sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Opinião do dia – Cora Rónai

É Natal, bimbalham os sinos, o mundo gira e a Lusitana roda — mas, nem por isso, as informações sobre a roubalheira na Petrobras deixam de nos surpreender. Ou, como gosta de dizer a “presidenta”, de nos estarrecer. Assisti à entrevista que a Venina deu à Glória Maria, e fiquei estarrecida. Não com as denúncias — afinal, eu precisaria ser mais ingênua do que Dilma e Graciosa juntas para acreditar que nem uma nem outra sabiam do que se passava na empresa — mas comigo mesma por, paradoxalmente, não mais me estarrecer diante do que ouvia.

Sinto que nada do que eu possa vir a saber sobre a Petrobras ou sobre o governo poderá, jamais, me estarrecer; a minha capacidade de estarrecimento está esgotada.

A única coisa que ainda me causa algum espanto em relação à Petrobras é o profundo silêncio dos seus 85 mil funcionários. Cadê os protestos? Cadê as passeatas? Cadê a vergonha na cara?

Cora Rónai - Árvore, trânsito, Petrobras e Macadâmias, O Globo, 25 de dezembro de 2014

Cidade dos EUA abre processo contra Petrobrás e Graça Foster

• Providence, capital do Estado de Rhode Island, comprou papéis de renda fixa que ajudaram a financiar o plano de investimento da empresa; na Justiça, município cobra presidente da companhia

Altamiro Silva Júnior - O Estado de S. Paulo

NOVA YORK - O município de Providence, capital do Estado americano de Rhode Island, entrou na véspera de Natal com um processo contra a Petrobrás, sua administração, duas subsidiárias internacionais e 15 bancos envolvidos na emissão e venda de papéis da companhia. A presidente da empresa, Graça Foster, e o diretor financeiro, Almir Barbassa, aparecem como réus, além de outros 11 executivos, de acordo com cópia do processo obtida pelo ‘Estado’, que tem 70 páginas e foi elaborado pelo escritório Labaton Sucharow, com sede em Nova York.

A notícia chega depois de a empresa ter sido alvo de outras três ações coletivas nos Estados Unidos em dezembro, movidas por fundos e grupos de investidores individuais.

A alegação da cidade de Providence é que o município teve prejuízo ao investir em títulos da Petrobrás, que perderam valor por causa das denúncias de corrupção e do consequente atraso da publicação do balanço do terceiro trimestre. Como ocorreu com as demais ações, a avaliação é que a empresa não informou o mercado sobre o pagamento de propinas e o esquema de lavagem de dinheiro que ocorriam em sua administração, colocando o dinheiro dos investidores deliberadamente em risco (leia box ao lado). Procurada, a Petrobrás informou que “não foi intimada da mencionada ação”.

O processo foi aberto na Corte de Nova York, onde correm as demais ações coletivas contra a petroleira. A diferença é que os investidores questionam perdas com as American Depositary Receipts (ADRs), que são recibos de ações da empresa brasileira listados na Bolsa de Valores de Nova York, enquanto a cidade de Providence alega perda com papéis de renda fixa, emitidos pela Petrobrás no mercado internacional para financiar seu plano de investimentos.
Executivos como réus.

Outra diferença é que as ações dos investidores processam a Petrobrás, enquanto a de Providence inclui a administração, subsidiárias da empresa que emitiram bônus no exterior e 15 bancos que participaram da emissão desses papéis. O processo cita, em sua capa, como réus, além de Graça Foster e Barbassa, outros nomes da administração, que incluem José Raimundo Brandão Pereira, Mariângela Monteiro Tiziatto e Daniel Lima de Oliveira. Também estão incluídas duas subsidiárias da empresa brasileira no exterior, a Petrobrás International Finance Company, de Luxemburgo, e a Petrobrás Global Finance BV, com sede na Holanda, que foram as companhias emissoras dos bônus vendidos no exterior.

A ação da Providence se refere aos bônus comprados entre janeiro de 2010 a novembro de 2014 e outros investidores que aplicaram em papéis da Petrobrás neste período também podem aderir ao processo. Neste período, a Petrobrás emitiu cerca de US$ 98 bilhões em papéis, entre renda fixa e ações, de acordo com estimativas da cidade.

Uma das acusações da ação é que, dentro do esquema de corrupção, a Petrobrás inflou os valores de ativos em seu balanço para esconder o recebimento de propinas e, além disso, o material distribuído aos investidores durante as ofertas dos bônus possui um conjunto de informações enganosas e pouco precisas, que omitem, por exemplo, as práticas de corrupção na petroleira.

A cidade de Providence tem um fundo dos funcionários públicos atuais e aposentados, com cerca de US$ 300 milhões aplicados em ações, renda fixa e outros investimentos. O processo não menciona quanto a cidade investiu especificamente na Petrobrás. /Colaborou Vinícius Neder

Empreiteiras serão julgadas com lei mais rigorosa

Empreiteiras na mira da lei anticorrupção

• Força-tarefa do MPF reúne provas para enquadrar parte das empresas com base na nova legislação

Vinicius Sassine – O Globo

BRASÍLIA - Parte das empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobras deverá ser julgada com base nas regras mais duras da nova Lei Anticorrupção, que entrou em vigor em 29 de janeiro deste ano. Notas fiscais apreendidas pela Polícia Federal comprovam que a construtora Engevix continuou pagando propinas ao esquema operado pelo doleiro Alberto Youssef e por Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal, em fevereiro de 2014, quando a Lei Anticorrupção já estava valendo. Integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato agora devem enquadrar outras construtoras na mesma situação.

Entre as sanções previstas na Lei Anticorrupção estão até a dissolução compulsória das empresas ou a suspensão de suas atividades, a perda de bens e a aplicação de multas milionárias, entre outras medidas.

Uma das notas fiscais apreendidas prova que a Engevix Engenharia, que integra o grupo Engevix, fez em 25 de fevereiro deste ano um pagamento de R$ 213,2 mil à GFD Investimentos, empresa usada pelo doleiro Alberto Youssef no esquema que desviou recursos da Petrobras. A nota da Secretaria Municipal de Finanças de São Paulo discrimina como suposto serviço prestado "assessoria ou consultoria de qualquer natureza".

Outro documento produzido pela PF após a apreensão de papéis da Operação Lava-Jato aponta que, em 13 de fevereiro, houve um repasse de R$ 35 mil à Costa Global. Essa empresa de consultoria foi usada pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa para movimentar o dinheiro do esquema.

A Lei Anticorrupção, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em agosto de 2013, começou a valer 180 dias depois, em 29 de janeiro deste ano. A proposta foi uma iniciativa do governo federal e chegou ao Congresso Nacional em 2010, onde sofreu forte resistência e ficou bastante tempo parada, por conta do lobby contrário feito por empreiteiras. O projeto entrou na pauta da votação dentro de um pacote de bondades oferecido pelo Congresso diante dos megaprotestos de junho de 2013.

A lei passou a punir pessoas jurídicas em razão da prática de suborno, tanto na esfera cível quanto na administrativa, e não somente as pessoas físicas responsáveis pelos atos de corrupção, como ocorria até então. Uma das sanções mais pesadas é a multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa. Se o critério do faturamento não for possível de ser aplicado, essa multa tem valor máximo de R$ 60 milhões.

Procuradores da República que integram a força-tarefa montada pelo Ministério Público Federal para acompanhar a Operação Lava-Jato têm um entendimento comum: fatos posteriores ao início de validade da lei podem levar ao enquadramento nas sanções que passaram a existir. Até agora, em meio à grande quantidade de provas produzidas sobre a participação das empreiteiras no esquema, os investigadores identificaram poucos elementos sobre a atuação da organização criminosa após janeiro deste ano. À medida em que essas provas surgirem, como as notas fiscais da GFD e da Costa Global para a Engevix, novas ações na área cível poderão ser propostas à Justiça.

Ações de improbidade administrativa
Segundo procuradores, a responsabilização administrativa - no âmbito da Controladoria Geral da União (CGU) - não afasta a possibilidade de responsabilização judicial. Conforme esses procuradores, o principal mérito da lei foi prever as punições das empresas na esfera administrativa.

O GLOBO consultou a CGU para saber se provas como as notas fiscais identificadas pela reportagem podem ser usadas para enquadrar a Engevix na Lei Anticorrupção. Segundo o órgão, "qualquer fato novo pode ser incluído no processo administrativo e levar ao enquadramento na lei". Fatos anteriores a janeiro deste ano são analisados sob a luz de outro arcabouço legal, em especial a Lei de Litações.

O ministro da CGU, Jorge Hage, já havia declarado no início do mês que essa é uma possibilidade real. O órgão abriu processos administrativos contra oito empreiteiras envolvidas no esquema da Lava-Jato, entre elas a Engevix.

A força-tarefa do MPF prepara ações de improbidade administrativa, paralelamente às denúncias criminais já ofertadas à Justiça, para enquadrar as empreiteiras em sanções que podem levar ao impedimento de novas contratações com o poder público. Conforme o texto da Lei Anticorrupção, as ações do Ministério Público com base nesta lei devem seguir os mesmos ritos das ações civis públicas. Essas ações não afetam processos por improbidade nem por crime de licitação.

Até agora, o MPF denunciou à Justiça (na área criminal) o sócio e vice-presidente da Engevix, Gerson de Mello Almada; os diretores técnicos da empreiteira Carlos Eduardo Albero e Newton Prado Junior; e o engenheiro Luiz Roberto Pereira, que também trabalhava para a empresa. Almada continua preso em Curitiba. Na mesma denúncia, também foram incluídos o doleiro Youssef e o ex-diretor Costa, além de operadores do esquema de propinas e lavagem de dinheiro, entre eles dois gestores da GFD Investimentos: Enivaldo Quadrado e Carlos Alberto Pereira da Costa.

Os crimes citados na denúncia são formação de organização criminosa, corrupção, lavagem de dinheiro, prática de cartel, fraude a licitações e contra a ordem tributária. Os três últimos ainda serão objeto de denúncias futuras. Por enquanto, não houve menção nas denúncias à Lei Anticorrupção, até por se tratar de uma ação penal - as sanções da nova lei são na esfera cível e administrativa.
Contrato entre Engevix e GFD é citado

A ação do MPF chega a citar o contrato entre a Engevix e a GFD Investimentos, com validade até 15 de dezembro deste ano. Seriam dez parcelas, no valor total de R$ 2,13 milhões, para "prestação de serviços de apoio administrativo para o desenvolvimento de atividades do Consórcio Rnest O.C Edificações e administração de contrato", conforme a denúncia. A nota fiscal identificada na reportagem é a de número 49 e, conforme o MPF, foi providenciada por Enivaldo Quadrado, a pedido de Youssef.

