quinta-feira, 27 de agosto de 2015

‘Nunca vi esse dinheiro’

A doméstica Ângela Maria, cuja empresa recebeu R$ 1,6 milhão da campanha de Dilma, diz que foi usada pela patroa.

‘Tenho cara de quem recebeu R$ 1,6 milhão?, diz doméstica

• Empresa que atuou em campanha de Dilma teria usado ‘laranja’

Tiago Dantas - O Globo

-SOROCABA- A empregada doméstica que, em documentos da Secretaria de Fazenda paulista, aparece como dona de uma empresa que recebeu R$ 1,6 milhão da campanha eleitoral de Dilma Rousseff no ano passado, disse ontem que nunca viu ‘‘esse dinheiro todo’’. Ângela Maria do Nascimento, de 60 anos, contou ao GLOBO que ganhou apenas R$ 2 mil por mês para montar cavaletes de madeira com propaganda da então candidata e de outros políticos. Vivendo de aluguel na periferia de Sorocaba, no interior de São Paulo, ela aceitou o trabalho para complementar seu salário. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) suspeita que Ângela Maria foi usada como ‘‘laranja’’ e pediu uma investigação sobre o caso ao Ministério Público do estado.

Ângela Maria trabalha há mais de 20 anos para a família de Juliana Cecília Dini Morello, que é proprietária, em sociedade com o marido, da Embalac, empresa que, legalmente, recebeu R$ 331 mil no ano passado para produzir material de campanha. A empregada doméstica afirmou que sua patroa lhe pediu para abrir uma firma, alegando que isso aumentaria seus rendimentos. Para o TSE, a proposta teve como objetivo passar parte dos clientes da Embalac para a empresa que leva o nome de Ãngela Maria, fazendo com que Juliana pagasse menos impostos.

As duas empresas têm o mesmo endereço em registros da Junta Comercial de São Paulo: um galpão. Ontem, havia funcionários na Embalac, mas ninguém quis dar entrevista. Ângela Maria confirmou que já trabalhou no local. A empregada doméstica contou que grampeava banners de plástico com fotos de candidatos em cavaletes de madeira.

— A gente montava esses cavaletes dia e noite. Às vezes, eu nem dormia, botava um colchãozinho no canto e tirava um cochilo ali mesmo. Tenho a lista de todas as pessoas que trabalharam lá. Era gente que estava desempregada ou que precisava de um dinheirinho. Era até gostoso trabalhar lá, mas, depois dessa, não quero mais saber de política — disse Ângela Maria.

A doméstica contou ainda que aceitou a proposta de Juliana porque estava com contas atrasadas e não conseguia comprar remédios para sua mãe, que tem 80 anos e foi diagnosticada com Doença de Chagas. Até receber a visita de um fiscal da Receita Federal, dois meses atrás, ela não sabia que havia um problema com a firma que abriu.

— Estou preocupada, assustada... A única coisa que pobre tem é o nome. Vou lutar para ficar com o meu limpo. Tenho cara de quem recebeu R$ 1,6 milhão? — perguntou Ângela enquanto mostrava os móveis desgastados de sua residência.

Juliana não foi localizada para comentar o assunto. Por meio de uma nota, ela disse que a Embalac e a empresa de Ângela Maria trabalharam “em parceria durante o período eleitoral de 2014 para algumas campanhas, sendo que todos os serviços foram prestados e todo o material, entregue’’.

O contador Carlos Carmelo Antunes, responsável pela abertura da empresa de Ângela Maria, informou que o serviço de montagem de cavaletes foi, de fato, prestado pela firma que leva o nome da empregada doméstica. O ‘‘principal problema’’, segundo ele, é que o material utilizado na confecção dos banners foi comprado com notas emitidas pela Embalac.

Antunes negou ter dito — como sugeriu um relatório da Secretaria de Fazenda de São Paulo — que tudo foi feito para evitar que a Embalac deixasse de ser enquadrada no programa Simples Nacional, que estabelece impostos mais baixos. Ele afirmou que Ângela Maria lhe foi apresentada como uma “amiga da família” de Juliana.

Uma outra irregularidade, de acordo com o contador, está no fato de as primeiras notas fiscais da empresa em nome de Ângela Maria terem sido emitidas antes que a inscrição municipal ficasse pronta. Apesar disso, ele disse ter comprovantes de todos os serviços prestados pela Embalac e pela firma da empregada doméstica para campanhas políticas.

Além do pagamento de R$ 1,6 milhão feito pela campanha de Dilma, a empresa que está em nome de Ângela Maria recebeu cerca de R$ 1 milhão do comitê financeiro único do PT, da direção do partido no Paraná e dos seguintes candidatos: Lindbergh Farias (PT-RJ), Candido Vaccarezza (PT-SP), Alencar Braga (PT-SP), Janete Pietá (PT-SP), Devanir Ribeiro (PT-SP) e João Paulo Rilo (PTSP). O ex-prefeito de Sorocaba Vitor Lippi (PSDB-SP) também contratou a firma.

Já a Embalac recebeu R$ 151 mil da campanha de Dilma e R$ 180 mil de Alexandre Padinha (PT-SP), Paulo Teixeira (PT-SP) e Vicente Cândido (PT-SP).

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