplicação das moedas. "Creio que Vossa Excelência entregará 10 moedas a partir das 5 que está recebendo", disse. Hilton arqueou as sobrancelhas e sorriu para os aliados na plateia, que retribuíram com uma gargalhada.

No fim do discurso, o novo ministro jurou não se abater com as críticas. "Pelo contrário, elas me impulsionam cada vez mais a desafiar a mim mesmo e tornar possível realizar proezas", disse. Para quem já conseguiu ser expulso do PFL e vaiado na posse da nova chefe, o céu é o limite.

Luiz Carlos Azedo - Predadores e inimigos externos

• Não foi à toa que a Petrobras ocupou boa parte do discurso de posse da presidente Dilma Rousseff. É preciso construir uma narrativa oficial para manter distância segura da Operação Lava-Jato

- Correio Braziliense

Uma das imagens mais emblemáticas do escândalo da Petrobras no fim do ano foi a saída dos familiares dos executivos presos na Operação Lava-Jato da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, na antevéspera do ano-novo, depois da visita ser antecipada devido ao feriado. Eles não puderam entregar aos detidos as comidas e as bebidas típicas do réveillon, mesmo assim, vestiam camisetas na qual estava inscrita a palavra fé.

As esposas de alguns dos mais importantes dirigentes de empreiteiras do país perderam a esperança de que eles sejam soltos antes do fim do recesso do Judiciário. E, mais uma vez, pressionaram os advogados a mudarem de estratégia: querem que os maridos recorram à delação premiada, como os executivos de uma das grandes empreiteiras envolvidas que já estão falando tudo o que sabem por decisão das herdeiras do grupo.

Isso significa mais problemas para os outros envolvidos no escândalo, inclusive para os ainda em liberdade, cujas empresas foram arroladas na lista de fornecedores impedidos de fazer transações com a Petrobras pela diretoria da estatal em razão da Operação Lava-Jato.

À distância
Não foi à toa que a Petrobras ocupou boa parte do discurso de posse da presidente Dilma Rousseff. É preciso construir uma narrativa oficial para manter o Palácio do Planalto à distância segura da Operação Lava-Jato. A saída adotada foi defender a empresa “de predadores internos e de seus inimigos externos”.

“Devemos saber apurar sem enfraquecer a Petrobras”, disse Dilma, que opera numa faixa muito estreita para não jogar a responsabilidade política sobre o que aconteceu no colo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi o que já fez com o ex-presidente da estatal José Roberto Gabrielli, no caso da compra superfaturada da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA).

Como diria o falecido Mané Garrincha, é preciso combinar com os beques para que a estratégia dê certo. Delegados da Polícia Federal e procuradores do Ministério Público Federal já têm provas suficientes para permitir ao juiz federal Sérgio Moro, que examina as denúncias, condenações muito mais duras do que a da ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabelo, sentenciada a 16 anos e 8 meses de prisão.

Esse é o ponto fraco da estratégia de Dilma. O mensalão, descoberto a partir da CPI dos Correios, era apenas a ponta de um grande iceberg de financiamento ilegal dos partidos da base do governo. A diferença é que já não há petistas com disposição para “matar no peito” as acusações, estoicamente, como fizeram o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, e o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, todos condenados pelo STF na Ação Penal 470.

Os supostos operadores do esquema de corrupção dentro da Petrobras, como Paulo Roberto Costa e Renato Duque; e fora da empresa, como o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Sete Brasil Pedro Barusco, não têm os mesmos compromissos e lealdades políticas. Dos quatro, apenas Duque não aderiu à delação premiada.

Está solto, em razão de um habeas corpus concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavaski, relator do processo, mas a delação premiada de Barusco — ex-subordinado de Costa na Petrobras, que topou devolver quase 100 milhões de dólares de propinas — pode mudar completamente a situação e criar mais dores de cabeça para o Palácio do Planalto.