Teria havido ainda a emissão de uma nota em 1º de abril, quando já havia sido deflagrada a primeira etapa da Operação Lava-Jato, com as prisões de Youssef e Costa. Os empreiteiros e executivos só foram presos em 14 de novembro.

O contrato com a Costa Global, por sua vez, atingiria o valor de R$ 700 mil, dos quais R$ 385 mil foram efetivamente pagos. "Todos estavam plenamente cientes de que o objeto do contrato era absolutamente fictício, já que a Costa Global era utilizada por Paulo Roberto Costa para o recebimento dos valores indevidos de forma direta, sem que houvesse a intermediação de Alberto Youssef", afirma o MPF na denúncia.

O GLOBO não conseguiu contato com a Engevix. A empresa, sempre que procurada, tem uma resposta padrão: "A Engevix prestará os esclarecimentos necessários à Justiça".

Entenda a lei anticorrupção
Suborno:
A lei passou a prever punição administrativa e civil a pessoas jurídicas por conta de crimes contra a administração pública, como pagamento de suborno, e não mais somente a pessoas físicas.

Multas:
As empresas podem ser multadas com um valor que varia entre 0,1% e 20% do faturamento bruto no ano anterior ao da instauração do processo administrativo. Se não for possível aplicar o critério do faturamento, a multa varia de R$ 6 mil a R$ 60 milhões.

Três poderes:
Um processo para apurar a responsabilidade de uma empresa é competência da autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No Executivo, a atribuição é da Controladoria Geral da União (CGU).

Perda de bens:
A responsabilização judicial também está detalhada, com as seguintes sanções: perda de bens, suspensão das atividades, dissolução compulsória da pessoa jurídica e proibição de novos incentivos e subsídios do poder público.

Improbidade:
Os atos ilícitos que passaram a contar com essa nova previsão ilegal não afetam processos por improbidade e crime contra a Lei de Licitações.

Leniência:
Estão previstos na lei os acordos de leniência, em que as empresas se comprometem a colaborar com as investigações, identificando outros envolvidos, em troca da não aplicação de determinadas sanções.

Petrobras assume dívida de empreiteiras

• Para preservar política de conteúdo nacional, estatal paga débito de empresas, inclusive de envolvidas na Lava Jato

• Operação financeira montada pela petroleira tenta evitar que os calotes se espalhem pelo setor

Machado da Costa – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Para evitar a quebradeira no setor de óleo e gás e manter a política de uso de conteúdo nacional, a Petrobras está assumindo pagamentos a fornecedores devidos por firmas com as quais mantém contratos, inclusive três envolvidas na operação Lava Jato, da Polícia Federal.

Paralelamente, a estatal procura maneiras de encerrar os contratos vigentes com as companhias que estão inadimplentes.

A Folha apurou que a Petrobras está agindo dessa forma em pelo menos quatro casos distintos: 1) no consórcio UFN III (planta de fertilizantes), da Galvão Engenharia; 2) no projeto Charqueadas, do estaleiro Iesa; 3) no consórcio Integra, da Mendes Júnior; 4) na fabricação de 17 barcos de apoio, da Brasil Supply.

Apenas esta última não está envolvida na Lava Jato. Deve ser a única a não ter o contrato quebrado.

Embora todas estejam inadimplentes com seus fornecedores, apenas as três primeiras estão tendo seus contratos encerrados.

Para evitar a falência desses fornecedores, a estatal montou uma operação financeira chamada "conta vinculada", na qual realiza o pagamento que as companhias maiores deveriam fazer às menores, mas de forma a garantir que as grandes não coloquem as mãos no dinheiro.

A Folha apurou que dois casos estão mais adiantados, o da Galvão Engenharia e o da Brasil Supply.

Aos fornecedores da Galvão foram pagos cerca de R$ 300 milhões na última semana. Já o Estaleiro Ilha, contratado pela Brasil Supply, recebeu cerca de R$ 3 milhões para pagar funcionários.

As companhias não se pronunciaram oficialmente.

Segundo José Ricardo Roriz, diretor do Comitê de Petróleo e Gás da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a operação montada pela estatal visa a saúde financeira das companhias que dependem dos investimentos da Petrobras, mas que não possuem contratos diretos com ela.

"A Petrobras está tomando uma medida emergencial para não comprometer toda a cadeia de óleo e gás que está em desenvolvimento", diz.

Crise financeira
Os problemas financeiros das companhias envolvidas na Lava Jato começaram com a interrupção do pagamento dos aditivos feitos aos contratos, que eram normalmente pagos pela Petrobras.

Há dois anos, a estatal montou uma comissão de avaliação dos aditivos e passou a segurar parcela significativa dos pedidos.

Após ser deflagrada a operação da PF, a petroleira decidiu segurar quase todos os aditivos.

Sem a previsão de liberação dos pagamentos por parte da Petrobras, bancos passaram a segurar o crédito e até a cortar linhas de financiamento para os projetos.

Em novembro, o Bic Banco negou um empréstimo de R$ 30 milhões à Mendes Júnior para o projeto Integra.

A empreiteira não se pronunciou, apesar dos pedidos feitos pela reportagem. O banco diz que "não comenta, não confirma nem desmente assuntos sob sigilo".

Embora a questão chave seja a inadimplência com fornecedores, a Petrobras tem tido problemas para romper o contrato com a Mendes Júnior, pois ela tem cumprido o cronograma do projeto.

Contratos quebrados
Os casos da Galvão e da Iesa são semelhantes, embora estejam em estágios diferentes no plano da Petrobras.

Os contratos da Galvão com a Petrobras foram encerrados e a sócia no consórcio, a chinesa Sinopec, já negocia a entrada de uma nova empresa para substituí-la.

Já o estaleiro teve seu pedido de recuperação judicial aprovado pela Justiça.

Isso impede que a Petrobras termine o contrato da Iesa, pois ele serve de garantia no processo de recuperação.

A empresa cobra da estatal o pagamento de aditivos que somam US$ 320 milhões (cerca de R$ 859 milhões, pelo câmbio do dia 24), valor citado no processo judicial como maior motivo da situação falimentar da companhia.

Delator também recebeu da Camargo Corrêa: R$ 16 milhões em 3 parcelas

• Empreiteira depositou o dobro do que Júlio Camargo recebeu da Toyo Setal

Cleide Carvalho – O Globo

SÃO PAULO - Dono de três empresas usadas para repassar propina e depositar dinheiro a partidos e políticos, o executivo Júlio Gerin de Almeida Camargo não prestou serviços apenas à Toyo Setal, empresa que o levou a assinar acordo de delação premiada na Operação Lava-Jato. A movimentação bancária da Treviso Empreendimentos, uma das empresas de Júlio Camargo, mostra que ele recebeu R$ 16,8 milhões da Construções Camargo Corrêa, em três depósitos de R$ 5,631 milhões, entre julho e setembro de 2012. A mesma conta também recebeu dinheiro do consórcio Camargo Corrêa/Promon/MPE e da UTC Engenharia, e serviu para enviar a propina para o exterior.

O valor depositado pela Camargo Corrêa é o dobro dos R$ 7,4 milhões depositados na conta da Treviso pelo Consórcio TUC, que incluía, além da Toyo Setal, a Odebrecht e a UTC. Os repasses do Consórcio TUC começaram em janeiro de 2013 e três deles foram feitos este ano - o último no dia 17 de março passado, mesmo dia em que a Polícia Federal deflagrou a Lava-Jato.

Favorecidos ainda ignorados
A Toyo Setal informou que Júlio Camargo prestava serviços como consultor, não como contratado. Por isso, atuava também com outras empresas. Segundo a investigação, de uma conta na Suíça, no Banco Cramer, foram identificados U$ 2,250 milhões em repassasses para as offshores Volare, Vigela e Persempre, com titulares ainda não identificados. Também foram achadas remessas para o banco Merrill Linch, em Nova York, de US$ 2,5 milhões. No WinterBotham a conta foi aberta em nome da Piemonte, outra de suas empresas, e foram feitas remessas para três offshores.

Júlio Camargo afirmou ter feito depósitos em contas de Fernando Soares, apontado como operador do PMDB na diretoria da Petrobras, e de Renato Duque, diretor de Engenharia e Serviços, apontado como arrecadador de dinheiro para o PT.

No acordo, Júlio Camargo se comprometeu a pagar R$ 40 milhões em multa. Em troca, deverá ser condenado a no máximo 15 anos de prisão, pena que não será cumprida atrás das grades. Ele terá direito a cumprir a pena em regime aberto por três (mínimo) a cinco anos (máximo), prestando 30 horas de serviços comunitários mensais, e apresentar a cada dois meses um relatório de atividades. Poderá viajar dentro do país sem pedir autorização à Justiça e, em caso de viagens ao exterior, poderá fazer o pedido com apenas uma semana de antecedência.

Na campanha de 2010, Camargo apareceu em lista de 39 financiadores milionários de campanha, feita pela ONG Contas Abertas, que reuniu os que doaram mais de R$ 1 milhão.

Acordo semelhante foi firmado com Augusto Mendonça Neto, sócio da Toyo Setal por meio da SOG Óleo e Gás. Dono de 17 empresas, Mendonça Neto negociou uma multa bem menor, de R$ 10 milhões

Dilma enfrenta demandas de aliados para fechar equipe

• Taxa de disciplina das bancadas que sustentam o governo atingiu ponto mais baixo desde a chegada do PT ao poder

• Relação com o PMDB deve continuar difícil mesmo com mudanças no ministério e esforço para reaproximação

Gustavo Uribe, Paulo Gama – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - No ano em que foi reeleita e enfrentou várias rebeliões nos partidos que apoiam seu governo no Congresso, a presidente Dilma Rousseff viu a disciplina da sua base na Câmara dos Deputados atingir o ponto mais baixo desde a chegada dos petistas ao poder.

Os deputados federais das nove siglas que formam a coalizão governista votaram 66% das vezes de acordo com a orientação da liderança do governo na Câmara neste ano, segundo o banco de dados legislativos mantido pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Isso significa que a base de Dilma é a mais indisciplinada com a qual um governo contou na Câmara desde a volta das eleições diretas para presidente, em 1989. Em 34% das vezes, os deputados governistas votaram contra o governo.

Ex-presidentes que enfrentaram graves crises políticas tiveram mais apoio parlamentar do que Dilma. Em 1992, quando Fernando Collor (1990-1992) sofreu impeachment, a taxa de fidelidade de sua bancada atingiu 92%. Em 2005, quando o mensalão foi revelado, Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) teve 79%.

Para o cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getulio Vargas do Rio, a baixa disciplina da base governista é resultado de erros cometidos por Dilma na gerência de uma coalizão partidária muito grande, e que reúne siglas muito distintas.

"O PT não compartilha poder com parceiros diferentes", afirma. "Cedo ou tarde, eles inflam o preço do apoio." Principal aliado dos petistas, o PMDB tem peso maior na Câmara do que sua participação no ministério de Dilma.

Criticada pela falta de diálogo com o Congresso, a presidente viu a fidelidade de sua base aliada diminuir ano a ano durante o primeiro mandato. A taxa de disciplina alcançou 89% em 2011, quando ela tomou posse, caiu para 76% no ano seguinte, para 74% em 2013 e 66% neste ano.

Em 2014, a presidente teve uma relação conturbada com siglas da base aliada e sofreu derrotas significativas. Dois partidos, o PSB e o PTB, deixaram a coligação governista para apoiar adversários de Dilma na eleição presidencial.

Em outubro, apenas dois dias após sua reeleição, a Câmara derrubou o polêmico decreto que incentivava a criação de conselhos populares, anulado com apoio do PMDB e da bancada oposicionista.

Dilma decidiu usar a reforma de seu ministério para se reaproximar das lideranças no Congresso, ampliando o espaço do PMDB em seu segundo mandato e recrutando políticos com maior influência sobre as suas bancadas.

O PP, que hoje controla o Ministério das Cidades e deve trocá-lo pelo da Integração Nacional no próximo ano, foi o aliado mais infiel no ano passado, votando com o governo apenas 46% das vezes.

A taxa de apoio na bancada do PMDB foi 54%. O partido, que deverá manter o controle sobre a agenda do Congresso no próximo ano, passará a administrar seis ministérios, um a mais do que hoje.

A bancada mais fiel à orientação da liderança governista foi a do PT, o partido de Dilma, que votou com o governo 91% das vezes. O PC do B, que será transferido do Ministério do Esporte para o da Ciência e Tecnologia, votou alinhado com Dilma 86% das vezes.

Mesmo com as mudanças em andamento no ministério, o Palácio do Planalto acredita que sua relação com o PMDB continuará difícil.

Favorito para assumir a Presidência da Câmara em 2015, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) contrariou interesses do governo várias vezes como líder da bancada, como na votação da medida provisória que mudou regras para exploração dos portos pelo setor privado em 2013.

Insatisfação de partidos dificulta conclusão da reforma ministerial

• Dilma viaja para descanso na Bahia sem completar equipe que tomará posse com ela no dia 1º

• PR quer mais poder na área de Transportes, PP sugere outro nome para Integração e PT pede pasta do Trabalho

Márcio Falcão, Dimmi Amora e Natuza Nery – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff, que embarcou nesta quinta-feira (25) para um breve recesso na Base Naval de Aratu, na Bahia, ainda enfrenta dificuldades para acertar com os partidos aliados a composição da equipe ministerial do segundo mandato.

Dilma ainda não encontrou solução para demandas apresentadas pelo PR e pelo PDT, além das insatisfações do seu próprio partido, o PT.

O PR quer ampliar seu poder na área de transportes. Além de indicar o vereador paulistano Antônio Carlos Rodrigues como novo ministro, o partido quer liberdade para nomear as pessoas que irão administrar empresas e órgãos ligados ao ministério.

Entre eles, estão o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), responsável por obras em rodovias federais, e a Valec, estatal responsável pela construção da Ferrovia Norte-Sul.

De acordo com integrantes do partido, o Palácio do Planalto resiste à ideia. Dilma mantém o ministério sob controle do PR desde o início de seu mandato, mas esvaziou seu poder em 2011, quando demitiu vários funcionários ligados ao partido e acusados de praticar irregularidades nas obras do Dnit e da Valec.

O PR sugeriu a Dilma o nome de Rodrigues, que deve ser confirmado. Mas a presidente indicou que preferia manter o atual ministro, Paulo Sérgio Passos, no comando. Embora seja filiado ao PR, ele é considerado no partido um burocrata leal a Dilma e sem compromisso partidário.

A presidente também enfrenta dificuldades para acomodar o PDT, que deseja continuar no Ministério do Trabalho. Ela sugeriu a Previdência Social como opção para o aliado, mas a sigla não recebeu a oferta com entusiasmo.

Se atender ao PDT, Dilma irá desagradar setores do PT ligados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu antecessor e padrinho político, que desejam emplacar no comando da pasta um sindicalista ligado à CUT (Central Única dos Trabalhadores).

Dilma já definiu que que dará o Ministério da Integração Nacional para o PP como compensação pela perda da pasta de Cidades, mas não chegou a acordo com a cúpula do partido sobre o nome do futuro ministro. O PP quer o atual ministro das Cidades, Gilberto Occhi. A presidente prefere o ex-ministro e deputado Aguinaldo Ribeiro (PB).

Assessores dizem que Dilma pode autorizar nesta sexta (26) a divulgação de novos nomes que irão compor sua equipe, confirmando indicações de petistas. Já está definido que o PT perderá a Educação para o governador do Ceará, Cid Gomes (Pros).

Com espaço reduzido no novo ministério, o PT também deve ver rejeitada a estratégia de turbinar o Ministério das Comunicações com a administração das verbas publicitárias do governo, recursos que hoje estão sob responsabilidade da Secretaria de Comunicação da Presidência da República.

Planalto deverá anunciar hoje nomes de ministros da cota do PT

• Pepe Vargas, Berzoini e Rossetto podem ser confirmados na Esplanada

Maria Lima, Luiza Damé, Catarina Alencastro,e Eliane Oliveira – O Globo

BRASÍLIA - Sem a presença da presidente Dilma Rousseff, que descansa na Base Naval de Aratu, na Bahia, o Palácio do Planalto deve divulgar hoje uma lista com alguns nomes da cota do PT que vão compor o Ministério. Dias depois de Dilma ter anunciado 13 nomes, a oposição e cientistas políticos criticaram ontem os critérios essencialmente políticos usados por Dilma para garantir apoio dos partidos no Congresso, e a falta de sintonia dos ministros com as pastas que vão tocar no 2º mandato.

Pepe desagrada a Lula
Nessa nova leva de ministros, possivelmente estarão os petistas Miguel Rossetto para a Secretaria-Geral da Presidência; Ricardo Berzoini para as Comunicações e Pepe Vargas para a Secretaria de Relações Institucionais (SRI). A escolha desses petistas esbarrava em ressalvas que líderes do próprio partido de Dilma faziam.

Com a indicação de Pepe Vargas para uma área estratégica, interlocutores do ex-presidente Lula dizem que ele está irritado com a possibilidade de a articulação política acabar ficando concentrada em Aloizio Mercadante, na Casa Civil. Atualmente, Berzoini está na SRI. Rossetto ocupa a vaga no Ministério do Desenvolvimento Agrário. Pepe Vargas já havia sido ministro do Desenvolvimento Agrário, mas estava afastado do governo.

Desde que anunciou os 13 ministros, no início da semana, Dilma tem sido criticada. Além de pessoas que respondem a ações na Justiça, a falta de experiência e de conhecimento técnico de alguns ministros que ocuparão a Esplanada no segundo mandato tem provocado polêmica.

Indicados são criticados por políticos e especialistas

• "Único ponto em comum é a pouca intimidade com as pastas", diz Aécio

- O Globo

BRASÍLIA - A maior crítica é em torno do nome do novo ministro do Esporte, o deputado pastor George Hilton (PRB-MG). Em 2005, o pastor da Igreja Universal, então deputado estadual pelo PFL, foi flagrado e detido pela Polícia Federal no aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, com 11 caixas recheadas com cheques e notas de Real, num total de R$ 600 mil. O transporte foi feito em jatinho fretado.

À época, o pastor disse que o dinheiro era oriundo de doações de fiéis da Universal do Sul de Minas. Ele foi liberado, mas acabou sendo expulso do PFL.

- Como em um mês, uma pessoa que não é da área vai conseguir entrar num mundo onde há três anos as pessoas estão mergulhadas? Ninguém o conhece, não é do meio - disse uma das autoridades envolvidas nas Olimpíadas.

- O único ponto em comum entre os novos ministros é a pouca intimidade da maioria com as pastas pelas quais irão responder. A fragilidade da presidente a fez refém da sua base de apoio - criticou o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

A escolha de Aldo Rebelo, por sua vez, para a Ciência e Tecnologia provocou reação negativa na comunidade científica. Em 1994, Aldo apresentou um projeto de lei proibindo que órgãos públicos adotassem inovação tecnológica que afetasse a contratação de mão de obra.

A indicação do governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), para a Defesa também causou críticas. Wagner teve dificuldades para administrar greves de policiais militares e dos bombeiros em 2012.

- Dentro da lógica política, o que vale é o apoio do partido - disse João Paulo Peixoto, cientista político da UnB, lembrando que esse tipo de composição nos Ministérios existe desde a redemocratização do país.

Procurados, Aldo e Jaques Wagner não retornaram. George Hilton não foi localizado.

Atos pós-eleição estimulam movimentos sociais a articularem ‘frente de esquerda’

• Lideranças de 4 partidos e de 8 entidades dão início a criação de grupo para promover manifestações e pressionar Congresso e governo a adotar agenda considerada progressista, em resposta a avanço de mobilizações associadas ao conservadorismo

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

Cerca de 40 líderes de movimentos sociais, centrais sindicais e partidos como PT, PSOL, PC do B e PSTU começaram a articular a criação de uma frente nacional de esquerda e já preparam uma série de atos e manifestações para 2015. O objetivo dessa mobilização é o de se contrapor ao avanço de grupos conservadores e de direita não só nas ruas, mas no Congresso e no governo federal.

A primeira reunião do grupo ocorreu na semana passada, em um salão no Largo São Francisco, no centro de São Paulo. Participaram lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Central de Movimentos Populares (CMP), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Levante Popular da Juventude, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Via Campesina, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Consulta Popular, Intersindical e Conlutas, além de representantes dos quatro partidos e integrantes de pastorais sociais católicas.