E os inimigos externos? Não são as Sete Irmãs e os países árabes, porque essa concorrência é do jogo, não importa a retórica nacionalista da presidente Dilma e do PT. Nem os investidores e fundos de pensão que estão processando a Petrobras e exigem indenizações pela má gestão da empresa. São as investigações em curso nos Estados Unidos, na Holanda e na Suíça que podem levar às contas dos envolvidos no exterior e fechar o cerco aos caciques políticos envolvidos no escândalo.

João Bosco Rabello - Um não ao plebiscito

- O Estado de S. Paulo

O discurso presidencial, como é de praxe, centralizou as atenções na posse no Congresso Nacional, não por mérito, mas por demérito, e como dele nada de novo se extrai o do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), acabou por ter importância objetiva maior pela referência à reforma política.

Embora sempre utilizado como panacéia para todos os males, especialmente para justificar a gestão inconsistente do governo, a menção do tema por Dilma abriu espaço ao presidente da Casa para fixar a posição do Legislativo de rejeição a plebiscito e Constituinte exclusiva, mecanismos defendidos pelo governo e pelo PT para a realização da reforma.

O referendo é o aval da população a reforma já feita pelo Congresso e o plebiscito consulta a população sobre qual será a reforma, na suposição de que o eleitor será capaz de produzir mudança de tal complexidade com mais apuro que o Congresso.

Embora nenhum desses mecanimos seja adequado a uma reforma política, menos mal que se adote o referendo que pelo menos reserva ao Poder Legislativo tarefa que lhe é inerente e intransferível como depositário da representação popular.

Não obstante, o Congresso Nacional adiou ao limite a providência, permitindo que ações junto ao Supremo Tribunal Federal produzissem a judicialização do tema.

E o resultado não podia ser pior, se considerada a equivocada decisão do STF contra a cláusula de desempenho que mantém a farra de partidos políticos sem representatitividade mínima, mas com acesso a Fundo Partidário e propaganda gratuita que podem fazer ministro quem tenha meio minuto de televisão.

São 32 os partidos brasileiros hoje, 28 representados no Congresso, e outros na fila para obtenção do registro , autorizando a estimativa de que, em breve, o número de legendas chegará a 40.

Tal contexto indica que só a adoção da cláusula de desempenho, representaria hoje no País um grande avanço na contenção da farra partidária.

Mais é preciso, como o voto distrital em alguma de suas versões, e a retomada da verticalização nas coligações, derrubada pelo Congresso por emenda constitucional.

Ainda que não se queira atribuir à posição do senador virtude política mas pragmatismo, ele vem em boa hora por evidenciar que a inércia nesse campo conspira contra a própria classe política.

A protelação da reforma mantém um modelo corrupto que começa a gerar condenações e prisões de líderes políticos, em processo ainda inconcluso, que elevará, até fevereiro, o número de réus com mandato parlamentar.

Fernando Gabeira - Entre o sonho e o pesadelo

• O país desatará, ou não, o nó da corrupção sistêmica?

- O Globo / Segundo Caderno

Concordo com o poeta: o último dia do ano não é o último dos tempos. Mas é o amanhã, o que será do amanhã? O ano passado nos massacrou com o imprevisto, e algumas certezas se queimaram na ferrugem dos aviões caídos, nas ações da Petrobras caídas, nas cinzas maniqueístas de uma eleição presidencial.

Se os tempos continuam, a grande pergunta é: o país desatará, ou não, o nó da corrupção sistêmica? Ela explodiu no petróleo, futebol, vôlei e futsal. Se roubar fosse um esporte olímpico, nesse momento, seríamos candidatos ao ouro. Não temos, no entanto, a mínima ideia de como guardá-lo em segurança. Basta lembrar o roubo da Taça Jules Rimet.

Se os tempos continuam, será preciso trabalhar, e esse calor é infernal para muitos ofícios. Em termos de longo prazo, há uma esperança de conter o aquecimento. Não creio, por experiência própria, em grandes reuniões como a de Paris, em 2015. Mas com acordos regionais, muita preparação, quem sabe não chegamos lá, se é que ainda adianta chegar a algum lugar a essa altura dos acontecimentos.