A iniciativa partiu de Guilherme Boulos, do MTST, que no sábado havia feito elogios ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na inauguração de um conjunto habitacional gerido pelo movimento, na Grande São Paulo.

Dias depois, Lula, que é cotado para disputar o Palácio do Planalto em 2018, divulgou vídeo no qual diz que é preciso “reorganizar” a relação com os movimentos e partidos de esquerda se o PT quiser “continuar governando o Brasil”.

Boulos não quis comentar a criação da nova frente. “Isso ainda não foi publicizado”, disse.

Disputa. Participantes da reunião negam que o grupo tenha caráter eleitoral. Segundo eles, a frente popular de esquerda (ainda sem nome definido) vai agir em duas linhas. A primeira é atuar como contraponto ao avanço da direita nas ruas e no Congresso. Após os protestos contra a reeleição da presidente Dilma Rousseff, esses grupos também preparam maior articulação.

A segunda é buscar espaço dentro do governo Dilma para projetos que estejam em sintonia com a agenda da esquerda, como reforma agrária e regulação da mídia. “Vamos fazer a disputa dentro do governo”, disse Raimundo Bonfim, da CMP.

Os movimentos que participaram da reunião preparam um cronograma de manifestações que começa com atos pela convocação de uma constituinte exclusiva para a reforma política na posse de Dilma, no dia 1.º.
Em 1o de fevereiro, quando tem início a nova legislatura, um ato no Congresso vai pedir a cassação do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) por quebra de decoro.

“Em torno destas atividades deve se buscar uma unidade. O primeiro semestre deve ser de muita instabilidade política”, disse o deputado Renato Simões (PT-SP). De acordo com Simões, outra missão da frente de esquerda será enfrentar na rua o “golpismo” representado, segundo ele, por grupos que pedem o impeachment de Dilma.

A previsão de instabilidade tem base nos desdobramentos da Operação Lava Jato. No ano que vem a Procuradoria-Geral da República deve se pronunciar sobre políticos citados no caso.

Segundo o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que também participou da reunião, os grupos e partidos sem ligação com o governo vão cobrar apuração e punição dos desvios, mas sem estímulo à venda do patrimônio estatal. “Não vamos permitir que os escândalos sejam usados para privatizar a Petrobrás.”

Merval Pereira - Ministério de segunda

- O Globo

O Ministério que a presidente Dilma está montando tem membros de 1ª e 2ª categorias. No grupo de elite, aqueles que vão lidar com as questões econômicas e os que comporão a assessoria direta no Palácio do Planalto, houve critério definido pelo menos em parte pela capacitação profissional e a confiança pessoal.

Para os demais ministérios, prevaleceu a influência partidária sobre a meritocracia, estabelecendo-se uma distribuição de cargos a medíocres e, sobretudo, uma repetida baixa transação que gerou escândalos como o mensalão e o petrolão, e um governo sem alma e sem rumo. O 1º movimento teve o objetivo de recuperar a confiança das forças do mercado, e o anúncio de Joaquim Levy para a Fazenda atingiu o objetivo. O retorno de Nelson Barbosa, agora como chefe do Planejamento , e a manutenção de Alexandre Tombini no Banco Central não tiraram o brilho da equipe econômica, mas deixaram a sensação de que a qualquer momento Dilma pode querer recuperar o controle da área. Dilma se cercou dos seus de maneira que não fez no 1º mandato.

Mercadante, confirmado como o capitão do time, mais forte do que nunca no Gabinete Civil, e Miguel Rosseto, no lugar de Gilberto Carvalho na Secretaria-Geral da Presidência, fortalecem a retaguarda de Dilma, mesmo contra o gosto de Lula. Nos demais cargos, pode ser que a lealdade política e a experiência administrativa tenham sido os critérios que prevaleceram, pois Cid Gomes, Jaques Wagner , Eduardo Braga e Gilberto Kassab já governaram estados e cidades importantes , mas nem sempre com sucesso. Mas é inegável que Dilma se esmerou em colocar as pessoas erradas em lugares-chave, como Cid Gomes (PROS) na Educação, contra sua vontade, elogiando-lhe o bom senso.

Até hoje, a única coisa que se sabe sobre sua expertise na área foi a frase em que, criticando professores em greve, disse que deveriam dar aula por amor , e não por dinheiro, e os que quisessem ganhar melhor que fossem para as escolas privadas. Jaques Wagner na Defesa é dar mais valor a sua fama de bonachão bom de conversa do que a seus dotes políticos, já que é uma área pacificada. Gilberto Kassab (PSD) nas Cidades é um prêmio ao fiel parceiro que criou dois partidos para minar a oposição, mas não uma solução se levarmos em conta o desempenho na prefeitura de São Paulo.

Para ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, a escolha de Aldo Rebelo, que apresentou projeto de lei para proibir a "adoção, pelos órgãos públicos, de inovação tecnológica poupadora de mão de obra", mostra aonde chegaremos em termos de inovação tecnológica. O ministério que deveria ser responsável por políticas de ponta na pesquisa e de inovação nas universidades e na indústria vai ser ocupado por um comunista que se vangloria de sua "devoção ao materialismo dialético como ciência da natureza" que, por isso , considera que as denúncias de aumento da temperatura global são produto de um "cientificismo " que pretende "controlar os padrões de consumo dos países pobres".

É esse o homem que vai comandar as informações ao IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), órgão da ONU que controla as medidas para enfrentar o problema. Há prêmios para derrotados na eleição de outubro (o filho de Jader Barbalho vai para a Pesca, Armando Monteiro, para o Desenvolvimento), há o aumento da influência do PMDB, que passou de cinco para seis ministérios e trocas inusitadas. No Esporte, o PCdoB que já fazia história na área, ocupando-a há 12 anos , perdeu o lugar para o PRB às vésperas das Olimpíadas de 2016 no Rio. Se fosse para dar lugar a um especialista na área ou pelo menos a um representante do Rio, ainda haveria uma explicação.

Mas quem vai para a vaga é o radialista, apresentador de TV e teólogo George Hilton, de Minas, aliado de Marcelo Crivella e nulo na área que comandará. A mudança do ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, para as Comunicações ainda não está confirmada, mas é vista pelo PT como a reafirmação de que o que chamam de "democratização da mídia" será uma prioridade no segundo mandato de Dilma. Por enquanto , ainda se trata apenas de uma pressão de alas radicais petistas para amenizar o caráter claramente de centro-direita do Ministério e poder dizer que, como o ex-presidente Lula sugeriu, as negociações do novo governo terão que ser "pela esquerda ".

Murillo de Aragão - Escândalos, partidos, governo e Estado

- O Estado de S. Paulo

É evidente que as políticas públicas de um país devem seguir a lógica clara do interesse comum. E o interesse comum se materializa tanto na escolha eleitoral quanto nas preferências partidárias e ideológicas, mas, sobretudo, nas aspirações nacionais consolidadas na Constituição federal. Políticas públicas não são apenas desejos de partidos políticos. Muitas delas têm aspectos estratégicos que atravessam dois ou três mandatos presidenciais, transcendendo a partidos, políticos e mesmo coalizões. Entretanto, essa não parece ser uma lição entendida em nossos tempos.

Para iniciar, devemos distinguir o tipo de políticas que são abordadas neste texto. As políticas de partido são as que estão nos programas partidários, são as que orientam a luta política das agremiações. No Brasil, elas são praticamente inexistentes ou se camuflam em discursos populistas e/ou personalistas. Emergem aqui e ali, contaminando as políticas de governo e de Estado, quando deveriam, no máximo, instruir as políticas de governo.

As políticas de governo são as que se conectam através dos tempos, sofrendo mutações que se refletem nas eleições, nos governantes e nas circunstâncias. Elas devem, também, dialogar tanto com as políticas de partido quanto com as políticas de Estado. Sem pretender esgotar o assunto nem ser repetitivo, basta afirmar que as necessidades do País de planejamento e de estabilidade vão além de um mandato presidencial ou dois. Daí existir a imperiosa necessidade de termos políticas de Estado.

Políticas de Estado são, por exemplo, a política externa e a política de defesa, pois suas definições ultrapassam o período de uma ou duas gestões presidenciais. Também podemos incluir aí a gestão de empresas estatais, criadas não para atender a interesses ideológicos ou programáticos, e sim para atender aos interesses do País através dos tempos.

Atualmente, a profusão de escândalos comprova a confusão existente em muitas das esferas da vida pública nacional acerca das políticas públicas. É difícil distinguir o que é política de partido da política de governo. Bem como o que é política de governo do que seja política de Estado. O aparelhamento da máquina pública e a sua submissão a esquemas de poder também comprovam a situação. No Brasil de hoje, aparelhamento e corrupção andam juntos para financiar projetos políticos.

Obviamente, num cenário institucional ideal, as políticas de partido não devem prevalecer sobre as políticas de Estado. Estas devem estar acima dos interesses do momento e das políticas de governo e, em especial, acima dos interesses de um partido ou de uma coligação. Devem estar fundadas em valores e aspirações nacionais. Não é o nosso caso, já que nossas instituições ainda estão em diferentes estados gelatinosos.

O que vemos no Brasil é uma confusão intencional, pois existem segmentos que tentam se cristalizar no poder transformando políticas de partido e de governo em políticas de Estado. Tais segmentos querem que suas ideologias e propostas terminem se transformando em rumo certo de nossa nação. Assim, apropriam-se das políticas de Estado, escravizando-as para atingir propósitos que nem sequer são do governo. Isso não é certo e é um grave risco para a democracia.

O escândalo do petrolão prova tanto a ocorrência do fenômeno quanto o elevado grau de toxicidade para a vida nacional. O esquema desvendado pelas investigações aponta a exploração política e econômica da Petrobrás visando a favorecer políticos, partidos e empresas, por meio do pagamento de comissões por dentro e por fora e de uma imensa rede de troca de favores que, pasmem, chegava a gerar comissões em cima de comissões pagas!

As suspeitas consistentes apontam, também, a contaminação das práticas do petrolão para outras áreas de obras públicas. As mensagens do ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa, em seu último depoimento na CPMI da Petrobrás, complementadas pelas declarações recentes do juiz Sérgio Moro, são claras nessa direção.

A extensão e a profundidade do petrolão e seus derivados trazem a conclusão rasteira de que resultados eleitorais foram maculados pelo abuso do poder econômico proveniente da corrupção. Não apenas em nível federal, mas em Estados e municípios. Declarações de envolvidos indicam que os recursos desviados foram endereçados a doações por dentro e por fora, a partidos e a políticos, aqui e no exterior.

Mas não apenas isso. Toda a grandiosidade do esquema revela que o interesse estratégico do País foi submetido a interesses menores de uma política corrompida pela prevalência dos interesses sobre os valores. Não houve apenas uma simples confusão entre partido, governo e Estado. Houve uma completa submissão do interesse nacional ao interesse de grupos e de partidos. Não pode ficar assim.

Dois caminhos se apresentam. Um, de natureza geral. As lideranças políticas e sociais do País devem se empenhar na reforma dos costumes sobre como fazer política e sobre como administrar a coisa pública. Há que existir uma clara divisão do que seja política de partido e de governo e interesses do Estado. Quem atenta contra os interesses do Estado atenta contra a segurança nacional e, em particular, a cidadania.

Objetivamente, a reforma dos costumes deve começar na Petrobrás, que é alvo da maior investigação no planeta numa empresa aberta. O governo deve demitir imediatamente a atual diretoria da estatal e buscar, no mercado, profissionais qualificados e independentes para geri-la. É o que resta a ser feito. Em não agindo de forma contundente neste momento, poderá ser tragado pela crise da Petrobrás de forma fatal. Em agindo de forma eficiente e contundente, poderá ser igualmente atingido, porém terá o mérito de ter feito a coisa certa mesmo depois de ter insistido no erro.

* Advogado, cientista político e doutor em sociologia (UNB), é autor do livro 'Reforma Política - O Debate Inadiável' (Civilização Brasileira, 2014)

Gustavo Patu - A doméstica e a conta de luz

- Folha de S. Paulo

O que Dilma Rousseff e o PT chamam de pleno emprego e ascensão social, o Banco Central chama de inflação de serviços.

Pode-se chamar também de médicos, dentistas e professores, comerciários, garçons, manicures, pintores, frentistas, bancários, porteiros e empregadas domésticas --gente cujo padrão de vida melhorou nos últimos anos, que comprou computador pelo crediário, pôs os filhos na escola particular, viajou ao exterior aproveitando o dólar barato.

Nesta semana, o BC finalmente prometeu fazer o necessário para cumprir a sua meta de inflação, o que evita desde a primeira eleição de Dilma, em 2010. No mesmo documento, calculou que mais de um terço da alta dos preços vem dos muitos e diferentes serviços.

A oferta de empregos e o poder de compra não subiram porque as pessoas passaram a produzir mais e melhor. Foi com o impulso dos gastos do governo, que elevou o salário mínimo, o Bolsa Família, os financiamentos de casas e automóveis. É o que o BC chama de "aumentos de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade". Para a administração petista, o nome é distribuição de renda.

Mas não é só a madame que precisa de manicure, não é só rico que come em restaurante. Quem sai da pobreza também quer utilizar os serviços, contribuindo para a carestia e sofrendo com ela. A inflação se propaga e compromete o bem-estar.

Para não estragar a festa, a saída foi segurar os preços da gasolina e derrubar os da energia elétrica. Mas a mágica se esgotou: a Petrobras e a Eletrobras estão destroçadas, assim como as contas do Tesouro Nacional.

Agora será preciso aumentar a conta de luz sem conceder ganhos correspondentes ao salário mínimo da empregada doméstica. O que o BC chama de "realinhamento dos preços" e "moderação salarial", a presidente chamou, na campanha eleitoral, de tarifaço e arrocho.

Míriam Leitão - As ideias novas

- O Globo

A promessa de mudança da campanha "governo novo, ideias novas" se esgotou na área econômica, em que houve mudança em relação ao primeiro mandato. O novo ministro da Ciência e Tecnologia acumula declarações contra as duas áreas; o da Educação entrou em polêmica com professores e não era para melhorar a educação; a da Agricultura não viu os avanços que houve nas boas empresas do ramo.

Para que serve um segundo mandato se não é para o governante se livrar de amarras, ter ousadia e olho no futuro? Mas a presidente Dilma até agora montou um ministério de mais do mesmo: derrotados em seus estados, pessoas escolhidas pelos partidos ou opções individuais sem qualquer brilho.

O Ceará tem algumas boas experiências na educação, como por exemplo, o desempenho na Sobral de onde saíram os Gomes. Isso seria uma credencial para o ministro Cid Gomes, exceto por dois detalhes. Ele preferia outro cargo, conforme se noticiou; e numa polêmica com professores em greve disse que eles deveriam trabalhar por amor e não por dinheiro. Claro que educação exige paixão, sentido de missão, mas a proposta de que professores trabalhem sem a remuneração devida seria apenas uma frase ruim, se os Gomes não fossem conhecidos por desafinarem em declarações. Esta é uma área na qual não há tempo a perder com polêmicas vazias.

O ministro dos Esportes assumirá faltando um ano para as Olimpíadas. Há quem tema que o tempo seja exíguo demais para que George Hilton se prepare para o certame. Nesse campo, a presidente cometeu dois erros em um, porque nomear Aldo Rebelo para a Ciência e Tecnologia é realmente sem sentido.

Rebelo não é conhecido por suas posições vanguardistas em área alguma, mas em um ponto ele pode atrapalhar bastante o desempenho do país. Estamos no momento-chave das negociações de um acordo sobre mudanças climáticas e o Ministério da Ciência e Tecnologia sempre jogou um papel fundamental nas negociações e formulação da posição brasileira. O mundo assumiu o compromisso de chegar em 2015 a um novo acordo global de redução das emissões, em Paris, e estabelecer os novos objetivos de desenvolvimento sustentável que foram lançados na Rio+20.

Quem quiser ter uma noção de como Rebelo é inadequado para o cargo basta dar uma olhada em alguns parágrafos do seu relatório sobre o Código Florestal. Não pedirei ao leitor que atravesse aquele deserto de ideias novas. É pedir demais. Basta saber que nele, o ministro põe em dúvida o que é o ponto básico das convicções do IPCC - painel intergovernamental de cientistas organizado pela ONU - o de que é a ação humana que está provocando a atual onda de mudanças climáticas. A cada relatório, aumenta o grau de certeza dos cientistas. Existem vozes discordantes e elas são laterais. O Brasil parecerá exótico se desembarcar em Paris com um ministro pondo em dúvida os relatórios do IPCC que dão toda a sustentação científica para o acordo que o mundo tentará assinar. Se ele tiver voz ativa na formulação da nossa posição será um retrocesso de repercussão planetária.

O ministro da Pesca ser exatamente o filho do político que esteve envolvido em um escândalo de ranário é outro toque exótico do novo governo. A grande credencial do novo ministro da Aquicultura e Pesca, Helder Barbalho, é ter perdido a eleição para o governo do seu estado, o Pará. Claro, e a experiência familiar com as rãs.

Depois de fazer oposição ao governo Lula, principalmente na época em que o Ministério do Meio Ambiente trabalhava para reverter o ritmo do desmatamento, a senadora Kátia Abreu aproximou-se da presidente Dilma e acaba de ser indicada ministra da Agricultura. Apesar de ter sido eleita novamente para presidir a Confederação Nacional da Agricultura, está longe de ser um consenso no setor. Conhecida por suas posições extremadas, ela será um obstáculo ao avanço do setor na direção necessária de conciliação entre produção e meio ambiente. Kátia Abreu também não justifica o bordão "governo novo, ideias novas".

O velho loteamento, as escolhas controversas, a ideia amalucada de passar os nomes de ministros pelo crivo do Procurador Geral da República, tudo reduz a esperança no segundo mandato de Dilma Rousseff. Sobra a área econômica; a que mais enfrentará a oposição do PT.

Celso Ming - Ficou mais difícil

- O Estado de S. Paulo

Na estagnação, fica tudo mais difícil. O crescimento econômico de 2015, se houver, será muito baixo, inferior a 0,5%.

Na última Pesquisa Focus, levantamento semanal feito pelo Banco Central com 100 instituições do mercado, a média projetada é de um avanço de apenas 0,13%. No seu último Relatório de Inflação, o Banco Central ficou com um avanço do PIB em 2014 de apenas 0,2%.

Isso é como no trânsito. Nos congestionamentos fica difícil mudar de faixa na pista; se houver enchente, não dá para escapar; se for para corrigir um roteiro, as manobras ficam complicadas.
O ano de 2015 será dedicado a ajustes - é o que se espera. E isso implica correção nas contas públicas, recomposição dos preços administrados, manobras para reconversão da inflação para a meta e redução do déficit nas contas externas.

Não está claro ainda até que ponto a nova equipe econômica estará em condições de recuperar a indústria. E há as reformas hoje malparadas: a do sistema político, a da Previdência Social, a do sistema tributário, a das leis trabalhistas. O governo terá, ainda, de repensar o sistema elétrico e o marco regulatório do petróleo, agora sob novas condições de preços.

Enfim, o primeiro mandato do governo Dilma foi de lambanças na economia que produziram distorções. Chegou a hora do pagamento da conta e isso dói. E será mais difícil remar contra a corrente. Esgotou-se a temporada de alta dos preços das matérias-primas (mais de 50% das exportações brasileiras). Os preços do minério de ferro, que se aproximaram dos US$ 200 por tonelada em fevereiro de 2011, estão na faixa dos US$ 65. Soja, milho, açúcar, celulose e tantas outras matérias-primas são negociadas a uma fração dos preços de há alguns anos. Exportações mais baixas implicam redução da capacidade de importar, o que, por sua vez, também restringe o crescimento da renda. Também não cabem mais expedientes contracíclicos: o Tesouro deu o que tinha de dar.

Como atenuante, há a perspectiva de certa recuperação da economia mundial graças, em boa parte, à forte derrubada das cotações do petróleo. É o fator que deverá ajudar a recuperação econômica dos Estados Unidos, da Europa, do Japão e da China.

O primeiro passo para a recuperação foi dado. A equipe escolhida não se presta aos experimentos amadores que prevaleceram no primeiro mandato da presidente Dilma. Mas isso é pouco.

Para conduzir a economia em tempos substancialmente mais difíceis, a equipe econômica teria sua vida facilitada se garantisse a recuperação da confiança do empresário, do consumidor e do investidor externo. Para isso, teria de apresentar um plano previsível e convincente, de pelo menos dois anos e meio, que assegurasse condições para o investimento.