Se os tempos continuam, é preciso continuar sonhando. Com cuidado: sonhos se transformam em pesadelos. Li uma pesquisa numa universidade do Canadá que mostra como o pesadelo nasce do sonho.

A coisa começa no hipocampo, sede da memória contextual, onde se misturam elementos de ansiedade vindos de medos vividos com outros mais tranquilizantes. Quando os elementos negativos predominam, a equação se desequilibra, o sonho vira pesadelo: a saída é acordar trêmulo e suado no meio da noite.

Sob muitos aspectos, o período que se encerra dá medo. Crimes bárbaros se sucedem, o filho chora, a mãe não ouve, crianças morrem esquecidas dentro de carros, a vaca não reconhece mais seu bezerro. Parece o fim dos tempos, mas, como o poeta lembra, é apenas o fim do ano.

Nos laboratórios do Vale do Silício se pesquisa o prolongamento da vida humana. Seremos eternos finalmente? E se pesquisa também a supressão da necessidade de governo nos círculos científicos anárquicos.

Parece fantasia, mas é verdade. Só que ainda não está ao alcance. A vida será prolongada, governos perderão importância, mas, enquanto isso não acontece, temos de cuidar bem do corpo e falar mal do poder.

Quando se olha para trás, com a perspectiva de 50 anos, e não apenas do acidentado ano de 2014, veem-se os estertores da Guerra Fria no Caribe e constata-se como o tempo tem o seu ritmo na América Latina.

O mesmo ritmo lento que atrasou, no Brasil, a abolição da escravatura e que, hoje, ainda mantém em muitos dos nossos países o horizonte burocrático do socialismo, tão severamente derrotado no século XX.

Ainda se canta a “Internacional”, se veste camisa vermelha e se elege o proletariado como o único sujeito de transformação da História.

Nesse lusco-fusco, nessa névoa de um passado que não passa, a construção do futuro é um vale tudo que dissolve todos os valores e engendra esse momento fluido entre sonho e pesadelo.

Gostaríamos de ver, mas não veremos, em 2015, a paz duradoura no Oriente Médio. Decapitações, assassinatos em massa, venda de mulheres ainda estão em voga com a presença do Exército Islâmico e seu Califado.

Obama intuiu bem ao considerar o socialismo um sonho em ruínas e o fanatismo religioso o verdadeiro pesadelo em progresso.

Começa, nesta semana, o quarto governo do PT e de seus aliados. Se compararmos o impulso com o governo Kennedy, achamos uma oposição simétrica na formação do ministério de Dilma.

Lá nos EUA, a ideia era trazer os best and brightest, os melhores e mais brilhantes da academia e da sociedade. Aqui, ela buscou intensamente a mediocridade.

Nos Esportes, contaminado pela corrupção, ela escolheu um homem que não conhece o ramo, mas foi preso num aeroporto com quase R$ 1 milhão, dinheiro, no mínimo, não contabilizado, para usar uma expressão da novilíngua petista.

Para Ciência, Tecnologia e Inovação, ela optou por um deputado que apresentou projeto contra invenções científicas que ameacem o emprego.

Para a Pesca, o jovem Barbalho, filho de Jader Barbalho, que foi preso e algemado por desvios num projeto de criação de rãs.

Das rãs às tilápias, os Barbalho terão a oportunidade de mergulhar mais fundo nas águas turvas do governo de coalizão.

Caberá a um quadro do PT, distante do tema comunicações, ocupar o ministério com o objetivo de estabelecer o controle social da mídia.

Como se a essa altura fosse possível mesmo controlar alguma coisa, no auge de um escândalo, capaz de apontar o fim, não dos tempos, mas de certas práticas de governo no Brasil.

Em 2014, foi revelada a face econômica do assalto à Petrobras. Em 2015, será revelada a face política. Como se dará a tensão entre sonho de mudança e o pesadelo da inércia?

Pelo menos, as pesquisas garantem que tanto sonho como o pesadelo nos fazem bem: protegem da realidade. Até que o despertador nos lembre, como Dom José Cavaca; acorde, já é 2015, e você precisa trabalhar.