Não há divergência substancial quando se trata de encontrar as saídas. As opções técnicas são conhecidas.
O único problema decisivo são as condições políticas, também adversas. A presidente Dilma assume o comando bem mais enfraquecida, em tempo de enchente produzida pelas denúncias de corrupção que solapa sua base política.

Eduardo Giannetti - Futuro penhorado

- Folha de S. Paulo

O desejo incita à ação; a percepção do tempo incita o conflito entre desejos. Desfrutar o momento ou cuidar do amanhã? São perguntas das quais não se escapa. Mesmo que deixemos de fazê-las elas serão respondidas por nossas ações.

O que vale para o indivíduo vale também para as escolhas coletivas. O embate entre os apelos do presente e o futuro sonhado é um traço inalienável da condição humana. No conto "O Empréstimo", Machado de Assis retrata os percalços de um homem com "a vocação da riqueza, mas sem a vocação do trabalho". A resultante desses impulsos discrepantes era uma só: dívidas.

O Brasil parece abrigar condição semelhante. Temos a vocação do crescimento, mas sem a vocação da poupança. E a resultante dessa inconsistência, quando não é inflação (como na mobilização de poupança forçada de JK) ou crise do balanço de pagamentos (como no abuso da poupança externa sob Geisel), tem sido uma só: juros cronicamente elevados.

A poupança no Brasil, por motivos históricos e culturais, sempre foi pequena diante das nossas aspirações de crescimento, mas nos últimos anos encolheu ainda mais. A poupança doméstica está hoje em 13% do PIB --menor valor da série histórica. Somada à poupança externa de 3,7% do PIB (equivalente ao nosso deficit em conta corrente), ela financia um investimento em capital fixo inferior a 17% do PIB.

Para efeito de comparação, os emergentes de maior dinamismo investem somas que vão de 23% do PIB (Chile, Peru, Colombia) a 28% do PIB na Índia e 40% do PIB na China. Quando era nação emergente, no final do século 19, os EUA investiam 30% do PIB.

Por que o Brasil poupa e investe tão pouco? O cerne da resposta remete ao "crowding out fiscal". O Estado brasileiro (União, Estados e municípios) arrecada 36% do PIB em impostos, gasta 5% do PIB a mais do que arrecada (deficit nominal) e entrega apenas 2,5% do PIB (PAC "" Plano de Abuso da Credulidade incluído) em formação bruta de capital fixo.

A implicação disso é que a capacidade de investimento da nação --setores privado e público-- fica enormemente prejudicada pelo fato de que o Estado drena 41% do valor criado pelo trabalho dos brasileiros e transforma esses recursos não em capital capaz de multiplicar a renda futura, mas em gastos correntes.

E se alguém imagina que os programas sociais do governo explicam esse quadro é bom pensar de novo: o Bolsa Família representa 0,5% do PIB ou 1,2% do total do gasto público --menos que o Bolsa BNDES.

Em pleno bônus demográfico, quando deveríamos estar poupando e criando as bases da nossa prosperidade futura, o Brasil está penhorando o seu futuro.

1964 - Política da resistência democrática (1)

  • VI Congresso do PCB (dezembro de 1967)
(Trechos)

III — A Mudança do Regime Político
A derrubada do governo Goulart trouxe uma modificação profunda na vida política brasileira. Assinala uma derrota das forças democráticas e nacionalistas, e uma vitória das correntes reacionárias e entreguistas. O golpe de estado de 1.° de Abril, resultante da junção de forças políticas, econômicas e sociais numerosas e heterogêneas, deu início a um novo processo político em nosso país. O Brasil se encontra hoje asfixiado por um regime ditatorial, militar, de conteúdo entreguista, antidemocrático e antioperário. Este regime, consagrado na Constituição de 1967, interrompeu o processo democrático que se desenvolvia durante o regime anterior, regido pela Constituição de 1946. Modificou profundamente a forma estatal de poder, com danos incontáveis para os interesses da maioria do povo e do conjunto da nação.

O regime ditatorial suprimiu conquistas democráticas contidas na Constituição de 1946. O poder foi empolgado pelos grupos internos mais reacionários, associados ao imperialismo norte-americano. A burguesia nacional foi relegada a um plano secundário no aparelho de Estado. A pequena burguesia foi afastada da esfera de influência sobre as decisões oficiais. Num clima de terror policial, o proletariado foi submetido a uma política de arrocho salarial e teve anuladas muitas de suas conquistas, como o direito à estabilidade. Aumentou a opressão da massa camponesa. A ditadura interveio nas organizações sindicais, procurando transformá-las em organizações de caráter recreativo e assistencial. A intelectualidade foi submetida a uma política de obscurantismo e terror cultural.

O Estado brasileiro foi colocado a serviço de uma política de alienação da soberania nacional e de repressão às aspirações democráticas e progressistas do povo. O traço essencial dessa política está em que impõe ao país um curso de desenvolvimento que reforça a dependência e a subordinação ao imperialismo norte-americano e defende as posições da reação interna. A capacidade de investimento, ordenação e incentivo que o Estado detém na esfera econômica é acionada no sentido de reforçar a posição dos monopólios norte-americanos e obrigar a integração da economia brasileira no esquema de necessidades e interesses destes monopólios. Os governantes realizam um grande esforço para prejudicar as empresas estatais, e até mesmo entregar algumas delas ao capital imperialista. Acentuaram o aspecto negativo do capitalismo de Estado, usando certas empresas estatais em benefício dos trusts e monopólios.

Sob o pretexto de combater a inflação e racionalizar a produção, o Estado intervém no processo capitalista de concentração e centralização da produção e do capital, aumentando a exploração da classe operária. A intervenção oficial nas relações entre empregados e patrões é levada a níveis inauditos, com o propósito de pressionar para baixo os salários. O poder aquisitivo dos trabalhadores foi reduzido em 15,3% em 1965 e em 15,6% em 1966. A massa de pequenas e médias empresas, onde predomina o capital nacional, é coagida à falência ou à absorção pelos grupos imperialistas, especialmente os norte-americanos. Acentua-se, assim, o processo de desnacionalização da nossa economia. O sistema de exploração latifundiária é garantido pela ação policial e pelo clima de terrorismo prevalecente no interior do país.

A política externa se faz com o sacrifício da soberania e dos interesses nacionais em favor dos imperialistas dos Estados Unidos. O nome do Brasil é vergonhosamente associado à ação de gendarme internacional exercida pelos Estados Unidos, particularmente na América Latina.

Para a realização dessa política interna e externa de desenvolvimento subordinado ao imperialismo norte-americano e aos interesses da reação dentro do país, as liberdades democráticas são suprimidas.

Procura-se aplicar no Brasil, sob inspiração direta dos imperialistas norte-americanos, uma doutrina de poder semifascista, baseado numa camarilha militar. As instituições clássicas da democracia burguesa são extintas, ou mantidas apenas formalmente, ao mesmo tempo que os poderes do Estado se concentram nos órgãos executivos sujeitos à influência dos monopólios imperialistas. As forças militares são dirigidas para esmagar o próprio povo, em função de um novo conceito de segurança nacional, segundo o qual os inimigos potenciais não são mais os estrangeiros que atentam contra a integridade física ou a soberania da nação, mas as próprias forças nacionais que se opõem ao regime autoritário e entreguista.

O processo de instauração da ditadura e a execução de sua política antinacional e antipopular, sob o governo de Castelo Branco, provocou em poucos meses um forte descontentamento no país. Isso se evidenciou no pleito eleitoral direto para a escolha dos governadores de alguns estados da Federação, particularmente Guanabara e Minas Gerais. Aí, pela primeira vez, o povo se manifestou a respeito do quadro político, votando nos candidatos apoiados pela oposição. A situação política se agravou. Setores militares exigiam o não reconhecimento dos resultados do pleito eleitoral e ameaçavam depor o governo Castelo Branco. A crise foi superada com a decretação do Ato Institucional n.° 2, que acentuou os aspectos reacionários do regime e determinou a “eleição indireta” para a presidência da República, a fim de impedir que o pleito presidencial direto, previsto para 1966, possibilitasse a eleição de um candidato comprometido com a oposição. Dessa maneira, os acontecimentos de Outubro de 1965 levaram as forças reacionárias a um compromisso em torno da sucessão presidencial, para enfrentar a crise política e evitar que se aprofundasse a divisão entre militares. O beneficiário desse compromisso reacionário foi o ministro da Guerra.

O aglomerado de forças que se reuniu em tomo do Sr. Costa e Silva, do qual participaram elementos golpistas militares e civis marginalizados pelo governo Castelo Branco, proporcionou uma base política mais ampla ao novo governo ditatorial. Costa e Silva, quando ainda candidato e ao tomar posse, prometeu certas mudanças na política da ditadura. Criticou a política econômico-financeira e a política externa do governo anterior. Tudo isso contribuiu para criar um clima de expectativa de mudanças favoráveis ao povo, o que chegou a influenciar setores da pequena burguesia e mesmo do proletariado, e paralisou praticamente a oposição burguesa. Seu governo, entretanto, se distingue apenas em aspectos secundários do governo Castelo Branco. Refletem-se nele, com maior força, as pressões de setores da burguesia brasileira interessados no desenvolvimento econômico.

O governo Costa e Silva procura consolidar o regime entreguista e reacionário imposto à nação. É defensor intransigente da atual Constituição, que afasta o povo da vida politica, liquida na prática as garantias individuais e anula numerosas conquistas dos trabalhadores. Sua política econômico-financeira não incorpora qualquer compromisso que implique em alteração substancial da política entreguista e antioperária do governo anterior. Deixa intatas as medidas do governo Castelo Branco no sentido de entregar o controle de sectores-chaves e mais rentáveis da economia aos monopólios norte-americanos. Conserva a política de arrocho salarial e mantém em vigor as leis que na prática negam o direito de greve e sujeitam os reajustamentos de salários ao arbítrio do governo.

Mantendo, no essencial, a política do seu antecessor, o governo Costa e Silva, na medida em que procurou atrair e atender setores descontentes da burguesia brasileira, teve de renunciar ao monopolismo da política do governo Castelo Branco. Essa alteração incorporou ao seu governo elementos de vacilação e duplicidade, que tendem a acentuar-se à proporção que se agravam as dificuldades do país.

Abrem-se, assim, possibilidades maiores à ativação do movimento oposicionista e à mobilização do povo na luta pelas reivindicações democráticas e nacionais. Entretanto, o comportamento do governo Costa e Silva comprova que a mera troca de homens na chefia do governo, sem mudar decisivamente a composição de forças no poder e sem afetar a essência do regime entreguista e reacionário, jamais conduzirá à solução dos problemas do país de acordo com os interesses das massas trabalhadoras e da maioria da nação.

A resistência crescente que a ditadura encontra em seu caminho evidencia o descontentamento que ela desperta na grande maioria do povo. Sua ruptura com as lideranças políticas civis mais expressivas, sua incapacidade de submeter os intelectuais e estudantes à sua influência, o fracasso de sua tentativa de manietar o movimento organizado dos trabalhadores, exprimem a contradição inconciliável entre o regime e as aspirações da maioria da nação.

O sentimento popular contrário à ditadura vem encontrando dificuldades para manifestar-se concretamente em ações de vulto contra o regime. A debilidade da luta democrática deve-se, principalmente, à derrota sofrida pelo movimento de massas em 1964, à própria fraqueza, anterior ao golpe de Estado, das correntes progressistas, e ao baixo nível de organização das massas. A prisão, desterro e marginalização sofridos pelas lideranças populares que se afirmaram no período de ascenso democrático, a desarticulação das organizações de massas, a ilegalização e a difusão do terror entre os trabalhadores tiveram como resultado o nítido recuo da participação do povo na luta por suas reivindicações e na vida política. Nesta última, a participação das correntes democráticas ficou limitada nos primeiros anos da ditadura à atividade de uma cúpula oposicionista e à resistência de alguns poucos setores de vanguarda da classe operária e da pequena burguesia. Coube, nesse sentido, um papel destacado à intelectualidade, em particular aos estudantes.

Nos últimos meses, assinala-se uma participação mais ativa da classe operária na luta contra a política salarial do governo, apesar dos enormes obstáculos criados ao desenvolvimento da actividade sindical. Nos principais centros industriais, o movimento sindical une suas forças contra o arrocho salarial, numa luta que tem o apoio de outros setores da população. Os trabalhadores do campo iniciaram a reativação dos seus sindicatos e procuram resistir ao não cumprimento das leis trabalhistas por parte dos fazendeiros. Tais atividades, entretanto, estão longe de assumir as proporções necessárias ao assestamento de golpes profundos no regime ditatorial.

Por tudo isto, o aspecto mais negativo da presente situação política reside na grande debilidade do movimento de massas, particularmente da classe operária. A ele acrescenta-se a dificuldade que encontram para unir-se as diversas correntes contrárias à ditadura. Na superação dessas falhas está o caminho para a modificação radical da situação brasileira.

V — Nossa Tática
Na situação atual, nossa principal tarefa tática consiste em mobilizar, unir e organizar a classe operária e demais forças patrióticas e democráticas para a luta contra o regime ditatorial, pela sua derrota e a conquista das liberdades democráticas. A realização dessa tarefa está estreitamente ligada aos objetivos revolucionários em sua etapa atual e ao desenvolvimento da luta da classe operária pelo socialismo.

O caráter prioritário da defesa das liberdades democráticas decorre da necessidade de que as amplas massas intervenham na vida política e no processo revolucionário. A luta pelas liberdades, desde os direitos de reunião, associação e manifestação, até à liberdade de imprensa e de organização dos partidos políticos liga-se à luta de massas em todos os seus níveis, das reivindicações mais elementares às batalhas decisivas pelo poder. Cada vitória, pequena ou grande, ou mesmo derrota na luta pelas liberdades, incorpora-se à experiência de luta que levará as massas a avançar em seus objetivos, formar e prestigiar suas organizações e seus líderes, intervir decisivamente nas ações políticas que conduzirão à derrota do regime ditatorial.

A classe operária, o campesinato e a pequena burguesia urbana são as forças fundamentais da frente antiditatorial. A aliança destas forças constituirá a base de aglutinação das demais forças antiditatoriais, dará firmeza e conseqüência às ações contra a ditadura, influindo na sua derrota e na evolução ulterior da situação do país. A burguesia nacional participa da frente antiditatorial, embora sua oposição ao regime seja limitada. Outros setores das classes dominantes, cujos interesses são contrariados pela política do governo ditatorial, podem participar de ações contra o regime e ser úteis à ativação e fortalecimento da frente ditatorial.

A classe operária é a principal força motriz da frente ditatorial. A atividade primordial dos comunistas deve dirigir-se no sentido de organizar e desenvolver a unidade de ação da classe operária em defesa de seus interesses econômicos e políticos imediatos e pela derrota da ditadura. É indispensável partir sempre da defesa daqueles interesses que possam levar os trabalhadores a se unir e lutar. A formulação acertada das reivindicações mais sentidas dos trabalhadores, relacionadas com o salário, as condições de vida e trabalho, os direitos de reunião e manifestação, bem como a organização da luta por estas reivindicações e a escolha das formas adequadas para a condução da luta devem ser uma preocupação permanente dos comunistas. A luta contra a política salarial, ao mesmo tempo que atende aos interesses mais sentidos da classe operária e de todos os assalariados, possui grande importância política, pois atinge as bases da política econômico-financeira da ditadura.

É necessário, portanto, concentrar esforços para organizá-la e intensificá-la, de modo a que nela participem amplas massas e se desenvolva a unidade de acção dos trabalhadores em todos os níveis — nas empresas, municípios, Estados e nacionalmente.

A atuação no movimento sindical é o meio principal para a ativação do movimento operário. Os comunistas devem concentrar sua atividade dentro das empresas. Com este propósito, necessitam utilizar todas as possibilidades de organização legais, como as delegacias sindicais, as CIPAS (Comissões Internas de Prevenção contra Acidentes) e outras organizações existentes e que reúnam os trabalhadores. Para estender o movimento sindical a toda a classe operária, é também indispensável o fortalecimento dos sindicatos através da elevação do número de sindicalizados.

Atuando dentro da estrutura sindical vigente, é necessário levar os sindicatos a conquistarem uma estrutura livre da interferência do Estado e dos patrões. Tem particular importância caminhar-se para a constituição de centros coordenadores e unificadores do movimento sindical. Aproveitando todas as possibilidades legais, o movimento sindical não deve restringir-se às limitações impostas pelo regime ditatorial, mas desenvolver-se de modo que as massas conquistem e assegurem seus direitos. Os comunistas devem atuar, também, nas organizações não sindicais dos trabalhadores. Entre estas, destacam-se as cooperativas, as associações de ajuda mútua, os clubes desportivos. A organização sindical dos assalariados agrícolas é de importância decisiva. As organizações e militantes sindicais das cidades devem prestar maior ajuda aos seus irmãos do campo, orientando, estimulando e apoiando a organização e a actividade dos sindicatos rurais nas regiões vizinhas.

A mobilização e a organização das massas camponesas são igualmente indispensáveis ao desenvolvimento da luta contra a ditadura. Este trabalho deve orientar-se no sentido da conquista de medidas que possibilitem reativar o movimento associativo e reivindicatório dos camponeses e levá-los a lutar por seus interesses específicos, pela reforma agrária e a democracia. Entre outras, são estas as reivindicações capazes de mobilizar os camponeses: cumprimento da legislação que assegura determinados direitos, como a limitação da taxa de arrendamento; contra os despejos; abolição dos serviços gratuitos; eliminação do vale e do barracão; instituição obrigatória das carteiras profissionais; contrato de arrendamento a longo prazo contra a transformação de terras de cultivo em pastagens; pela entrega de títulos de propriedade da terra aos posseiros trabalhadores; isenção fiscal para a pequena propriedade de tipo familiar; instalação de escolas nas fazendas; assistência social; preços mínimos compensadores; medidas contra a ação de empresas estrangeiras e de açambarcadores nacionais que espoliam os produtores e os consumidores; crédito fácil e barato e assistência técnica para os pequenos e médios agricultores. Para a mobilização dos camponeses, é necessário intensificar a atividade entre os assalariados agrícolas.

A mobilização para a luta reivindicatória dos sectores assalariados da pequena burguesia urbana tem destacada importância na incorporação dessa camada à frente antiditatorial. Os bancários, empregados do comércio e de escritórios, servidores públicos, profissionais de nível técnico e outras categorias são levados a lutar contra a ditadura, através da defesa de suas reivindicações, especialmente o reajustamento e a elevação do seu salário.

O papel da intelectualidade progressista é de grande relevo no combate à ditadura. Os comunistas devem atuar como elementos de estímulo e unificação da luta dos intelectuais em defesa da cultura nacional, pela liberdade da pesquisa e criação e de manifestação do pensamento.

É grande a capacidade de ação política das mulheres. Sua mobilização muito contribuirá para o reforçamento da luta contra a ditadura. É necessário, com este fim, organizá-las sob diversas formas, para a luta por suas reivindicações próprias, contra as discriminações sociais e jurídicas que as colocam em situação de inferioridade na vida brasileira, pela igualdade de direitos da mulher trabalhadora, pela proteção à maternidade e à infância. Também por meio da luta contra a carestia de vida, pela solidariedade aos presos e perseguidos políticos e suas famílias, elas poderão dar importante contribuição democrática.

A participação da juventude na vida nacional tem significado crescente. Representando mais da metade da população do país e sendo por natureza mais sensíveis aos reclamos do futuro da nação, os jovens comunicam seu calor às lutas do povo. A juventude estudantil tem participado de lutas valorosas contra o regime opressor, embora seus movimentos se ressitam da influência, em sua liderança, de correntes sectárias. É preciso ganhar a maioria dos estudantes para esses combates, baseando-o mais solidamente na defesa das reivindicações peculiares à juventude escolar. É necessário, igualmente, mobilizar e organizar a juventude operária e popular, aglutinando-a em tomo de suas aspirações à instrução, ao trabalho, à recepção, ao desporto, e levando-a, por esse meio, a agregar-se à batalha geral de nosso povo pelo acesso aos bens materiais e culturais criados pela civilização moderna.

A mobilização de amplos setores da população contra o regime ditatorial deve encaminhar-se, igualmente, através da luta das populações urbanas em tomo de reivindicações como o controle dos aluguéis, construção de moradias, urbanização das favelas, solução para os problemas de transportes, ampliação da rede escolar, melhoria dos serviços urbanos e de abastecimento, etc. Nesse sentido, deve-se atuar nas organizações que reúnam os moradores das favelas, dos conjuntos residenciais, de bairro, cidades, etc.

O esforço fundamental para impulsionar o movimento de massas contra a ditadura deve ser acompanhado de um esforço tenaz para unificar a ação de todas as forças e personalidades políticas que resistem ao regime e a ele se opõem. Da frente antiditatorial participam igualmente correntes e personalidades religiosas. Assume importância destacada, neste sentido, o setor progressista da Igreja católica. Na batalha contra o regime ditatorial, nosso principal propósito consiste em contribuir para a aglutinação de um bloco de forças de oposição. Os entendimentos com vários setores da frente antiditatorial devem desenvolver-se a partir da unidade de ação por determinados objetivos concretos.
A elaboração de um programa mínimo que contenha os objetivos comuns constitui um fator decisivo para a formação e o avanço da frente antiditatorial. Para este programa, cuja definição resultará do acordo entre as diversas correntes, propomos os seguintes pontos básicos:

1. Revogação da Constituição de 1967 e de todos os atos ditatoriais que restrinjam ou anulem as liberdades democráticas; restabelecimento dos direitos trabalhistas violados ou revogados pelo regime autoritário; liberdade e autonomia sindicais; libertação dos presos políticos e anistia geral; convocação de uma assembleia constituinte, através de eleições livres, a fim de elaborar-se uma constituição democrática; restabelecimento de eleições diretas para a Presidência da República; livre organização e funcionamento dos partidos políticos, inclusive do Partido Comunista; autonomia dos Estados e das capitais; eleições diretas para todos os cargos eletivos.

2. Revogação de todos os atos da ditadura que lesem os interesses nacionais; adoção de uma política de desenvolvimento independente da economia nacional; defesa da riqueza do país, da indústria nacional, das empresas estatais e da Amazônia.

3. Abolição da política de arrocho salarial; medidas para elevar o nível de vida das massas trabalhadoras das cidades e do campo; medidas parciais de,reforma agrária.

4. Realização de uma política externa de afirmação de soberania nacional, de defesa da autodeterminação dos povos, pelo desenvolvimento de relações econômicas e culturais com todos os países, pela preservação da paz mundial.

As formas concretas que assumirá a unidade das forças democráticas serão ditadas pelo desenvolvimento da luta. Por ser uma reunião de forças heterogêneas, a frente antiditatorial desenvolve-se simultaneamente com a luta entre os seus próprios componentes. Setores sob a liderança da burguesia procurarão imprimir ao combate contra a ditadura um curso que não tenha como centro a mobilização e a organização de amplas camadas da população e lhes seja mais favorável. Os comunistas defenderão sempre, no seio da frente única, a necessidade fundamental de organizar e mobilizar o povo contra a regime ditatorial. Sem prejuízo da sua missão de defesa dos interesses específicos dos trabalhadores e de todos os explorados e oprimidos, os comunistas devem empreender a luta dentro da frente antiditatorial utilizando os meios que possibilitem a unidade de ação das correntes que dela participam.

A batalha antiditatorial exige um cuidado prioritário pela unidade das forças mais avançadas da frente única. Os comunistas obrigam-se, por isso, a dirigir sua atenção permanente para a aproximação com as diversas correntes que se incluem no movimento de esquerda, principalmente os agrupamentos ou personalidades que defendem os interesses do campesinato e da pequena burguesia urbana, bem como aqueles que se propõem a defender os interesses dos trabalhadores e efetivamente se incorporam à causa do nosso povo.

No combate ao regime reacionário e entreguista, os comunistas devem contribuir ativamente para a articulação do movimento nacionalista, a partir de determinados pontos, que provocam a justa revolta dos patriotas, tais como a defesa das empresas estatais, da Amazônia e das riquezas minerais, a denúncia dos acordos lesivos impostos pelo imperialismo, da presença de tropas e missões ianques no território nacional, da compra de terras por agentes imperialistas, etc.

Na mobilização de massas contra a ditadura, devemos desenvolver a luta por medidas parciais da reforma agrária que restrinjam os privilégios do monopólio latifundiário da terra, como sejam: desapropriação de latifúndios improdutivos, ou de exploração anti-econômica, pelo valor declarado para fins fiscais; imposto territorial fortemente progressivo; venda de áreas aos camponeses sem terra a longo prazo e a juros baixos; etc.

A situação existente no Norte e Nordeste dá aos problemas dessas regiões uma importância nacional. Acentuam-se, com a política da ditadura, as condições de exploração e miséria em que vivem as massas trabalhadoras das cidades e do campo, permanentemente submetidas ao terror policial e a violência assassina dos latifundiários e seus capangas. O imperialismo norte-americano desenvolve, sob diversas formas, intensa atividade naquelas regiões, procurando amortecer a revolta e o espírito de luta de seus habitantes, apoderar-se das riquezas locais e preparar condições para ocupar seu território. Os problemas do Norte e do Nordeste exigem, pois, especial atenção dos comunistas, não apenas para mobilizar as massas trabalhadoras dessas regiões e levá-las à luta contra a miséria e a opressão, mas também para desenvolver nacionalmente a solidariedade a essas lutas, denunciar e combater os planos dos imperialistas norte-americanos e a ação de seus agentes.

A doutrinação sistemática, sob a orientação do imperialismo norte-americano, a que estão submetidos há vários anos os militares brasileiros exerce relevante papel na atuação das Forças Armadas, que são o suporte da ditadura. Por outro lado, centenas de militares que se destacavam por suas atividades nacionalistas foram alijados das fileiras e perseguidos. Tudo isso, no entanto, não impedirá que o desenvolvimento da luta das massas se reflita no seio das Forças Armadas, incorporando oficiais, sargentos, cabos, soldados e marinheiros às lutas populares contra o regime ditatorial.

Apesar das medidas tomadas para instituir na prática o partido único, setores e personalidades políticas desenvolvem, no Parlamento e fora dele, a oposição ao regime. Os parlamentares eleitos sob a legenda do MDB [Movimento Democrático Brasileiro] têm tido, com algumas exceções, uma posição vacilante diante das arbitrariedades da ditadura. Apesar disso, o MDB e outros agrupamentos existentes podem tornar-se um fator positivo para a mobilização das forças populares.

Nas lutas em defesa dos interesses e reivindicações das massas contra o regime ditatorial deve-se aproveitar ao máximo os meios de divulgação legais e realizar campanhas políticas e movimentos reivindicativos com base nas possibilidades legais existentes. Ao mesmo tempo, as força: populares não podem limitar-se aos marcos das leis impostas pelo regime e devem combinar as formas legais e ilegais de luta e organização. Os choques com a reação serão inevitáveis. A autodefesa de massas é necessária para enfrentar a violência da repressão policial e constitui importante fator de preparação das massas para formas de luta mais elevadas. À medida que a ação das massas se intensificar, os choques com a reação tenderão a tomar-se mais violentos. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, onde é considerável a desigualdade de desenvolvimento, deve-se ter em vista que a luta popular poderá assumir formas diferentes e níveis distintos nas várias regiões. O Partido deve preparar-se e preparar as massas para a combinação das formas elementares e legais de luta com outras de níveis mais elevados, como a luta armada, de acordo com as condições de cada região. O essencial é que as formas de luta decorram das exigências da situação concreta, em cada momento e em cada local, sejam adequadas ao nível de consciência e à capacidade de luta das massas.

Os comunistas lutam pela realização de eleições livres e diretas. A participação nas eleições, mesmo com o sistema eleitoral vigente que impede a manifestação democrática do direito de voto, é um importante meio para unir as correntes que se opõem à ditadura, para desmascarar sua política diante das massas e infligir-lhe derrotas que a debilitem. É necessário, ao participar das eleições, procurar a união das forças contrárias ao regime ditatorial, apoiando candidatos que representem essas forças e mereçam a confiança do povo.

O processo de isolamento e derrota da ditadura é o do desenvolvimento da luta de massas e da unidade de ação das forças democráticas. No seu curso, as palavras de ordem e as formas de luta mudarão à medida que a ação das massas se desenvolver. A oposição e o combate crescentes ao regime ditatorial tomarão ainda mais reduzida sua base social e política, aumentarão sua instabilidade e poderão conduzir à sua desagregação e derrota. As forças democráticas, através da ação, poderão conquistar a legalidade de fato, obrigar a minoria reacionária a recuar, e derrotá-la. Mas a ditadura poderá impor ao povo o caminho da insurreição armada ou guerra civil. A situação exige, portanto, dos comunistas a preparação do Partido e das massas, bem como o entendimento com as diversas correntes da frente antiditatorial para essa eventualidade.

As contradições internas do bloco político que realizou o golpe de Abril enfraquecem o regime ditatorial. Devemos ter em vista que, com o crescimento das ações das massas e o aguçamento dos choques com a reação, tenderão a aprofundar-se os conflitos no campo da ditadura, aumentando a instabilidade do regime. Crises de governo e novos golpes podem ocorrer. Neste caso, só a intervenção das forças populares, levantando suas próprias bandeiras de luta, poderá impedir uma solução reacionária, com a simples substituição de golpistas no poder, e impor uma solução democrática. Diante do avanço do movimento de massas e do processo de impopularização e isolamento da ditadura, setores das classes dominantes poderão buscar uma solução que, excluindo a participação das forças populares, conduza à substituição do govemo reacionário. Neste caso, as massas devem tomar a iniciativa e, sem esperar pelos atos do govemo, reconquistar, na prática, as liberdades democráticas e exigir medidas concretas que assegurem o desenvolvimento democrático da situação.

Vários fatores podem determinar a derrota do regime ditatorial e a formação de um novo govemo. Os comunistas, que orientam sua ação no sentido da conquista de um govemo revolucionário, participarão, no entanto, junto com as demais forças que se opõem ao atual regime, da luta pela constituição de um governo das forças antiditatoriais. A participação das forças fundamentais da frente antiditatorial nesse governo assegurará condições para a efetiva democratização do regime e o pleno desenvolvimento da luta das massas pela emancipação nacional e o progresso do país. A atitude dos comunistas, diante de qualquer outro governo intermediário, dependerá da conjuntura concreta, das posições assumidas, pelo imperialismo e as forças reacionárias internas, do comportamento da frente única e, fundamentalmente, das possibilidades que se abram para a livre mobilização da classe operária e os seus aliados. Participando ou não de tais govemos, os comunistas prosseguirão na luta por seus objetivos programáticos.

Fonte: Edgard Carone – O PCB (1964-1982) V. 3. p. 49. Difel, São Paulo, 1982.